Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1796/19.1T8CSC.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: DESPEDIMENTO
PROVA
NULIDADE DA SENTENÇA
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: 1- Incumbe ao trabalhador a prova do invocado despedimento, por parte da entidade empregadora.
2- Da instauração de processo disciplinar (com suspensão de funções) e da falta de pagamento das retribuições não é possível concluir pela verificação de despedimento tácito.
3- Na falta de prova do despedimento ilícito (causa de pedir da acção), deveremos concluir que está ferida de nulidade e vai para além do pedido a sentença que condena no pagamento de salários devidos depois da data do invocado despedimento, com fundamento na vigência do contrato.
(Pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório
AAA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra “BBB”, alegando em síntese :
- O A. foi admitido ao serviço da ré em 1 de Março de 2014, para exercer as funções de chefe de cozinha;
- O A. auferia como contrapartida do trabalho prestado a quantia de € 1.400,00 pagos em numerário, acrescida do pagamento pela ré da renda da sua residência na (…), que se cifrava em € 775,00, perfazendo o montante mensal de € 2.175,00;
- A ré deixou de pagar-lhe a retribuição mensal a partir de Maio de 2018;
- Por iniciativa da R., o A. deixou de trabalhar desde 25 de Setembro de 2018, aguardando desde então a instrução e conclusão do processo de natureza disciplinar contra si instaurado;
- Desde 25 de Setembro de 2018 a ré impediu o autor de prestar a sua actividade no local de trabalho, o que configura uma declaração tácita de despedimento, Conclui, pedindo que a presente acção seja julgada procedente, por provada e, por via dela:
1- Ser declarado ilícito o despedimento do A.
2- Em consequência, ser a Ré condenada a pagar ao A. as seguintes quantias:
A) O valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, o que perfaz, à data da instauração da acção, a quantia de € 2.175;
B) A indemnização por despedimento ilícito, no valor de € 10.875. Independentemente da procedência destes pedidos, deve ainda a R. ser condenada a pagar:
C) A remuneração do ano da cessação, relativa aos proporcionais de férias e respectivo subsídio, bem com subsídio de Natal, no montante de € 4.803,12;
D) A remuneração relativa à retribuição base compreendida no período de 1 de Maio a 25 de Setembro de 2018, no montante de € 8.337,50;
E) A quantia de € 8.337,50, relativa aos subsídios de férias e de Natal de 2014, 2015. 2016 e 2017;
F) A remuneração relativa às férias e respectivo subsídio vencido a 1 de Janeiro de 2018, no montante de € 4.350.
Mais peticionou condenação da Ré no pagamento dos juros de mora vencidos e nos vincendos até efectivo pagamento de todas as prestações em que venha a ser condenada.
Realizou-se audiência de partes, na qual não foi possível obter a conciliação entre as mesmas.
A ré contestou, invocando o erro na forma do processo e a ineptidão da petição inicial e defendendo que o A. não foi despedido, mas sim suspenso no âmbito de um processo disciplinar.
A R. formulou ainda pedido reconvencional no montante de €29712 ( a título de compensação de quantias pagas pela R. ao A. quando este estava de baixa, quantias pagas por períodos de trabalho não realizados e pelos prejuízos resultantes do exercício pelo A. de actividade concorrente).
Foi proferido despacho saneador.
Não foi admitido o pedido reconvencional.
Foi indeferida a arguição de nulidade de erro na forma de processo e a petição inicial não foi considerada inepta.
Procedeu-se a Julgamento.
Pelo Tribunal a quo foi proferida sentença.
Foram consignados os seguintes factos provados :
1. A ré tem por objecto o comércio, representação, distribuição, importação e exportação de mobiliário e artigos de decoração. Exploração de pastelaria, cafetaria, confeitaria e panificação. Serviço de restauração e bebidas [artigo 1.º da PETIÇÃO INICIAL – PROVADO POR DOCUMENTO].
2. O autor foi admitido ao serviço da ré, em 01-03-2014, mediante a celebração do acordo escrito denominado “contrato de trabalho” cuja cópia faz fls. 11v. e 12 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido [artigos 2.º e 3.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
3. Em 01-09-2014 autor e ré celebraram novo acordo escrito denominado “contrato de trabalho” cuja cópia faz fls. 12v. e 13 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido [artigo 4.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
4. Em 01-03-2015 autor e ré celebraram novo acordo escrito denominado “contrato de trabalho” cuja cópia faz fls. 13v. e 14 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido [artigo 5.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
5. O autor desenvolvia a sua actividade para a ré no estabelecimento de restauração que esta explora no Largo da Misericórdia, em Cascais [artigo 6.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
6. Desempenhando as funções que correspondem à categoria profissional de cozinheiro, competindo-lhe confecionar pratos e organizar toda a cozinha do restaurante [resposta ao artigo 7.º da PETIÇÃO INICIAL].
7. A partir de 16 de Novembro de 2015 o autor passou a residir na Alameda da Guia, n.º 321, 1.º Esq., Cascais [artigo 8.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
8. A gerente da ré, (…), outorgou o “contrato de arrendamento urbano para habitação 2015” cuja cópia faz fls. 14v./15 dos autos, na qualidade de fiadora, tomando desta forma conhecimento de que o autor mudara de residência a partir de 16-11-2015 [resposta aos artigos 9.º e 10.º da PETIÇÃO INICIAL].
9. Ultimamente o autor auferia como contrapartida do trabalho prestado por conta e sob a direcção da ré a quantia de € 600,00 mensais, pagos em numerário, acrescido de € 4,52 por cada dia de trabalho a título de subsídio de alimentação [resposta ao artigo 11.º da PETIÇÃO INICIAL].
10. No dia 19-09-2018 a ré decidiu abrir um inquérito contra o autor, alegando que este se encontrava a adoptar posturas agressivas com o pessoal de cozinha, a desafiar ordens dos seus superiores e a recusar a prestar informação legitimamente solicitada [resposta ao artigo 22.º da PETIÇÃO INICIAL].
11. Em 25-09-2018 a ré apresentou ao autor a proposta de “Revogação de contrato de trabalho em alternativa a extinção do posto de trabalho” cuja cópia faz fls. 23 a 24v. dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido [resposta ao artigo 23.º da PETIÇÃO INICIAL].
12. O autor recusou-se a assinar a supra referida proposta, tendo-lhe nesse mesmo dia sido entregue em mãos o documento cuja cópia faz fls. 25 dos autos, comunicando-lhe a suspensão de funções devido à instauração de processo disciplinar, nos termos do artigo 329.º, n.º 5, do Código do Trabalho, produzindo a mesma os seus efeitos a partir da data da sua assinatura [resposta ao artigo 25.º da PETIÇÃO INICIAL].
13. A partir do dia 25-09-2018 o autor deixou de trabalhar, aguardando a instrução e conclusão do processo disciplinar [resposta ao artigo 26.º da PETIÇÃO INICIAL].
14. Desde o dia 01-05-2018 a ré deixou de pagar a retribuição ao autor [resposta ao artigo 27.º da PETIÇÃO INICIAL].
15. Em Março de 2019 o autor pediu o patrocínio oficioso do Ministério Público, tendo no decurso do respectivo processo administrativo tomado conhecimento da emissão de uma nota de culpa dirigida contra o autor datada de 28 de Dezembro de 2018 [resposta aos artigos 31.º e 32.º da PETIÇÃO INICIAL].
16. A nota de culpa fora remetida pela ré para a antiga residência do autor, na Av. (…), em Cascais, local onde o autor já não residia desde o dia 15-11-2015, data em que celebrou o contrato de arrendamento urbano para habitação de um imóvel sito na (…)., em Cascais supra referido em 8, contrato no qual figurou como 3.ª outorgante e fiadora a gerente da ré BBB [respostas aos artigos 34.º e 35.º da PETIÇÃO INICIAL].
17. Até à data da propositura da presente acção a ré não havia deduzido decisão escrita de despedimento no âmbito do referido procedimento disciplinar [resposta ao artigo 37.º da PETIÇÃO INICIAL].
18. A ré instaurou contra o autor procedimento disciplinar em 19-09-2019, cuja cópia faz fls. 95 a 196 dos autos, no decurso do qual foram ouvidas as testemunhas, colegas de trabalho do autor, e foi elaborada a nota de culpa a 28-12-2018, a qual foi expedida por via postal em 31-12-2019 para a Avenida Emídio Navarro, n.º 291-A, Cascais [resposta aos artigos 26.º e 27.º da CONTESTAÇÃO].
19. Em 22-05-2019, após a tentativa de conciliação realizada em 12-04-2019 no âmbito do processo administrativo que correu nos serviços do Ministério Público, a ré enviou novamente a nota de culpa ao autor, desta feita dirigida à (…)., em Cascais, a qual foi recebida pelo autor no dia 28-05-2019 [resposta ao artigo 28.º da CONTESTAÇÃO].
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Com base nos factos provados, foi proferida a seguinte decisão:
«Destarte, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente:
a) CONDENA-SE a ré BBB., a pagar ao autor AAA a quantia de € 12.600,00 (doze mil e seiscentos euros), a título de créditos laborais, acrescida de juros, à taxa legal de 4%, desde a data do vencimento de cada uma dessas importâncias até integral pagamento;
b) ABSOLVE-SE a ré de tudo o mais peticionado pelo autor.
Custas a cargo de autor e ré, na proporção do decaimento – artigo 527.º do CPC.»
A R. recorreu desta sentença e formulou as seguintes conclusões:
 (…)
O A., com o patrocínio do Ministério Público, contra-alegou, sem delimitar conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.
O A. formulou recurso subordinado e concluiu da seguinte forma :
 (…)
Não foram admitidas as contra-alegações ao recurso subordinado.
*
II- Importa solucionar as seguintes questões:
Quanto ao recurso da R.:
- Se ocorre violação do direito subjectivo à prova;
- Se cumpre conhecer do erro na forma de processo, da ineptidão da petição inicial e da invocada excepção peremptória inominada;
- Se a sentença enferma do vício de nulidade;
- Se foram violados os princípios do contraditório e do dispositivo;
- Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto;
- Se o A. tem direito aos créditos laborais que lhe foram arbitrados.
Quanto ao recurso do A.:
- Se ocorre despedimento tácito;
- Caso assim não se entenda, se deveria, pelo menos, o Tribunal a quo ter condenado a R. no pagamento das retribuições vencidas até à data da prolação da sentença.
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III- Apreciação
Na sua contestação a R. formulou o seguinte requerimento probatório :
« Documentos em poder de terceiros – Nos termos do artigo 432º do Código de Processo Civil, deverá ser notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto da Segurança Social, I.P. para fornecer aos Autos:
- Declaração de IRS do Autor referentes aos seus vencimentos auferidos em 2018;
- Extrato de vencimentos comunicados perante a Autoridade tributária referentes a vencimentos auferidos em 2019, se a título de trabalho dependentes, se a título de Membro de Órgão Social/Gerente, se obtidos como trabalhador independente;
- Declarações de Remunerações e de descontos efetuados perante a segurança social no ano de 2018 e de 2019, com menção da proveniência desses mesmos descontos e
- Informação faturação do seu restaurante, como melhor meio de prova de que o Autor se encontra empregado noutro local desenvolvendo atividade concorrente com a Ré, ao mesmo tempo que com esta mantém um vínculo laboral.»
Tal requerimento probatório mereceu o seguinte despacho ( proferido em 24.09.2019) :
«Notifique o autor para juntar aos autos declaração de rendimentos relativa ao ano de 2018, conforme requerido pela ré.
 (…)
Oficie ao ISS, IP, solicitando extrato de todas as remunerações auferidas pelo autor nos anos de 2018 e 2019 (seja a título de trabalhador dependente, a título de trabalhador independente ou como membro órgão estatutário), conforme requerido pela ré.»
Sob 5 a 9 das suas conclusões refere a R./ recorrente :
« 5. Os factos que a Ré pretende provar através da junção da documentação proveniente da Autoridade Tributária e, concomitantemente, a documentação ordenada entregar pelo Autor pelo Tribunal Recorrido, fazem parte do objeto do processo, como prova controvertida, porque alegada na contestação em oposição à factualidade descrita pelo Autor, como são suscetíveis de fazer prova do pagamento dos créditos laborais peticionados por este.
6. Como alegado na contestação, a junção dos extratos de vencimentos comunicados perante a Autoridade Tributária permite fazer prova dos valores pagos ao Autor a título de créditos laborais por este reclamados na presente ação, matéria esta que se encontra incluída no objeto do litígio e que se reveste de especial importância e pertinente para a boa decisão da causa, tendo tal sido expressamente determinado pelo Tribunal Recorrido no seu despacho saneador de 24 de Setembro de 2019 e que não foi junto aos Autos, nem devidamente analisado pelas partes e pelo próprio Tribunal.
7. Assim, sendo proferida Sentença sem que seja dado a hipótese à Ré de apreciar o teor da documentação ordenada juntar ao processo, encontra-se prejudicado o seu direito a um processo justo e equitativo e ao exame criterioso deste meio de prova, o qual se revela de interesse para a decisão da causa, por implicar a prova do pagamento dos valores peticionados pelo Autor a título de créditos laborais no período descrito n Petição Inicial – pois não pode, ao mesmo tempo, uma realidade em que tais valores foram pagos e outra em que os mesmos são julgados como não provados.
8. Verificando-se, pois, erro de julgamento, cuja consequência será a anulação da Sentença Recorrida, por manifesta violação dos artigos 3º nº1 – por violação do princípio do contraditório – 4º - por violação do princípio da igualdade das partes – 6º - pela falta de verificação da junção dos documentos oficiosamente ordenados juntar pelo Tribunal que implicam a prova do pagamento dos créditos laborais peticionados pelo Autor – 410º - pela deficiência de instrução – 411º - pelo incumprimento do dever de junção dos documentos oficiosamente ordenados juntar ao processo – 417º - pela violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade – 432º - pela falta de junção dos documentos ordenados juntar e 436º - pela incumprimento da requisição ordenada e sua implicação na boa decisão da causa – todos do Código de Processo Civil.
9. Sem prescindir, a interpretação dos artigos 3º nº1, 4º, 6º, 410º, 411º, 417º, 432º e 436º do Código de Processo Civil, pela qual todo e qualquer Tribunal, ordenando no despacho saneador a junção de determinado documento que permite, em abstrato, fazer prova, pelo Réu, de factos constituintes da causa de pedir, designadamente dos créditos peticionados pelo Autor e, após tal decisão, não esperar pela sua junção e proferir Sentença condenando o Réu sem tomar em causa tal realidade, contrariando a sua anterior decisão e colocando em causa a boa decisão da causa, implica a violação do artigo 20º nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, por eliminação do direito de uma parte a um processo justo e equitativo, na medida em que se impede que o valor a retirar dos meios de prova ordenados juntar ao processo seja o do improcedência da ação.»
Vejamos.
Conforme resulta do despacho acima transcrito, o Tribunal a quo no despacho de 24.09.2019 não determinou a junção de documentos pela Autoridade Tributária.
A ora recorrente não reclamou perante o Tribunal a quo a falta de apreciação de tal requerimento probatório.
No que concerne à falta de apresentação de declaração de IRS pelo A., a falta de junção é livremente apreciada pelo Tribunal ( art. 417º, nº2, do CPC).
A recorrente não especificou os factos que pretende provar com tais documentos, mas infere-se da conclusão 22 que, com a pretendida junção de documentos pela Autoridade Tributária, pugna pela prova dos factos alegados sob os arts. 95º e 96º da contestação.
A omissão da apreciação de tal requerimento probatório poderia configurar uma nulidade processual e, como tal, deveria ter sido tempestivamente suscitada na primeira instância ( art. 195º do CPC).
Assim e sem prejuízo da apreciação infra da decisão referente à matéria de facto, entendemos que não está em causa a violação dos preceitos referidos na conclusão 8ª, do direito subjectivo à prova e do direito a um processo justo e equitativo consagrado no art. 20º, nºs 1 a 4 da CRP.
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Vejamos, agora, se cumpre conhecer do erro na forma de processo e da excepção dilatória de ineptidão da petição inicial.
No despacho saneador o Tribunal a quo indeferiu o requerido pela R. no que concerne ao invocado erro da forma de processo e referiu que a petição inicial não enferma de ineptidão.
Estes despachos não foram objecto de impugnação ao abrigo do disposto no art. 79º-A, nº3 do CPT, tendo a recorrente referido apenas que pretendia recorrer da sentença.
Assim e uma vez que ocorre caso julgado formal, não cumpre conhecer do erro na forma do processo e da ineptidão da petição inicial.
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Tal como referira na contestação, defende a R./ recorrente que procede a excepção peremptória inominada, em virtude de não ter ocorrido despedimento.
O invocado despedimento constitui um facto constitutivo do direito do ora recorrido e, com tal, foi apreciado na sentença (onde se concluiu que não ocorrera despedimento).
Não estamos, por isso, perante matéria que configure defesa por excepção.
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Importa, agora, apreciar se a sentença recorrida está ferida de nulidade.
Refere a recorrente que a sentença enferma do vício de nulidade a que alude o art. 615º, nº1, c) do CPC.
Para tanto, alega que não pode ser condenada no pagamento de retribuições referentes ao ano da cessação, em virtude de não ter sido provada a cessação do contrato de trabalho.
Conclui, por isso, que ocorre “ininteligibilidade do silogismos judiciário”.
Estatui o art. 615º, nº1, c) do CPC que a sentença é nula quando « os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».          
Analisada a decisão em apreço, verificamos que o Tribunal a quo concluiu que não ocorrera despedimento à data da instauração da acção e deu como provada a falta de pagamento de retribuições, pelo que condenou a R. a pagar ao A.  retribuições referentes a todo o ano de 2018.
Nesta perspectiva, a sentença não enferma de vício lógico por contradição entre a premissas e a conclusão.
O que significa que a nulidade em apreço não se enquadra no disposto no art. 615º, nº1, c) do CPC.
Defende a recorrente, mais adiante, que a sentença recorrida foi para além do objecto do processo.
O que se enquadra na nulidade prevista no art. 615º, nº1, e) do CPC.
De acordo com este preceito legal, a sentença é nula quando o « o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido». 
Quanto a esta matéria, no âmbito do processo laboral, estabelece o art. 74º do CPT , sob a epígrafe “Condenação extra vel ultra petitum” : O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.»
Conforme entendimento jurisprudencial uniforme, esta protecção conferida pela lei não se aplica aos créditos salariais quando o trabalhador já não está numa relação de subordinação jurídica com o empregador  ( neste sentido, vide, designadamente Acórdão do STJ de 3.4.1991- www.dgsi.pt e Acórdão da Relação de Évora de 27.04.1993, CJ, 1993, III, 304).
No caso em apreço a relação laboral ainda não cessara no momento da instauração da acção.
Defende o recorrido nas suas contra-alegações que a causa de pedir é complexa e abrange, além do despedimento ilícito, o contrato de trabalho, pelo que o Tribunal poderia condenar a ora recorrente no pagamento dos créditos salariais durante todo o ano de 2018. Invoca, para tanto, o Acórdão desta Relação de 01-10-2003- www.dgsi.pt ( relatora Desembargadora Maria João Romba).
Em sede de recurso subordinado, o autor/recorrente defende mesmo que o pagamento dos créditos laborais deverá abranger o período até à prolação da sentença.
Vejamos.
No caso subjudice a causa de pedir assenta no despedimento ilícito.
O trabalhador peticionou ainda os créditos salariais devidos até à data do invocado despedimento.
O pedido referente aos salários intercalares[1] emerge do invocado despedimento. Refere a sentença recorrida que não são devidos salários intercalares, por não ter sido provado o despedimento.
Entendemos que a faculdade conferida pelo art. 74º do CPT apenas pode ser exercida com respeito pela causa de pedir. 
Conforme resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de 23.04.2008 ( relator Conselheiro Vasques Dinis)- www.dgsi.pt : « Extrapola a causa de pedir enunciada na petição inicial a sentença proferida em acção de impugnação de despedimento que, considerando inverificado o despedimento (por se não terem provado os factos que o poderiam configurar), julga procedente o pedido relativo às retribuições vencidas depois da data do alegado despedimento, com fundamento na vigência do contrato após aquela data». 
No mesmo sentido, aponta o Ac. do STJ de 05-04-2006 (relator Conselheiro Vasques Dinis).
O que significa que, em nome do princípio do dispositivo, a R. apenas poderia ser condenada no pagamento dos salários devidos até 25 de Setembro de 2018.
Caso seja mantida a sentença recorrida na parte em que considera não provado o despedimento, tal decisão enferma do vício de nulidade previsto no art. 615º, nº1, e) do CPC., na parte em que condena a entidade empregadora no pagamento dos salários devidos a partir de 25 de Setembro de 2018.
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Importa, de seguida, apreciar se deve ser alterada a decisão referente à matéria de facto.
 (…).
Improcede, por isso, o recurso quanto à matéria de facto.
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Os factos provados são os acima indicados.
Dos factos provados não poderemos concluir que ocorreu um despedimento tácito do trabalhador.
O despedimento, conforme refere Pedro Furtado Martins in “Cessação do Contrato de Trabalho”, 4ª edição, pags. 147 e 148, « é uma declaração vinculada, constitutiva e recipienda: vinculada, porque a validade do acto extintivo está condicionada à verificação de determinados motivos que a lei considera justificativos da cessação da relação laboral; constitutiva, porque o acto de vontade do empregador tem efeitos por si mesmo, o que significa que o despedimento é uma forma de cessação de exercício extrajudicial (…)
O despedimento lícito pressupõe uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato de trabalho (…) Contudo, para que exista um despedimento – ainda que ilícito – basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.»
Resulta dos factos provados que, à data da instauração da acção, não ocorrera despedimento do recorrido.
Da pendência de processo disciplinar (com suspensão do exercício de funções), da proposta de revogação e da falta de pagamento da retribuição não é possível concluir que ocorreu um despedimento tácito.
Dado que a recorrente não logrou provar o pagamento das retribuições ao recorrido, este tem direito aos montantes arbitrados na sentença, com excepção das retribuições a partir de 25 de Setembro de 2018 (atentas as razões acima indicadas ).
Com efeito, em virtude da sentença estar ferida de nulidade na parte em que condena a R./ recorrente no pagamento de salários após a data do invocado despedimento, a R. não será condenada no pagamento de quantias salariais com causa de pedir diversa ( continuação de vigência do contrato).
O recorrido tem, assim, direito ao pagamento de €4800 ( quatro mil e oitocentos euros) referente aos subsídios de férias e de Natal de 2014, 2015, 2016 e 2017 e das retribuições vencidas ( incluindo férias e subsídio de férias) desde 1 de Maio de 2018 até 25 de Setembro de 2018.
*
Por último, vejamos o recurso do A..
Conforme supra referimos, não ocorreu um despedimento tácito. 
À data da instauração estava pendente um procedimento disciplinar contra o trabalhador e ainda não fora proferida decisão de despedimento.
Incumbia ao trabalhador provar o despedimento enquanto facto constitutivo do seu direito (art. 342º, nº1 do Código Civil).
Assim e por falta de prova, não incumbe decretar o despedimento ilícito do A./ recorrente e condenar a recorrida no pagamento de indemnização e salários intercalares.
Pretende ainda o A./ recorrente o pagamento dos salários devidos até à prolação da sentença.
Atentas as razões acima indicadas ao apreciarmos o vício de nulidade da sentença recorrida e uma vez que tal condenação iria para além do objecto do processo, improcede também nesta parte o recurso do A.
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IV- Decisão
Em face do exposto, o Tribunal acorda em:
- Julgar parcialmente procedente o recurso da R. e revogar parcialmente a sentença recorrida e, em consequência:  
a) Condenar a R. no pagamento ao A. da indicada quantia de €4800 ( quatro mil e oitocentos euros) e das retribuições base vencidas  desde 1 de Maio de 2018 até 25 de Setembro de 2018, acrescidas de férias e subsídio de férias;
b) Condenar  R. no pagamento de juros de mora sobre as referidas quantias, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma dessas quantias, até integral pagamento;
- Julgar improcedente o recurso subordinado do A..
Custas do recurso da R. pela recorrente e pelo recorrido na proporção do decaimento, sem prejuízo da isenção do segundo.
Sem custas o recurso do A. (atenta a isenção).
Registe e notifique.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2021
Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos       

[1] Importa ainda referir que o ano de 2018 não foi objecto de pedido no âmbito dos salários intercalares ( arts. 44º e 45º da petição inicial).