Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1748/07.4PASNT-A.L1-9
Relator: VITOR MORGADO
Descritores: TRANSCRIÇÃO DA SENTENÇA
CANCELAMENTO PROVISÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. A decisão de não transcrição da sentença condenatória prevista, sucessivamente, no artigo 17.º da Lei 57/98, de 18/5, e no artigo 13.º da Lei 37/2015 de 15/6, não se confunde com essa outra de cancelamento provisório, total ou parcial, das decisões que deviam constar do certificado de registo criminal, a que aludia o artigo 16.º da Lei 57/98 e agora prevista, em termos semelhantes, no artigo 13.º da Lei 37/2015, sendo a última da competência do tribunal de execução de penas.

II. Por isso, a aludida decisão de não transcrição da sentença, quando tenha lugar em despacho posterior a esta – mesmo proferido para além do trânsito em julgado da sentença condenatória e do próprio despacho de extinção da pena – é da competência do tribunal da condenação.

(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – No processo principal de que foi extraído o presente recurso em separado, por acórdão proferido a 11 de abril de 2012, transitado em julgado a 11 de maio de 2012, foi o arguido W... condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.

Por despacho de 28/10/2016, proferido a folha 775 – considerando-se o teor dos autos e, mormente, do certificado do registo criminal de folha 773, e não se encontrando quaisquer motivos que determinassem a revogação da referida suspensão – foi julgada extinta a pena em que o referido arguido havia sido condenado, decisão que foi oportunamente comunicada à D.S.I.C., nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 6°, alínea a), e 7°, nºs 1, alínea a), e 2, da Lei nº 37/2015, de 5 de maio.

*

Posteriormente, a folhas 783-785, perante o Tribunal da condenação, veio o arguido requerer, “(…) de acordo com jurisprudência fixada pelo STJ, no seu acórdão nº 13/2016 ([1]) e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º, nº 1, da Lei nº 57/98, de 18/8 ([2]), a não transcrição da pena aplicada ao Arguido nos presentes autos nos certificados do registo criminal a que se referem os 11º e 12º, daquele diploma, nomeadamente para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa ao abrigo da Lei da Nacionalidade” ([3]).

                                                      *

Sobre tal requerimento, incidiu a seguinte promoção do Ministério Público:

Fls. 783-785: Uma vez que a pena não privativa da liberdade em que o arguido foi condenado se encontra extinta, cabe agora, à luz do regime jurídico em vigor, na competência do TEP pronunciar-se sobre esta matéria – artigos 12°, alínea a), da Lei n° 37/2015, de 05.05 (Lei da Identificação Criminal), 138°, Alínea x) da Lei n° 115/2009, de 12/10, que aprovou o CEPMPL, na redação em vigor, e 114°, n° 3, alínea w), da Lei n° 62/2013, de 26,08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) (…)”.

                                                      *

O Tribunal da condenação proferiu, então, o seguinte despacho:

Fls. 783 e seguintes: Concorda-se integralmente com a douta promoção que antecede, no sentido de que o tribunal da condenação é materialmente incompetente para apreciação e decisão do requerimento que antecede.

Com efeito, em conformidade com o disposto no artigo 12º, alínea a) da Lei nº 37/2015, de 5 de maio, no artigo 13, alínea z) do C.E.P.M.P.L., e no artigo 114º, 3 alínea x) da Lei 62/2013, de 26 de agosto, a competência para o cancelamento provisório das decisões transcritas no registo criminal é do tribunal da execução das penas (neste sentido, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de julho de 2015, Processo nº 4502/09. 5TDLSB-A.L1-3, in www.dgsi.pt.

Assim, desentranhe o requerimento e procuração que antecedem e devolva ao respetivo apresentante, deixando cópia no lugar.”

                                                      *

Não se conformando com o assim decidido, veio o arguido interpor o presente recurso, cuja motivação condensou nas seguintes conclusões:

«A) O despacho prolatado em 23/11/2016 é ilegal, por um lado, por não se ter pronunciado sobre o pedido concretamente formulado no requerimento a fls. 783 a 785, referente à não transcrição do registo criminal do acórdão condenatório e também por se ter pronunciado relativamente à questão do cancelamento provisório, por outro lado, incorreu em erro de julgamento ao ter sustentado, implicitamente, que a competência material para a apreciação do pedido ali formulado está atribuída ao tribunal de execução das penas.

B) O Recorrente não pediu o cancelamento, total ou parcial, das decisões que devam constar do seu certificado do registo criminal, mas antes a não transcrição do acórdão 12/16 condenatório nos certificados do registo criminal a que se referem os artigos 11º e 12°, da lei 57/98, de 18.08, na redação conferida pela Lei nº 114/2009, de 22.09.

C) A não transcrição da sentença de condenação nos certificados nela referidos, não se confunde com a omissão da inscrição da condenação no registo criminal, que é obrigatória, nos termos do artigo 5° da lei nº 57/98, de 18.08, agora, nos termos do artigo 6° da referida lei nº 37/2015, de 15.06, nem com o cancelamento provisório do registo criminal, a que aludia o artigo 16° da Lei nº 57/98 e que se encontra previsto, em termos similares, no artigo 13° da Lei nº 37/2015, da competência do tribunal da execução das penas.

O) O Tribunal a quo devia-se ter pronunciado sobre a questão da não transcrição do acórdão condenatório, e abster-se de se pronunciar sobre a questão relativa ao cancelamento provisório, omissão e excesso de pronúncia, que consubstanciam uma nulidade do despacho sindicado, por força do disposto no artigo 379°, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, nulidade que desde já se invoca.

E) Entende o Recorrente ainda que o despacho recorrido é ilegal por violação do disposto nos artigos 11°, 12° e 17°, nº 1, da Lei nº 57/98, de 18.08, com a redação conferida pela lei nº 114/2009, de 22.09 - o que consubstancia um erro em matéria de direito – cognoscível por este Venerando Tribunal nos termos e efeitos do artigo 428° do Código de Processo Penal, uma vez que entendeu não pronunciar-se sobre o pedido do Recorrente e no sentido do seu deferimento.

F) Com decisão condenatória e a ordem de remessa do boletim ao registo criminal não fica esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria, o mesmo é dizer que o tribunal competente para apreciar a questão da não transcrição é o de julgamento e não o da execução das penas e, o despacho posterior que incida sobre a matéria da não transcrição da sentença/acórdão condenatório nos certificados nele referidos não contende com o efeito do caso julgado por este formado.

G) Acresce que o requerimento, que foi subscrito e apresentado pelo ora signatário em nome e por conta do ora Recorrente, era dirigido o juiz dos autos e não a qualquer outro tribunal e os termos em que se encontra formulado abrangiam claramente a pretensão para a qual o tribunal recorrido é competente, nada permitindo considerar que o Arguido pretendesse antes o cancelamento provirio do registo criminal, a que aludia o artigo 16° da Lei 57/98 e que se encontra previsto, em termos similares, no artigo 13° da Lei nº 37/2015.

H) Destarte ainda que a decio condenatória tenha transitado em julgado e na qual se tenha ordenado a remessa de boletim ao registo criminal, o Arguido pode requerer posteriormente ao mesmo tribunal que aprecie a questão relativa à não transcrição da condenação nos certificados assinalados e este não fica impedido de o fazer sem pôr em causa o efeito do caso julgado.

I) Foi precisamente com esse fito que o Arguido solicitou a não transcrição do acórdão condenatório no seu certificado do registo criminal, pretensão que deve ser deferida uma vez que pese embora ao aqui Recorrente tenha sido aplicada uma pena suspensa na sua execução, esta pena é considerada, de acordo com a doutrina e a jurisprudência fixada pelo STJ no seu acórdão nº 13/2016, uma pena autónoma da pena de prisão, sendo como tal uma pena não privativa da liberdade.

J) É admissível a não transcrição nos certificados do registo criminal para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa e são apenas dois os requisitos de que depende a determinação de não transcrição: (i) requisito formal: a condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade; e (ii) requisito material: das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo da prática de novos crimes. Portanto, há que fazer um jzo de prognose quanto ao comportamento futuro do arguido.

K) Pelo primeiro requisito, verificamos que o Recorrente foi condenado nestes autos, por acórdão proferido em 11/04/2012 e transitado em julgado a 11/05/2012, por crime 1 (um) crime de homicídio na forma tentada e 1 (um) crime de detenção de arma proibida, praticados em 01/10/2007, na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pena que foi declarada extinta em 25/10/2016.

L) Quanto ao segundo requisito, o Recorrente é primário, não lhe são conhecidos quaisquer contactos com o sistema penal após a prática dos crimes objeto destes autos, vindo este juízo de prognose a comprovar-se pela ausência de novas condenações, considerando ainda que já decorreram, cerca de 9 (nove) anos, sem que o Arguido tenha cometido qualquer outro crime.

M) Ao realizar-se a transcrição do douto acórdão para o registo criminal do Arguido, comportará uma restrição injustificável do direito fundamental à cidadania portuguesa, em igualdade de circunstâncias com aqueles que nasçam em território nacional, perigando a sua reintegração na sociedade, consubstanciando ainda numa desproporção intolerável e ofensiva da lei Fundamental.

N) Perante este quadro, face ao facto de o Recorrente ter sido condenado em pena não privativa da liberdade e tendo decorrido 9 anos sobre a prática dos factos, tudo leva a crer que o Arguido não voltaa incorrer em novos crimes, pelo que é lícito formular um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro, o que lhe permite beneficiar do regime contido no artigo 17°, nº 1, da Lei nº 57/98, de 18.08.»

Finalizando toda a sua impugnação, pediu o arguido que seja concedido provimento ao seu recurso, devendo esta Relação, por via disso:

a) Declarar a nulidade do despacho recorrido, por:

i. Omissão e excesso de pronúncia, uma vez que não apreciou a questão da não transcrição do acórdão condenatório, conforme pedido e pronunciou-se sobre a questão relativa ao cancelamento provisório do certificado do registo criminal, que não lhe foi solicitada, por violação do disposto no artigo 379°, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal;

Ou caso assim não se entenda,

b) Revogar o despacho recorrido, por:

a. Violação dos artigos 11°, 12° e 17°, nº 1, da Lei nº 57/98, de 18.08, com a redação conferida pela Lei nº 114/2009, de 22.09, substituindo-o por outro que aprecie a pretensão formulada pelo Recorrente no seu requerimento a fls. 783 a 785 e defira o pedido aí formulado nos seus exatos termos e com alcance peticionado.

c) em todo o caso, conceder provimento ao presente recurso, revogando o despacho recorrido, substituindo-o por outro que, de acordo com jurisprudência fixada pelo STJ, no seu acórdão nº 13/2016 e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17°, 1, da Lei nº 57/98, de 18.08, defira a não transcrição do acórdão proferido nestes autos nos certificados do registo criminal a que se referem os artigos 11° e 12° daquele diploma, nomeadamente para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa ao abrigo da Lei da Nacionalidade.

                                                      *

O Ministério Público apresentou resposta, cujo teor resumiu nos seguintes termos:

«1)- À luz da motivação do Recorrente não merece qualquer reparo o douto 
 despacho proferido pelo tribunal a quo, que se considerou materialmente incompetente para apreciar o pedido de não proceder à transcrição do acórdão condenatório contra si proferido nos autos para efeitos dos certificados de registo criminal a que se referem os artigos 11º e 12º da Lei nº 57/98, de 18.08, na redação conferida pela Lei nº 114/2009, de 22.09, incluindo para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa;
2)- O acórdão condenatório não só transitou em julgado de há muito, como a pena aplicada já havia sido declarada extinta quando o requerimento em apreço foi apresentado ao tribunal da condenação;
3)- O despacho recorrido não podia ter apreciado o mérito do requerimento em apreço, razão por que o Tribunal a quo se declarou incompetente para o efeito.
4)- Assim, conforme sustentámos na promoção a que alude o douto despacho 
 recorrido, e aqui reafirmamos uma vez mais, mostrando-se já extinta a pena não privativa da liberdade em que o arguido foi condenado, cabe agora, à luz do regime jurídico em vigor, na competência do TEP pronunciar-se sobre esta matéria, conforme flui das disposições conjugadas dos artigos 12º, alínea a), da Lei nº 37/2015, de 05.05 (Lei da Identificação Criminal), 138º, alínea x), este da Lei nº 115/2009, de 12.10, que aprovou o CEPMPL, na redação em vigor, e 114º, nº 3, alínea w), da Lei nº 62/2013, de 26.08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário);
5)- Não se verifica preterição de qualquer princípio ou disposição legal, que imponha decisão diversa da proferida.»

Concluiu o Ministério Público a sua resposta sustentando que o despacho recorrido deverá ser mantido nos seus precisos termos.

                                                      *

Já nesta instância de recurso, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, remetendo inteiramente para a resposta apresentada na 1ª instância, pugnou igualmente pela confirmação do decidido.

                                                      *

Cumpre decidir.

                                                      *

II – FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar ([4]), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Levando em conta o teor do despacho recorrido acima transcrito (em que não se decidiu a questão de fundo) e das conclusões do recurso interposto, a única questão a decidir é a de saber se o Tribunal de condenação é ou não competente para o conhecimento da pretensão do recorrente.

                                                      *

A questão da competência material

Conforme se extrai das peças e ocorrências processuais acima referenciadas ou reproduzidas – cujo teor se considera aqui reproduzido – depois de ter sido condenado em pena de substituição (pena de prisão suspensa na sua execução) e mesmo após ter visto ser declarada a extinção dessa mesma pena, o arguido ora recorrente veio requerer, nos termos do nº 1 do artigo 17º da Lei nº 57/98, de 18/8 ([5]), que o tribunal da condenação determinasse a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º do mesmo diploma ([6]).

No entanto, na decisão recorrida, entendeu-se que estava em causa um pedido de cancelamento provisório de decisões no registo criminal a que se refere o artigo 12°, alínea a), da Lei n° 37/2015 (correspondente ao artigo 16º da revogada Lei 57/98) – que aí é cometido ao tribunal de execução de penas – e não uma pretensão de não transcrição de não transcrição da sentença no registo prevista no artigo 13º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 5/5 (correspondente ao artigo 17º/1 da Lei nº 57/98).

A nosso ver, só a incompreensão do que verdadeiramente estava em causa e do que foi requerido permitiu a decisão meramente formal que foi proferida.

Com efeito, contrariamente ao que parecem pressupor o Ministério Público e o Tribunal recorrido, o citado artigo 17º da Lei nº 57/98 previa – tal como o artigo 13º da Lei 37/2015, de 15 de junho, (que, revogando a anterior, regula atualmente a identificação criminal) prevê – a não transcrição da sentença condenatória nos certificados aí referidos, que não se confunde com a omissão da inscrição da condenação no registo criminal (que é obrigatória, nos termos do artigo 5º da Lei 57/98 e, agora, nos termos do artigo 6º da Lei 37/2015) nem com o cancelamento provisório do registo criminal (a que aludia o artigo 16º da Lei 57/98 e que se encontra agora previsto, em termos semelhantes, no art. 12º da Lei 37/2015), da competência do tribunal de execução de penas.

Por outro lado, os citados artigos 17º da Lei 57/98 e 13º da Lei 37/2015 preveem que a não transcrição da decisão condenatória em certificados determinados possa ser decidida pelo juiz da condenação na sentença ou em despacho posterior, sem estabelecer prazo para o efeito, pelo que é irrelevante que a condenação tivesse transitado em julgado e que a mesma se mostrasse inscrita no certificado de registo criminal do arguido, quando foi apresentado o requerimento e proferido o despacho recorrido.

Por fim, tendo o requerimento apresentado pelo arguido sido dirigido ao juiz da condenação e não a qualquer outro tribunal e tendo-se nele indicado claramente a pretensão para a qual o tribunal recorrido é competente, nada permitia considerar que o arguido pretendesse antes o cancelamento provisório do registo criminal a que aludia o artigo 16º da Lei 57/98 e que se encontra previsto, em termos semelhantes, no artigo 13º da Lei 37/2015 ([7]).

Entendemos, assim, que, ao invés do que decidiu através do despacho impugnado, o Tribunal recorrido, enquanto tribunal da condenação, é o competente para conhecer do mérito da pretensão de não transcrição da decisão condenatória nos certificados do registo criminal a que se referiam os artigos 11º e 12º da Lei 57/98, de 18/8, e a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10º da Lei 37/2015, de 5/5.

                                                      *

No petitório do seu recurso, o impugnante, começando por equiparar implicitamente o despacho recorrido a uma sentença, pretende, num primeiro momento, que se declare a nulidade do mesmo “por omissão e excesso de pronúncia”, invocando, para o efeito, o disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a) ([8]) do Código de Processo Penal.

Porém, não sendo o regime de nulidades da sentença extensível aos restantes atos do juiz, ainda que decisórios – pois inexiste qualquer comando legal a estabelecer a sugerida equiparação ([9]) – e só existindo tal tipo de invalidade quando a lei expressamente a comina (nº 1 do artigo 118º do Código de Processo Penal), não pode ser esse o fundamento legal para a obtenção da revogação do despacho em causa.

Por outro lado, subsidiariamente (?), o recorrente pretende que, com o reconhecimento da violação dos preceitos do regime da identificação criminal que invoca – violação que, como vimos, em boa medida se verifica – o Tribunal ad quem faça acompanhar a revogação do despacho pela prolação de uma decisão substitutiva sobre o fundo da questão suscitada pelo seu requerimento.

No entanto, numa situação como a presente, o Tribunal de recurso não pode emitir qualquer decisão sobre o mérito pela simples razão de que a 1ª instância também o não fez, pelo que se limitará a proferir deliberação com efeito cassatório.

Na verdade, tendo o Tribunal recorrido concluído incorretamente pela sua incompetência material, não efetuou qualquer indagação ou apreciação dos requisitos legais inerentes à pretensão formulada pelo arguido/requerente.

Não o tendo feito, impõe-se que seja o mesmo Tribunal recorrido a, em novo despacho, proceder à apreciação do mérito do requerimento em causa, ao menos, como forma de salvaguardar o exercício do contraditório relativamente à posição que se vier a considerar ser de adotar.

                                                      *

III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido W..., revogando a decisão recorrida e determinando que o Tribunal recorrida a substitua por outra em que, tendo como pressuposto adquirido a sua competência material, conheça do mérito da pretensão que perante si foi deduzida.

Sem custas.

      *

Lisboa, 22 de junho de 2017

Vítor Morgado

Maria do Carmo Ferreira

_______________________________________________________

[1] No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016 – publicado no Diário da República n.º 193/2016, série I, de 7/10/2016 – fixou-se jurisprudência nos seguintes termos: “A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de agosto, com a redação dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de setembro”.
[2] O artigo 17.º da Lei nº 57/98, de 18/8, foi, entretanto, revogado pela Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, onde, no entanto, existe a disposição similar do respetivo artigo 13º. 
[3] Notas e sublinhados nossos.
[4] Tal decorre, desde logo, de uma atenta interpretação do disposto no nº 1 do artigo 412º e nos nºs 3 e 4 do artigo 417º do Código de Processo Penal. Ver também, nomeadamente, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição (2009), página 347 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos. do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, página 196, e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239).
[5] Lei que, à data da condenação, regia sobre a organização da identificação criminal.
[6] Quer o Ministério Público, quer a Ex.ma Juíza que proferiu o despacho ora recorrido, ao definirem as respetivas posições, referenciaram-nas à Lei nº 37/2015, de 5/5, que, entretanto, veio revogar e substituir aquela Lei 57/98, mas que não introduziu qualquer alteração significativa aos aspetos do regime da identificação criminal com interesse para a solução da questão suscitada.
[7] No sentido de que é o juiz da condenação que tem competência para proferir – na sentença ou em decisão posterior à mesma, mesmo para além do trânsito em julgado da decisão condenatória – decisão que ordene a não transcrição da sentença nos certificados de registo criminal, vejam-se, a título de exemplo, os seguintes arestos: acórdão do TRE de 20/05/2014, no recurso 56/06.2GTPTG-A.E1, relatado por José Maria Simão; acórdão da TRE de 7-06-2016, 907/12.2PBFAR.E1, relatado por António João Latas; acórdão do TRC de 15/06/2016, proferido no recurso 21/13.3PFCBR.C1, relatado por Isabel Valongo; acórdão do TRC de 27/02/2013, proferido no recurso 1562/09.2PCCBR-A.C1, relatado por Orlando Gonçalves; acórdão do TRP de 22/10/2014, proferido no recurso 70/98.0TBPRD-A.P1, relatado por Neto de Moura; e, pelo menos implicitamente, acórdão do TRL de 7/05/2015, proferido no recurso 375/12.9SILSB-A.L1-9, relatado por Maria do Carmo Ferreira – todos acedíveis em www.dgsi.pt.
Em sentido contrário, mas, quanto a nós, sem razão, pronunciaram-se os acórdãos do TRL de 7/1/2015, proferido no recurso nº 4502/09.5TDLSB-A.L1-3, relatado por Jorge Langweg, e de 19/4/2016, proferido no recurso 171/13.6SFLSB-A.L1-5, relatado por Simões de Carvalho – igualmente acedíveis em www.dgsi.pt. 
[8] Quereria o recorrente, decerto, referir-se à alínea c) do nº 1 do mencionado artigo.
[9] Diversamente do que sucede com os poderes de correção da sentença, como se prevê no nº 3 do artigo 380º do Código de Processo Penal.