Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3630/18.0T8OER-A.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
EXTRACTOS BANCÁRIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) Numa acção de prestação de contas está primordialmente em causa uma obrigação de informação. A obrigação de prestação de contas é estruturalmente uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (artigo 573.º do Código Civil) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efetuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito.
II) Tendo o cabeça-de-casal de herança – relativamente a quem se requer a prestação de contas – efetuado, durante vários anos, movimentos bancários, quer com referência a contas pessoais, quer com referência a conta que abriu como administrador da herança, tem inteira relevância e pertinência para a causa, a notificação daquele para juntar aos autos os respetivos extratos bancários, pelo período temporal a que respeita a obrigação de prestação de contas da sua administração.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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(…), identificada nos autos, instaurou a presente ação, com processo especial, de prestação de contas, contra (…), também identificado nos autos, pedindo que o requerido fosse citado para, no prazo de 30 dias, apresentar as contas da herança de (…), “a. Desde novembro de 2013 até ao momento, na qualidade de cabeça de casal da referia Herança b. Desde a presente data até ao momento da efetiva partilha de todos os bens da herança”, sendo o requerido condenado a pagar à requerente os saldos que de tais contas se lhe mostrarem favoráveis.
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Citado, o requerido veio prestar contas, concluindo que tal apresentação deve ser julgada validamente prestada e julgado manifestamente improcedente o pedido de condenação, “na medida em que das contas ora apresentadas não se apura nenhum saldo a atribuir a qualquer um dos herdeiros”.
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A requerente apresentou contestação às contas apresentadas pelo requerido, concluindo que deverá:
“A) O Requerido ser por V. Exa. notificado para promover à junção nos presentes autos os seguintes documentos:
i. Extratos das contas bancárias por si tituladas, ou co-tituladas com a de cujus, desde 60 dias antes do óbito até à presente data;
ii. Extratos bancários da conta bancária aberta em nome da Herança;
iii. Extrato bancário da conta bancária com o IBAN (…) desde 60 dias antes do óbito
iv. Comunicações remetidas aos arrendatários em 2014 da qual conste a identificação da conta bancária para a qual deveriam ser transferidas as rendas;
v. Junção dos contratos de arrendamento e dos respetivos recibos relativo aos Imóveis da Herança, com data anterior ao óbito e os subsequentemente celebrados;
vi. Reclamação junto da Autoridade Tributária sobre o ”IRS Mãe”;
vii. Comprovativo de liquidação do valor de 4.831,92€ (”IRS Mãe”) e a decisão da Autoridade Tributária em que mantém e exige o pagamento de tal quantia após a reclamação apresentada;
viii. Junção de cópias legíveis dos documentos apresentados sob os n.º 47, 48, 50, 52, 63, 97, 98, 101, 106, 109, 110;
B) Serem de imediato desentranhados dos autos os seguintes documentos:
i. O documento n.º 20;
ii. Os documentos n.º 21 a 26;
iii. O documento n.º 45;
iv. Os documentos n.º 65, 66, 68 e 74;
C) Ser a sociedade (…) notificada para vir aos Autos juntar as contas da sociedade (…) com o NIF (…);
D) Serem os prestadores de serviços – eletricidade, água e gás – notificados para virem aos Autos identificar os contratos celebrados em relação a cada um dos Imóveis desde a data do óbito;
E) Ser designado perito avaliador para realização de relatórios específicos sobre cada um dos Imóveis que integram a Herança, nomeadamente estado de conservação e da existência de obras de manutenção”.
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O requerido ainda respondeu.
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No desenvolvimento dos autos, por despacho de 19-06-2020 foi determinada a prestação de contas referentes ao ano de 2019 e designado o dia 30-09-2020 para a realização de audiência prévia.
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Por requerimento de 01-09-2020, o requerido apresentou contas relativas ao ano de 2019, requerimento sobre o qual a requerente se pronunciou em 14-09-2020.
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Em 30-09-2020 teve lugar audiência prévia, constando da respetiva acta – retificada de acordo com despacho de 29-12-2020 - , nomeadamente, o seguinte:
“(…) DESPACHO SANEADOR
1 – Valor da ação
Não obstante ter sido já fixado o valor da ação por despacho de 31-01-2019, atendendo às retificações efetuadas às contas prestadas e à apresentação das contas do ano de 2019, entretanto determinada, importa proceder à fixação do valor da ação nos termos do disposto no artigo 306.º do Código de Processo Civil.
Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 298.º do Código de Processo Civil, nas ações de prestação de contas, o valor é o da receita bruta ou o da despesa apresentada, se lhe for superior.
No caso dos autos, e atendendo às contas apresentadas pelo réu, verifica-se que a receita apresentada, no valor total de € 450.769,74 é superior ao valor da despesa bruta.
Assim, nos termos do artigo 299.º, n.º 4, e sem prejuízo do valor da causa apenas ser fixado definitivamente na sentença final, nos termos do disposto nos artigos 296º, n.º 1 e 298º, n.º 4, todos do Código de Processo Civil, corrige-se o valor da causa para € 450.769,74.
Atendendo à correcção do valor da causa que antecede, notifique as partes para procederem ao pagamento do complemento da taxa de justiça em falta.
De seguida, pelo ilustre mandatário da requerente foi pedida a palavra e no seu uso: A requerente requerer que o valor da taxa de justiça pago com a apresentação do recurso, o qual foi extinto por inutilidade superveniente seja revertido se V. Ex.ª assim estivesse de acordo a favor do acréscimo que se tem de pagar com a alteração do valor da causa, sendo feito o complemento se tal fosse necessário.
De seguida, a Mm.ª Sra. Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
Sobre esta questão oportunamente irei proferir despacho (…).
2 – Saneamento
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, do valor, da matéria, da hierarquia e do território.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão regularmente patrocinadas.
Inexistem nulidades, excepções dilatórias ou questões prévias que cumpra apreciar e obstem ao conhecimento de mérito da causa (…).
3 – Objeto do litígio
Na presente ação especial de prestação de contas importa:
1) Apurar e aprovar as receitas obtidas e as despesas realizadas pelo Réu relativas à administração da herança de (…), entre 27-11-2013 e 31-12-2019.
2) Apurar as quantias recebidas pela Autora por conta da herança;
3) Saber se o Réu deve ser condenado, na qualidade de cabeça de casal da herança referida, a pagar à Autora metade do saldo que vier a apurar-se, deduzidas as importâncias referidas em 2).(…)
4 – Temas da prova
A prova incidirá sobre os seguintes factos:
Contas de 2013 (fls. 512 a 513):
a) despesas da verba 1;
b) despesas da verba 2;
c) despesas da verba 5;
d) despesas da verba 6.
Contas de 2014 (fls. 513 verso a 516):
a) despesas da verba 1;
b) despesas da verba 2;
c) despesas da verba 5;
d) despesas da verba 6.
Contas de 2015 (fls.516 verso a 519 verso):
a) despesas da verba 1;
b) despesas da verba 2;
c) despesas da verba 6.
Contas de 2016 (fls. 520 a 523 verso):
a) despesas da verba 1;
b) despesas da verba 2;
c) despesas da verba 6.
Contas de 2017 (fls. 524 a 528 verso):
a) despesas da verba 1;
b) despesas da verba 2;
c) despesas da verba 4;
d) despesas da verba 6.
Contas de 2018 (fls. 529 a 533):
a) despesas da verba 2;
b) despesas da verba 4;
c) despesas da verba 6.
Contas de 2019 (fls. 560 a 670):
a) receitas e despesas da verba 2;
b) despesas da verba 4;
c) despesas da verba 6 (…).
Retomados os presentes trabalhos, foi dada a palavra ao ilustre mandatário da requerente e no seu uso disse:
A Autora entende que os temas da prova deixaram de fora questões que se reconduzem a duas importantes vertentes da prestação de contas a saber:
a) saldo de abertura;
b) receitas provenientes de arrendamentos.
Na verdade relativamente à questão elencada na alínea a) constam dos artigos 22º e 25º do requerimento da Autora de 12/12/2019 e de 11 do requerimento da mesma Autora de 21/01/2020 alegações importantes relativamente à omissão do saldo de abertura das contas apresentadas (reportado portanto a 2013), de consideráveis verbas sobre as quais deve ser dada a possibilidade à Autora de fazer prova.
Relativamente à vertente elencada na alínea b) encontram-se alegadas no artigo 40º, 194 a 196, 198 e 199 da contestação da Autora de 14/01/2019, no seu requerimento de 11/04/2019 em 27 a 29 do requerimento da mesma Autora de 12/12/2019 e em 13 do requerimento da mesma Autora de 21/01/2020 também importantes alegações sobre o tema da omissão de receitas pertinentes a diversos arrendamentos, sendo ademais certo que nos intróitos dos mencionados requerimentos de 14/11/2019 e 12/12/2019 se encontram dadas por reproduzidas as contestações de 14/01/2019 e 08/07/2019.
Destarte, no que aos exercícios de 2013 a 2018 inclusive respeita a Autora requer que sejam aditados aos temas de prova estas questões, a primeira delas sobre a "designação” de saldo de abertura das contas de 2013 e as questões relativas aos arrendamentos nas receitas de cada um desse e restantes exercícios, com o que ficará fechado o círculo relativo à investigação das contas apresentadas que é o escopo da presente acção.
Dada a palavra ao ilustre mandatário do requerido, pelo mesmo foi dito:
Relativamente à reclamação ora apresentada o Réu entende salvo o devido respeito que a mesma não tem suporte legal e nessa medida não deve ser atendida e isto pelas seguintes razões que sucintamente se expõem:
O despacho de 11/10/2019 pacificamente transitado em julgado, determinou a apresentação de novas contas subordinadas a determinada metodologia que desse despacho melhor consta. Em observância desse despacho o Réu apresentou novas contas em 29/10/2019, sendo que a Autora se pronunciou relativamente às mesmas contestando-as com a peça processual com a referência 34022183.
Atentos os princípios da impugnação especificada e sobretudo o princípio da concentração da defesa é essa a contestação a que importa atender. Dessa contestação não resulta, aliás conforme se alcança da própria reclamação apresentada nem impugnação, nem a alegação que poderiam suportar a inclusão dos temas da prova que a Autora pretende. As alegações feitas subsequentemente, se é que o foram e sempre em termos genéricos entraram no processo a pretexto de comentário a documentos apresentados pelo Réu ou rectificações de valores.
As questões relativas a saldo de abertura de 2013 e alegadas receitas em falta a terem algum cabimento, que no entender do Réu não tem, seriam questões de principio que estavam ao alcance da Autora, ser alegadas ou invocadas no momento próprio, ou seja, com a já referida contestação identificada pela referência 34022183. Não o tendo feito, ficou precludido o direito de o fazer, sendo processualmente extemporâneas quaisquer observações que a esse respeito se possam querer extrair de peças processuais subsequentes, as quais, no que a este propósito concerne, são processualmente extemporâneas.
De seguida, a Mm:ª Sra. Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
A reclamação apresentada será decidida oportunamente.
A. Prova testemunhal
Por terem sido apresentados tempestivamente e o número de testemunhas respeitar o limite legal, admitem-se os róis de testemunhas apresentados pelas partes, nos termos do artigo 511.º n.º 1 do Código de Processo Civil, bem como o aditamento apresentado pelo Réu, a fls. 477, verso, em requerimento de 29-11-2019.
As duas testemunhas indicadas pela Autora na sua petição inicial, são a notificar e por serem residentes fora do município onde se encontra sediado este Tribunal, deverão ser ouvidas por videoconferência, nos termos do artigo 502.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
São a notificar as seis testemunhas arroladas pelo Réu no articulado onde apresentou as contas, de 12-11-2018, fls. 20 verso, e no requerimento de 29-11-2019, fls. 477 verso, nos termos do artigo 507.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Quanto à 7ª testemunha do rol do Réu defere-se ao prazo de 10 dias conforme requerido pelo ilustre mandatário, para indicar a morada desta testemunha ou substituir a mesma.
B. Depoimento de parte
O Réu requereu o depoimento de parte da Autora, a inquirir à matéria dos números 76, 79, 80 do articulado de 29-11-2019, de fls. 467 e seguintes.
Contudo, os factos constantes dos números 49, 50, 52 e 123 não se referem ao objeto da presente ação, não se mostrando assim pertinente o depoimento da Autora sobre os mesmos.
Por se afigurar com relevo para a causa, admite-se o depoimento de parte da Autora sobre os factos indicados pelo Réu nos números 76, 79, 80 do seu articulado, nos termos do artigo 452.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
C. Prova documental
Admitem-se todos os documentos já juntos aos autos, nos termos do artigo 423.º do Código de Processo Civil (…).
Face ao pedido pela autora quanto à junção dos originais dos docs. 153 a 158 e 169 a 174, ordena-se a junção dos mesmos, com exceção dos originais que se mostram já juntos aos autos, designadamente, os documentos n.º 158 e 173 (…).
A autora veio requerer a notificação da sociedade (…), para vir aos autos juntar as contas da sociedade (…), requerida pela autora na sua contestação.
Face ao objeto da presente ação, o qual consiste no apuramento e aprovação das despesas realizadas e receitas obtidas com a administração da herança de (…) não se afigura pertinente a junção aos autos das contas da sociedade (…), nos termos do disposto no artigo 423.º, motivo pelo qual se indefere o requerido (…).
A autora pediu ainda a junção dos extratos bancários de todas as contas do réu e da herança desde 12-07-2013.
Quanto aos extratos da conta titulada pelo cabeça de casal da herança de (…), verifica-se que os mesmos já se mostram juntos aos autos, designadamente, a fls. 267 verso a 276 (respeitante ao ano de 2017) e 407 a 409 (respeitante ao ano de 2018). Assim, quanto a estes documentos, nada há a determinar.
Quanto aos extratos da conta pessoal do réu, pese embora o mesmo tenha admitido que recebeu algumas quantias na sua conta pessoal, as quais, segundo o mesmo foram indicadas nas contas apresentadas, e não tendo o réu voluntariamente satisfeito esse pedido, importa considerar os interesses em presença.
Nos termos do artigo 417.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Dever de cooperação para a descoberta da verdade»:
«1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
(…).
3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
4 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.»
Importa desde logo verificar que o acesso a extratos bancários de qualquer pessoa constitui uma intromissão na vida pessoal, entre o mais, motivo pelo qual estão protegidos por sigilo bancário, o qual é protegido não apenas pela lei civil, mas também através da lei penal, nos termos do artigo 195.º do Código Penal.
Nos termos do artigo 417.º, n.º 3, verifica-se que a recusa do réu em prestar essa informação aos autos é legítima. Por sua vez, nos termos do n.º 4, é aplicável o disposto na lei processual penal.
Nos termos do artigo 135.º do Código de Processo Penal, «1 – Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.»; «2 – Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.»
Impõe-se assim, antes de mais, averiguar da legitimidade da escusa por parte do réu em juntar aos autos os extratos bancários da sua conta pessoal. Para o efeito, importa também considerar que os valores em presença são, de um lado, a proteção da vida pessoal do réu, e de outro, o interesse da autora em averiguar da veracidade da informação prestada pelo réu, na presente ação de prestação de contas da administração da herança de (…). Assim, podendo em certos casos, o interesse pela descoberta da verdade material prevalecer sobre certos valores, designadamente, proteção de dados pessoais, para que assim seja, é necessário proceder a uma ponderação em cada caso concreto dos interesses e valores em presença e decidir com base no princípio da proporcionalidade plasmado nos artigos 2.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa.
O pedido da autora consiste na junção aos autos de extratos das contas bancárias tituladas pelo réu, ou co-tituladas com a de cujus, desde 60 dias antes do óbito até à presente data.
Ora, estando em causa a violação da vida privada do réu, verifica-se desde logo que o pedido da autora é demasiado amplo, por um lado, implicando não apenas uma intromissão na vida do Réu muito além da medida do estritamente necessário, mas também desproporcional em relação aos interesses de descoberta da verdade material em presença nos autos.
Por outro lado, a Autora não apresenta factos que permitam de forma fundamentada considerar que efetivamente o Réu poderá estar a ocultar rendimentos da herança, baseando antes o seu pedido antes no facto de haver imóveis que durante certos lapsos de tempo não apresentam rendimentos. Este fundamento é claramente insuficiente para considerar a escusa do réu ilegítima. Também a circunstância de haver despesas de água, luz e gás não permite considerar, por si só, e face às explicações oferecidas pelo réu, que existiram receitas ocultadas pelo réu e que justifiquem que o mesmo seja ordenado a juntar aqueles extratos.
Acresce que a existirem “rendas ocultas”, não é sequer rigoroso que o extrato bancário da conta pessoal do Réu possa provar a existência de tais rendimentos, já que os pagamentos podem ser feitos em dinheiro. Assim, o meio de prova adequado para tal alegação de facto é outro que não o extrato bancário da conta pessoal do Réu, e que face ao ónus de prova que impende sobre quem alega o facto, cabe à Autora oferecer os meios de prova adequados.
Face a todo o exposto, indefere-se o requerimento da autora quanto à junção dos extratos bancários de todas as contas tituladas pelo réu, desde 60 dias antes do óbito de (…) até à presente data.(…).
A autora pede ainda a notificação das empresas fornecedoras de água, luz e gás para virem aos autos identificar os contratos celebrados em relação a cada um dos imóveis desde a data do óbito.
Contudo, a identificação dos contratos celebrados não permite alcançar o efeito pretendido pela Autora de identificar receitas obtidas com a administração da herança. Com efeito, não ficaria demonstrado que qualquer pessoa que tivesse celebrado um contrato de fornecimento teria entregue quantias, e quais, ao Réu, a título de arrendamento.
Assim, o requerido pela Autora não se afigura pertinente, motivo pelo qual se indefere, nos termos do artigo 429.º, n.º 2, ex vi artigo 432.º do Código de Processo Civil (…)”.
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Não se conformando com o despacho de 30-09-2020, que indeferiu a notificação das entidades bancárias competentes para junção ao processo dos extractos de conta da Herança para além dos que estão juntos aos autos (de 2017 e 2018) e dos extractos de conta pessoais do Requerido ou por ele contituladas com a de cujus e ainda a notificação das empresas fornecedoras de água, luz, gás e telecomunicações para virem aos autos identificar os contratos celebrados em relação a cada um dos imóveis da Herança desde a data do óbito daquela, dela apela a requerente, pugnando pela substituição do despacho recorrido por outro que ordene as diligências probatórias indeferidas, formulando as seguintes conclusões:
“I – É pertinente, mesmo indispensável, para a descoberta da verdade a notificação das entidades bancárias competentes para junção ao processo dos extractos de conta bancária da Herança para além dos que estão juntos aos autos (de 2017 e 2018), bem assim, dos extractos de contas bancárias em nome pessoal do Requerido ou por ele contituladas com a de cujus, e ainda a notificação das empresas fornecedoras de água, luz, gás e telecomunicações para virem aos autos identificar os contratos celebrados em relação a cada um dos imóveis da Herança desde a data do óbito daquela.
II – Foi profusamente alegado pela Requerente e já parcialmente demonstrado pela documentação junta aos autos que:
a) O Requerido comprovadamente ocultou receitas da Herança, não se tendo apurado nem esclarecido esta situação na sua totalidade;
b) Os saldos da conta bancária da Herança são insignificantes comparativamente com os (ainda assim exíguos mas muito superiores) saldos das contas apresentadas pelo Requerido nestes autos;
c) O Requerido imputou despesas pessoais suas à Herança, sendo que algumas dessas despesas, maxime as designadas “empréstimos” carecem de ser avaliadas pelo destino dado ao dinheiro mutuado pelo Banco;
d) O Requerido fez circular dinheiro da Herança por contas bancárias tituladas em seu nome.
III – Metade das despesas que vierem a ser consideradas pelo Tribunal como da Herança recairão sobre a Requerente e, se não forem mesmo despesas da Herança, tal significará que a Requerente suportará metade de gastos do Requerido.
IV – Metade das receitas da Herança pertencem à Requerente e, se não forem encontradas e o Requerido fizer passar a sua sonegação, a Requerente ficará desembolsada de metade do respectivo valor.
V – Não há outra maneira de apurar essas despesas e receitas a não ser pela investigação dos saldos bancários requerida, acompanhada da notificação das entidades fornecedoras de serviços às casas dos prédios da Herança, para se descobrir quem as ocupava e, seguidamente, apurar que rendas pagou por essa ocupação, para além das que já foram declaradas em sede de prestação de contas.
VI – Nenhum direito à privacidade ou ao sigilo bancário pode servir para dar cobertura à ocultação de receitas e ao empolamento de despesas de uma Herança por quem está obrigado a prestar contas aos outros herdeiros por ter assumido a respectiva gestão,…
VII – Mais a mais quando essa gestão se tem caracterizado por uma confusão, que não pode deixar de ser propositada entre o que é património da Herança e do herdeiro, nomeadamente no que à utilização de contas bancárias respeita.
VIII – À Requerente não pode ser negada a possibilidade de fazer prova.
IX – Ainda para mais com base numa errada valoração dos elementos já chegados aos autos, como é feita pela Primeira Instância no tocante aos extractos em falta da conta da herança,…
X – Ou numa errada sopesagem de direitos constitucionalmente protegidos conflituantes, manifestamente contrária à Jurisprudência dominante, como é feita pela Primeira Instância no tocante ao levantamento do sigilo bancário relativo a contas em nome pessoal do Requerido…
XI – E em meras suposições, como resulta da fundamentação que sustenta o indeferimento da notificação às entidades fornecedoras de serviços às casas dos prédios da Herança.
XII – O despacho recorrido violou as normas ínsitas nos artigos 432º, 417º, nºs. 1 e 3 do Código de Processo Civil, as quais – tivessem sido correctamente aplicadas – redundariam nas ordens dadas às sobreditas entidades para fazerem chegar aos autos os elementos solicitados pela Requerente,…”.
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O requerido não contra-alegou.
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Admitido liminarmente o requerimento recursório e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , a única questão a decidir é a de saber:
A) Se o despacho recorrido, ao indeferir o requerimento probatório da requerente, no que concerne à notificação para junção de extratos de conta da herança e de contas bancárias em nome pessoal do requerido ou por ele contituladas com a de cujus e a notificação de empresas fornecedoras de água, luz, gás e telecomunicações para identificarem nos autos os contratos celebrados em relação a cada um dos imóveis da herança desde a data do óbito, violou as normas dos artigos 417º, nºs. 1 e 3 e 432.º do Código de Processo Civil?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando a questão enunciada.
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A) Se o despacho recorrido, ao indeferir o requerimento probatório da requerente, no que concerne à notificação para junção de extratos de conta da herança e de contas bancárias em nome pessoal do requerido ou por ele contituladas com a de cujus e a notificação de empresas fornecedoras de água, luz, gás e telecomunicações para identificarem nos autos os contratos celebrados em relação a cada um dos imóveis da herança desde a data do óbito, violou as normas dos artigos 417º, nºs. 1 e 3 e 432.º do Código de Processo Civil?
Vejamos, pois, se o despacho proferido em 30-09-2020 é, ou não, violador do disposto nos preceitos legais invocados pela recorrente.
Visando a procedência do presente recurso, a requerente invocou o seguinte:
“(…) 2. Não há dúvidas que o critério seguido pelo Tribunal a quo relativo aos extractos de conta bancária da Herança de 2017 e 2018 tem de estender-se aos restantes anos relativos aos quais foram apresentadas contas, nomeadamente 2013 a 2017 até ao primeiro extracto que aparece nos autos e aos extractos em falta de 2018 e 2019. Tais extractos são sintomáticos, pela exiguidade dos seus lançamentos relativamente às contas (também elas defeituosas) apresentadas pelo Requerido, de que há muito dinheiro da Herança a circular fora da conta bancária onde todo ele deveria passar.
Assim sendo, o Tribunal deveria ter ordenado a junção dos extractos em falta e não dar-se por satisfeito com os poucos que já chegaram ao processo.
Ademais, o cotejo entre as contas apresentadas e os poucos extractos que aos autos chegaram deveria, só por si, ter sido suficiente para o levantamento do sigilo bancário relativo às contas bancárias do próprio Requerido.
3. Resulta evidente das peças trazidas pelo Requerido aos autos que o mesmo mistura constantemente aquilo que são receitas e despesas da Herança com aquelas que são suas, rectius, com as despesas que são suas porque o Requerido não aufere receitas que não provenham do património da Herança. Esta mistura implica que o mesmo tenha sido apanhado neste processo a apresentar como despesas da Herança uma considerável quantidade de dispêndios seus, inclusive com facturas passadas em seu nome pessoal. Com a sua inclusão no acervo de despesas da Herança, o Requerido pretende causar dano à Requerente, na medida em que cada despesa dele que abate aos saldos da Herança é tentativa e indevidamente suportada em metade pela mesma Requerente, tal significando que – a levar o Requerido a sua avante – a Requerente sairá gravemente prejudicada.
Porém, no caso das despesas bastará ao Tribunal desconsiderá-las, excepto no tocante aos “empréstimos” contraídos pelo Requerido em seu proveito próprio mas assacados à Herança, relativamente aos quais importará ver qual a utilização que tiveram para que a Requerente possa demonstrar o seu ponto de vista.
4. O problema maior está, ainda assim, nas receitas. Ninguém coagiu o Requerido a utilizar as suas contas bancárias em nome pessoal para fazer circular dinheiro da Herança. Independentemente de toda a receita que o Requerido aufere vir, como se disse, da Herança, uma vez que não tem outras fontes de rendimento, sendo até flagrante o contraste entre a situação de quase miséria em que vive a Requerente enquanto o Requerido prospera, como nos autos está amplamente demonstrado, algo que – atendendo a que o saldo mensal da Herança deve ser dividido por dois – deveria ter feito o Tribunal a quo ponderar, o ponto reside em que no momento em que o Requerido utiliza as suas próprias contas bancárias para receber dinheiros que não lhe pertencem, está implicitamente a abdicar da protecção do sigilo bancário, na medida em que a dona de metade dessas receitas tem o direito de saber o que é feito com o seu dinheiro, essa metade que ao Requerido não pertence mas que circula abusivamente pelas contas bancárias que estão em nome do mesmo Requerido.
Os vários “lapsos” (leia-se sonegação de receitas) em que o Requerido já foi caçado nestes autos justificam, também eles, à saciedade fortes dúvidas sobre os montantes pertencentes à Herança que realmente foram recebidos nos quase sete exercícios que são objecto da análise da sua prestação de contas.
Perante este cenário, qual a privacidade constitucionalmente protegida que o Tribunal a quo pode querer aqui acautelar? Sobrepõe-se essa privacidade ao direito de propriedade da Requerente sobre os seus fundos que indevidamente andam em contas bancárias em nome pessoal do Requerido?!
Não se esqueça, só para dar um exemplo bem recente (a somar aos já dados supra em 2.), que num momento em que as contas apresentadas neste processo pelo próprio Requerido acusavam um saldo (já de si curto, diga-se) de 49.240,62 € a favor da Herança, o saldo bancário desta não excedia 2.750,28 € (cf. 3, sexto travessão, do requerimento de 14.9.2020 da Requerente, quando exerceu o contraditório sobre os docs. 67 a 67c juntos pelo Requerido a 1.9.2020 nos quais essa discrepância surge flagrante). Onde está então o resto do dinheiro?! Como pode a Requerente fazer prova das constantes (porque evidentes) omissões de receitas provenientes de rendas que alegou?!
Como pode o Tribunal a quo ter a certeza que o Requerido ocultou debaixo do colchão os pagamentos recebidos de inquilinos e não declarados nos autos?!
5. O Tribunal a quo decidiu pelo não levantamento do sigilo bancário ao arrepio de Jurisprudência quase pacífica, como a que ressuma dos Acórdãos de 8.11.2016 do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 2192/13.0TVLSB.L1.S1, da Relação de Guimarães de 25.6.2013, proferido no processo 2112/10.3TBVCT-A.G1, e de 15.11.2011, proferido no processo 134/09.6TBVLN-A.G1, Relação de Coimbra de 5.12.2006, proferido no processo 2294/06.9YRCBR, isto apenas para não enfadar o Tribunal ad quem com muitos outros.
E contradiz-se o Tribunal a quo, na medida em que reconhece que não houve separação, como devia ter havido, entre o que eram contas bancárias da Herança e contas bancárias do Requerido, por actuação voluntária (e dolosa) deste, e ainda assim vedou à Requerente os únicos meios de que dispõe para provar o que alega. E se ela alega (!), pois todas as suas peças processuais, que adiante se pedirão para incluir na certidão que instruirá o presente recurso, contêm referências à sonegação de receitas e ao empolamento de despesas, sendo certo que falamos aí apenas das alegações possíveis, pois a Requerente trabalha às escuras e só poderá aclarar bem melhor a sua posição quando tiver acesso aos registos bancários cuja junção requereu ao Tribunal que ordenasse.
6. Acresce que a recusa da Primeira Instância em notificar os serviços fornecedores de água, gás, electricidade e telecomunicações para as moradas dos prédios da Herança, embora vinda na mesma linha das recusas anteriores, não se baseia nem podia basear em considerações espúrias de privacidade, mas sim numa ideia pré-concebida de que os destinatários desses serviços ocupariam os referidos prédios a um qualquer título que não o arrendamento, título que não sabemos qual é (nem o Tribunal a quo), sendo lógico que qualquer ocupação seja feita onerosamente e, portanto, sob uma relação locatícia. Ora, apurados os destinatários dos serviços, o passo seguinte será – com os seus nomes e restantes dados – investigar casuisticamente as situações, notificando-os para as explicarem ou até trazendo-os a juízo, poder que o Tribunal tem e não pode enjeitar em detrimento da integral descoberta da verdade.
7. Nenhuma razão tinha o Tribunal a quo para rechaçar estas diligências probatórias.
8. Fazendo-o, violou as normas ínsitas nos artigos 432º, 417º, nºs. 1 e 3 do Código de Processo Civil, as quais – tivessem sido correctamente aplicadas – redundariam nas ordens dadas às sobreditas entidades para fazerem chegar aos autos os elementos solicitados pela Requerente (…)”.
Vejamos:
Numa acção de prestação de contas está primordialmente em causa uma obrigação de informação.
“Incumbe àquele que se arroga o direito de ser informado o ónus da prova de todos os factos que conduzem à aplicação da norma jurídica que serve de fundamento à sua pretensão – artigos 342.º, n.º 1, e 573.º do Código Civil.
O cumprimento da obrigação de informação deve ser exigido com observância dos princípios da boa fé, da proporcionalidade e da razoabilidade, ponderando-se – designadamente – a sua onerosidade para o vinculado (…).
A jurisprudência tem enfatizado que a acção especial de prestação de contas é uma das formas de exercício deste direito de informação, afirmando designadamente que a obrigação de prestação de contas é estruturalmente uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (artigo 573.º do Código Civil) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito” (assim, Luís Filipe Pires de Sousa; Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas; Coimbra Editora, 2011, pp. 122-123).
Ou seja, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27-06-2019 (Pº 3587/16.2T8ENT.E1, rel. MARIA DOMINGAS): “Por um lado, a obrigação de prestação de contas filia-se no amplo dever de informação que onera aquele que gere o que não é seu, que o obriga a dar informação detalhada das receitas e despesas efectuadas, acompanhada dos documentos justificativos; e, por outro, o direito de exigir que outrem lhe preste contas provém do facto desse terceiro estar investido na administração de bens que lhe não pertencem, podendo resultar da lei ou dos próprios termos do negócio celebrado, assentando na ideia básica de que quem administra os bens estará em posição de saber e provar quais os créditos e as despesas da sua administração”.
No caso, a requerente peticionou que o requerido fosse citado para prestar contas da administração da herança da mãe de ambos (requerente e requerido), falecida em 12-09-2013, atento o desempenho das suas funções de cabeça-de-casal (cfr. artigo 2093.º, n.º 1, do CC) da referida herança.
A obrigação de prestação de contas pelo cabeça-de-casal “deriva da administração da herança, como garantia de que essa administração será exercida com diligência, competência e honestidade e de que o administrador não se afastará das regras que a prudência indica e a probidade impõe” (cfr. Lopes Cardoso; Partilhas Judiciais, vol. II, 7.ª ed., Almedina, 2018, p. 243).
“O cabeça-de-casal tem, pois, de ser prudente, cauteloso e honesto e é necessário tomar-lhe contas para exame da administração a seu cargo, dado que gere património que não é exclusivamente seu, incumbindo-lhe satisfazer o que se lhe mostrar devido ou exigir o saldo que, porventura, haja a favor da herança” (cfr. Lopes Cardoso, ob. cit., p. 244).
Requerida a prestação de contas pelo autor, se o réu não contestar tal obrigação, deve apresentar contas, em conformidade com o disposto no artigo 944.º do CPC:
“1 - As contas que o réu deva prestar são apresentadas em forma de conta-corrente e nelas se especifica a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respetivo saldo.
2 - A inobservância do disposto no número anterior, quando não corrigida no prazo que for fixado oficiosamente ou mediante reclamação do autor, pode determinar a rejeição das contas, seguindo-se o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo anterior.
3 - As contas são apresentadas em duplicado e instruídas com os documentos justificativos.
4 - A inscrição nas contas das verbas de receita faz prova contra o réu.
5 - Se as contas apresentarem saldo a favor do autor, pode este requerer que o réu seja notificado para, no prazo de 10 dias, pagar a importância do saldo, sob pena de, por apenso, se proceder a penhora e se seguirem os termos posteriores da execução por quantia certa; este requerimento não obsta a que o autor deduza contra as contas a oposição que entender”.
Se o réu apresentar as contas em tempo, pode o autor contestá-las no prazo de 30 dias, seguindo-se os termos, subsequentes à contestação, do processo comum declarativo (cfr. artigo 945.º, n.º 1, do CPC), devendo o juiz ordenar “a realização de todas as diligências indispensáveis, decidindo segundo o seu prudente arbítrio e as regras da experiência, podendo considerar justificadas sem documentos as verbas de receita ou de despesa em que não é costume exigi-los” (cfr. n.º 5 do artigo 945.º do CPC).
A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (n.º 1 do art.º 20.º da CRP), a obter em prazo razoável e mediante processo equitativo (n.º 4 do art.º 20.º da CRP, art.º 2.º do CPC).
E dispõe o artigo 7.º (Princípio da cooperação) do CPC que:
“1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.
3 - As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º.
4 - Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo”.
Concretizando a função deste princípio fundamental do processo civil, refere Teixeira de Sousa (“Omissão do dever de cooperação do Tribunal: Que consequências?”, Fevereiro de 2016, disponível em https://www.academia.edu/10210886/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Omiss%C3%A3o_do_dever_de_coopera%C3%A7%C3%A3o_do_tribunal_que_consequ%C3%AAncias_01.2015_) o seguinte:
“a) O dever de cooperação do tribunal (trata-se, na realidade, de um poder-dever ou de um dever funcional) destina-se a incrementar a eficiência do processo, a assegurar a igualdade de oportunidades das partes e a promover a descoberta da verdade. Este dever de colaboração do tribunal é uma “forma de expressão de um processo civil dialógico”, no qual o tribunal, não só dirige activamente o processo e providencia pelo seu andamento célere (cf. art. 6.º, n.º 1), como também dialoga com as partes e ainda participa da aquisição de matéria de facto e de direito para o proferimento da decisão.
O dever de cooperação do tribunal prossegue uma finalidade estabelecida pela lei: esse dever destina-se, como se refere no art. 7.º, n.º 1, a alcançar a justa composição do litígio, o que demonstra que o dever de cooperação está ao serviço da obtenção de uma justa composição do litígio. Isto significa que, estando o processo na disponibilidade das partes e, por isso, não podendo o tribunal substituir-se às partes na definição do seu objecto e na prática de actos processuais, o dever de cooperação tem essencialmente uma função assistencial das partes. Neste enquadramento, o dever se cooperação não pode ser confundido com um poder discricionário do tribunal: não se trata de atribuir ao tribunal um poder para o mesmo utilizar quando entender e como entender, mas de impor ao tribunal um dever de auxílio das partes para que seja atingida a justa composição do litígio”.
Segundo o mesmo Autor o dever de colaboração desdobra-se nos seguintes deveres:
“– Dever de inquisitoriedade (cf. art. 411.º e 986.º, n.º 2): o tribunal tem o dever de utilizar os poderes inquisitórios que lhe são atribuídos pela lei (…);
– Dever de prevenção ou de advertência (…) o tribunal tem o dever de prevenir as partes sobre a falta de pressupostos processuais sanáveis (cf. art. 6.º, n.º 2, e 508.º, n.º 1, al. a)) e sobre irregularidades ou insuficiências das suas peças ou alegações (cf. art. 590.º, n.º 2, al. b), 591.º, n.º 1, al. c), 639.º, n.º 3, e 652.º, n.º 1, al. a)) (…);
– Dever de esclarecimento; o tribunal tem o dever de se esclarecer junto das partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo (cf. art. 7.º, n.º 2; cf. também art. 452.º, n.º 1) (…);
– Dever de consulta das partes; o tribunal tem o dever de consultar as partes sempre que pretenda conhecer (oficiosamente) de matéria de facto ou de direito sobre a qual aquelas não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (cf. art. 3.º, n.º 3) (…);
– Dever de auxílio das partes; o tribunal tem o dever de auxiliar as partes na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais (cf. art. 7.º, n.º 4); encontra-se uma concretização deste dever de auxílio no art. 418.º, n.º 1, quanto à obtenção de informações na posse de serviços administrativos (…)”.
Para além disso, dispõe o n.º 1 do mencionado artigo 417º (com a epigrafe “Dever de cooperação para a descoberta da verdade”) do Código de Processo Civil que: “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados”.
Assim, na tarefa de cooperação para a descoberta da verdade, todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que lhes for requisitado e praticando os atos que forem determinados (n.º 1 do art.º 417.º do CPC).
Interesses relevantes poderão justificar a recusa da dita colaboração. Assim, a recusa é legítima se a obediência importar “intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações” (al. b) do n.º 3 do art.º 417.º) ou “a violação do sigilo profissional (…)” (n.º 3, alínea c) do art.º 417.º do CPC).
Nos termos do n.º 4 do art.º 417.º do CPC, ”deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.”
Remete-se para o regime previsto no processo penal a fim de solucionar o conflito que surja entre uma determinada pretensão probatória e a invocação de dever de sigilo.
Haverá que ver, então, o que a este respeito se prevê no Código de Processo Penal.
Disciplina sobre a matéria o artigo 135.º (com a redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto) – com a epigrafe “Segredo profissional” - , dispondo o seguinte:
“1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.
2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.
3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
4 - Nos casos previstos nos n.ºs. 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.
5 - O disposto nos n.ºs. 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso.”
Tendo o tribunal perante o qual foi suscitado o incidente de invocação do segredo profissional concluído pela legitimidade da recusa, caberá ao tribunal superior apreciar se deve ou não ser quebrado o segredo profissional.
Ou seja: “Só após se considerar legítima a escusa invocada é que o presente incidente deve ser suscitado e depois remetido a este Tribunal da Relação, que apenas se pronuncia sobre a dispensa/quebra do sigilo profissional (como resulta das disposições conjugadas dos art. 417.º/4 do CPC e 135.º/2 e 3 do CPP)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-06-2018, Processo n.º 768/16.2T8CBR-C.C1, relator BARATEIRO MARTINS).
Para tal, o tribunal que conhece do incidente deve considerar que a quebra é justificada “segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante”, nomeadamente tendo em conta a “imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade”, a “gravidade do crime” e a “necessidade de proteção de bens jurídicos”.
“Tudo em consonância com os princípios a observar em caso de colisão de direitos (art.º 335.º do Código Civil), segundo os quais, se forem da mesma espécie, os respetivos titulares deverão ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes, devendo prevalecer, no caso de direitos desiguais ou de espécie diferente, o que for considerado superior. Sendo certo que as restrições aos direitos, liberdades e garantias, quando admitidas, deverão “limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (n.º 2 do art.º 18.º da CRP)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-04-2018, Processo 18479/16.7T8LSB-A.L1-2, rel. JORGE LEAL).
Revertendo estas considerações para o caso em apreço, verifica-se que o despacho recorrido, prolatado em sede de audiência prévia, após a prolação de despacho saneador, indeferiu a aludida pretensão de notificação para obtenção de documentos, em suma, com a seguinte argumentação:
1) Quanto aos extratos da conta titulada pelo cabeça de casal da herança de (…): Entende o Tribunal recorrido que, nada há a determinar, por se encontrarem juntos os elementos de fls. 267 verso a 276 (respeitante ao ano de 2017) e 407 a 409 (respeitante ao ano de 2018);
2) Quanto aos extratos da conta pessoal do réu: Considera o Tribunal recorrido que, “pese embora o mesmo tenha admitido que recebeu algumas quantias na sua conta pessoal, as quais, segundo o mesmo foram indicadas nas contas apresentadas, e não tendo o réu voluntariamente satisfeito esse pedido”, os “interesses em presença” (considerando que, “os valores em presença são, de um lado, a proteção da vida pessoal do réu, e de outro, o interesse da autora em averiguar da veracidade da informação prestada pelo réu, na presente ação de prestação de contas da administração da herança de (…)”), “(…) estando em causa a violação da vida privada do réu”, pelo que conclui que “o pedido da autora é demasiado amplo, por um lado, implicando não apenas uma intromissão na vida do Réu muito além da medida do estritamente necessário, mas também desproporcional em relação aos interesses de descoberta da verdade material em presença nos autos” e, “por outro lado, a Autora não apresenta factos que permitam de forma fundamentada considerar que efetivamente o Réu poderá estar a ocultar rendimentos da herança, baseando antes o seu pedido antes no facto de haver imóveis que durante certos lapsos de tempo não apresentam rendimentos. Este fundamento é claramente insuficiente para considerar a escusa do réu ilegítima. Também a circunstância de haver despesas de água, luz e gás não permite considerar, por si só, e face às explicações oferecidas pelo réu, que existiram receitas ocultadas pelo réu e que justifiquem que o mesmo seja ordenado a juntar aqueles extratos. Acresce que a existirem “rendas ocultas”, não é sequer rigoroso que o extrato bancário da conta pessoal do Réu possa provar a existência de tais rendimentos, já que os pagamentos podem ser feitos em dinheiro. Assim, o meio de prova adequado para tal alegação de facto é outro que não o extrato bancário da conta pessoal do Réu, e que face ao ónus de prova que impende sobre quem alega o facto, cabe à Autora oferecer os meios de prova adequados”.
3) Quanto a informação a solicitar a empresas de fornecimento: Tendo a requerente pedido a identificação de contratos celebrados, entendeu o tribunal que tal pedido é impertinente, não permitindo alcançar o efeito de identificação de receitas obtidas com a administração da herança.
Apreciemos a correção de cada um dos aludidos segmentos decisórios, objeto da impugnação recursória.
1) Quanto aos extratos da conta titulada pelo cabeça de casal da herança de (…):
Relativamente a este ponto, o Tribunal recorrido considera que, atentos os elementos documentais já juntos – cfr. fls. 267 verso a 276 (respeitante ao ano de 2017) e 407 a 409 (respeitante ao ano de 2018) – não se justifica a notificação do requerido para a sua junção aos autos.
Pode afirmar-se que “um meio de prova será pertinente se com o mesmo se pretende provar um facto relevante para a resolução do litígio, seja de modo direto, por se tratar de um facto constitutivo, modificativo ou extintivo, seja de um modo indireto, por se tratar de um facto que permite acionar ou impugnar presunções das quais se extraiam factos essenciais ou ainda por se tratar de um facto importante para apreciar a fiabilidade de outro meio de prova.
(…) São desnecessários os documentos que, atento o estado da causa, sejam insuscetíveis de acrescentar um elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide, ou por dizerem respeito a factos que já se mostram devidamente comprovados, ou por respeitarem a factos que não constam do elenco a apurar na causa, ou ainda por já constar no processo documento de igual ou superior relevo” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pp. 511-512).
Poderá dizer-se que a junção aos autos dos extractos bancários pretendidos pela requerente não acrescentam nenhum relevo para a causa, ou que, para com ela não apresentam pertinência?
Em nosso entender, os documentos juntos de fls. 267 verso a 276 e 407 a 409, respeitantes a 2017 e 2018 não esgotam, o requerimento que, com inteira pertinência e legitimidade, foi efetuado em diversos momentos pela requerente, nos termos supra apontados.
Assim, como bem refere a requerente, o critério decisório de relevância, quanto aos extratos dos anos de 2017 e 2018 deveria valer, igualmente, para os demais anos relativamente aos quais a prestação de contas tem lugar (muito embora, claro está, apenas seja possível a junção de extratos bancários da conta em questão desde o momento da sua abertura).
O Tribunal deveria ter ordenado a junção dos extratos em falta e não dar-se por satisfeito com os já juntos ao processo.
E, na realidade, não se encontra cabalmente demonstrado que os documentos bancários da conta aberta pelo requerido, em nome da herança de sua mãe, sejam os únicos extratos bancários da conta em questão, importando que o requerido venha juntar aos autos todos os referidos extratos – sendo certo que, a prestação de contas dos autos, abrange, de acordo com o já decidido no processo, os anos de 2013 (desde o falecimento da “de cujus”) a 2019.
Não se mostra, pois, cabalmente demonstrado que, embora “tardiamente” aberta (como o admite o requerido no artigo 18.º do requerimento apresentado em 24-06-2019) a conta do Novo Banco, conste dos autos a integralidade dos extratos bancários de tal conta, pelo período a que se reporta a prestação de contas, pelo que, atenta a cabal pertinência para a decisão dos presentes autos, do apuramento dos movimentos referentes a tal conta, importará que o requerido seja notificado, como pretendido pela requerente, para juntar aos autos, os extratos em causa, desde a abertura de tal conta até ao ano de 2019, inclusive, excetuados, claro está, aqueles que já tenha feito juntar aos autos.
A decisão recorrida deverá, neste ponto, ser revogada e substituída por outra que determine uma tal notificação, seguindo-se os ulteriores termos.
2) Quanto aos extratos da conta pessoal do réu:
Relativamente a este ponto, considerou o Tribunal recorrido que, “pese embora o mesmo tenha admitido que recebeu algumas quantias na sua conta pessoal, as quais, segundo o mesmo foram indicadas nas contas apresentadas, e não tendo o réu voluntariamente satisfeito esse pedido”, os “interesses em presença” (considerando que, “os valores em presença são, de um lado, a proteção da vida pessoal do réu, e de outro, o interesse da autora em averiguar da veracidade da informação prestada pelo réu, na presente ação de prestação de contas da administração da herança de (…)”), “(…) estando em causa a violação da vida privada do réu”, pelo que conclui que “o pedido da autora é demasiado amplo, por um lado, implicando não apenas uma intromissão na vida do Réu muito além da medida do estritamente necessário, mas também desproporcional em relação aos interesses de descoberta da verdade material em presença nos autos” e, “por outro lado, a Autora não apresenta factos que permitam de forma fundamentada considerar que efetivamente o Réu poderá estar a ocultar rendimentos da herança, baseando antes o seu pedido antes no facto de haver imóveis que durante certos lapsos de tempo não apresentam rendimentos. Este fundamento é claramente insuficiente para considerar a escusa do réu ilegítima. Também a circunstância de haver despesas de água, luz e gás não permite considerar, por si só, e face às explicações oferecidas pelo réu, que existiram receitas ocultadas pelo réu e que justifiquem que o mesmo seja ordenado a juntar aqueles extratos. Acresce que a existirem “rendas ocultas”, não é sequer rigoroso que o extrato bancário da conta pessoal do Réu possa provar a existência de tais rendimentos, já que os pagamentos podem ser feitos em dinheiro. Assim, o meio de prova adequado para tal alegação de facto é outro que não o extrato bancário da conta pessoal do Réu, e que face ao ónus de prova que impende sobre quem alega o facto, cabe à Autora oferecer os meios de prova adequados”.
Sobre esta decisão a recorrente tece, na sua alegação, nomeadamente, as seguintes considerações:
“(…) 3. Resulta evidente das peças trazidas pelo Requerido aos autos que o mesmo mistura constantemente aquilo que são receitas e despesas da Herança com aquelas que são suas, rectius, com as despesas que são suas porque o Requerido não aufere receitas que não provenham do património da Herança. Esta mistura implica que o mesmo tenha sido apanhado neste processo a apresentar como despesas da Herança uma considerável quantidade de dispêndios seus, inclusive com facturas passadas em seu nome pessoal. Com a sua inclusão no acervo de despesas da Herança, o Requerido pretende causar dano à Requerente, na medida em que cada despesa dele que abate aos saldos da Herança é tentativa e indevidamente suportada em metade pela mesma Requerente, tal significando que – a levar o Requerido a sua avante – a Requerente sairá gravemente prejudicada.
Porém, no caso das despesas bastará ao Tribunal desconsiderá-las, excepto no tocante aos “empréstimos” contraídos pelo Requerido em seu proveito próprio mas assacados à Herança, relativamente aos quais importará ver qual a utilização que tiveram para que a Requerente possa demonstrar o seu ponto de vista.
4. O problema maior está, ainda assim, nas receitas. Ninguém coagiu o Requerido a utilizar as suas contas bancárias em nome pessoal para fazer circular dinheiro da Herança. Independentemente de toda a receita que o Requerido aufere vir, como se disse, da Herança, uma vez que não tem outras fontes de rendimento, sendo até flagrante o contraste entre a situação de quase miséria em que vive a Requerente enquanto o Requerido prospera, como nos autos está amplamente demonstrado, algo que – atendendo a que o saldo mensal da Herança deve ser dividido por dois – deveria ter feito o Tribunal a quo ponderar, o ponto reside em que no momento em que o Requerido utiliza as suas próprias contas bancárias para receber dinheiros que não lhe pertencem, está implicitamente a abdicar da protecção do sigilo bancário, na medida em que a dona de metade dessas receitas tem o direito de saber o que é feito com o seu dinheiro, essa metade que ao Requerido não pertence mas que circula abusivamente pelas contas bancárias que estão em nome do mesmo Requerido.
Os vários “lapsos” (leia-se sonegação de receitas) em que o Requerido já foi caçado nestes autos justificam, também eles, à saciedade fortes dúvidas sobre os montantes pertencentes à Herança que realmente foram recebidos nos quase sete exercícios que são objecto da análise da sua prestação de contas.
Perante este cenário, qual a privacidade constitucionalmente protegida que o Tribunal a quo pode querer aqui acautelar? Sobrepõe-se essa privacidade ao direito de propriedade da Requerente sobre os seus fundos que indevidamente andam em contas bancárias em nome pessoal do Requerido?!
Não se esqueça, só para dar um exemplo bem recente (a somar aos já dados supra em 2.), que num momento em que as contas apresentadas neste processo pelo próprio Requerido acusavam um saldo (já de si curto, diga-se) de 49.240,62 € a favor da Herança, o saldo bancário desta não excedia 2.750,28 € (cf. 3, sexto travessão, do requerimento de 14.9.2020 da Requerente, quando exerceu o contraditório sobre os docs. 67 a 67c juntos pelo Requerido a 1.9.2020 nos quais essa discrepância surge flagrante). Onde está então o resto do dinheiro?! Como pode a Requerente fazer prova das constantes (porque evidentes) omissões de receitas provenientes de rendas que alegou?!
Como pode o Tribunal a quo ter a certeza que o Requerido ocultou debaixo do colchão os pagamentos recebidos de inquilinos e não declarados nos autos?!
5. O Tribunal a quo decidiu pelo não levantamento do sigilo bancário ao arrepio de Jurisprudência quase pacífica, como a que ressuma dos Acórdãos de 8.11.2016 do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 2192/13.0TVLSB.L1.S1, da Relação de Guimarães de 25.6.2013, proferido no processo 2112/10.3TBVCT-A.G1, e de 15.11.2011, proferido no processo 134/09.6TBVLN-A.G1, Relação de Coimbra de 5.12.2006, proferido no processo 2294/06.9YRCBR, isto apenas para não enfadar o Tribunal ad quem com muitos outros.
E contradiz-se o Tribunal a quo, na medida em que reconhece que não houve separação, como devia ter havido, entre o que eram contas bancárias da Herança e contas bancárias do Requerido, por actuação voluntária (e dolosa) deste, e ainda assim vedou à Requerente os únicos meios de que dispõe para provar o que alega. E se ela alega (!), pois todas as suas peças processuais, que adiante se pedirão para incluir na certidão que instruirá o presente recurso, contêm referências à sonegação de receitas e ao empolamento de despesas, sendo certo que falamos aí apenas das alegações possíveis, pois a Requerente trabalha às escuras e só poderá aclarar bem melhor a sua posição quando tiver acesso aos registos bancários cuja junção requereu ao Tribunal que ordenasse”.
Ora, conforme decorre dos autos, em diversos momentos, as partes tiveram ocasião de se pronunciar sobre a temática em apreço.
Assim, por exemplo:
- No requerimento de 14-01-2019, a requerente alegou nos artigos 21.º a 23.º o seguinte:
“- 21. Sabe a Requerente que foi aberta recentemente uma conta bancária em nome da Herança, mas que anteriormente, os movimentos bancários – incluindo a receção de valores a título de rendas – foi feito na(s) conta(s) bancária(s) pessoais do Requerido.
22. Desta forma, e porque a verdade de outra forma não se alcançará nos presentes Autos, sempre deverá V. Exa. requerer expressamente ao Requerido que promova à junção:
a) dos extratos das contas bancárias por si tituladas, ou co-tituladas com a de cujus, desde 60 dias antes do óbito até à presente data;
b) dos extratos bancários da conta bancária aberta em nome da Herança.
23. Caso tal não venha a ser voluntariamente cumprido, sempre deverá V. Exa., e salvo o devido respeito, desencadear junto do Tribunal da Relação o incidente de quebra de segredo bancário de forma a obrigar as entidades bancárias a fornecer os elementos referentes a todas as contas tituladas ou co-tituladas pelo Requerido desde 60 dias antes do óbito da de cujus, com consequente levantamento do sigilo bancário, com o detalhe da movimentação, desde 60 dias antes do óbito até à presente data”.
Concluiu, nesse requerimento, pedindo a notificação do requerido para promover à junção nos presentes autos os seguintes documentos:
“i. Extratos das contas bancárias por si tituladas, ou co-tituladas com a de cujus, desde 60 dias antes do óbito até à presente data;
ii. Extratos bancários da conta bancária aberta em nome da Herança;
iii. Extrato bancário da conta bancária com o IBAN (…) desde 60 dias antes do óbito”.
- Na resposta de 29-01-2019, o requerido alegou, nomeadamente, o seguinte:
“(…) 7) Diante do que antecede o Requerido vem mui respeitosamente requerer a V. Exa. se digne admitir a rectificação dos lapsos materiais cometidos aquando da prestação de contas, o que faz no seguintes termos:
- O valor indicado sob a verba “IRS Mãe” no ano de 2013 deve ser corrigido para 2.569,00€, valor esse que foi o efectivamente pago pelo Requerido, conforme se alcança da conjugação da certidão emitida em 21-01-2019 pela Autoridade Tributária e Aduaneira (que ora se junta como Doc. n.º 1 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) com a cópia certificada do extracto de movimentos da conta pessoal do Requerido na Caixa Geral de Depósitos (que ora se junta como Doc. n.º 2 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) extracto esse no qual esse mesmo pagamento se mostra lançado na data de 20-09-2013, pese embora referenciado como “pagamento de IRC”, o que se deve a qualquer lapso informático do próprio banco, ao qual o Requerido é totalmente alheio (…).
79) Por último, no tocante à alínea c) do mesmo artigo 173, impõe-se repor a verdade: foi o Requerido quem, desde o início, assegurou que pretendia que a receita do arrendamento da Loja fosse repartida entre ambos “à cabeça” – ou seja, não ficando sujeita ao apuramento de saldos anuais dos proveitos da herança – tendo mesmo sugerido que tal repartição fosse logo feita pela sociedade inquilina aquando do pagamento da renda, mediante depósito directo de 50% de cada renda nas contas bancárias de cada um dos herdeiros.
80) O que se veio a revelar impossível, em virtude de a Requerente nunca ter indicado o IBAN de uma qualquer sua conta bancária para esse efeito…
81) Tendo, então, as rendas ficado a ser depositadas na conta aberta pelo cabeça de casal em nome da herança, no Novo Banco, a que corresponde o IBAN (…).
82) Conta essa da qual desde já se juntam todos os extractos bancários desde a sua abertura até ao final do ano de 2017. (Docs. n.ºs 19 a 24)”.
- No requerimento de 11-02-2019, a requerente vem requerer a notificação do requerido para para promover à junção de todos os extratos bancários das contas por si tituladas desde a data do óbito à presente data”.
- Nos artigos 59.º e 60.º do requerimento de 11-06-2019, a requerente reitera a notificação do requerido para juntar elementos bancários, nos termos antes peticionados.
- No artigo 18.º do requerimento de 24-06-2019, o requerido dá conta de que: “18) A conta bancária em nome da herança tardou em ser aberta – é um facto que se reconhece – em virtude de o Requerido se ter deparado com sérias dificuldades junto de vários bancos que para o efeito contactou, na medida em que lhe exigiam diversos dados pessoais da outra herdeira (aqui Requerente) os quais o Requerido não logrou obter em virtude da total falta de comunicação que existia [e existe…] entre ambos”.
- Nos artigos 18.º e 19.º do requerimento da requerente de 08-07-2019 refere a mesma que:
“(…) 18. Relativamente ao 18) e 19) da resposta do Requerido, sempre se dirá que este demorou quase 4 anos para abrir uma simples conta e continua passado mais de dois anos (de 20.06.2017 até à presente data) com «dificuldades» para que os inquilinos depositem as rendas na conta da herança.
19. Cabe relembrar que quando a de cujus faleceu, a 12.09.2013, o Requerido não teve dificuldades em informar os inquilinos, logo no mês seguinte ao falecimento, para que transferissem as rendas diretamente para a sua conta pessoal, como se demonstrará quando da apresentação dos respetivos extratos, já requerida.”
Conclui a requerente, em tal requerimento, pedindo que seja determinada:
“(…) a entrega dos extratos bancários de todas as contas pessoais do Requerido já identificadas nestes autos, desde 60 dias antes do óbito da de cujus até à presente;(…) a entrega dos extratos bancários completos da conta da Herança aberta pelo Requerido até à presente;”.
Ora, liminarmente, cumpre notar que foi o próprio requerido que - da forma como procurou justificar - abriu uma conta bancária em nome da herança, o que terá ocorrido “tardiamente” e que, antes, diversos valores da herança foram movimentados, de e para, as contas bancárias da sua titularidade.
Tal movimentação ocorreu por via de atuação imputável ao próprio requerido que, desse modo, para a finalidade que entendeu, utilizou tais contas como entreposto de suporte da administração da herança de que é cabeça-de-casal, tornando evidente o interesse e a relevância para a prestação de contas da aferição dos termos e da medida em que tal utilização teve lugar.
Tanto assim é que, o próprio requerido alegou que, “20.º (…)logo que iniciou o exercício das suas funções (no final de 2013) (…) viu-se forçado a contrair dois financiamentos bancários, no valor de € 5.000,00 cada um, a fim de poder fazer face aos encargos imediatos da herança, designadamente no tocante ao pagamento de impostos, uma vez que não existia qualquer liquidez disponível para o efeito.
21º Empréstimos bancários esses que, por razões de urgência e simplificação de procedimentos, o cabeça de casal de viu forçado a contrair a título pessoal, pese embora os tenha destinado a acudir à satisfação dos encargos da herança” (cfr. artigos 20.º e 21.º do requerimento de 12-11-2018).
E o mesmo decorre do alegado no artigo 7.º do requerimento do requerido de 29-01-2019.
Do mesmo modo, ao contrário do que se pressupõe na decisão recorrida, não resulta dos elementos dos autos, que o requerido se tenha recusado a juntar aos autos os elementos bancários em questão, apenas sucedendo que, na realidade, o Tribunal não o notificou para os juntar.
Ora, neste sentido, não se pode concluir – ao invés do que se fez na decisão recorrida – de que o requerido recusou a cooperação devida.
E, se assim é, prematura também se afigura a decisão –e a motivação que nela se espelha - sobre a prevalência e comparação entre os “interesses em presença”, pois, não se incorreu em situação de recusa de cooperação, nos termos do n.º 3 do artigo 417.º do CPC e, consequentemente, também não se logrou lançar mão do incidente a que se reporta o n.º 4 do mesmo artigo.
Neste sentido, se é certo que, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-03-2019 (Pº 9135/00.9TJLSB-N.L1-7, rel. HIGINA CASTELO), “a observação dos movimentos de uma conta bancária põe a nu muito da vida privada do seu titular, revelando por onde viajou, quando o fez, que estabelecimentos (restaurantes, supermercados, lojas, hotéis, ginásio) frequentou ou frequenta habitualmente, quando foi ao médico ou fez exames complementares de diagnóstico, quanto gasta em farmácia, etc.”, no caso, indemonstrada recusa do titular dos interesses atinentes à referida conta, fica-nos como único critério decisório, apenas o da relevância da documentação pretendida obter para o processo (cfr. artigos 417.º, n.º 1 e 429.º do CPC) e, como se viu, a mesma, atentas as próprias invocações do requerido, é de ter como inteiramente pertinente para a apreciação dos temas da prova da presente acção de prestação de contas.
Aliás, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-07-2019 (Pº 216/13.0TCFUN-B.L1-6, rel. NUNO RIBEIRO), em si mesmo, “o fornecimento de extractos referentes a contas bancárias identificadas e a um período temporal delimitado, não consubstancia, por si só, violação da intimidade da vida privada, na acepção constitucional e legalmente prevista, na ausência de outros elementos, cujo ónus de alegação cabe à parte onerada com o dever de apresentação. Para além de que o direito à intimidade da vida privada deve ser conciliado com o direito à produção de prova, invocando-se o «princípio da concordância prática», aflorado no artº 335º do Cód. Civil”.
Em síntese: Tendo o cabeça-de-casal de herança – relativamente a quem se requer a prestação de contas – efetuado, durante vários anos, movimentos bancários, quer com referência a contas pessoais, quer com referência a conta que abriu como administrador da herança, tem inteira relevância e pertinência para a causa, a notificação daquele para juntar aos autos os respetivos extratos bancários, pelo período temporal a que respeita a obrigação de prestação de contas da sua administração, não derivando de tal determinação de notificação, sem mais, alguma violação da tutela da vida privada do requerido.
Relativamente ao período temporal pelo qual se pretendem os elementos documentais, afigura-se-nos que o mesmo é excessivo, pois, nada permite, com razoabilidade, estender o período de obtenção da informação para momento temporal anterior ao início das funções de administração da herança pelo requerido e ao próprio período a que se reporta a prestação de contas dos autos.
A notificação do requerido para juntar aos autos os extratos bancários das suas contas bancárias deverá, assim, para se ajustar - em termos de razoabilidade e de proporcionalidade - à finalidade com a mesma pretendida, em consequência, limitar-se ao período da prestação de contas (ou seja, àquele que decorre desde o falecimento da mãe do requerido e até 2019), não se justificando – na falta de outros elementos que o determinassem e cuja invocação caberia à requerente (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC) - que retroaja aos 60 dias anteriores ao aludido falecimento.
3) Quanto a informação a solicitar a empresas de fornecimento:
Relativamente a este ponto, a decisão recorrida indeferiu a obtenção do elemento informativo pretendido com a invocação de que o mesmo não é pertinente, uma vez que não permite alcançar o efeito de identificação de receitas obtidas na administração da herança.
Como se viu, a informação/documento a obter será “pertinente” se a mesma se revestir de interesse para a decisão da causa.
Será, ao invés, “impertinente” o documento que diga respeito a factos estranhos à matéria da causa.
Ora, ponderado sob qualquer ponto de vista, não se alcança, perante o requerimento da ora recorrente, pertinência na obtenção da informação pretendida, acolhendo-se a fundamentação expressa pelo Tribunal recorrido.
Na realidade, como admite a própria requerente, não se aduz diretamente qualquer pertinência ou conexão com o apuramento das receitas em questão nos presentes autos, limitando-se a requerente a crer que as receitas existem e advêm de ocupação de imóveis, fazendo fé de que, obtida que seja a identificação do destinatário dos serviços – com os seus nomes e restantes dados identificativos – seja investigada “casuisticamente” a situação, para que os mesmos a expliquem.
Neste ponto, o requerido não tem pertinência, pelo que, neste particular, inexiste motivo para a revogação do decidido.
*
A apelação deverá, em conformidade com o exposto, ser julgada parcialmente procedente, concluindo-se pela revogação da decisão recorrida na parte em que indeferiu a notificação do requerido para juntar extratos bancários, que deverá ser substituída - na parte revogada – pela que determine a notificação do requerido para juntar aos autos:
a) Os extratos da conta titulada pelo cabeça de casal da herança de (…), junto do Novo Banco, S.A., desde a sua abertura e até 2019, inclusive, que não tenham sido já juntos aos autos; e
b) Os extratos das contas bancárias tituladas pelo requerido, em instituições bancárias, desde a data do óbito da falecida – 12-09-2013 e até 2019, inclusive.
*
No artigo 527.º, n.º 1, do CPC estipula-se que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cfr. artigo 529.º, n.º 1, do CPC).
As custas assumem, grosso modo, a natureza de taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, reduzindo os custos do seu funcionamento no âmbito do Orçamento Geral do Estado (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2°, 3.ª ed., p. 418).
A taxa de justiça corresponde ao montante pecuniário devido pelo impulso processual de cada interveniente – cfr. artigo 529.º, n.º 2, do CPC – representando a contrapartida do serviço judicial desenvolvido, sendo fixada, de acordo com o disposto no mencionado artigo 529.º, em função do valor e complexidade da causa, nos termos constantes do Regulamento das Custas Processuais, e paga, em regra, integralmente e de uma só vez, no início do processo, por cada parte ou sujeito processual.
As custas em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte - cf. art. 529°, n.° 1 do CPC -, sendo que a primeira corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa (cf. n.° 2 do art. 529°), ou seja, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (RCP), conforme o disposto nos seus artigos 5.° a 7.°, 11.°,13.° a 15.° e das tabelas I e II anexas.
Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do acto de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais como a acção, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso (cfr. Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7.ª edição, p. 15).
Nos termos do artigo 529.°, n.° 3, do CPC, os encargos são as despesas resultantes da condução do processo correspondentes às diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, cujo regime consta essencialmente dos artigos 16.° a 20.°, 23.° e 24.° do aludido Regulamento.
E, de acordo com o disposto no art.° 530.°, n.° 4 do CPC, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária nos termos do Regulamento, cujo regime consta essencialmente dos seus artigos 25.°, 26.° e 30.° a 33.° e da Portaria n.° 419-A/2009, de 17 de Abril.
A conjugação do disposto no art.° 527.°, n.°s. 1 e 2 com o n.° 6 do art.° 607.° e no n.° 2 do artigo 663.° do CPC permite aferir que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respectivo impulso processual.
De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A condenação em custas rege-se pelos aludidos princípios da causalidade e da sucumbência, temperados pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso e da justa medida (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, p. 359).
“Dá causa à acção, incidente ou recurso quem perde. Quanto à acção, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento (…)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., p. 419).
Assim, deve pagar as custas a parte que não tem razão, litiga sem fundamento ou exerce no processo uma actividade injustificada, pelo que interessa apurar o teor do dispositivo da decisão em confronto com a posição assumida por cada um dos litigantes.
O princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado, tendo presente, contudo, a especificidade acima apontada quanto à constituição da obrigação de pagamento da taxa de justiça, pelo que tal condenação envolve apenas as custas de parte e, em alguns casos, os encargos (cfr. Salvador da Costa, ob. cit., pp. 8-9).
Como tal, sempre que haja um vencido, com perda de causa, é sobre ele que deve recair, na precisa medida desse decaimento, a responsabilidade pela dívida de custas. Fica vencido quem na causa não viu os seus interesses satisfeitos; se tais interesses ficam totalmente postergados, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial.
“"Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou pacial dos seus interesses, ficando, pois, a seu cargo, a responsabilidade total ou parcial pelas custas” (assim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-1997, P.º 97S079, rel. MATOS CANAS).
Tendo em conta o referido e o vencimento havido, com parcial procedência da apelação, a responsabilidade tributária inerente ao presente recurso deverá incidir, em partes iguais, a cargo de requerente e do requerido.
*
5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível em, na parcial procedência da apelação, revogar a decisão recorrida, na parte em que indeferiu a notificação do requerido para juntar extratos bancários, a qual se substitui – na parte revogada - pela presente, determinando a notificação do requerido para juntar aos autos:
a) Os extratos da conta titulada pelo cabeça de casal da herança de (…), junto do Novo Banco, S.A., desde a sua abertura e até 2019, inclusive, que não tenham sido já juntos aos autos;
b) Os extratos das contas bancárias tituladas pelo requerido, em instituições bancárias, desde a data do óbito da falecida – 12-09-2013 e até 2019, inclusive.
Custas do presente recurso, em partes iguais, por ambas as partes.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 25 de março de 2021.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes