Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
71/15.5T8MFR.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
VENCIMENTO ANTECIPADO
PRESTAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (art.º 633.º n.º 7 do CPC)

É nula, por violação do disposto nos artigos 15.º e 19.º alínea c) da LCCG, a cláusula contratual geral, inserida num contrato de crédito ao consumo, que reconheça ao mutuante o direito, no caso de mora do devedor no pagamento das prestações acordadas, de exigir do mutuário o pagamento antecipado (a par do capital mutuado) dos juros remuneratórios futuros.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Em 09.3.2015 Banco, S.A., intentou ação com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra Ana.

O A. alegou, em síntese, que em 05.4.2011, para financiar a aquisição, pela R., de uma viatura automóvel, celebrou com a R. um contrato de mútuo, mediante o qual o A. emprestou à R. a quantia de € 12 393,00, com juros à taxa nominal de 9,684% ao ano, devendo aquela quantia, adicionada dos juros, comissão de gestão com imposto de selo incluído, imposto de selo de abertura de crédito e prémio de seguro de vida, ser reembolsada em 72 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 235,44 cada. Ficou expressamente acordado que em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas o A. poderia considerar vencidas todas as prestações incluindo juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Específicas. Mais foi acordado que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 9,684% - acrescida de 4 pontos percentuais. Em virtude das dificuldades denotadas pela R. para cumprir o contrato, procedeu-se ao alargamento do prazo de reembolso do empréstimo, que passou de 72 para 120 prestações, reduzindo-se o valor de cada prestação para € 99,16 cada, a partir da 38.ª prestação, a partir de 05.8.2014. Nesse cálculo levou-se já em consideração o valor obtido com a venda a terceiros da viatura financiada, que para o efeito havia sido entregue pela R. ao A.. Sucede que a R. também não pagou a 39.ª prestação, pelo que o A. deu por vencidas todas as prestações, tendo comunicado à R. a perda do benefício do prazo contratual, por carta que lhe enviou, com efeitos reportados a 05.8.2014. Até agora, a R. nada pagou. Assim, estão em dívida € 8 131,12, equivalente a 82 prestações vezes € 99.16, a que acrescem juros moratórios, à taxa de 13,684% ao ano, e imposto de selo sobre os juros, à taxa de 4% ao ano.

O A. terminou pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 8.131,12 acrescida de € 658,45 de juros vencidos até à data da propositura da ação – 09.3.2015 - e de € 26,34 de imposto de selo sobre os juros vencidos e ainda, os juros que sobre a dita quantia de € 8.131,12, se vencessem, à taxa anual de 13,684%, desde 10.3.2015 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recaísse e, ainda, no pagamento das custas, procuradoria e mais legal.

A R. contestou a ação, impugnando parcialmente a petição, alegando que, atendendo às prestações que pagara e ao valor por que a viatura viera a ser vendida a terceiro (€ 6 400,00), o total em débito era de € 4 874,72 e não os € 8 131,12 invocados pelo A., sendo sobre esse montante que caberia aplicar, a título de cláusula penal, a taxa de 13,684% ao ano, desde 05.8.2014, além da taxa de imposto de selo.

Prestados esclarecimentos pelas partes e exercido, pelo A., o direito de pronúncia sobre a questão, suscitada pelo tribunal a quo, da nulidade da cláusula penal, realizou-se audiência final e em 21.11.2016 foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, tendo sido emitido o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente:

a) condeno a R. a pagar à A. as prestações vencidas entre 05.08.2014 e 05.02.2015;

b) condeno a R. a restituir à A. o montante de capital que se encontrava em dívida a 09.02.2015;

c) condeno a R. a pagar à A. juros moratórios calculados nos termos previstos na alínea c) da cláusula 8ª a fls. 7 e seguintes, sobre as prestações vencidas entre 05.08.2014 e 05.02.2015 e referidas em a), desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento;

d) condeno, por fim, a R. a pagar à A. juros moratórios calculados nos termos previstos na alínea c) da cláusula 8.ª a fls. 8 verso e seguintes sobre o montante de capital devido a 09.02.2015 e não englobado nas prestações referidas em a), contabilizados desde essa data até efectivo e integral pagamento;

e) Absolvo a R. do demais peticionado.”

O A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou a seguinte conclusão:

Em conclusão, portanto, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos, tendo violado o disposto no artigo 20º do Decreto-Lei 133/2009, face ao que expressamente acordado foi pelas partes e dado como provado nos autos, como salientado já, pelo que o presente recurso deve ser julgado procedente e provado e, em consequência, a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a acção totalmente procedente e provada, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei à matéria de facto provada nos autos, desta forma se fazendo, Justiça.

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO

A questão que se suscita nestes autos é se o A. tem direito a reclamar da R. o correspondente aos juros remuneratórios contidos nas prestações antecipadamente vencidas no âmbito do contrato de crédito ao consumo celebrado entre as partes.

O tribunal a quo deu como provada, sem impugnação pelas partes, a seguinte

Matéria de facto

1. A A. é uma sociedade anónima que se dedica à actividade bancária;

2. Pelo documento de fls. 8 e seguintes, subscrito pelas partes a 05.04.2011, a A. acordou emprestar à R. a quantia de € 12.393,00, a restituir em 72 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira a 10.05.2011 e as demais em igual dia dos meses subsequentes;

4. [na sentença falta um número 3] A A. entregou a quantia pecuniária acima referida à R., que esta destinou a custear a aquisição de um veículo automóvel;

5. Na cláusula 8. das Condições Gerais do escrito acima identificado, constante a fls. 8 verso dos autos, convencionaram as partes o seguinte:

Mora e Cláusula Penal

a) O(s) Mutuário(s) ficará(ão) constituído(s) em mora no caso de não efectuar(em), aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação.

b) Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o Banif Mais poderá considerar vencidas todas as restantes prestações, incluindo nelas os juros remuneratórios e demais encargos incorporados …:

c) Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais.

6. As aqui partes acordaram, por escritos de fls. 9 verso e 10, a alteração da data de vencimento de cada uma das prestações mensais para o dia 5 de cada mês, o alargamento do prazo do empréstimo de 72 para 120 prestações, bem como a alteração do valor da prestação mensal que passou assim de € 235,44 para € 99,16, a partir de 05 de Agosto de 2014, ou seja da 38.ª prestação;

7. A R. entregou à A. a viatura que adquiriu com recurso ao financiamento obtido pela outorga do contrato dos autos, para que esta a vendesse por sua conta e com o produto da mesma fossem pagas as prestações vencidas entre 05.12.2012 e 05.06.2014;

8. A A. diligenciou no sentido da venda o veículo em leilão, o que conseguiu fazer pelo valor de € 6.800,00, tendo despendido a quantia de € 378,84 em transportes, comissão de venda e recuperação do veículo, e aplicado o restante no pagamento das prestações referidas em 7.;

9. A R. não pagou as prestações a partir da 39.ª, tendo-se esta vencido a 05.08.2014;

10. Por carta datada de 19.01.2015, remetida pela A. à R. para a morada deste constante do escrito de fls. 8 e seguintes, aquela comunicou o seguinte, entre o demais consignado a fls. 10 verso:

Apesar de todas as diligências e insistentes contactos já ocorridos continua V.Exa. sem pagar as importâncias em dívida do contrato em referência.

Encontram-se em débito 3 ou mais prestações sucessivas ou seja:

Assim, …, comunicamos a V.Exa. que lhe concedemos o prazo suplementar de 20 dias de calendário a contar da data da presente, para proceder ao pagamento do montante das ditas prestações, ….

Caso até ao termo limite do referido prazo não seja efectuado o pagamento da referida importância consideramos, nos termos expressamente acordados, vencidas todas as demais prestações por perda do benefício do prazo contratual.

11. A R. não procedeu ao pagamento das prestações referidas em 10. no prazo para tanto concedido pela A..

O Direito

Está assente que o A. e a R. subscreveram o escrito de que existe cópia a fls. 8 e 9 dos autos, o qual consubstancia um contrato de financiamento para aquisição a crédito, integrado na atividade bancária da primeira.

Tal "contrato de crédito" está definido no art. 4.º, al. c), do Dec.-Lei n.º 133/2009, de 02/6 (diploma que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores e, subsequentemente alterado pelo Dec.-Lei n.º 72-A/2010, de 17.6 e pelo Dec.-Lei n.º 42-A/2013, de 28.3, transpôs também a Diretiva 2011/90/EU da Comissão de 14 de novembro), como sendo "o contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante".

No caso concreto, o aludido escrito reconduz-se a um contrato de mútuo, que teve em vista financiar a aquisição de um bem vendido ao consumidor por terceiro (alínea o) do art.º 4.º do referido Dec.-Lei).

Um dos efeitos essenciais do contrato em causa é a obrigação de o consumidor restituir o valor emprestado acrescido dos respetivos juros, no prazo acordado, como resulta dos arts. 1142.° e 1145.º do Código Civil, 395.º do Código Comercial e 2.º n.º 1 alínea f) do Dec.-Lei nº 133/2009 e ainda das respetivas cláusulas (os contratos devem ser pontualmente cumpridos – art.º 406.º n.º 1 do Código Civil).

Ao abrigo do contrato sub judice o A. entregou à R., para aquisição de uma viatura automóvel, a quantia de € 12.393,00, que a R. deveria restituir em 72 prestações mensais, juntamente com o correspondente a juros (remuneratórios) e outros encargos.

Mais tarde o contrato foi renegociado, dilatando-se para 120 o número de prestações mensais, e reduzindo-se o valor de cada prestação.

No contrato ficou estipulado, sob o n.º 8, alínea b), que em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o A. poderia considerar vencidas todas as restantes prestações. Mais se estipulou, sob a mesma alínea, que o referido vencimento antecipado das prestações incluiria os juros remuneratórios e demais encargos incorporados.

Ora, o tribunal a quo entendeu que esta regra contratual, na parte em que inclui no vencimento imediato das prestações futuras o correspondente aos juros remuneratórios futuros, é nula, não devendo, pois, ser considerada – pois consubstanciaria cláusula penal desproporcionada, proibida nos termos da alínea c) do art.º 19.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10.

Entendimento contrário tem o apelante, que nesse sentido invoca o que foi expressamente acordado entre as partes, ou seja, o princípio da liberdade contratual, e bem assim o teor do art.º 20.º do Dec.-Lei n.º 133/2009, de 02.6.

Diga-se, desde já, que sobre esta questão os tribunais portugueses não têm emitido juízo unânime, embora o desfecho propugnado pelo tribunal a quo se apresente, segundo cremos, a avaliar pela jurisprudência publicitada, como maioritário.

Assim, no sentido defendido pelo apelante, reportando-nos a decisões posteriores ao acórdão do STJ, de uniformização de jurisprudência, de 25.3.2009, n.º 7/2009, publicado no D.R., 1.ª série, em 05.5.2009, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 04.7.2013, processo 1916/12.7TBPDL.L1-2; acórdão da Relação de Guimarães, 15.10.2013, processo 3258/11.6TBVCT.G1; acórdão da Relação de Guimarães, 14.11.2013, processo 46/12.6TCGMR.G1; acórdão da Relação do Porto, 09.6.2015, processo 2188/12.8TBPNF.P1.

Defendendo a nulidade da aludida cláusula (embora com algumas divergências na fundamentação), veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 11.9.2012, processo 3203/11.9TBFUN.L1-7; acórdão da Relação de Lisboa, de 06.11.2012, processo 1834/12.9TJLSB.L1-7; acórdão da Relação de Lisboa, de 07.02.2013, processo 10/11.2 TBAGH.L1-2 (relatado pelo ora Exm.º 2.º adjunto); acórdão da Relação do Porto, de 10.11.2015, processo 1060/15.5T8PVZ.P1; acórdão da Relação do Porto, de 25.10.2016, processo 455/16.1T8VFR.P1; acórdão da Relação de Guimarães, de 14.4.2016, processo 20/14.8T8FAF.G1; acórdão da Relação de Coimbra, de 29.5.2012, processo 2715/11.9TBACB.CV1; acórdão da Relação de Coimbra, de 13.11.2012, processo 67/12.9T2VGS.C1; acórdão da Relação de Évora, de 13.02.2014, processo 1665/11.3TBCTX.E1; acórdão da Relação de Évora, de 12.02.2015, processo 341/13.7TBVV.E1; acórdão da Relação de Évora, 08.9.2016, processo 431/12.3TBBJA.E1; acórdão da Relação de Évora, de 09.3.2017, processo 6589/15.2T8STB.E1. – todos consultáveis na internet, base de dados do IGFEJ.

Vejamos.

Ao contrato sub judice aplica-se o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, previsto pelo Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10, com as alterações publicitadas. Isto porque o aludido contrato assumiu a forma de um contrato de mera adesão, cujas cláusulas estão previamente elaboradas por um dos contraentes (no caso, a financiadora), que as consigna numa generalidade de contratos, sem possibilidade de negociação prévia por parte dos outros contraentes.

O contrato sub judice é um formulário, em que as “condições específicas”, alusivas às circunstâncias individuais do contraente, constam na parte da frente do documento, e as “condições gerais”, iguais para todos os contratos, figuram no verso do documento. No caso destes autos, a mutuária e o mutuante apuseram a respetiva assinatura tanto no final da primeira página do documento como no final do respetivo verso. Assim, contrariamente ao que sucede em muitas outras situações que têm sido apreciadas nesta Relação, neste processo não há que aplicar o disposto na alínea d) do art.º 8.º do Dec.-Lei n.º 446/85, segundo a qual consideram-se excluídas do contrato “as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contraentes”.

Por outro lado, resulta do documento junto a fls 7 dos autos que à mutuária foi fornecida a “ficha de informação normalizada em matéria de crédito aos consumidores”, que constitui a informação pré-contratual que deve, nos termos do n.º 5 do art.º 5.º e do art.º 6.º do Dec.-Lei n.º 133/2009, ser entregue ao consumidor na data da apresentação de uma oferta de crédito ou previamente à celebração do contrato de crédito.

Assim, à luz do regime das cláusulas contratuais gerais a vinculação da R. ao aludido clausulado apenas poderá ser excluída por força da nulidade prevista nos artigos 12.º e seguintes da LCCG.

Como princípio geral, consigna-se na LCCG que “são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé” (art.º 15.º). Num esforço de concretização de tal princípio, acrescenta-se no art.º 16.º que na aplicação da norma anterior “devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:

a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;

b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.”

O legislador tratou de enunciar cláusulas contratuais gerais que deverão ser consideradas absolutamente proibidas, sem prejuízo de outras, não expressamente previstas, que mereçam tal epíteto (artigos 18.º e 21.º) e, também exemplificativamente, cláusulas relativamente proibidas, ou seja, que poderão ser qualificadas de proibidas se a tal apontar o respetivo “quadro negocial padronizado” (artigos 19.º e 22.º).

No art.º 12.º da LCCG anuncia-se que “as cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos”.

A boa-fé tida em vista neste diploma é a boa-fé objetiva, aqui apresentada em termos que, nas palavras dos autores do anteprojeto do Dec.-Lei n.º 446/85, exprime um princípio normativo que não fornece ao julgador uma regra apta a aplicação imediata, mas apenas uma proposta ou plano de disciplina, “ficando aberta, deste modo, a possibilidade de atingir todas as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências fundamentais de justiça” (Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, “Cláusulas contratuais gerais, anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro”, Livraria Almedina, 1986, pág. 39). Afigura-se-nos que, mais do que a “aparência de um critério” ou “etiqueta em branco” (como a apelida o Professor Oliveira Ascensão in Cláusulas contratuais gerais, cláusulas abusivas e boa fé”, Revista da Ordem dos Advogados, ano LX, vol. 2 – Abril 2000 – pág. 589), o apelo à boa-fé funciona aqui, servindo-nos da expressão do Professor Joaquim de Sousa Ribeiro, como “senha de entrada” que abre a via metodológica de uma ponderação objetiva de interesses (“O problema do contrato, as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual”, Almedina, reimpressão, 2003, páginas 557 e 558), que opera no campo do exercício da liberdade contratual na fixação do conteúdo dos contratos (Joaquim de Sousa Ribeiro, obra citada, pág. 562). Quem tem o poder de pré-estabelecer os termos dos negócios jurídicos na área onde exerce a sua atividade, antecipadamente à própria determinação da contraparte, deve sopesar também os interesses previsíveis dos aderentes, em ordem a atingir um equilíbrio para cuja avaliação as soluções dispositivas/supletivas previstas na ordem jurídica constituem um padrão de referência (cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, obra citada, páginas 570, 579 a 583; também Almeno de Sá, “Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas”, citado, páginas 261 e 262). Nos considerandos da supra referida Diretiva 93/13/CE expressamente se expende que “a exigência de boa fé pode ser satisfeita pelo profissional, tratando de forma leal e equitativa com a outra parte, cujos legítimos interesses deve ter em conta”. E no art.º 3.º n.º 1 da Diretiva consigna-se que “uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé [concorda-se com Almeno de Sá, segundo o qual a tradução correta para a versão portuguesa da Diretiva seria “contra a boa-fé” – obra citada, página 71, nota 83], der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.” Poderá concordar-se com José Manuel Araújo de Barros, quando defende que “uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes resultar para o predisponente uma vantagem injustificável” (“Cláusulas contratuais gerais, DL n.º 446/85 – anotado, Recolha jurisprudencial”, Wolters Kluwer – Coimbra Editora, 2010, pág. 172).

No âmbito do esforço de concretização, meramente exemplificativa, de cláusulas que poderão, à luz do respetivo “quadro negocial padronizado”, ser julgadas nulas, por proibidas, a LCCJ enuncia, na alínea c) do art.º 19.º, as cláusulas contratuais gerais que “consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.”

Tal regra corresponde, no Anexo da Diretiva 93/13/CEE, que contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas, à alínea e) do n.º 1, que considera serem abusivas cláusulas que têm como objetivo ou como efeito “impor ao consumidor que não cumpra as suas obrigações uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado.”

O devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor (art.º 798.º do Código Civil). O incumprimento pode traduzir-se no mero atraso na realização da prestação (mora – art.º 804.º do Código Civil), no cumprimento defeituoso da obrigação (art.º 799.º n.º 1, parte final, do C. Civ.) ou no seu incumprimento definitivo (art.º 808.º do C. Civ.). Presume-se que o incumprimento advém de culpa do devedor, cabendo a este ilidir essa presunção (art.º 799.º n.º 1 do Código Civil).

O credor tem direito a ser ressarcido dos danos emergentes do incumprimento (artigos 562.º e seguintes, do C. Civ.).

As partes podem convencionar antecipadamente o montante da indemnização exigível, para qualquer das modalidades de incumprimento (cláusula penal - artigos 810.º e 811.º n.º 1 do Código Civil).

Ou seja, a cláusula penal tanto pode ser estipulada para a determinação a forfait da indemnização devida em situações de mora como para a determinação da indemnização devida em casos de incumprimento definitivo da obrigação.

Esta cláusula tem a vantagem de poupar às partes os inconvenientes decorrentes da necessidade de fazerem o levantamento e a demonstração dos danos provocados pelo incumprimento e de dirimirem a controvérsia daí adveniente.

Por outro lado, contém ou pode conter uma dimensão compulsória, no sentido de pressionar as partes a honrarem os compromissos assumidos a fim de evitarem as consequências, já estipuladas, que lhes adviririam do incumprimento.

No âmbito da contratação individualizada a lei consigna a possibilidade de controle judicial do equilíbrio da aludida cláusula: no n.º 1 do art.º 812.º do Código Civil estipula-se que “a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, é nula qualquer estipulação em contrário.

Como se viu, também no campo da contratação massificada ou despersonalizada, e por maioria de razão, o legislador intervém, incluindo, na lista exemplificativa de cláusulas contratuais gerais relativamente proibidas, ou seja, proscritas consoante o quadro negocial padronizado em que se inserem (art.º 19.º da LCCG), as ccg que “consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir” (alínea c) da LCCG).

Este conceito, de cláusula penal desproporcionada, mereceu do STJ as seguintes considerações: “o conceito indeterminado "cláusulas penais desproporcionadas" é uma noção de tipo descritivo, não apontando o qualificativo "desproporcionadas" para uma pura e simples superioridade das penas estabelecidas em relação ao montante dos danos. Pelo contrário, deve entender-se, "de harmonia com as exigências do tráfico e segundo um juízo de razoabilidade, que a hipótese em análise só ficará preenchida quando se detectar uma desproporção sensível" - Prof. Almeida Costa e Prof. Menezes Cordeiro - "Cláusulas Contratuais Gerais", Coimbra, 1986, pág. 46/47.” (acórdão de 03.6.2003, processo 02A2973). Em resposta àqueles que apontam a diferença de redação existente entre a referida norma da LCCG e a do art.º 812.º do CC (naquela não se fala em desproporção “manifesta”, ao contrário desta, em que a censura legal se dirige, textualmente, a cláusula penal “manifestamente excessiva”), diz o STJ que “pese embora a diferença de redacção (…), a desproporção tem de ser sensível. É o que resulta, por um lado, da comparação com o conceito de abuso de direito segundo o qual a violação das regras da boa fé para o instituto funcionar exige que haja uma violação manifesta, sendo que, como dissemos já, a boa fé está subjacente à introdução das proibições do tipo da aqui em apreço. Por outro lado a finalidade compulsória inerente à fixação da cláusula penal exige a existência de um certo grau de desproporção, sob pena de inviabilizar os referidos fins compulsórios. Além disso, estando em causa a regulação do comércio jurídico entre particulares, o princípio da liberdade contratual fixado no art. 405.º, n.º 1 do Cód. Civil não deve ceder senão quando se levantaram razões com um certo grau de relevância social, o que nos não parece verificar no caso de a cláusula contratual geral apenas permitir uma pequena desproporção entre o dano a reparar e a pena fixada – avaliando o dano em moldes objectivos, como dissemos acima” (acórdão de 12.6.2007, processo 07A1701).

Também no acórdão do STJ, de 28.3.2017 (processo 2041/13.9TVLSB.L1.S1), se recorda a finalidade coercitiva que se co-imputa à cláusula penal, para se ajuizar que “só é de afirmar a desproporção quando a pena atinge um montante que ultrapassa tudo o que ainda corresponde, minimamente, a um cálculo baseado em índices de tipicidade e normalidade”, citando-se diversos autores para reforçar essa ideia: “note-se que, segundo António Pinto Monteiro, ob.cit., págs.599 e 600, e segundo Almeida Costa e Menezes Cordeiro, ob.cit., pág.47, o pressuposto da al. c) do art.19º só estará preenchido caso se detecte uma desproporção sensível, não bastando, pois, que a pena se mostre superior ao dano. No mesmo sentido, Calvão da Silva, ob.cit., págs.191 e 192, quando afirma que a desproporção terá que se traduzir numa excessividade significativa, ainda que não manifesta ou exorbitante, relativamente ao dano real, não podendo, pois, considerar-se proibida toda e qualquer cláusula penal superior ao dano, ainda que ligeiramente, em nome da dupla função que a caracteriza (coercitiva e indemnizatória).”

Não se deixa, nesse acórdão do STJ (de 28.3.2017), de apontar a posição discordante de Joaquim Sousa Ribeiro. De facto, este autor entende que a aludida desproporção não tem de ser qualificada, isto é, não tem de ser sensível, manifesta, flagrante, estando inviabilizada, “na prática, a utilização, no âmbito das c.c.g. (…) de cláusulas penais com finalidade predominantemente coerciva” (Responsabilidade e garantia em cláusulas contratuais gerais”, in “Direito dos contratos. Estudos”, Coimbra Editora, 2007, páginas 142 a 144, nota 95 na página 143). Tal decorre, segundo Sousa Ribeiro, desde logo, do elemento literal, onde não se utiliza qualquer termo graduador da desproporção relevante, contrariamente não só ao que ocorre no art.º 812.º do Código Civil como em outras disposições da LCCG (por exemplo, “prazos manifestamente curtos”, na alínea d) do art.º 22.º; “garantias demasiado elevadas ou excessivamente onerosas”, na alínea i) do art.º 22.º). Mas também de razões de fundo, emergentes do particular contexto teleológico e normativo do regime das c.c.g., que sujeita o utilizador dessas cláusulas a um controlo do seu conteúdo e a mais apertados limites de conformação, pelo que “não será de estranhar que um desvio, mesmo não especialmente gravoso, à medida previsível do dano possa fundamentar um juízo negativo e a oposição do legislador” (estudo citado, pág. 143). Também Ana Prata (Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 2010, páginas 414, 419 a 423, 433) e Ana Filipa Morais Antunes (Comentário à lei das cláusulas contratuais gerais, Coimbra Editora, 2013, página 296) se mostram contrárias à supra referida visão da desproporcionalidade alegadamente tida em vista nesta norma legal. De todo o modo, nesta visão mais exigente (para o predisponente) não se procura uma perfeita coincidência de valores entre a sanção penal e os danos efetivamente sofridos, mas que a sanção penal abstratamente fixada se harmonize com os danos que o predisponente previsivelmente sofreria, em face das circunstâncias típicas do negócio e o normal desenrolar das coisas. Estará em causa, pois, “um juízo de adequação a um espectro de valores, o qual admite gradações aproximativas, só sendo de afirmar desproporção quando a pena atinge um montante que ultrapassa tudo o que ainda corresponde minimamente a um cálculo baseado em índices de tipicidade e normalidade” (Sousa Ribeiro, estudo citado, pág. 144). Sousa Ribeiro reconhece que “esta relativa margem de flexibilidade no juízo de proporção entre a perda e o dano atenuará fortemente, nos seus resultados práticos, a diferença entre os dois critérios interpretativos” realçando, porém, que o entendimento contrário ao seu “corre o risco, além do mais, de contribuir para a ideia infundamentada de que o diploma só proíbe os abusos particularmente chocantes” (nota 96, pág. 144).

Atendo-se a uma análise da desproporção entre cláusula penal e os danos numa perspetiva meramente ressarcitória (obnubilando, pois, a dimensão coerciva), que nos parece a mais adequada, vejam-se os acórdãos do STJ, de 14.12.2016, processo 20054/10.0T2SNT.L2.S1, e de 05.5.2016, processo 13161/14.2T2SNT.L1.S1.

O Tribunal de Justiça, em processos de pedido de decisão prejudicial tendo em vista a interpretação da aludida alínea e) do Anexo da Diretiva 93/13/CEE (que, recorde-se, considera serem abusivas cláusulas que têm como objetivo ou como efeito “impor ao consumidor que não cumpra as suas obrigações uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado”), tem defendido que “para saber se uma cláusula cria, em detrimento do consumidor, um «desequilíbrio significativo» entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, há que ter em conta, designadamente, as normas de direito nacional aplicáveis na falta de acordo das partes nesse sentido. É através de uma análise comparativa deste tipo que o órgão jurisdicional nacional poderá avaliar se e em que medida o contrato coloca o consumidor numa situação menos favorável do que a prevista no direito nacional em vigor” (acórdão “Aziz”, de 14.3.2013, C-415/11, ponto 68). Acrescentando-se que “no que respeita ao facto de saber em que circunstâncias foi criado esse desequilíbrio «a despeito da exigência de boa-fé», importa declarar que, atendendo ao décimo sexto considerando da diretiva (…), o tribunal nacional deve verificar, para o efeito, se o profissional, ao tratar de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que ele aceitaria essa cláusula, na sequência de uma negociação individual” (ponto 69). Mais recorda, o TJ, que “o caráter abusivo de uma cláusula contratual deve ser apreciado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração (…). Daqui decorre que, nesta perspetiva, devem igualmente ser apreciadas as consequências que a referida cláusula pode ter no âmbito do direito aplicável ao contrato, o que implica um exame do sistema jurídico nacional (…)” – ponto 71 do referido acórdão “Aziz”. E, reportando-se a uma cláusula contratual geral que fixava elevada taxa de juros de mora, o TJ exprimiu-se assim: “quanto à cláusula relativa à fixação dos juros de mora, há que recordar que, à luz do n. 1, alínea e), do anexo da diretiva, lido em conjugação com as disposições dos artigos 3.°, n. 1, e 4.°, n.° 1, da diretiva, o órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar, designadamente, (…) por um lado, as normas nacionais aplicáveis entre as partes, quando não tenha sido estabelecida nenhuma convenção no contrato em causa ou noutros contratos desse tipo celebrados com os consumidores, e, por outro, o montante da taxa de juros de mora fixada, por comparação com a taxa de juro legal, para verificar se tal montante é adequado para garantir a realização dos objetivos que no Estado-Membro em causa são atribuídos aos juros de mora e se não ultrapassa o que é necessário para os atingir” (ponto 74 do acórdão).

Em suma, na apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual geral, para o efeito de aplicação das cominações emergentes do respetivo regime de proteção do consumidor, nomeadamente em relação a cláusulas penais, haverá que analisar o regime legal supletivo em vigor, discernir os fins visados pelo legislador nacional ao fixar tal regime e avaliar se o predisponente, “ao tratar de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que ele aceitaria a cláusula em questão, na sequência de uma negociação individual” (de acordo com o dispositivo do aludido acórdão do TJ).

O apelante invoca o disposto no art.º 20.º do Dec.-Lei n.º 133/2009.

Esse artigo tem, sob a epígrafe “não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor”, o seguinte teor:

1 - Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:

a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10 % do montante total do crédito;

b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.

2 - A resolução do contrato de crédito pelo credor não obsta a que este possa exigir o pagamento de eventual sanção contratual ou a indemnização, nos termos gerais.”

Este artigo regula os pressupostos e formalismos a adotar, em termos mínimos (no sentido do interesse do consumidor), em caso de mora do devedor no pagamento das prestações emergentes do contrato. Assim, em alternativa à resolução do contrato, o credor poderá impor ao devedor a perda do benefício do prazo, reclamando antecipadamente as prestações vincendas – isto desde que estejam em falta pelo menos duas prestações sucessivas e que o seu valor exceda o correspondente a 10% do montante total do crédito – mediante a interpelação prévia regulada na alínea b) do n.º 1 transcrito.

No que concerne à perda do benefício do prazo relativamente a prestações que, conforme em regra ocorre nestes contratos, integram prestações de capital e ainda juros remuneratórios, mantém atualidade e pertinência a doutrina que prevaleceu no acórdão do STJ, de uniformização de jurisprudência, n.º 7/2009, de 25.3, publicado no D.R., 1.ª série, de 5.5.2009, no sentido de que “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporada.”

De facto, é sabido que o artigo 781.º do Código Civil tem em vista obrigações cujo objeto, globalmente fixado, se reparte em várias frações, escalonadas ao longo do tempo. O objeto da obrigação está fixado desde a constituição da dívida, e só o seu pagamento é repartido em frações, em regra para facilidade do devedor. Esta regra não se aplica às obrigações de prestação continuada e de trato sucessivo, em que o tempo exerce uma influência essencial na determinação da prestação debitória (v.g., Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, 7ª edição, Almedina, pág. 52). Nestas últimas situações, em vez de uma única prestação, a realizar por partes (prestação fracionada), existem, embora decorrentes de uma só relação obrigacional, diversas prestações, a satisfazer regularmente ou sem regularidade exata: as rendas, os juros, os salários (v.g., Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, pág. 700). Conforme expendia Vaz Serra, no âmbito dos trabalhos preparatórios do Código Civil (“Tempo da prestação. Denúncia”, BMJ, nº 50, pág. 174), “a imediata exigibilidade das prestações em dívida, quando se não paga uma delas, não se justifica senão em relação ao caso de haver uma só dívida, pagável em prestações. Se há várias prestações, mas cada uma destas representa uma dívida distinta (como sucede com as rendas, os salários, as pensões alimentares), não existe fundamento para aquela exigibilidade imediata. Supõe-se, nesta, que uma dívida, que deveria em princípio ser paga de uma vez, se estabelece que será paga em diferentes prestações. Com isto, pretende dar-se ao devedor um meio mais fácil de cumprir”.

O juro constitui o rendimento (integrado no conceito de “fruto civil”, referido no art.º 212.º nº 2 do Código Civil) de uma obrigação de capital. Os juros são “a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital, sendo o seu montante em regra determinado como uma fracção do capital correspondente ao tempo da sua utilização” (A. Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 8.ª edição, Almedina, páginas 885 e 886). O seu montante varia em função de três fatores: o valor do capital devido, o tempo durante o qual se mantém a privação deste por parte do credor e a taxa de remuneração fixada por lei ou estipulada pelas partes.

A falta de pagamento dos juros vencidos não implica o vencimento antecipado de juros futuros, ou seja, não se integra na previsão do art.º 781.º do Código Civil (Almeida Costa, obra citada, pág. 1019; idem, Luís de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume III, 2016, 11.ª edição, pág. 405); por outro lado, também não implica o vencimento antecipado das prestações em que estiver fracionado o pagamento do capital, uma vez que se trata de obrigações distintas (Vaz Serra, Tempo da prestação…, páginas 54, 176 e 177; A. Varela, Das obrigações…, vol. II, pág. 54). A falta de pagamento dos juros remuneratórios, na pendência da obrigação de capital com pagamento fracionado, poderá fundar a resolução do contrato (cfr., no contrato de mútuo oneroso, art.º 1150.º do Código Civil), resolução essa que não se identifica com o vencimento de todas as prestações (amortização e respetivos juros) contraídas pelo mutuário em falta (A. Varela, Das obrigações…, vol. II, pág. 54, nota 3).

Isto exposto, é óbvio que em casos como o dos autos o cálculo do montante global a ser pago a título de juros remuneratórios é decisivamente determinado (para além de outros fatores, como o risco do negócio, que se repercute no valor da taxa de juro, na exigência de garantias, na obrigatoriedade da celebração de seguro) pelo tempo que previsivelmente demorará a privação do capital mutuado por parte da financiadora. A diferença entre a quantia mutuada e aquilo que o mutuário pagará à financiadora traduz a remuneração paga pela disponibilização imediata da quantia inicial e o diferimento no tempo da sua restituição. O pagamento dessa remuneração, o juro acordado, pressupõe essa passagem do tempo. Aliás, nas condições gerais do contrato sub judice, diz-se expressamente, na alínea c) da cláusula 5, que “os juros serão contados dia a dia sobre o capital que em cada momento se encontrar em dívida”. Se, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, o credor exigir a restituição imediata do capital, fica prejudicada a exigibilidade dos juros remuneratórios vincendos. Por outras palavras, o art.º 781º do Código Civil apenas fundamenta o imediato vencimento das prestações do capital vincendas, não abrange os juros remuneratórios, mesmo que, como é o caso dos autos, por interesse ou conveniência das partes os juros remuneratórios estejam incluídos nas quantias mensais fixadas. A inclusão dos juros remuneratórios nas chamadas “prestações” mensais não faz esquecer a sua natureza e fonte particulares, supra referidas, não pode mascarar os juros remuneratórios de molde a transmutá-los na obrigação de capital, tida em vista no art.º 781.º do Código Civil.

É certo que o art.º 1147.º do Código Civil estipula que (salvo convenção em contrário), no caso de mútuo oneroso, o mutuário pode antecipar o pagamento desde que satisfaça os juros por inteiro. De acordo com esta norma supletiva o mutuário não tem, pois, direito ao chamado interusurium, visto que o credor, em cujo benefício o prazo também foi (presumidamente) fixado, tinha o direito de exigir o cumprimento integral na data do vencimento, ou melhor, tem “interesse em manter, durante o prazo, aplicados os seus capitais, recebendo por eles os interesses convencionados” (P. de Lima e A. Varela, Código Civil anotado, volume II, Coimbra Editora, anotação ao artigo 1147.º). Neste caso, porém, trata-se de uma situação de antecipação voluntária, em que o devedor não poderá invocar a existência de um enriquecimento sem causa por parte do mutuante, a menos que o pagamento seja feito antes da data do vencimento por força de erro desculpável (cfr. art.º 476.º n.º 3 do Código Civil). Diversamente, sustenta-se que o devedor tem direito ao interusurium quando a antecipação é exigida pelo credor (Almeida Costa, Direito das Obrigações… pág. 1014, nota 1). Vaz Serra entendia que “quando o credor obtém a prestação antes do vencimento, em consequência de caducidade do prazo da obrigação, parece razoável que deva descontar o interusurium. Ele vem a conseguir então mais cedo o objecto da prestação, contra a vontade do devedor; pode tirar desse objecto proveito desde a data da prestação até à do vencimento; e, portanto, se não deduzisse o interusurium, poderia auferir grande vantagem” (Tempo da prestação. Denúncia”, BMJ, nº 50, pág. 158). Para Vaz Serra, no caso de dívida que vence juro, a antecipação do pagamento contra a vontade do devedor terá como consequência que “o credor fica privado do juro, que ela produziria até ao vencimento, privação essa que poderá compensar com nova colocação frutífera do capital” (citado, páginas 159 e 160). Vaz Serra frisa que a antecipação da exigência da prestação, por perda do benefício do termo por parte do devedor, visa subtrair o credor do risco que o seu crédito correria, se a quantia devida continuasse por pagar, ou seja, visa acautelar os seus interesses, e não proporcionar-lhe um lucro (estudo citado, pág. 161).

Por conseguinte, a disposição prevista no art.º 1147.º do Código Civil não tem aplicação ao caso (e não estamos, por enquanto, a levar em consideração as regras específicas sucessivamente vigentes sobre a antecipação voluntária de reembolso por parte do mutuário consumidor – art.º 9.º do Dec.-Lei n.º 359/91, de 21.9 e art.º 19.º do Dec.-Lei n.º 133/2009, de 02.6). Conforme se diz, expressivamente, no acórdão do STJ, de 27.4.2005, processo 04B2529, publicado na Col. de Jurisprudência, STJ, ano XIII, tomo II, pág. 66 e seguintes, também consultável na internet, base de dados do IGFEJ, na situação prevista no art.º 1147.º “é do cumprimento e da antecipação do cumprimento que se trata; e de uma antecipação que pode ser imposta pelo mutuário ao mutuante. Que é livre, no caso de incumprimento de uma das prestações, de exigir ou não a imediata restituição do global delas. A lei não o obriga a esperar para o fim do contrato para ver de volta o capital e os juros a que tem direito. Concede-lhe o direito de imediatamente exigir a restituição do capital e dos juros vencidos (e, nos termos que já foram mencionados, dos juros capitalizados). Mas se exerce esse direito, não pode ver-se investido naquilo que o tempo lhe não deu, sendo que ele, e não o mutuário, é no caso, passe a expressão, o dono do tempo. As situações são, portanto diferentes: no primeiro caso, se o mutuário quer encurtar o tempo, e pode impor ao mutuante esse encurtamento, não poderá todavia fazer recair sobre quem se propõe cumprir os efeitos desse imposto encurtamento; no segundo caso, se é o mutuante que não quer esperar e prefere voltar ao quo ante, então ele receberá apenas tudo o que estiver vencido, o capital (no caso, a totalidade dele) e os juros ... vencidos.”

De resto, a contratos como o dos autos aplica-se, não o art.º 1147.º do Código Civil, mas norma especial.

Quando vigorava o Dec.-Lei n.º 359/91, de 21.9 (diploma que primeiramente regulou os contratos de crédito ao consumo, transpondo para o direito interno as Directivas do Conselho das Comunidades Europeias n.ºs 87/102/CEE, de 22.12.1986 e 90/88/CEE, de 22.02.1990), a antecipação voluntária do cumprimento pelo devedor consumidor era regulada pelo art.º 9.º, que tinha a seguinte redação:

Cumprimento antecipado

1 - O consumidor tem direito de cumprir antecipadamente, parcial ou totalmente, o contrato de crédito, sendo-lhe calculado o valor do pagamento antecipado do montante em dívida com base numa taxa de actualização, que corresponderá a uma percentagem mínima de 90% da taxa de juro em vigor no momento da antecipação para o contrato em causa.

2 - No caso de cumprimento antecipado parcial, o direito consagrado no número anterior só pode ser exercido uma vez, se as partes não acordarem em sentido diverso no próprio contrato.

3 - O consumidor que pretender efectuar o cumprimento antecipado do contrato deve avisar o credor com a antecedência mínima de 15 dias.

4 - O credor pode, todavia, exigir os juros e outros encargos correspondentes a um período convencionado que não exceda a primeira quarta parte do prazo inicialmente previsto, quando o consumidor cumprir as suas obrigações antes do decurso daquele período.

5 - Tratando-se de contrato de crédito que tenha como objecto a venda de uma coisa ou o fornecimento de um serviço mediante pagamento em prestações, a antecipação entende-se sempre reportada à última ou às últimas prestações vincendas e não pode em caso algum implicar redução de custos relativamente à primeira prestação vincenda.

Assim, o consumidor podia, voluntariamente, antecipar o pagamento do contratado, beneficiando de uma mitigada diminuição dos encargos correspondentes.

Atualmente, em norma que já vigorava aquando da celebração do contrato objeto destes autos, estipula-se, no art.º 19.º do Dec.-Lei n.º 133/2009 (que substituiu o Dec.-Lei n.º 359/91), o seguinte:

Reembolso antecipado

1 - O consumidor tem o direito de, a todo o tempo, mediante pré-aviso ao credor, cumprir antecipadamente, parcial ou totalmente, o contrato de crédito, com correspondente redução do custo total do crédito, por via da redução dos juros e dos encargos do período remanescente do contrato.

2 - O prazo de pré-aviso a que se refere o número anterior não pode ser inferior a 30 dias de calendário e deve ser exercido através de comunicação ao credor, em papel ou noutro suporte duradouro.

3 - O credor tem direito a uma compensação, justa e objectivamente justificada, pelos custos directamente relacionados com o reembolso antecipado, desde que tal ocorra num período em que a taxa nominal aplicável seja fixa.

4 - A compensação a que se refere o número anterior traduz-se no pagamento, pelo consumidor, de uma comissão de reembolso antecipado que não pode exceder 0,5 % do montante do capital reembolsado antecipadamente, se o período decorrido entre o reembolso antecipado e a data estipulada para o termo do contrato de crédito for superior a um ano, não podendo aquela comissão ser superior a 0,25 % do montante do crédito reembolsado antecipadamente, se o mencionado período for inferior ou igual a um ano.

5 - O credor não pode exigir ao consumidor qualquer comissão de reembolso por efeito do reembolso antecipado do contrato de crédito:

a) Se o reembolso tiver sido efectuado em execução de contrato de seguro destinado a garantir o reembolso do crédito; ou

b) No caso de facilidade de descoberto; ou

c) Se o reembolso ocorrer num período em que a taxa nominal aplicável não seja fixa.

6 - Em nenhum caso a comissão referida nos números anteriores pode exceder o montante dos juros que o consumidor teria de pagar durante o período decorrido entre o reembolso antecipado e a data estipulada para o termo do período de taxa fixa do contrato de crédito.

Conforme nota Fernando Gravato de Morais (“Crédito aos Consumidores: anotação ao Decreto-Lei n.º 133/2009”, Almedina, 2009, pág. 95), esta norma é bem mais protetora do consumidor do que a anterior, nomeadamente porque “o cumprimento antecipado (total ou parcial) provoca, com a nova regra, uma redução plena e absoluta do custo total do crédito, operando-se uma diminuição correspondente dos juros e dos encargos do período em falta, ao invés do que sucedia no pretérito, onde uma complexa fórmula de cálculo (…), determinava a sua realização em função de uma taxa de actualização correspondente a uma percentagem mínima de 90% da taxa de juro em vigor naquela altura.”

Ora, é à luz deste panorama legislativo que se deve apreciar a cláusula contratual sub judice, ou seja, aquela que confere ao mutuante predisponente a faculdade de, juntamente com a antecipação do pagamento do capital mutuado, exigir do mutuário, antecipadamente, os juros remuneratórios vincendos.

Essa norma, que é uma cláusula contratual geral, inserida num contrato de adesão, ou seja, num modelo normativo convencional imposto por um dos contraentes (o financiador) ao outro (o mutuário), permite ao predisponente que, estando em dívida três prestações (sucessivas) de um contrato que se pode estender por um período de tempo muitíssimo dilatado (in casu, inicialmente seis anos e, finalmente, dez anos !), exija antecipadamente do aderente a totalidade das prestações vincendas, não só a título de capital como de remuneração da privação do mesmo, sem que permaneça sujeito a essa privação. E isto no âmbito de uma atividade económica em que, fruto de norma imperativa especial (o art.º 19.º do Dec.-Lei n.º 133/2009, conjugado com o art.º 26.º n.º 1 do mesmo diploma), o prazo é fixado exclusivamente em benefício do devedor, que poderá antecipar a restituição do empréstimo sem penalização significativa, exonerando-se dos encargos respeitantes aos juros remuneratórios vincendos.

Ou seja, tal cláusula possibilita ao predisponente a obtenção de significativo ganho económico, superior ao que decorreria do cumprimento do contrato pelo mutuário. É, por isso, contrária ao princípio da boa-fé imposto e pressuposto pelo art.º 15.º e seguintes da LCCG. Admitindo que tal cobrança antecipada da totalidade dos juros remuneratórios tem um intuito indemnizatório, consubstanciando uma cláusula penal, esta é, pelos motivos enunciados, e para os efeitos previstos no art.º 19.º, alínea c), da LCCG, desproporcionada, conferindo ao financiador o poder de exigir uma compensação (juros remuneratórios) por uma contrapartida a que se eximiu (privação do capital).

Solução diversa poderia, eventualmente, suscitar uma cláusula em que se estipulasse que, no caso de incumprimento de algumas prestações, o mutuante pudesse impor ao mutuário, além do vencimento antecipado do capital vincendo, o pagamento de uma determinada percentagem dos juros remuneratórios futuros (solução aventada por Januário Gomes, Contratos Comerciais, Almedina, 2013, reimpressão, pág. 301).

Mas essa é situação que não ocorre nestes autos.

Poderá apontar-se o facto de, em casos como o dos autos, nada estando previsto no contrato, o financiador ficar prejudicado face aos casos em que o mutuário cumpridor antecipa o pagamento do contrato. Efetivamente, como se disse, na situação prevista no art.º 19.º do Dec.-Lei n.º 133/2009 – de reembolso antecipado voluntário - o mutuante terá direito, ainda assim, a uma “comissão de reembolso antecipado”. Tal poderia sugerir que se reconhecesse ao financiador, em casos de cobrança imediata da totalidade do capital por mora do devedor no pagamento de algumas prestações, um valor correspondente à dita comissão de reembolso antecipado. Só que tal solução, que corresponderia a uma modificação de uma cláusula contratual nula, afrontaria a imposição legal de pura e simples exclusão da cláusula (artigos 12.º e 13.º da LCCG). Com efeito, conforme o vem reafirmando o Tribunal de Justiça, “se fosse possível ao tribunal nacional modificar o conteúdo das cláusulas abusivas que figuram nesses contratos, tal faculdade poderia afetar a realização do objetivo a longo prazo previsto no artigo 7.o da referida diretiva [Diretiva 93/13], uma vez que enfraqueceria o efeito dissuasivo, exercido sobre os profissionais, decorrente da não aplicação pura e simples de tais cláusulas abusivas ao consumidor” (cfr., v.g., acórdão do TJ de 21.4.2016, processo C-377/14, n.º 98).

Por isso, se neste aspeto houver prejuízo para o financiador, sibi imputet.

De todo o modo, a cláusula penal moratória estabelecida na alínea c) do n.º 5 das condições gerais do contrato (vide n.º 5 da matéria de facto) seguramente mitigará e excederá mesmo tais prejuízos, posto que, como é usual (e ocorreu no caso sub judice), o mutuário não se apreste a pagar os montantes antecipadamente reclamados pelo financiador.

Sendo certo que, tendo o financiador, no exercício do que lhe é contratualmente reconhecido e legalmente admitido, provocado o vencimento antecipado das prestações (de capital) vincendas, o devedor que não proceda ao exigido reembolso entra em mora e deverá pagar, sobre a quantia vencida, os respetivos juros de mora (artigos 805.º n.º 1 e 806.º do Código Civil; art.º 8.º do Dec.-Lei n.º 58/2013, de 8.5, que estabelece as normas aplicáveis à classificação e contagem do prazo das operações de crédito, aos juros remuneratórios, à capitalização de juros e à mora do devedor) e não juros remuneratórios alegadamente correspondentes ao período de tempo em que porventura o mutuante permaneça privado do capital (em sentido contrário, Menezes Leitão, obra supra citada, pág. 419; Maria de Lurdes Pereira e Pedro Múrias, “Sobre o conceito e a extensão do sinalagma”, in “Estudos em honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão”, volume I, Almedina, 2008, páginas 392 e 394). É nessa medida que se justifica a decisão da primeira instância, de condenação da R. em juros de mora com sobretaxa, a contar da data emergente da interpelação referida no número 10 da matéria de facto, incidente sobre o capital antecipadamente vencido (vide alínea d) do dispositivo da sentença).

Na sentença recorrida também se afastou a inclusão, no vencimento antecipado, das prestações vincendas atinentes a prémio de seguro e custos de gestão, o que se afigura adequado, uma vez que, posto um fim ao desenrolar da relação contratual, deixa de ter razão de ser a obrigação de pagamento ulterior de prémios de seguro e de custos de gestão dessa relação.

Quanto à salvaguarda da autonomia da vontade, é certo que o STJ, no acórdão de uniformização de jurisprudência acima citado, expendeu que “as partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo, regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no art.º 781º do C. Civil” (n.º 10 da parte VII do acórdão).

Alguma jurisprudência defende que o STJ não se estaria a referir à possibilidade convencionada de antecipação das prestações vincendas no que concerne aos juros remuneratórios futuros, mas a outros aspetos, como a (des)necessidade de interpelação prévia ou ao número ou valor das prestações em mora desencadeadoras do vencimento imediato das prestações de capital (neste sentido, cfr., v.g., acórdão da Relação do Porto, de 25.10.2016, processo 455/16.1T8VFR.P1, supra citado).

Quer-nos parecer que a dita afirmação do acórdão só faz sentido e releva se for reportada à questão essencial e nuclear do aresto, que era a da aplicabilidade aos juros remuneratórios futuros da possibilidade de vencimento antecipado prevista no art.º 781.º do Código Civil.

De todo o modo, nessa parte (n.º 10 da parte VII do acórdão) o STJ não fixou jurisprudência, além de que posteriormente ao acórdão a legislação evoluiu, como se viu, maxime nos termos previstos no art.º 19.º do Dec.-Lei n.º 133/2009.

Na doutrina, manifestando-se em termos que sufragam o desfecho adotado pelo tribunal a quo, veja-se Jorge Morais Carvalho, “Manual de Direito do Consumo”, 2017, 4.ª edição, Almedina, página 392 e 393 e, do mesmo autor, “Os contratos de consumo, reflexão sobre a autonomia privada no direito de consumo”, Almedina, 2012, páginas 627 e 628; também Maria de Lurdes Pereira e Pedro Múrias (expressamente com aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais), estudo citado, página 393.

Também nós, pelas razões supra expostas, concordamos com a solução dada ao litígio pelo tribunal recorrido.

A apelação é, pois, improcedente.

DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.

As custas da apelação são a cargo do apelante, que nela decaiu.


Lisboa, 22.6.2017

Jorge Leal

Ondina Carmo Alves

Pedro Martins