Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
75/07.1GACCH.L1-5
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: PENA DE MULTA
FALTA DE PAGAMENTO DA MULTA
PENA DE PRISÃO
EXECUÇÃO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A questão central em discussão no presente recurso atém-se apenas à parte da decisão em que se considerou determinar o cumprimento da pena de prisão por falta de pagamento de 242 dias de multa de substituição. Questionamento da opção do tribunal por ter imputado ao recorrente responsabilidade do não pagamento da multa e não ter alegadamente dado importância à necessidade de proceder à execução patrimonial prévia (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA — 5a SECÇÃO (PENAL)

I-RELATÓRIO

1.1- O arguido J..., já id° nos autos, no âmbito dos presentes autos e por decisão de 21 de Maio de 2012, foi condenado em cúmulo jurídico das penas aplicadas

- Nos proc°s sumário NUIPC 71/07.9GACCH e 384/07.0GBACCH ambos do tribunal de Coruche e nos presentes autos NUIPC 75/07.IGACCH,

a) Na pena unitária de 165 dias de multa à taxa diária de € 5 euros

b) Na pena única de 9 meses de prisão, substituídos por 270 dias de multa à mesma taxa.

Tendo em conta que apenas foi feito um pagamento parcial de multa aplicada num dos processos, e nada mais tendo esclarecido o arguido sobre as razões do incumprimento, por despacho de 30.4.2013 foi decidido que:

a) Em relação à multa de substituição, faltava pagar ainda o equivalente a multa por 242 dias (1212,50 euros) pelo que foi determinado que o arguido cumprisse a pena de 242 dias de prisão por conta da pena principal de prisão.

b) Quanto à multa de 165 dias à taxa de 5 euros, também ainda não paga, por falta de conhecimento de bens penhoráveis e de não haver sido requerida a substituição por trabalho, foi convertida em 110 dias de prisão subsidiária e determinada a passagem de mandados de captura para cumprimento daquela pena de 242 dias e desta de 110 dias, com a cominação, quanto a esta última, de o arguido poder evitar a execução dessa prisão subsidiária pagando aquele montante no todo ou em parte.

1.2 — Desta decisão recorreu o arguido dizendo em conclusões da motivação apresentada:

"A.

É convicção do Recorrente que, relativamente ao entendimento do Douto Tribunal "a quo" referente à pena de prisão substitutiva por multa, mal andou o mesmo ao decidir pela execução efetiva e integral da pena de 242 dias de prisão.


B.

Com a decisão acima identificada, o Douto Tribunal "a quo" preteriu diversos factores que devidamente considerados, conduziriam a um entendimento diferente do acolhido por aquele.


C.

Assim, mal esteve o Tribunal recorrido ao inferir que o não pagamento da pena de multa é imputável ao Arguido, por este não ter esclarecido o Douto Tribunal "a quo" quanto à falta de pagamento, e por não ter procedido ao supra identificado pagamento, pois desta forma parece retirar importância à necessidade de proceder à execução patrimonial para que seja efectivado o pagamento da multa, nos termos do n.2 1 e 2 do artigo 491.2 do CPP, diligência que incumbe apenas ao Tribunal.

D.

Relativamente a este facto o Douto Tribunal "a quo" apenas refere que "Não foi instaurada execução por não terem sido localizados bens penhoráveis'', sem nunca especificar quais as diligências efectuadas para aferir da penhorabilidade dos bens, nem quais os bens que foram considerados para o efeito.
E.

O Tribunal recorrido afastou uma oportunidade de promover o pagamento da multa, pois para a execução patrimonial o mesmo não se socorreu do salário auferido à data dos factos pelo Recorrente, o que lhe assistia como alternativa no caso de não serem conhecidos bens do Arguido.

E

Por sua vez, a ausência de bens penhoráveis do Arguido, a verificar-se, articulada com a situação económica do mesmo, conduz de forma clara à conclusão pela impossibilidade objectiva de pagamento da multa no prazo estabelecido, circunstância decorrente de factores económicos e financeiros desfavoráveis que atingem o Arguido.

G.

Contudo, esta circunstância nunca poderá ser entendida como incumprimento por facto imputável ao Arguido, não se tendo tratado de um incumprimento negligente, antes resultando da impossibilidade objectiva supra mencionada.

H .
Pelo que, atendendo ao supra explanado, deverá decidir-se pela suspensão da execução da pena de prisão substituída, nos termos do disposto no n.2 3 do artigo 49.2 do CP. 1.

Todavia, mesmo que assim não se entendesse, o que por mero dever de patrocínio se admite, os princípios supra referenciados, máxime em articulação com os princípios ínterpretativos contidos no artigo 9.2 cio CC, permitem concluir que, independentemente de se tratar de uma pena de multa aplicada a título substitutivo da pena de prisão principal, a coerência interna do sistema legal português, designadamente do penal, tão-só admite a convicção pela possibilidade de pagamento da multa, mesmo que extemporâneo, de forma a evitar a aplicação efetiva da pena privativa da liberdade, pois a ratio de aplicação do n.9 2 do artigo 49.2 do CP, é aplicável às situações de substituição de pena de prisão por pena de muita, prevista no artigo 43.2 do mesmo diploma.

J.
A aplicação de penas de multa em detrimento de penas privativas da liberdade radica no princípio penal basilar compreendido no artigo 70.9 do Código Penal, que estabelece a preferência pela aplicação das penas não privativas da liberdade, sobretudo quando esteja em causa penas de diminuta gravidade, refletida em penas de curta duração, desde que estas satisfaçam adequada e suficientemente as finalidades da punição.

K.
Só desta forma assegurar-se-á efectivamente o respeito pelo princípio das finalidades de prevenção geral e especial das penas, plasmado de forma genérica no artigo 40.9 do CP, bem como pela proporcionalidade, adequação e necessidade das mesmas.

L.
Os referidos princípios são transversais às disposições penais, pelo que deve ser aplicável a possibilidade de pagamento da multa a todo o tempo ao caso em apreço, nos termos do disposto n.2 2 do artigo 49.2 do CP, pois, estando asseguradas as necessidades preventivas especiais e gerais com o pagamento da multa em apreço, a eficácia jurídica da pena de multa em apreço está satisfeita de igual forma — aliás, como foi entendimento do Douto Tribunal "a quo", aquando da prolação da decisão condenatória, onde considerou esta pena substitutiva como proporcional e adequada -, pelo que não se afigura necessário o cumprimento efectivo da pena de prisão (sobretudo considerando o reduzido período de pena de prisão que o Douto Tribunal pretende aplicar).

M.
Acresce que, a execução efectiva da pena privativa da liberdade somente pode ser aplicada como última ratio, ou seja, quando esvaziados todos os meios de promoção do pagamento da multa, inclusivamente a oportunidade de pagamento da multa a todo o tempo de forma a evitar a pena de prisão, mesmo que esta esteja a ser efectivada. Assim entendeu o Venerando Tribunal da Relação do Porto, conforme resulta do teor do Douto Acórdão proferido em 10.04.2013, em sede dos autos n2

O.

Pelo que, atendendo às possibilidades financeiras do Arguido e por este se encontrar em tempo para tal, deverá decidir-se pela possibilidade de pagamento da multa, de forma a fazer cessar a execução da pena de multa, e evitar o cumprimento efectivo da pena de prisão substituída, nos termos do n.2 2 do artigo 49.2.

P.

Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se concede, e a entender-se pela impossibilidade do pagamento extemporâneo da multa para evitar a execução da pena de prisão substituída, por interpretação restritiva do n.2 2 do artigo 43.2 do CP, este impedimento somente poderá efectivar-se com o trânsito em julgado do Douto Despacho em apreço.

Pelo que, à presente data, o Recorrente acha-se ainda em tempo de efectuar o referido pagamento, já que o mesmo foi notificado em 27.01.2014.

R.

Neste sentido veja-se, a contrário, o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra, plasmado no Douto Acórdão proferido em 03.07.2012, em sede dos autos n.9 428/08.8GBILH.C1, onde se conclui que "Transitado em julgado o despacho judicial que determinou o cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença, por falta de pagamento da multa aplicada em substituição daquela prisão, não é já possível ao condenado pagar a multa para desse modo evitar a prisão".

S.

Assim, por sua vez, ao concluir desacertada e peremptoriamente pela impossibilidade de pagamento da multa após ter sido proferido o Douto Despacho, e antes de este ter transitado em julgado, o Venerando Tribunal "a quo" induziu o Arguido em erro, crendo o mesmo que não tinha qualquer meio de impedir a execução efetiva da pena de prisão substituída, desta forma tendo visto prejudicados os seus direitos.

T.

Pelo exposto, e atendendo à situação económica do Recorrente, deverá entender-se pela possibilidade de pagamento da multa por parte do Arguido, de forma a fazer cessar a execução da pena de multa, e evitar o cumprimento efectivo da pena de prisão substituída.

U.

Do supra referenciado, resulta de forma clara que o Tribunal recorrido incorreu na violação de diversas disposições legais, designadamente, dos artigos 40.2, 43.2, 48.2 e 49.2 do CP, bem como o artigo 49°.2 do CPP e artigo 9°.2 do CC.

NESTES TERMOS,

e nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, deverá conceder-se provimento ao presente recurso, sendo o douto recorrido revogado e substituído, e consequentemente ser declarada a suspensão da execução da pena de prisão substituída, por um período de 1 a 3 anos, sendo a mesma subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, a definir pelo Douto Tribunal, nos termos do n.° 3 do artigo 49.° do CP,

Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se admite, deverá decidir-se pela admissão do pagamento da multa em apreço ou, por sua vez, e considerando a situação económica do Arguido, deverá ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 482 do CP."

1.3- Em resposta disse o M°Pº), em síntese :

"Nos presentes autos, foram impostas (em resultado do cúmulo jurídico de condenações parcelares) ao arguido ora recorrente as penas únicas de 165 dias de multa à taxa diária de € 5 e 9 meses de prisão, substituídos por 270 dias de multa, à razão diária de € 5.

Trata-se de uma decisão proferida a 21 de Maio de 2012 e transitada em julgado a 11 de Junho de 2012.

Mais tarde, face ao não pagamento das multa e ao desconhecimento de bens susceptíveis de penhora, que justificou à abstenção da instauração de execução, foi a pena de multa convertida em 110 dias de prisão subsidiária e foi determinado o cumprimento da pena de prisão inicialmente imposta, reduzida a 242 dias de prisão, face a um anterior pagamento parcial (ocorrido num dos processos posteriormente englobados no cúmulo).

O condenado vem agora, em sede de recurso, insurgir-se contra tal decisão, sustentando, em suma, que as penas de prisão — a inicialmente fixada e a resultante da conversão da multa não paga deverão ser suspensas na sua execução.

A análise das motivações e das suas conclusões (que delimitam o objecto do recurso), confrontadas com a matéria dos autos, conduz-nos à conclusão de que o recurso deve improceder Ao longo da tramitação dos autos, o condenado sempre se mostrou desinteressado do seu andamento e pouca ou nenhuma colaboração processual deu, quer no que respeita à comparência a actos processuais, quer no que toca a manter processo informado do seu actual paradeiro, quer finalmente no que concerne a informar o processo da sua situação actual, ao nível profissional, patrimonial e financeiro.

Nunca providenciou pelo pagamento das penas de carácter pecuniário que lhe foram impostas, nunca requereu o seu pagamento em prestações, nunca solicitou ao tribunal que equacíonasse as suas substituições por prestação de trabalho e, mais recentemente, nada informou o processo sobre os motivos do não pagamento das multas, em ordem a, nomeadamente, se poder concluir que esta abstenção se devia a razões independentes da sua vontade.

É só quando o condenado é confrontado com o desfecho processualmente inevitável do cumprimento da pena de prisão inicialmente fixada e com a conversão da multa não paga nos correspondentes dias de prisão subsidiária, só então, dizíamos, que o condenado se lembra que tem um processo crime a correr contra si dá "sinal de vida", se nos é permitida a expressão.

Portanto, as críticas que o condenado faz ao tribunal e às várias decisões que foram sendo sucessivamente tomadas e que culminaram na decisão do cumprimento da prisão, devem ser devolvidas à procedência e à atitude processual desinteressada esquiva que o condenado sempre manifestou.
Como já se referiu, ao condenado foram impostas duas multas, uma enquanto pena principal e outra resultante da substituição de uma pena de prisão. Tais multas não foram pagas voluntariamente no prazo legal, nem foi requerido o seu pagamento em momento posterior ou em prestações, nem a sua substituição por trabalho (cfr. artigos 47.° e 48.° do CP).

Foram levadas a cabo diligências tendentes a apurar da existência de bens susceptíveis de penhora, em ordem a permitir o pagamento coercivo da multa, sendo que o respectivo resultado levou a que o MP se abstivesse de instaurar execução, por a entender inviável (cfr. És. 482a 491 dos autos).

Aqui chegados, duas possibilidades se colocavam.

Ou o condenado provava que o não pagamento da multa não lhe era imputável, podendo então o tribunal decidir-se pela suspensão da execução da prisão, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de natureza não económica ou financeira (cfr. artigos 49.', n.° 3 e 43.°, n.° 2, ambos do CPP).

Ou o tribunal decidia da forma como o veio a fazer, determinando o cumprimento da pena de prisão inicialmente fixada e convertendo a multa não paga nos correspondentes dias de prisão subsidiária (cfr. artigos 43.°, n.° 2 e 49.°, n.° 1 do CPP).

Ora, o condenado nada requereu nem nada provou com vista a evitar o cumprimento da prisão, apresentando-se assim como inevitável a decisão que veio a ser proferida e que é objecto do presente recurso.

Em suma, somos do entendimento que a decisão ora sob censura se limitou a aplicar correctamente a lei, não se vislumbrando qualquer motivo válido que conduza à sua revogação e substituição por outra. Somos pois de parecer que o recurso interposto pelo arguido não deve merecer provimento, mantendo-se integralmente a douta decisão recorrida."

1.4- Admitido o recurso e remetido a esta Relação, o M°P° emitiu parecer no sentido da improcedência, aderindo em concordância à resposta dada em la instância.

1.5- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora decidir.

II- CONHECENDO

2.1-O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410°, n.°2 do CPP[1]

Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida [2].

Assim, traçado o quadro legal temos por certo que as questões levantadas no recurso são cognoscíveis no âmbito dos poderes desta Relação.

2.2-Está em discussão para apreciação , em síntese, a seguinte questão:
A decisão recorrida, ao considerar detenninar o cumprimento da pena de prisão por falta de pagamento de 242 dias de multa de substituição não atentou à necessidade de proceder à execução patrimonial prévia ?

2.3 - A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL
A questão central em discussão no presente recurso atém-se apenas à parte da decisão recorrida em que se considerou determinar o cumprimento da pena de prisão por falta de pagamento de 242 dias de multa de substituição.
Desde logo, discorda o requerente da opção do tribunal por ter-lhe imputado a responsabilidade do não pagamento da multa e, alegadamente, não ter dado importância à necessidade de proceder à execução patrimonial prévia.

Vejamos.
O tribunal considerou que a execução por falta de pagamento ocorreu por desconhecimento de bens penhoráveis. Mas também refere que nunca foi apresentada pelo recorrente qualquer justificação para o não pagamento do que faltava cumprir.
Por outro lado, o tribunal passou de diligência em diligência no sentido de tentar notificar o arguido, o qual pura e simplesmente ia mudando de morada nunca se tendo preocupado minimamente em informar o tribunal ou se estava com problemas financeiros, se tinha outras dificuldades impeditivas e até se e quais os bens que em alternativa poderia sugerir para objecto de execução.
Refere o recorrente a possibilidade de desconto de um salário mas que, no entanto, nunca se mostrou viável nem localizável tal como, até certa altura, o seu paradeiro.

Foi solicitada averiguação policial sobre a existência de bens penhoráveis e pesquisadas as bases de dados disponíveis (telecomunicações, segurança social e finanças ) sobre registo de bens penhoráveis com resultados infrutíferos.

Ora, sabendo o arguido que era sua obrigação pagar e, se não podia fazê-lo, dizer porquê, em vez de deixar ao tribunal a posição, para si mais fácil e cómoda, de gastar o dinheiro do erário público à procura de bens que o arguido nunca facultou, disponibilizou ou informou existirem, então é demagogia pura vir agora fazer-se de vítima de uma falta de cuidado e ponderação que, a dever-se a alguém, apenas a si respeita e se pode exclusivamente atribuir.

Antes da reconversão da pena ainda se tentou que esclarecesse em 10 dias (vide fls 492) as razões do não pagamento, e para pagar voluntariamente as multas com expressa advertência de, nada dizendo nesse prazo, poder então ter mesmo de cumprir a pena principal e a prisão subsidiária aplicadas.

No processo originário, uma das multas (de substituição da prisão) fora dividida a seu pedido em fracções, mas pagou só a primeira (de 137,50 euros) nada mais dizendo, explicando ou fazendo no processo no tocante à razão da omissão das restantes ( certidão de tis 493 e 506).

Por isso, é perfeitamente natural e legítimo que ao tribunal não tenha restado alternativa ao decidido já que o incumprimento do arguido se revelou culposo e censurável, face aos dados do processo, às tentativas goradas de execução e à inexplicável inacção do arguido em colaborar com o tribunal.

Por outro lado, o facto de não se descobrirem bens penhoráveis ao arguido não significa que o mesmo os não tenha ou os não possua em nome de terceiros ou, ainda, apele à conclusão da sua indigência, sendo certo também que nunca se declarou espontaneamente em carência de meios para saldar os créditos ao credor Estado Português.

Nos termos do art° 43° n°2 do CP, se a multa resultante de substituição de pena de prisão não for paga é cumprida a pena de prisão aplicada na sentença correspondentemente aplicável o disposto no n°3 do art° 49° e que permite ao condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não foi imputável, o que manifestamente não aconteceu , apesar das oportunidades dadas àquele para o efeito.

A ratio do preceito, por opção directa do legislador penal, foi a de excluir desde logo o n°2 do artº 490 (pagamento da multa a todo o tempo para evitar a execução da prisão) porquanto apenas operou no art° 43° n°2 a remissão apenas


para a hipótese do n° 3 do art° 49°, não o tendo feito (e se quisesse podê-lo-ia ter efectuado) também para o n°2 do art° 49° do CP.
Consequentemente, o legislador não previu propositadamente uma excepção como a do art° 49° n°2 do CP, ao regime de reconversão em prisão da multa não paga e resultante da conversão inicial da pena de prisão fixada, previsto no art° 43° n°2, pelo que não se vê que esteja demonstrado qualquer alcance de mérito na argumentação do recorrente, assim indo indeferida em toda a linha, improcedendo pois o recurso.

Tal como decidiu também o Ac. TRP de 14-03-2012 , "verificado o não pagamento da multa cominada em substituição da pena de prisão, não é ao M° P° que compete provar que o condenado podendo pagar não o fez, é, antes, ao condenado que, pretendendo a suspensão da execução da prisão subsidiária, incumbe provar que a razão do não pagamento não lhe é imputável."
Bem como, no mesmo sentido o Ac. TRE de 1-10-2013, CJ, 2013, T4, pág.250:

I. A pena de multa de substituição, que o arguido incumpriu, não pode ser substituída pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. II. O 1° segmento do n°3 do art°49°, do CP, aplicável por força do disposto no n°2 do art°43° do mesmo Código, impõe ao condenado o ónus da demonstração - não apenas a invocação - de que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável.

Igualmente, vide o Ac. TRE de 8-04-2014 :

1. A multa de substituição diferencia-se da pena principal de multa em aspectos importantes do respetivo regime legal, que lhe conferem maiores virtualidades do ponto de vista da prevenção especial, mas também de prevenção geral positiva, permitindo, assim, com respeito pela racionalidade do sistema de penas, que o tribunal substitua a pena de prisão não superior a 1 ano por multa de substituição, de acordo com o regime regra estabelecido no art. 43.°, n.° 1, do Código Penal, mesmo que na fase de escolha da pena principal tenha afastado a aplicação da pena de multa com os fundamentos previstos no art. 70° do mesmo Código.II. Uma vez que aquele art. 43.º, seus n.°s 1 e 2. apenas prevê a aplicação ã multa de substituição do disposto no art. 47.0 e no art. 49.º, n.° 3, do Código, esta pena de substituição distingue-se da multa principal em cinco importantes aspectos:- a multa de substituição é fixada dentro dos limites gerais subsidiariamente estabelecidos no art. 47.°, ou seja, entre 10 e 360 dias, independentemente da moldura prevista no tipo legal para a multa principal; - não é admissível a substituição da multa por trabalho, nos termos do art. 48.° do Código Penal;- no caso de falta de pagamento da multa de substituição, não tem lugar o pagamento coercivo da mesma, nos termos do art. 49.° n.° 1, do Código;- no caso de incumprimento culposo, a multa de substituição não é cumprida em prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, tendo o arguido que cumprir integralmente o tempo de prisão substituída;- contrariamente ao previsto no art. 49.°, n.° 2, do Código, para a multa principal, o arguido que tenha incumprido culposamente a obrigação de pagar a multa de substituição, não pode evitar, total ou parcialmente, a condenação, pagando, no todo ou em parte, aquela mesma multa."

Mutatis mutandis, mas com referência também à inaplicabilidade do n°2 do art° 49° do CP, ainda que colocando ali a questão após trânsito em julgado da decisão que ordene o cumprimento da pena, vide também o Ac STJ de FJª n.° 12/2013, cujo sumário é do seguinte teor:
"Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída. nos termos do artigo 43.° n.°s 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.° 2, do artigo 49.°, do Código Penal". — integralmente publicado no DR I" série de 16.10.2013 e acessível no cite do STJ"

Assim, face ao exposto e considerando que o arguido teve todas as oportunidades para o efeito do pagamento, só se preocupando com o caso depois de conhecer que iria ser decidida a emissão de mandados de detenção, declara-se improcedente o recurso interposto.

III- DECISÃO

3.1.- Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

3.2- Taxa de justiça criminal em 4 UC a cargo do recorrente

Lisboa. 23 de Setembro de 2014

Agostinho Torres

João Carrola

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[1] vide ,Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, 1-A Série de 28.12.95
[2] vide ,entre outros. o Ac ST1 de 19.06.96. BMJ 458, pag. 93 e o Ac STJ de 13.03.91. proc° 416794, 3ª sec., tb cit" em anot. ao art. 412° do CPP de Maia Gonçalves 12' ed; e Germano Marques da Silva, Curso Proc° Penal            2ª ed., pag. 335; e ainda jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Acs. do STJ de 16-11-95. in BMJ 451/279 e de 31-01-96, in BMJ 453/338) e Au. STJ de 28.04.99, CRSTJ, ano de 1999. p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas.