Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
86/14.0YDLSB.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: EXECUÇÃO POR CUSTAS
COMPETÊNCIA
NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil na versão introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, é aplicável o regime emergente do respectivo art. 87.º que estatui, de forma clara e insofismável e sem gerar intoleráveis contradições sistemáticas nem colisão insanável com o regime de organização judiciária então vigente, que «para a execução por custas, (…) é competente o tribunal em que haja corrido o processo no qual tenha tido lugar a notificação da respetiva conta ou liquidação»; tal execução corre por «apenso ao respetivo processo.»(sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO
                 
O Ministério Público instaurou acção executiva contra M…, S. A., melhor identificada nos autos, com vista a realizar a cobrança coerciva de custas.
Nesse processo, foi proferida decisão judicial do seguinte teor:
«O Ministério Público veio intentar a presente execução por custas processuais, nos termos do disposto nos artigos 87.º do CPC, aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho.
Nos termos do disposto no artigo 87.º n.º 1 e 2 do CPC, para a execução por custas ou multas é competente o Tribunal em que haja corrido o processo no qual tenha tido lugar a notificação da respectiva conta ou liquidação, correndo a mesma por apenso ao respectivo processo.
O exequente pretende executar as custas processuais em que a parte foi condenada no âmbito da acção declarativa que correu termos na 4.ª Vara Cível de Lisboa.
Conforme decorre do regime legal, tal execução terá de ser instaurada por apenso ao processo em apreço, e não autonomamente, nos Juízos de Execução de Lisboa.
Do exposto resulta não ser este tribunal materialmente competente para conhecer da presente execução.
Nos termos do artigo 96.º do CPC, a infracção das regras da competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que pode ser suscitada oficiosamente (artigo 97.º).
A incompetência absoluta do tribunal é uma excepção dilatória insuprível e constitui fundamento para indeferimento liminar da execução ou para a sua rejeição, nos termos conjugados dos artigos 726.º, n.º 2, al.b), 734.º, n.º 1, 577.º, al.a), todos do CPC.
Pelo exposto, julgo os Juízos de Execução de Lisboa materialmente incompetentes para conhecer da presente execução e rejeito a execução, determinando a sua extinção.»

É desta decisão que vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público, que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
«1. Sendo especial, e com um fim e uso particulares, rege-se esta execução, instaurada pelo M.P., por um regime específico previsto no art.º 35.º do RCJ e, subsidiariamente, pelas disposições previstas no CPC para a forma sumária do processo comum para pagamento de quantia certa (n.º 5, na versão do DL n.º 126/13, de 30/08).
2. Tendo o novo CPC introduzido algumas alterações, quando alude à competência para execução por custas, multas e indeminizações, desde logo no art.º 87.º, sendo competente o tribunal onde corre o processo em que tenha tido lugar a notificação da conta ou liquidação (n.9 1), correndo aí a execução por apenso (n.° 2).
3. Entendemos, porém, que este normativo foi feito a pensar na nova lei, mesmo que confrontado e comparado com o seu homólogo legal no CPC revogado, o art.º 92.º, n.º 1, ao constatar-se ter-se eliminado, no preceito correspondente do código atual (art.º 87.º), a parte final daquele.
4. Deve ter-se presente, contudo, que este novo desenho legal do NCPC está em sintonia com a Lei n.º 62/13, de 26/08, que é a nova Lei de Organização do Sistema judiciário, ainda não em vigor, cujo art.º 131.° prevê que os tribunais de competência territorial alargada, as secções de instância central e de competência genérica da instância local são ainda competentes para executar as decisões por si proferidas referentes a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual aplicável.
5. O “(...) ainda são competentes (...)” exprime a continuação ou permanência de um facto presente até um determinado momento futuro, com o significado, no caso em análise, da continuidade da competência material dos Juízos de Execução de Lisboa para as execuções por custas, (multas ou indemnizações), até 1 de Setembro deste ano, ao invés do que sucede, e já sucedia, nas comarcas onde nunca foram criados juízos de execução de competência especializada.
6. Daqui decorre que até à entrada em vigência da LOS), se deve entender que os juízos de Execução de Lisboa mantém a competência material para as execuções por custas, não por via do CPC mas por via da Lei n.º 03/99, de 13/01 (L0FT1) e da Lei n.º 52/08, de 28/08, cujos artigos 102.º-A, n.º 3 e 126.º, n.º 3, respetivamente, corroboram e prevêem que tais tribunais são competentes para tramitar tais execuções, incluindo as por custas.
7. Sendo os Juízos de Execução de Lisboa os competentes em razão da matéria para conhecerem desta execução, não havendo infração do art.º 96.º do CPC geradora de incompetência absoluta do tribunal, nem sendo fundamento para indeferimento ou rejeição liminar da execução, com subsequente extinção.
8. Ao decidir-se, como se decidiu, violou-se, por erro de interpretação, os artigos 87.º, 96.º, 97.º 726.º, n.º 2, al. b), 734º, n.º 1, 577.º, al. a), do CPC, assim como os artigos 131.º, da n.º 62/13, de 26/08,102.º-A, da Lei n.º 03/99, de 13/01 e 126.º, n.º 3 da Lei n.º 52/08, de 28/08.»

Terminou pedindo que fosse substituída a decisão recorrida por outra que «julgue o 1.º Juízo de Execução de Lisboa materialmente competente para conhecer desta execução.»
Não consta dos autos qualquer resposta da contra-parte.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
É a seguinte a questão a avaliar:
1. Pelas razões indicadas em sede deste recurso, é o 1.º Juízo de Execução de Lisboa o competente em razão da matéria para conhecer da execução em que surgiu a presente impugnação judicial?
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Relevam, neste ponto, os factos de manifestação processual supra lançados.
Fundamentação de Direito
Pelas razões indicadas em sede deste recurso, é o 1.º Juízo de Execução de Lisboa o competente em razão da matéria para conhecer da execução em que surgiu a presente impugnação judicial?
A construção do Recorrente parece assentar na convicção da existência de incongruência de regimes de organização judiciária que gerariam, na sua tese, a derrogação do regime emergente do n.º 1 do art. 87.º do Código de Processo Civil até à entrada em vigor da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
Sob a palavra «entendemos», lançada a fl. 30, o Recorrente deixou submersa toda uma construção explicativa, atalhando caminhos de argumentação. Tanto quanto se consegue extrair do que deixou entrever ao optar pelo fornecimento do resultado final de uma tese de incompatibilidade cruzada de regimes, o mesmo sustentou que o Código de Processo Civil cuja vigência se iniciou em 2013 não estaria em vigor nesta matéria até à vigência da apontada LOSJ. Não logrou, porém, avançar com argumentos convincentes nesse sentido.
O resultado do labor legislativo também não parece carrear razões a favor da sua tese. O legislador, bem ciente da sucessão de regimes e do cruzamento de sistemas em transição, cristalizou nos art.s 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, um conjunto coerente e fechado de regras de sucessão das leis no tempo.
Nem se diga, neste domínio, que não ponderou nem tinha que ponderar a concatenação do regime adjectivo com as regras de organização judiciária. Por um lado, nunca seria assim já que estas são decisivas para a concretização dos objectivos visados no diploma de consagração do novel regime central processual luso e, logo, não poderia deixar de as ter presentes. Por outro, o n.º 6 do art. 5.º desse encadeado de normas patenteia com clareza que o mesmo legislador atendeu à vigência anunciada da Lei de Organização do Sistema Judiciário e acautelou regimes quando se lhe revelou necessário.
Sob um tal contexto, não pode o interprete criar outras normas de aplicação temporal. Não há motivos para afastar a presunção vertida no n.º 3 do art. 9.º do Código Civil. Não há contradição a sanar nem lacuna a preencher nos termos do art. 10.º deste Código. A execução imediata do novo regime não se confronta, também, com impossibilidades físicas ou insustentáveis incongruências. Os tribunais em que corram os processos têm todas as condições materiais e técnicas, desde a entrada em vigor do novo Código, para realizar as respectivas execuções por custas.
Não há motivo válido para afastar o regime emergente do Código de Processo Civil que, no art. 87.º, estatui, de forma clara e insofismável e sem gerar intoleráveis contradições sistemáticas:
«1 - Para a execução por custas, por multas ou pelas indemnizações referidas no artigo 542.º e preceitos análogos, é competente o tribunal em que haja corrido o processo no qual tenha tido lugar a notificação da respetiva conta ou liquidação.
2 - A execução por custas, por multas ou pelas indemnizações corre por apenso ao respetivo processo.»

Nenhuma razão assiste ao Recorrente, sendo negativa a resposta à questão proposta.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmamos a decisão impugnada.
Sem custas, por não serem devidas.
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Lisboa, 25 de Setembro de 2014


Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)

Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)

Ana de Azeredo Coelho (2.ª Adjunta)