Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21727/18.5T8SNT.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: CONTRATO DE OPÇÃO
PROMESSA UNILATERAL
CONTRATO MISTO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) O contrato de opção constitui uma proposta contratual irrevogável convencionada, resultante de acordo das partes, enquanto a proposta irrevogável constitui um acto unilateral do proponente.
II) A diferença fundamental entre a promessa unilateral e o contrato de opção encontra-se em, na primeira, a parte se obrigar a emitir a declaração necessária à celebração do contrato definitivo, e, no segundo, essa declaração ser desde logo emitida gerando a sujeição à emissão da declaração negocial da contraparte.
III) Um contrato em que é arrendado um imóvel e estabelecida a possibilidade de o arrendatário optar no futuro pela compra do imóvel arrendado, prevendo a realização futura de uma escritura de compra e venda, é de qualificar como de arrendamento e promessa unilateral de venda.
IV) É misto o contrato no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
V) A determinação da unidade ou pluralidade contratual constitui tarefa de interpretação do clausulado, representando uma competência (exclusivamente) “jurídica” ou “metodológico-jurídica”, que não cabe às partes.
VI) Para a determinação da unidade ou pluralidade contratual interessa considerar se existe um programa económico unitário, Interpretação que supõe a consideração do contrato como um todo e de todo o contrato.
VII) Na determinação do regime legal aplicável a um contrato misto, importa atender à unidade contratual que se entendeu verificada, uma vez que a unidade contratual de tipos diferentes pode afastar a aplicação das normas que a cada um dos contratos se aplicariam se considerados isoladamente.
VIII) A consideração da unidade contratual afasta a aplicação automática das teorias da absorção, combinação ou aplicação analógica, uma vez que nenhumas destas teorias é inteiramente aceitável, sendo decisiva a situação de interesses do caso concreto, que ora exige uma solução no sentido da teoria da absorção, ora da teoria da combinação, ora  da aplicação analógica.
IX) O contrato-promessa, pela sua própria natureza, exclui a exigência imediata de cumprimento por aplicação do disposto no artigo 777.º, n.º 1, do CC, uma vez que a promessa tem na sua génese justamente o diferimento da celebração do contrato prometido.
X) Não tendo as partes acordado num prazo para a celebração do contrato prometido, é necessário o seu estabelecimento pela própria natureza da prestação, nos termos do artigo 777.º, n.º 2, do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO[1]
C….. – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra A… e F…, pedindo que o Tribunal emita decisão judicial que substitua a declaração negocial dos Réus, por forma a que a Autora adquira e registe a seu favor imóvel objeto da presente ação que identifica, mais pedindo a condenação dos Réus a restituir todos os montantes que receberam a título de renda devida nos termos do contrato de arrendamento celebrado com a Autora quanto ao mesmo imóvel, no montante vencido de € 10.000,00 (dez mil euros) e ainda as rendas vincendas, desde a data da propositura da presente ação até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de juros de mora à taxa de juro comercial, desde a data de citação até integral pagamento. 
Alegou, em síntese, ter celebrado com os Réus contrato de arrendamento comercial quanto ao mencionado imóvel, para aí instalar os seus serviços e escritórios, sendo que, pelo mesmo contrato, os Réus obrigaram-se ainda perante a Autora a vender-lhe o dito imóvel pelo preço de € 280.000,00, podendo exercer tal direito a partir de 30 de Julho de 2018 e até ao dia 30 de Janeiro de 2019.
A Autora enviou uma carta aos Réus, em 23 de Julho de 2018, comunicando a sua intenção de compra e agendando o dia 2 de Agosto de 2018, pelas 12.00 horas que a realização da escritura, ao que os Réus responderam reconhecendo o direito de opção e informando que a escritura de compra e venda apenas seria outorgada em função da disponibilidade dos intervenientes para o efeito.
Como a Autora insistisse com a marcação da escritura, os Réus responderam que a venda a que se obrigaram apenas deveria ocorrer na primeira semana de Setembro de 2024, assim incumprindo o contrato celebrado e impondo à Autora a manutenção do pagamento da renda, com o que se colocaram em incumprimento.    
 Citados, os Réus contestaram alegando, em síntese, que a Autora omitiu a celebração de um anterior contrato, quase idêntico, mas sem inclusão da cláusula da opção de compra, imputando à Autora litigância de má-fé.
Ademais, alegam que o contrato é nulo por as assinaturas não se encontrarem reconhecidas presencialmente, em violação do disposto no artigo 410º nº 3 do Código Civil. De todo o modo, defenderam, a acção não pode proceder por não se encontrar fixado prazo para a celebração da escritura de compra e venda, o que constitui o cerne da divergência das partes, estando a execução específica dependente da prévia fixação desse prazo.        
Mais alegaram que se limitaram a assinar os dois contratos de arrendamento que a Autora lhes apresentou e que a decisão de assinar o contrato de arrendamento com a duração de 9 anos, sem opção de compra, foi o elemento fulcral para a conclusão do negócio.
 A Autora respondeu à matéria das excepções, pronunciando-se pela sua improcedência, mantendo o constante da inicial e pedindo a condenação dos Réus como litigantes de má-fé.
Cumprido o demais legal, houve audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença que julgou a acção procedente e improcedente as imputações de litigância de má-fé.
Desta sentença interpuseram os Réus o presente recurso e, tendo alegado, concluíram as suas alegações indicando a apresentação de conclusões que dificilmente se distinguem da reprodução parcial das alegações (sem alteração da numeração, aliás) que assim se resumem:
I – Quanto a impugnação da matéria de facto
Deve ser considerada provada a seguinte matéria (com base nas declarações das partes, no depoimento das testemunhas  (….) e das minutas dos dois contratos celebrados, da certidão de registo predial, da correspondência junta aos autos):  
Os RR. adquiriram o imóvel em causa nos autos um mês antes da celebração do contrato de arrendamento com a A..
Os Recorrentes adquiriram o imóvel em Junho de 2015 como investimento para o arrendarem e retirarem o correspondente proveito das rendas;
A Recorrida tinha interesse em que os Recorrentes adquirissem o imóvel em causa para depois o tomarem de arrendamento para dele fazerem o seu novo escritório.
A minuta de contrato enviada pela colaboradora da A. ao R. marido, em 8 de Junho de 2015, estabelecia como prazo do contrato de arrendamento 5 anos e a minuta enviada pela mesma colaboradora ao R. marido, em 9 de Junho de 2015, um prazo de 9 anos;
A diferença entre as minutas resultou de uma alteração da vontade das partes no sentido de fixar o arrendamento em 9 anos.
As partes passaram de uma proposta inicial com um prazo de 5 anos para 9 anos, por se considerar que aquele prazo de 5 anos era manifestamente insuficiente e não materializava devidamente o interesse das partes.
A. e RR. subscreveram em 18 de Junho de dois documentos denominados contratos de arrendamento, relativamente ao mesmo objeto e com clausulado idêntico, um com opção de compra e outro sem qualquer opção de compra, com a mesma duração de 9 anos por ser um elemento essencial e desejado por ambas as partes; porquanto a vontade e preocupação da A. era a de ter a garantia de uma duração longa do arrendamento que lhe desse estabilidade e garantia de permanência do locado para desenvolvimento da sua atividade com base naquelas instalações e localização;
A garantia de duração do arrendamento por 9 anos foi assim um elemento pacifico e aglutinador da vontade de ambas as partes;
O documento referido em k) representa a vontade das partes quanto às condições do arrendamento;
Aquando da celebração do contrato de arrendamento era pacífico para os RR., mas também para a A., que a escritura de venda apenas seria realizada em 2024, após o termo da duração do arrendamento;
Se a opção de compra não fosse exercida pela A. no período de tempo indicado na cláusula Terceira, a A. deixaria de ter direito de adquirir o imóvel no termo do contrato de arrendamento pelo preço convencionado.
Conclui que assim decidindo quanto à matéria de facto, deve o Tribunal da Relação julgar a ação improcedente na sua totalidade, sob pena de, assim não sucedendo, se violar o disposto nos arts. 342.º, n.º1, 777.º, n.ºs 1 e 2, e art. 830.º, n.º 1, todos do Código Civil.
II – Quanto à  fixação judicial do prazo
Não estando indicado no contrato a data da compra e venda a que a opção se referia, verifica-se a necessidade de prévia fixação desse prazo, sem o que não pode considerar-se que os Réus se encontram em mora, sendo esta pressuposto da execução específica.
Por isso, defendem, a presente ação é extemporânea pois há que clarificar previamente os elementos acima mencionados e, sendo caso disso, solicitar a fixação judicial do prazo – vide art. 1026.º do CPC e arts. 777.º, n.º 2, do C. Civil. Sem o que simplesmente não será possível formular um pedido de execução específica ao abrigo do disposto no art. 830.º do C. Civil.
Pelo que, pelos motivos expostos, deve a sentença recorrida ser revogada, por violação dos preceitos legais acima indicados, e substituída por outra que absolva os Recorrentes dos pedidos por estes serem improcedentes.
III – Quanto à licença de utilização como condição essencial da execução específica
O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de Julho veda a realização de actos que envolvam a transmissão de propriedade de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular.
Defendem por isso que cabe a quem pede a execução específica o ónus de alegar e provar que a licença existe.
Pelo que, pedem, por violação da citada norma e do disposto no n.º 1 do art. 342.º do Código Civil, deve a presente ação de execução específica ser julgada improcedente.
A Autora contra-alegou pronunciando-se pelo bem fundado da decisão e indicando que existe licença de utilização, como declarado na anterior aquisição do imóvel pelos Réus.
O recurso foi recebido para subir imediatamente dos autos e com efeito meramente devolutivo.
Tendo em atenção as soluções plausíveis de direito, por ser a Relação a última instância na apreciação de facto, foi determinada a apresentação de comprovativo da licença de utilização, tendo a Recorrida junto uma certidão declarativa dessa existência.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir já que a tal nada obsta.
II. OBJECTO DO RECURSO
Tendo em atenção as conclusões dos Recorrentes - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, são as seguintes as questões a decidir:
1. Da impugnação da matéria de facto;
2. Dos pressupostos da execução específica;
3. Da indispensabilidade da licença de utilização para a prolação da sentença de execução específica.
III. FUNDAMENTAÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. Da impugnação da decisão de facto
Ouvidos nesta Relação todos os depoimentos e declarações que se encontram gravados e analisados os documentos juntos aos autos, apreciar-se-á seguidamente a impugnação.
1.1. Pretendem os Recorrentes que se julgue provado que os RR. adquiriram o imóvel em causa nos autos um mês antes da celebração do contrato de arrendamento com a A.
No que se refere à data da aquisição do imóvel pelos Réus inexiste prova documental nos autos, para além da que a certidão de registo predial constitui, esta, naturalmente, apenas quanto à data do registo da aquisição, em 18 de Junho de 2015.
Assim, no que se refere às testemunhas, a testemunha (…) nada sabia e a testemunha  (…) afirmou que a compra pelos Réus tinha sido feita pouco tempo antes da celebração do contrato em causa nestes autos, sendo que participou da concepção inicial da transacção.
As partes (com excepção de A… que, em suma, disse que nada sabia quanto aos negócios, sabendo apenas da motivação: garantir o futuro dos filhos do casal que com o Réu constitui) referiram a mesma proximidade entre a aquisição pelos Réus e o arrendamento, proximidade temporal e de motivação para a aquisição do imóvel pelo Réu. Certo é. Todavia, que nenhuma indicou data ou dilação que possa considerar-se assente e o único elemento documental é o que respeita ao registo.
No que à motivação se refere, a alínea q) da matéria de facto provada indica que todo este negócio, celebrado entre A. e RR., foi desde logo acordado aquando da compra do imóvel pelos RR.
É o que resulta, sem discrepância, do depoimento de  (…) e (…) (que depôs como testemunha, mas se assumiu substancialmente como parte, por ter sido o representante da Autora na altura do negócio e até pouco tempo antes da prestação de depoimento) e das declarações de (….) e (…), únicos que conheciam o início e negociações havidas, com diversos graus de ciência.
Entendemos por isso, com a primeira instância, que não há prova que permita dar como assente a data efectiva em que os Réus adquiriram o imóvel. No entanto, encontra-se assente, com base no respectivo documento, que a aquisição foi registada em 18 de Junho de 2015, o que se aditará nesta instância à matéria de facto provada.
1.2. Pretendem ainda os Réus que deve ser julgado provado que os Réus adquiriram o imóvel como investimento para o arrendarem e retirarem o correspondente proveito das rendas.
Na alínea o) da matéria assente foi dado como provado que os RR. adquiriram o imóvel identificado em b) como um investimento que pretendiam fosse remunerado com as rendas resultantes do seu arrendamento.
Tal alínea encontra-se em consonância com aquilo que os Recorrentes pretendem e, diga-se, com a prova feita, devendo-se certamente a lapso o que assim requerem.
1.3. Pretendem ainda os Réus que deve ser julgado provado que a Recorrida tinha interesse em que os Recorrentes adquirissem o imóvel em causa para depois o tomarem de arrendamento para dele fazerem o seu novo escritório.
Encontra-se assente, conforme alíneas b) e r), que:
b) No exercício da sua atividade, para instalar os seus serviços e escritórios a A. tomou de arrendamento o prédio urbano sito na Rua …., Linhó, composto de Edifício de rés-do-chão, para oficina de carpintaria e 1.º andar para escritório, com logradouro, freguesia de Sintra (S. Pedro de Penaferrim), concelho de Sintra, descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o número 1746, inscrito na matriz predial urbana sob artigo 9841 da união das freguesias de Sintra (S. Maria e S. Miguel, S. Martinho e S. Pedro de Penaferrim), o que fez por meio do contrato de arrendamento.
r) Previamente à aquisição do imóvel pelos RR., estes acordaram com a A. os termos do contrato de arrendamento, o qual incluiria sempre a opção de compra. 
Como já referimos no ponto anterior, as testemunhas e declarantes que tinham conhecimento dos factos são unânimes na indicação de que o negócio decorreu da forma indicada, o que aliás, resulta das alíneas indicadas e do ponto assente na alínea q).
Admitindo que a matéria que os Recorrentes entendem dever ser julgada provada complementa aquelas alíneas, entende-se deferir a impugnação considerando-se assente o ponto de facto, a aditar à alínea o).
1.4. Pretendem ainda os Réus que se considerem assentes os seguintes factos respeitantes ao iter negocial:
A minuta de contrato enviada pela colaboradora da A. ao R. marido, em 8 de Junho de 2015, estabelecia como prazo do contrato de arrendamento 5 anos e a minuta enviada pela mesma colaboradora ao R. marido, em 9 de Junho de 2015, um prazo de 9 anos.
A diferença entre as minutas resultou de uma alteração da vontade das partes no sentido de fixar o arrendamento em 9 anos.
As partes passaram de uma proposta inicial com um prazo de 5 anos para 9 anos, por se considerar que aquele prazo de 5 anos era manifestamente insuficiente e não materializava devidamente o interesse das partes.
A garantia de duração do arrendamento por 9 anos foi assim um elemento pacifico e aglutinador da vontade de ambas as partes.
A minuta de 8 de Junho de 2015 indicava a seguinte cláusula terceira:
Este contrato é feito pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de Setembro de 2015.
Findo o prazo previsto na alínea anterior, o contrato renovar-se-á automaticamente por períodos de 5 anos, se não for denunciado pela primeira outorgante no prazo de 60 dias e pela segunda no prazo de 60 dias, com a obrigatoriedade de ter seis meses efetivos de contrato.
Tem a Segunda outorgante opção de compra do prédio pelo preço de 265000,00 euros se exercida até 30 de Agosto de 2017.
A minuta de 9 de Junho de 2015 indicava a seguinte cláusula terceira:
Este contrato é feito pelo prazo de nove anos, com início em 1 de Agosto de 2015.
Findo o prazo previsto na alínea anterior, o contrato renovar-se-á automaticamente por períodos de 5 anos, se não for denunciado pela primeira outorgante no prazo de 60 dias e pela segunda no prazo de 60 dias, com a obrigatoriedade de ter seis meses efetivos de contrato.
Tem a Segunda outorgante opção de compra do prédio pelo preço de 280000,00 euros se exercida entre 30 de Julho de 2018 até 30 de Janeiro de 2018.
O ponto relativo à minuta de contrato com o prazo de cinco anos para o arrendamento e alteração para o prazo de nove anos, a final estabelecido, é pacífico nos autos, decorre dos documentos relativos às referidas minutas, das declarações de Luís de Freitas e dos depoimentos das testemunhas (…)e (…).
No que se refere às razões das alterações entre as duas minutas, a testemunha (…)disse não ter acompanhado as negociações sobre os diversos pontos contratuais e as testemunhas (..) e (…) nada sabiam.
A testemunha (…), embora confrontada com o mail enviado, disse não se recordar se o enviou, sendo que apenas terá encaminhado a minuta redigida pelo advogado sem a conhecer em detalhe ou aos motivos da alteração.
Resulta das declarações de (…) e do depoimento de (…) que da minuta inicial, com o prazo de 5 anos e determinados termos da opção de compra, as partes passaram para uma minuta com o prazo de 9 anos para o arrendamento e outros termos para a opção de compra. O primeiro refere que tal se deveu à evolução das negociações prévias ao contrato, enquanto o segundo também as menciona, nomeadamente que se deveram a o Réu L…ter necessidade de fazer contas quanto à rentabilidade do negócio. Referiu esta testemunha muito claramente: o F… apresentou um EXCEL com todas as contas que tinha feito; tinha comprado por x e tinha de vender por y e tinha de ter uma dada rentabilidade. Dizendo embora que não se recorda de contas por causa dos nove anos, declaração que surge estranha num contexto em que as rendas são a remuneração do negócio e que o seu montante é necessariamente diverso em razão do prazo previsto para o seu pagamento, o da duração do arrendamento.
Coisa diversa é a de ter sido explicitamente acordado entre as partes que apenas aquele prazo de nove anos determinava o Réu a contratar, uma vez que o negócio é um conjunto de “peças” várias susceptíveis de se influenciarem reciprocamente.
Do conjunto da prova resulta por isso que o contrato teve pelo menos as duas minutas prévias que constam dos autos, que a alteração de uma (a de 5 anos) para a outra (a de 9 anos) ocorreu na sequência das negociações de fixação de conteúdo ao contrato, e que a alteração do prazo para o arrendamento e das circunstâncias da opção se deveu ao encontro dos interesses negociais das partes.
Os diversos pontos que sofreram alteração correspondiam à vontade das partes e cumpriam o desenho funcional do negócio que as partes consideraram como mutuamente adequado.
Por isso que pode considerar-se assente que:
A minuta de contrato enviada pela colaboradora da A. ao R. marido, em 8 de Junho de 2015, estabelecia como prazo do contrato de arrendamento 5 anos e opção de compra pelo preço de 265.000,00 euros, se exercida até 30 de Agosto de 2017, e a minuta enviada pela mesma colaboradora ao R. marido, em 9 de Junho de 2015, estabelecia ao arrendamento um prazo de 9 anos e opção de compra pelo preço de 280000,00 euros se exercida entre 30 de Julho de 2018 até 30 de Janeiro de 2018; a diferença entre as minutas resultou de uma alteração da vontade das partes por encontro dos respectivos interesses.
1.5. Pretendem ademais os Recorrentes que se considere assente que a subscrição dos dois documentos a que a sentença se refere sob as alíneas d) e k) teve como razão de ser a vontade das partes de manter o arrendamento por nove anos, independentemente de a Autora optar ou não pela compra, a qual, em consequência, só teria lugar findo esse prazo.
Não é controverso nos autos que as partes assinaram simultaneamente os dois escritos a que se refere a sentença nas alíneas d) e k) da matéria de facto assente. A única controvérsia é a respeitante aos motivos pelos quais tal aconteceu. Enquanto o Réu entende que tal se deveu à essencialidade do arrendamento por nove anos, a testemunha (…), que representou a Autora na celebração do contrato sugeriu uma motivação fiscal dizendo: só no próprio dia é que o Réu surgiu com o outro contrato com a justificação de que não queria apresentar nas Finanças.
O interesse de ambos, pese embora a formal intervenção de (…) como testemunha, determina que, na ausência de outros meios de prova, não se tenha como assente nenhuma das versões.
Improcede nesta parte a reclamação.
1.6. Ainda pretendem os Recorrentes que se considere provado que o documento referido em k) representa a vontade das partes quanto às condições do arrendamento.
Lembremos que este documento foi assinado pelas partes ao mesmo tempo que o documento referido em d). No documento k), assim o referenciaremos, as partes estabelecem os termos de um arrendamento sem que refiram a opção de compra. No documento d) as partes estabelecem exactamente os mesmos termos indicando a opção de compra.
Ninguém nem nenhuma coisa nos autos coloca em causa que as partes quiseram celebrar um arrendamento e uma opção de compra do imóvel arrendado. Ninguém nem nenhuma coisa coloca em causa que os termos do documento d) são os que correspondem à global vontade das partes.
Ficou obscura ou, melhor, desconhecida, a razão porque foi assinado o documento k), mas é claro que o documento d) corresponde à vontade das partes.
Assim, quanto ao documento k) há apenas uma certeza: existe.
O ponto é talvez ocioso, uma vez que ambos os documentos referem o mesmo quanto ao arrendamento. No entanto, no rigor dos factos apurados, o que resulta é que é o documento d) que representa a vontade das partes, como o decidiu a primeira instância.
Improcede a impugnação.
1.7. Entendem os Recorrentes que deve considerar-se assente que aquando da celebração do contrato de arrendamento era pacífico para os RR., mas também para a A., que a escritura de venda apenas seria realizada em 2024, após o termo da duração do arrendamento.
A prova produzida, a que já nos referimos quanto às negociações com vista ao contrato, permite apenas ter como provado que as partes estabeleceram o contrato depois de considerarem várias possibilidades de cláusulas, correspondendo o resultado final ao encontro dos seus interesses. Para além do que possa resultar do conteúdo do contrato, não existe prova que permita concluir outra coisa para além dessa mesma, nomeadamente não pode concluir-se que as partes acordaram em que a escritura seria realizada em 2024.
Improcede a impugnação.
1.8. Por último, entendem os Recorrentes que deve considerar-se assente que se a opção de compra não fosse exercida pela A. no período de tempo indicado na cláusula Terceira, a A. deixaria de ter direito de adquirir o imóvel no termo do contrato de arrendamento pelo preço convencionado.
A matéria é conclusiva e de direito, não cabendo fazer sobre ela qualquer juízo de facto.
Improcede a reclamação.
1.9. Do conjunto dos factos assentes resulta imposição de decisão diversa quanto aos pontos de facto não provados abaixo indicados (que se numeram para facilitar a exposição), a cuja alteração se procederá nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
1. Não se provou que as partes celebraram, entre si, dois contratos de arrendamento em tudo iguais, com exceção da cláusula Terceira.
2. Não se provou que a decisão de se assinar o Contrato de Arrendamento com duração de 9 anos, sem opção de compra, foi o elemento fulcral para a conclusão do negócio.
3. Não se provou que foi decisivo para a vontade de contratar pelos RR. a garantia de duração do arrendamento por um período de 9 anos.
4. Não se provou que a vontade e preocupação da A. foi a de ter a garantia de uma duração longa do arrendamento que lhe desse estabilidade e garantia de permanência do locado para desenvolvimento da sua atividade com base naquelas instalações e localização, incluindo perante o seu franchisador Remax.
5. Não se provou que a garantia de duração do arrendamento por 9 anos foi assim um elemento pacifico e aglutinador da vontade de ambas as partes.
6. Não se provou que a A. manifestou a sua vontade de, findo o contrato de arrendamento, poder vir a adquirir o imóvel arrendado.
7. Não se provou que a A. também pretendia que o contrato de arrendamento tivesse a duração de 9 anos.
8. Não se provou que A. e RR. tivessem fixado o preço de 280.000 € com uma antecedência de 9 anos por referência à data de escritura pública.
9. Não se provou que a diferença entre as minutas resultasse de uma alteração da vontade das partes.
10. Não se provou que na negociação entre as partes, estas passaram de uma proposta inicial com um prazo de 5 anos para 9 anos, por se considerar que aquele prazo de 5 anos era manifestamente insuficiente e não materializava devidamente o interesse das partes.
1.9.1 A fim de evitar contradição entre 1. a 5. agora numerados, os factos assentes conforme pontos 1.4. e 1.5. supra e as alíneas d) e k) da matéria assente, considera-se provado apenas o supra decidido nesta Relação e o que consta destas alíneas.
1.9.2. A matéria (pontos 6. a 8. agora numerados) encontra-se em contradição com o que resulta da alínea d) se referida à cessação abstracta do arrendamento, o que é uma das suas interpretações possíveis (sendo a outra a de que se refere à vontade expressa de só adquirir ao fim de nove anos).
A fim de evitar contradição, considera-se provado apenas o que consta da alínea d) dos factos assentes.
1.9.3. A matéria (pontos 9. e 10. agora numerados) pode colidir com a que se encontra assente conforme ponto 1.4., considerando-se quanto a ela que apenas se provou o que consta da apreciação feita em 1.4.
1.10. Nos termos do documento junto nesta Relação, considera-se provado o seguinte facto:
Em 30 de Outubro de 2001 foi emitida licença de utilização do imóvel sito na Rua Pé do Mouro, n.º 1 e 1-A, sito em Linhó, São Pedro de Penaferrim, Sintra, relativa a oficina de carpintaria e alumínio.
2. Da fixação da matéria de facto assente
Tendo em atenção a decisão em primeira instância e as alterações deferidas, configura-se do seguinte modo a matéria de facto assente:
a) A A. é uma pessoa coletiva, com fins comerciais, que tem como objeto social mediação imobiliária; administração de imóveis por contra de outrem; gestão de arrendamento; compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim; exercício da atividade de construção civil
b) No exercício da sua atividade, para instalar os seus serviços e escritórios a A. tomou de arrendamento o prédio urbano sito na Rua …Linhó, composto de Edifício de rés-do-chão, para oficina de carpintaria e 1.º andar para escritório, com logradouro, freguesia de Sintra (S. Pedro de Penaferrim), concelho de Sintra, descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o número 1746, inscrito na matriz predial urbana sob artigo 9841 da união das freguesias de Sintra (S. Maria e S. Miguel, S. Martinho e S. Pedro de Penaferrim), o que fez por meio do contrato de arrendamento. 
c) Os RR. são proprietários do prédio identificado em b). 
d) Por meio de contrato denominado “Contrato de Arrendamento comercial”, datado de 18 de Julho de 2015, os RR. deram aquele imóvel de arrendamento à A., contando do, além das mais, a cláusula Terceira com o seguinte teor: “Este contrato é feito pelo prazo de 9 anos com início a 1 de Agosto de 2015.  Findo o prazo previsto na alínea anterior o contrato renovar-se-á automaticamente por períodos de 5 anos, se não for de denunciado pela primeira outorgantes no prazo de 60 dias e pela segunda no prazo de 60 dias com a obrigatoriedade de ter 6 meses efetivos de contrato.  Tem a segunda outorgante opção de compra do prédio pelo preço de 280 000,00 €, duzentos e oitenta mil euros), se exercida entre 30 de Julho de 2018 até 30 de janeiro de 2019.  O valor da escritura será de 200000 €, (duzentos mil euros), sendo adicionalmente pagos 80000 €, (oitenta mil euros), relativamente a benfeitorias”.
e) Por meio do referido contrato, os RR. obrigaram-se perante a A. a vender-lhe o dito imóvel pelo preço de € 280.000,00 (duzentos e oitenta mil euros), ficando convencionado que esta poderia exercer tal direito de compra entre 30 de Julho de 2018 e até ao dia 30 de Janeiro de 2019. 
f) A A., pretendendo adquirir aquele imóvel, enviou aos RR., em 23 de Julho de 2018, uma carta através da qual lhe comunicou a sua intenção de compra, comunicando expressamente que a escritura respeitante “se encontra agendada para o dia 2 de Agosto de 2018, pelas 12 horas, no Cartório Notarial da Sra. Dra. Maria Andreia Meireles Carvoeiro...”
g) A esta missiva responderam os RR. afirmando reconhecer o contrato, bem como a opção de compra nele inserida.
 h) Na mesma missiva os RR. escreveram, além do mais, “relativamente à data da escritura, a mesma terá de ser acordada entre as partes, em função da disponibilidade dos intervenientes para o efeito”
i) Em 30 de Julho de 2018, a A., por intermédio do seu mandatário, enviou nova missiva aos RR. solicitando que os RR. indicassem, com a maior brevidade possível, a data em que se encontravam disponíveis para realização da escritura. 
j) Em resposta à carta de 30 de Julho de 2018, os RR. remeteram nova missiva à A., na qual afirmam registar a opção de compra da A., e “relativamente à data da escritura de compra e venda confirmo a minha total disponibilidade e da minha esposa, Anabela Freitas, para a celebração da mesma na primeira semana de Setembro de 2024, isto é, imediatamente após o final do Contrato de arrendamento definido na Clausula Terceira do mesmo”
k) Na mesma data em que celebraram o contrato de arrendamento referido em d), A. e RR. subscreveram um outro documento intitulado “contrato de arrendamento comercial”, idêntico ao referido em d), com exceção da cláusula Terceira, a qual contém o seguinte teor: “Este contrato é feito pelo prazo de 9, (nove) anos, com início a 1 de Agosto de 2015.  Findo o prazo previsto na alínea anterior o contrato renovar-se-á automaticamente por períodos de 5 anos, se não for de denunciado pela primeira outorgantes no prazo de 60 dias e pela segunda no prazo de 60 dias com a obrigatoriedade de ter 6 meses efetivos de contrato.”
l) Em resposta à carta referida em j), a A., por intermédio do seu mandatário, remeteu, no dia 27 de Agosto de 2018, uma carta aos RR., cuja cópia se mostra junta a fls. 37 e cujo teor aqui se dá por integralmente produzido para todos os efeitos legais. 
m) Os RR. responderam a essa missiva, por carta de 4 de Setembro de 2018, cuja cópia se mostra junta a fls. 38 a 40 e cujo teor aqui se dá por integralmente produzido para todos os efeitos legais. 
n) A A. vem pagando a renda mensal devida ao abrigo do Contrato de Arrendamento. 
o) Os RR. adquiriram o imóvel identificado em b) como um investimento que pretendiam fosse remunerado com as rendas resultantes do seu arrendamento, tendo a Recorrida interesse em que os Recorrentes adquirissem o imóvel em causa para depois o tomar de arrendamento para dele fazer o seu novo escritório. 
p) A A. manifestou a vontade de vir a adquirir o imóvel arrendado. 
q) Todo este negócio, celebrado entre A. e RR., foi desde logo acordado aquando da compra do imóvel pelos RR, aquisição registada em 18 de Junho de 2015. 
r) Previamente à aquisição do imóvel pelos RR., estes acordaram com a A. os termos do contrato de arrendamento, o qual incluiria sempre a opção de compra. 
s) O negócio foi sempre acompanhado pelo R. marido, o qual é uma pessoa instruída e que investe no imobiliário, tendo acompanhado a redação do contrato. 
t) Os documentos foram redigidos e preparados através da A., mas os RR. participaram ativamente na sua elaboração e exigiram verificar os mesmos antes da sua assinatura.
u) A minuta de contrato enviada pela colaboradora da A. ao R. marido, em 8 de Junho de 2015, estabelecia como prazo do contrato de arrendamento 5 anos e opção de compra pelo preço de 265.000,00 euros, se exercida até 30 de Agosto de 2017, e a minuta enviada pela mesma colaboradora ao R. marido, em 9 de Junho de 2015, estabelecia ao arrendamento um prazo de 9 anos e opção de compra pelo preço de 280000,00 euros se exercida entre 30 de Julho de 2018 até 30 de Janeiro de 2018; a diferença entre as minutas resultou de uma alteração da vontade das partes por encontro dos respectivos interesses.
v) Em 30 de Outubro de 2001 foi emitida licença de utilização do imóvel sito na Rua Pé do Mouro, n.º 1 e 1-A, sito em Linhó, São Pedro de Penaferrim, Sintra, relativa a oficina de carpintaria e alumínio.
2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Dos pressupostos da execução específica
1.1. Entendem os Recorrentes que a sentença de execução específica não podia proceder por não se verificar uma situação de mora, uma vez que o contrato não estabelece prazo para a realização da escritura de compra e venda, sendo que os Réus nunca se negaram a celebrá-la, mas apenas a fazê-lo antes do decurso do prazo de nove anos estabelecido para o arrendamento.
Diversa é a posição da Recorrida, acolhida na sentença de primeira instância, a saber, a de que a declaração de opção pela compra, sem prazo para a realização desta, determina a celebração imediata após interpelação, nos termos do artigo 777.º, n.º 1, do Código Civil.
Numa primeira abordagem à questão, importa qualificar o contrato celebrado, sendo certo que tal qualificação tem sido plúrima nos autos (algumas vezes equívoca) e dela podem resultar grandes diferenças de regime.
Seguidamente, importará interpretar as suas cláusulas quanto à questão central da existência ou não de prazo/data para a compra e venda.
1.2. Para a qualificação relevam, no que se refere aos tipos e suas diferenças específicas, as cláusulas segunda e terceira, com o seguinte teor:
Segunda
Pelo presente contrato, a primeira dá de arrendamento à segunda outorgante, o prédio identificado na cláusula anterior.
a) O imóvel é arrendado no estado de conservação e condições em que se encontra, reconhecendo a arrendatária que o mesmo reúne todas as condições e requisitos para o fim a que se destina.
Terceira
Este contrato é feito pelo prazo de 9 anos com início a 1 de Agosto de 2015. 
Findo o prazo previsto na alínea anterior o contrato renovar-se-á automaticamente por períodos de 5 anos, se não for denunciado pela primeira outorgante no prazo de 60 dias e pela segunda no prazo de 60 dias com a obrigatoriedade de ter 6 meses efetivos de contrato. 
Tem a segunda outorgante opção de compra do prédio pelo preço de 280 000,00 €, duzentos e oitenta mil euros), se exercida entre 30 de Julho de 2018 até 30 de janeiro de 2019. 
O valor da escritura será de 200000 €, (duzentos mil euros), sendo adicionalmente pagos 80000 €, (oitenta mil euros), relativamente a benfeitorias.
Retira-se destas cláusulas, tendo presente o disposto nos artigos 236.º a 239.º do Código Civil:
As outorgantes quiseram estabelecer entre si que a primeira outorgante proporcionava à segunda o uso do imóvel em causa por uma contrapartida pecuniária e por um prazo.
A primeira outorgante concedeu à segunda a possibilidade de num determinado período de tempo, situado no prazo estabelecido para o arrendamento, optar pela compra do imóvel.
Ambas acordaram quanto ao preço do imóvel a ter em atenção na escritura de compra e venda, a celebrar futuramente, e quanto ao pagamento de um montante adicional, que justificaram como sendo relativo a benfeitorias.
Da matéria de facto assente nos autos resulta ainda que a Autora tem como objeto social a mediação imobiliária, administração de imóveis por contra de outrem, gestão de arrendamento, compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim e exercício da atividade de construção civil, e que o acordo em apreciação foi celebrado no exercício da sua atividade e para instalar os seus serviços e escritórios.
Resulta claro que o acordo quanto ao uso do imóvel mediante contrapartida constitui a celebração de um contrato de arrendamento comercial, sendo senhorios os Réus e arrendatária a Autora.
É o que resulta das declarações de vontade, enquadráveis nas normas dos artigos 1022.º, 1023.º, I.ª parte, 204.º, n.º 1, alínea a) e 1067.º, n.º 1, do Código Civil.
1.3. Pelo acordo em causa, as partes convencionaram ainda que os Réus concediam à Autora a possibilidade de comprar o imóvel por um determinado preço, devendo transmitir tal vontade aos senhorios no lapso de tempo previsto.
O enquadramento legal deste acordo convoca a distinção entre diversos tipos contratuais. São eles: a proposta irrevogável, a promessa, unilateral ou bilateral e o contrato de opção[2].
A proposta irrevogável encontra-se tipificada no artigo 230.º, do Código Civil, que estabelece que, salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida.
A declaração dos Réus de possibilitarem à Autora a compra do imóvel pelo preço e condições indicados se o declarasse no período estabelecido, pode constituir uma proposta de contrato de compra e venda, recebida pela Autora, e, por tal, irrevogável até findar o prazo estabelecido para a declaração de aceitação, nos termos do artigo 228.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil.
A promessa caracteriza-se por uma ou ambas as partes (caso seja unilateral ou bilateral, respectivamente) acordarem em celebrar no futuro um contrato, que delineiam de imediato, vinculando-se uma ou ambas a emitir a declaração negocial idónea à constituição desse contrato. É o que resulta do disposto nos artigos 410.º, n.º 1, e 411.º, do Código Civil.
Neste enquadramento, pelo acordo celebrado, os Réus comprometeram-se a celebrar o contrato de compra e venda com a Autora com as cláusulas fixadas, caso esta o pretendesse e o declarasse no prazo estabelecido para essa declaração. Tratar-se-ia, em consequência, de uma promessa unilateral, uma vez que a Autora não se encontrava vinculada a celebrar o contrato de compra e venda.
O contrato de opção, não se encontra previsto na lei enquanto tipo, sendo por isso um contrato atípico regulado pelas disposições gerais do Código Civil quanto aos contratos, pelo programa contratual e supletivamente por disposições dos contratos típicos de que seja próximo.
Seguindo Tiago Soares[3], o desenho característico do contrato de opção consiste na convenção mediante a qual, uma das partes (concedente) emite a favor da outra (optante) uma declaração negocial, que se consubstancia numa proposta contratual irrevogável referida a um certo contrato (principal), fazendo nascer, nesta última, o direito potestativo de decidir unilateralmente sobre a conclusão ou não do mesmo.
Assim, o contrato de opção tem como característica específica a de a celebração do contrato principal depender apenas da declaração de vontade do beneficiário da opção. Dito de outro modo, a declaração do beneficiário determina a realização do negócio.
1.4. As semelhanças entre o contrato de opção e a promessa irrevogável são manifestas. Todavia as diferenças não são despiciendas. Se o contrato de opção constitui uma proposta contratual irrevogável convencionada[4], uma primeira diferença pode ser encontrada em a proposta irrevogável constituir um acto unilateral do proponente enquanto o contrato de opção resulta de um acordo das vontades dos contraentes.
O género, a ambos próximo, é a proposta irrevogável, enquanto a diferença específica se encontra na génese unilateral ou convencional, na fonte da irrevogabilidade, que na simples proposta é a lei e no contrato de opção o próprio contrato, ou no regime do incumprimento, fonte de responsabilidade pré-contratual na proposta e de responsabilidade contratual no contrato de opção.
Entre ambos os institutos, a situação dos autos, com génese manifestamente contratual, afasta a integração na simples proposta irrevogável.
1.5. Considerando o tipo do contrato promessa como a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato (artigo 410.º, do Código Civil), há que ter em atenção que o contrato de opção vinculando ambas as partes que o celebram, não vincula o beneficiário a emitir a declaração. A aproximação sempre haveria de fazer-se, por esse motivo, com a promessa unilateral.
Sendo ambos os tipos de contrato instrumentais de outros, o contrato de opção caracteriza-se por uma das partes ter já emitido a declaração negocial correspondente ao contrato principal (no caso a compra e venda) enquanto constitui a outra na titularidade do direito potestativo de optar pela conclusão desse negócio, com a sua correspectiva sujeição.
A diferença fundamental entre a promessa unilateral e o contrato de opção encontra-se em, na primeira, a parte se obrigar a emitir a declaração necessária à celebração do contrato definitivo, e, no segundo, essa declaração ser desde logo emitida gerando a sujeição à emissão da declaração negocial da contraparte.
No caso dos autos, o acordo celebrado não é de emissão de declaração de venda desde logo pelos Réus, mas de promessa de venda. O que resulta de a própria cláusula terceira, que estabelece a possibilidade de a Autora optar pela compra, estabelecer também que, se o fizer, será celebrada a respectiva escritura, lugar próprio da emissão das declarações negociais.
Ou seja, resulta do próprio clausulado contratual que as partes encararam a possibilidade de opção de compra como referindo-se à emissão pela Autora da declaração de compromisso à celebração do contrato de compra e venda, ou seja, a assunção pela Autora, até aí não vinculada, da obrigação de contratar a compra e venda mediante a outorga da escritura pública.
Em conclusão, o acordo celebrado em 18 de Julho de 2015 é um contrato de arrendamento e de promessa unilateral de venda do imóvel, vinculando os Réus senhorios a emitir a declaração de venda em escritura pública, desde que a Autora e arrendatária manifeste, no período acordado, a sua vontade de comprar.
Do que decorre que a declaração da Autora através da carta de 23 de Julho de 2018 opera a sua vinculação à celebração da compra e venda nos termos antecipadamente acordados, transformando a promessa unilateral em promessa bilateral vinculativa para ambas as partes.
1.6.  Ao declarar pretender vincular-se a comprar, a Autora indicou também a data da celebração da escritura de compra e venda, o dia 2 de Agosto de 2018, tendo agendado a escritura em Cartório Notarial.
Aqui se inicia a fundamental discordância entre as partes, com os Réus/Recorrentes a defenderem que não se encontrava acordada data para a celebração da escritura e, de todo o modo, a mesma apenas poderia ter lugar após a cessação do arrendamento ou, em alternativa que não concedem, após fixação judicial de prazo não convencionado para o cumprimento da promessa, e a Autora/Recorrida a entender que a escritura podia ser marcada logo que a declaração fosse emitida.
1.7. Para prosseguir com a específica dilucidação da questão do prazo, importa enfrentar a relação entre os contratos que considerámos terem sido celebrados pelas partes - arrendamento comercial e promessa unilateral de compra e venda, ambos com o mesmo objecto mediato, o imóvel -, sob a perspectiva da sua (in)dependência.
Tratados como dois contratos funcionalmente separados, apesar de celebrados no mesmo documento, pelas mesmas partes e a respeito do mesmo imóvel, haverá que considerar o regime do contrato promessa, prescindindo da existência de um contrato de arrendamento, cujas vicissitudes serão independentes, sem prejuízo de nele se repercutirem, nomeadamente por confusão.
Encarados como dois contratos funcionalmente unidos, a interpretação e sorte de um dependem do outro, devendo estabelecer-se em que termos assim dependem, de modo a dilucidar quais as normas dos tipos contratuais que podem ser aplicadas e quais devem ser afastadas.
1.8. As questões da unidade ou pluralidade contratual e das diferentes figuras intermédias que se encontram entre os dois pólos opostos tem ocupado crescentemente a reflexão jurídica, nomeadamente com a construção de tipos negociais complexos em resposta à riqueza e complexidade da realidade económica e social.
Referia já o Professor Antunes Varela, em exposição que mantém actualidade, que se diz misto o contrato no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei[5].
Acrescenta o Autor[6]:
Em lugar de realizarem um ou mais tipos ou modelos de convenção contratual incluídos no catálogo da lei (contratos típicos ou nominados), as partes, porque os seus interesses assim o imponham, celebram por vezes contratos com prestações de natureza diversa ou com uma articulação de prestações diferente da prevista na lei, mas encontrando-se ambas as prestações ou todos elas compreendidas em espécies típicas directamente reguladas na lei.
Da figura dos contratos mistos distingue-se a da união ou coligação de contratos, ou seja, em que dois ou mais contratos que, sem perda da sua individualidade, se acham ligados entre si por certo nexo[7].
Situações que ainda podem diferenciar-se entre aquelas em o vínculo que prende os contratos é puramente exterior ou acidental, como quando provém do simples facto de terem sido celebrados ao mesmo tempo (entre as mesmas pessoas) ou de constarem do mesmo título.
(…)
Outras vezes, porém, sucede que os contratos, mantendo embora a sua individualidade, estão ligados entre si, segundo a intenção dos contraentes, por um nexo funcional que influi na respectiva disciplina. Já se não trata de um nexo exterior ou acidental, mas de um vínculo substancial que pode alterar o regime normal de um dos contratos ou de ambos eles, por virtude da relação de interdependência que eventualmente se crie entre eles.
(…)
Em todos estes casos (de verdadeira coligação de contratos) há já certa dependência entre os contratos coligados, criada pelas cláusulas acessórias (Nebenabrede) ou pela relação de correspectividade ou de motivação que afectam um deles ou ambos eles[8].
Por seu turno, o Professor Vaz Serra[9] ensinava, ao pretender propor regulamentação legal, que:
Os contratos mistos distinguem-se das uniões de contratos em que, neles, não há uma pluralidade de contratos, mas um só contrato, cujos elementos essenciais de facto estão regulados, total ou parcialmente, por normas respeitantes a tipos contratuais diferentes.
(…)
Contratos mistos lato sensu. Caracterizam-se pelo facto de, ao contrário do que sucede nas uniões de contratos, não haver uma pluralidade de contratos, mas um só contrato, contrato único ou unitário, estando, porém, os seus elementos essenciais de facto regulados, total ou parcialmente, pelas regras de diferentes espécies contratuais típicas.
A circunstância de uma parte da hipótese de facto do contrato misto estar regulada na lei apenas a respeito de certo contrato típico, não obsta a que essa regulação se aplique à parte correspondente.
(…)
O negócio misto é, como se disse, aquele que resulta da combinação de dois ou mais negócios, combinação que a lei não regula, regulando apenas um, alguns ou todos os negócios que entram na sua formação. A lei, por hipótese, regula certo negócio (que, por isso, é um negócio típico) ou regula dois negócios (que são, assim, negócios típicos), mas não regula o conjunto que da combinação daquele negócio com outro ou dos dois negócios deriva.
Propondo, em conclusão, a seguinte norma:
Artigo 3.º
1. Diz-se misto o contrato que resulta da ligação de dois ou mais contratos num só, ligação que a lei não regula, regulando apenas, total ou parcialmente, um, alguns ou todos os negócios, que entram na sua formação. O negócio misto pode ser constituído, não por negócios integrais, mas tão-somente por elementos de vários negócios.
1.8. A determinação da unidade ou pluralidade de contratos constitui tarefa de interpretação do clausulado, uma vez que não são as partes que decidem, dentro ou fora das cláusulas do contrato, sobre a qualificação plural ou singular do acordo que estabeleceram. Mas é sobre a natureza do acordo por elas estabelecido, à luz do pensamento sistemático denunciado na classificação e definição dos diferentes contratos típicos, que as dúvidas na matéria hão-de ser solucionadas.
Como critérios auxiliares, conquanto não decisivos, para a resolução do problema avultam naturalmente dois: um, tirado da unidade ou pluralidade da contraprestação; outro, assente na unidade ou pluralidade do esquema económico subjacente à contratação[10].
No mesmo sentido, ensina Pereira Coelho[11] que a consideração unitária (que sufragamos) assenta numa abordagem objectivística do complexo negocial. No confronto entre as denominadas orientações subjectivas e objectivas que se desenvolveram nesta matéria (…) é óbvio que é deste lado que se encontra a razão. Na verdade, a determinação do carácter “plural” ou “unitário” de uma dada formação contratual representa uma competência (exclusivamente) “jurídica” ou “metodológico-jurídica”, que não cabe às partes – não é a estas, mas à ordem jurídica/método jurídico, que compete dizer se certa formação contratual é (para determinado efeito) unitária ou plural. É claro que esta consideração “objectiva” assenta no conjunto dos efeitos pretendidos pelas partes – assneta no “texto” ou “conteúdo” (objectivo) dos negócios, e por conseguinte, no conjunto das declarações de vontade das partes.
Em suma, a determinação da unidade ou pluralidade contratual depende da interpretação do próprio contrato.
 1.9. Na abordagem do problema da unidade e pluralidade, Pereira Coelho[12] salienta a necessidade da consideração do contexto negocial do mundo moderno pronunciando-se a favor de uma consideração unitária (não atomística) destes complexos [negociais].  Para sublinhar que interessa considerar se existe um programa económico unitário ou se se deve partir do princípio de que se trata, para a generalidade dos efeitos, de formações contratuais unitárias (ainda que dotadas de alguma complexidade.
Impressivamente, elucida o mesmo Autor[13] que tais conexões e respectivas consequências, dizíamos, configuram, se bem virmos, conexões e consequências idênticas àquelas que se estabelecem e produzem no interior de um contrato unitário. Nexos como o de sinalagmaticidade ou de condicionamento constituem nexos que tipicamente se desenvolvem nos quadros do círculo (interno) de efeitos de um contrato unitário. Por conseguinte, ocorrendo tais nexos entre efeitos negociais pertencentes a estruturas negociais aparentemente autónomas, deve entender-se que está presente, no conjunto desses negócios (assim conexionados), um novo e unitário negócio.
1.10. Revertendo ao caso sub judice, no que respeita ao critério da pluralidade ou unidade das prestações, as mesmas apresentam-se como plurais umas respeitando ao arrendamento, outras à promessa.
No que se refere ao esquema económico subjacente ao contrato, importa recorrer ao conjunto da matéria de facto provada.
Com pertinência, temos que o negócio (arrendamento e promessa) foi acordado entre a Autora e os Réus previamente à compra do imóvel pelos Réus (alíneas q) e r) dos factos provados), que os Réus adquiriram o imóvel como um investimento que pretendiam fosse remunerado com as rendas resultantes do seu arrendamento (alínea o) dos factos provados) que já tinham acordado com a Autora. 
Mais se provou que a minuta de contrato enviada pela colaboradora da Autora ao Réu marido, em 8 de Junho de 2015, estabelecia como prazo do contrato de arrendamento 5 anos e a minuta enviada pela mesma colaboradora ao R. marido, em 9 de Junho de 2015, um prazo de 9 anos, alteração que resultou de acordo entre as partes (alínea u) dos factos provados).
Em suma, provou-se que os Réus adquiriram o imóvel como investimento, a remunerar mediante a celebração do arrendamento e a percepção das rendas, que o fizeram tendo já acordado com a Autora tanto o arrendamento como a opção de compra e que o prazo do arrendamento foi objecto de negociação concreta entre as partes, estando indicado um prazo inicial de cinco anos e sendo acordado a final um prazo de nove anos.
Esta factualidade permite concluir que ambos os negócios se encontravam incluídos num mesmo projecto económico e que a efectiva realização de ambos era a previsão das partes para satisfação das necessidades que levaram cada uma a contratar. Necessariamente tem de considerar-se que a Autora não tinha, ao tempo em que precisava das instalações, meios ou interesse em as adquirir por compra, preferindo a essa situação a de os Réus as adquirirem, proporcionando-lhe a utilização por meio de arrendamento.
Do mesmo conjunto de factos resulta que os Réus adquiriram o imóvel para o fazerem render através do arrendamento, vinculando-se embora a vendê-lo à Autora se esta o quisesse e manifestasse essa vontade em certo prazo. Também neste aspecto existe uma unidade económica do negócio, satisfazendo, a um tempo, a finalidade de os Réus fazerem render o seu investimento e a de a Autora adquirir posteriormente o imóvel, reunidas que estivessem as condições que considerasse necessárias para o fazer.
Com este contexto factual, concluímos que existe uma unidade de desígnio económico que une os dois contratos típicos discerníveis em abstracto no programa contratual estabelecido. Na perspectiva de Pereira Coelho, que acompanhamos, existe um único negócio com estruturas negociais aparentemente autónomas, no caso, um arrendamento comercial com opção de compra.
1.11. Nesta perspectiva unitária cumpre interpretar o contrato quanto à existência ou não de prazo para a realização da escritura de compra e venda e suas consequências.
Interpretação que supõe a consideração do contrato como um todo e de todo o contrato[14].
A leitura de todas as cláusulas contratuais com especial enfoque na cláusula terceira, permite concluir que em nenhuma está escrita a data ou o prazo para a realização da escritura.
Os únicos prazos fixados estão-no nos seguintes termos:
Este contrato é feito pelo prazo de 9 anos com início a 1 de Agosto de 2015.  Findo o prazo previsto na alínea anterior o contrato renovar-se-á automaticamente por períodos de 5 anos, se não for de denunciado pela primeira outorgantes no prazo de 60 dias e pela segunda no prazo de 60 dias com a obrigatoriedade de ter 6 meses efetivos de contrato. 
Tem a segunda outorgante opção de compra do prédio pelo preço de 280 000,00 €, duzentos e oitenta mil euros), se exercida entre 30 de Julho de 2018 até 30 de janeiro de 2019 (nosso sublinhado).
A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil – sendo que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento – artigo 238.º, n.º 1, do Código Civil.
Ora, não oferece muita dúvida que o texto na sua literalidade se refere ao prazo do arrendamento e ao prazo para o exercício da opção de compra.
A literalidade do contrato determina se considere que as partes convencionaram um contrato de arrendamento, e respectivo prazo, e uma promessa unilateral de venda, mediante a qual a arrendatária podia optar pela compra, a exercer num determinado prazo, não tendo acordado qual o prazo para a concretização da compra e venda.
1.12. Pese embora, o elemento meramente literal não é o único elemento interpretativo, admitindo desde logo a lei como elemento fundamental a consideração do contexto (ou do co-texto, como refere Carlos Ferreira de Almeida[15] em expressão inteiramente ajustada ao nosso caso).
Mas também no contexto não pode encontrar-se referência a um outro prazo, o da escritura de compra e venda, considerando o contrato na sua globalidade e, especificamente, a cláusula terceira.
No caso, tendo considerado que o contrato em causa é unitário englobando dois tipos contratuais, importa apreciar se de tal resulta, como entendem os Recorrentes, que o prazo de nove anos fixado para o arrendamento deve ter-se como o prazo estabelecido ou aplicável à celebração do contrato prometido.
Não se vê que tal interpretação tenha na letra do contrato correspondência que a autorize, visto o comando do artigo 238.º, n.º 1, do Código Civil.
Concluímos, em consequência, que do contrato celebrado não consta a previsão de um prazo para a celebração do contrato prometido, que o mesmo é dizer, não consta a fixação de um prazo para a realização da escritura de compra e venda.
1.13. Na determinação do regime legal aplicável, importa atender à unidade contratual que se entendeu verificada, uma vez que a unidade contratual de tipos diferentes pode afastar a aplicação das normas que a cada um dos contratos se aplicariam se considerados isoladamente, mediante a consideração da unitariedade “económico-jurídica” dos complexos negociais[16].
O Autor citado continua explicitando a possibilidade de o regime típico de um dos singulares contratos sofrer uma qualquer alteração por força da sua inclusão numa operação mais complexa, designadamente no domínio dos prazos para o exercício de direitos potestativos (…).
Sublinhando que a concretização do princípio atrás enunciado, como das aplicações respectivas (…) não deve obviamente, porém, fazer-se de forma mecânica: haverá sempre que determinar até que ponto a unidade da operação económica (…) justifica aquelas soluções[17].
Do mesmo modo, o Professor Vaz Serra[18], propor a seguinte norma:
Quando o conteúdo total do contrato se enquadrar em tipos diferentes de contrato, revelando-se como sendo, ao mesmo tempo, o desses diferentes tipos, observam-se as disposições destes vários tipos contratuais e, se estas forem inconciliáveis, aquelas, dentre essas disposições, que, visto o fim do contrato e os interesses legítimos das partes, devam preferir-se. Se a lei apenas regular completamente um dos tipos de contrato, fixa-se, em primeiro lugar, o regime do contrato não regulado, de harmonia com as regras sobre direito aplicável aos contratos atípicos, e, depois, observa-se o critério enunciado no presente parágrafo.
Também no que respeita ao esforço desenvolvido na União para a uniformização dos regimes jurídicos pode ver-se posição similar no ponto 1.107 epigrafado “mixed contracts”[19].
Em suma, a consideração unitária do contrato defendida por Pereira Coelho como abordagem imposta pelas exigências económicas dos tempos modernos, encontra eco nas preocupações do Professor Vaz Serra ao afastar a aplicação automática das teorias da absorção, combinação ou aplicação analógica[20]. Contrariamente, adverte o Ilustre Professor[21] que nenhumas destas teorias é inteiramente aceitável, pois o problema não pode resolver-se mediante regras abstractas: «não pode a teoria dar senão linhas de orientação para o tratamento das misturas típicas. Decisiva é a situação de interesses do caso concreto, que ora exige uma solução no sentido da teoria da absorção, ora da teoria da combinação, ora da da aplicação analógica, evidentemente com apreciação do fim legal das disposições implicadas.
Apuremos então qual o programa normativo aplicável ao arrendamento e à promessa de compra e venda no que ao prazo respeita, a fim de avaliar de eventual incompatibilidade e subsequente escolha do regime aplicável.
Na verdade, no caso de contrato misto em que as normas aplicáveis aos tipos combinados são incompatíveis, tem de afastar-se a norma desadequada ao conjunto contratual estabelecido, em homenagem ao princípio da liberdade contratual das partes (artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil).
Quanto ao programa contratual num contrato misto, bem como distinção da união de contratos, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2018, proferido no processo 2855/14.2TBVFR-B.P1.S1 (Ana Paula Boularot), de 9 de Maio de 2019, proferido no processo 1563/11.0TVLSB.L1.S3 (Helder Almeida) ou de 19 de Setembro de 2019, proferido no processo 1817/16.0T8PNF.P1.S2 (Rosa Tching).
1.14. Quanto ao arrendamento rege o artigo 1110.º do Código Civil, com a epígrafe duração, denúncia ou oposição à renovação, o qual estabelece:
1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação.
2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.
Uma primeira conclusão pode retirar-se desta norma. Sendo a denúncia pelo arrendatário admitida com a restrição da antecedência de um ano de pré-aviso, não resulta qualquer incompatibilidade com um regime da promessa que antecipe o final do arrendamento, nomeadamente mediante a realização da escritura de compra e venda.
O mesmo é dizer, o regime legal aplicável ao arrendamento, ao permitir a sua denúncia pelo arrendatário antes do final do prazo estabelecido, não é incompatível com um regime da promessa de que resulte a cessação do arrendamento em data anterior ao final do prazo de nove anos.
 Quanto à realização da escritura entendeu a primeira instância que a inexistência de prazo implica a aplicação do regime do artigo 777.º, n.º 1, do Código Civil, que estatui: na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.
Qualificada a consagração relativa à opção de compra como promessa unilateral de venda, a declaração de opção pela compra corresponde a uma declaração de vinculação a comprar, com a transmutação da promessa unilateral de venda numa promessa bilateral de compra e venda.
Pode aquela norma do artigo 777.º, n.º 1, do Código Civil, aplicar-se em sede de contrato-promessa?
Não o cremos. Pela sua própria natureza, o contrato-promessa implica o contrário da exigência da prestação a todo o tempo, que o mesmo é dizer, logo desde a celebração do contrato. Assim é porque o cumprimento da promessa é a celebração do contrato prometido e a promessa tem na sua génese justamente o diferimento dessa celebração.
O caso é, então, de as partes não terem acordado num prazo, sendo necessário o seu estabelecimento pela própria natureza da prestação. O que convoca a norma do artigo 777.º, n.º 2, do Código Civil. Diz a mesma:
Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.
Em suma, não podia a Autora exigir a imediata realização da escritura sem previamente ser fixado o prazo para o cumprimento, naturalmente mediante a acção a tal adequada, a prevista no artigo 1026.º do Código de Processo Civil, que adjectiva o regime do artigo 777.º, n.º 2, do Código Civil[22].
A interpelação para a realização da escritura não tem assim a virtualidade de constituir os Réus em mora, visto o que dispõe o artigo 805.º, do Código Civil.
1.14. Refira-se, ainda, que a declaração dos Réus de não cumprimento na data indicada pela Autora não pode considerar-se como incumprimento susceptível de dispensar a fixação de prazo, uma vez que a declaração se não reporta à celebração da escritura, mas à data da mesma, que vimos não estar estabelecida e carecer de o ser.
1.15. Em conclusão, não está verificada mora dos Réus, modalidade de incumprimento que é pressuposto da execução específica – artigo 830.º, n.º 1, do Código Civil -, razão pela qual deve ser revogada a decisão recorrida e julgada improcedente a acção.
2. Da indispensabilidade da licença de utilização para a prolação da sentença
A matéria epigrafada está prejudicada pelo que se apreciou e decidiu no ponto anterior.
IV) DECISÃO
Pelo exposto, ACORDAM em julgar procedente o recurso e improcedente a acção, revogando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias – artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
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Lisboa, 24 de Setembro de 2020
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
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[1] Com aproveitamento do relatório da sentença recorrida.
[2] Na distinção entre elas socorremo-nos do claríssimo estudo de Tiago Soares da Fonseca em Do Contrato de Opção – esboço de uma teoria geral.
[3] P. 21.
[4] P. 37.
[5] Professor Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6.ª edição, Almedina, 1989, p. 274.
[6] Op. et loc. cit.
[7] Op. cit. p. 276.
[8] Op. cit. p. 276-278.
[9] In União de Contratos – Contratos Mistos, BMJ, n.º 91, p. 13-32-33.
[10] Professor Antunes Varela, op. cit., p. 279.
[11] In Coligação negocial e operações negociais complexas, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, volume comemorativo, Coimbra, 2003, p. 251-252.
[12] Op. cit. p. 250.
[13] Op. cit. p. 251.
[14] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos IV – Funções. Circunstâncias. Interpretação, Almedina, 2018, 2.ª edição. P. 288-289.
[15] Op. et loc. cit.
[16] Pereira Coelho, op. cit., p. 263.
[17] Op. cit., p. 264.
[18] Op. cit., p. 134.
[19] II. – 1:107: Mixed contracts
(1) For the purposes of this Article a mixed contract is a contract which contains: (a) parts falling within two or more of the categories of contracts regulated specifically in these rules; or II. – 1:104 Book II 184 (b) a part falling within one such category and another part falling within the category of contracts governed only by the rules applicable to contracts generally.
(2) Where a contract is a mixed contract then, unless this is contrary to the nature and purpose of the contract, the rules applicable to each relevant category apply, with any appropriate adaptations, to the corresponding part of the contract and the rights and obligations arising from it.
(3) Paragraph (2) does not apply where: (a) a rule provides that a mixed contract is to be regarded as falling primarily within one category; or (b) in a case not covered by the preceding sub-paragraph, one part of a mixed contract is in fact so predominant that it would be unreasonable not to regard the contract as falling primarily within one category.
(4) In cases covered by paragraph (3) the rules applicable to the category into which the contract primarily falls (the primary category) apply to the contract and the rights and obligations arising from it. However, rules applicable to any elements of the contract falling within another category apply with any appropriate adaptations so far as is necessary to regulate those elements and provided that they do not conflict with the rules applicable to the primary category.
(5) Nothing in this Article prevents the application of any mandatory rules (consultado em https://www.law.kuleuven.be/personal/mstorme/2009_02_DCFR_OutlineEdition.pdf).
[20] In op. cit. p. 13: Quanto à regulação destes contratos, surgem três teorias: a da absorção (Lotmar), segundo a qual toda a relação deve ser subordinada às disposições do tipo contratual correspondente à prestação principal; a da combinação (Hoeniger, Rümelin) defende a combinação das normas aplicáveis aos diferentes tipos contratuais contidos na relação; a da aplicação analógica (Schreiber).
[21] In op. cit. p. 14.
[22] Nesse sentido o acórdão Acordão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4 de Abril de 2013-04-04, proferido no processo 178/12.0TCGMR.G1 (Raquel Rego).