Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6400/09.3TBSXL-G.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: ERRO MATERIAL
RECTIFICAÇÃO
INTANGIBILIDADE DA DECISÃO
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
ACLARAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Eliminada a possibilidade da reforma da sentença, nos termos previstos no artº 616º do CPC, e tendo ainda por base o rigor contido no artº 613º nº 2 e 614º do CPC, quanto à possibilidade de rectificação de erros materiais da sentença ou suprir nulidades, entende-se que no que diz respeito aos despachos interlocutórios, devem ser admitidos pedidos de aclaração, no contexto de uma gestão esclarecida (artº 6º nº 1 do CPC), não se justificando que se exija à parte que reclame uma nulidade sempre que tenha dúvidas sobre o alcance da decisão do Tribunal.
II. A classificação de uma sentença de extinção tem que ter como subjacente determinar a extinção, único comando que determinaria a sua classificação como sentença extintiva
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
O… instaurou acção de execução especial de alimentos contra J…, figurando como dívida exequenda a pensão de alimentos e despesas devidas ao filho menor de ambos, constando a sua definição na sentença de que a execução corre por apenso.
A execução foi intentada a 29/02/2012 e no âmbito da mesma foram pela exequente apresentados requerimentos de ampliação do pedido, reportados nomeadamente aos anos de 2014 e 2016.
Com data de 07-03-2018 foi proferido o seguinte despacho: «Compulsados os autos constata-se que os mesmos se mostram extintos por pagamento a prestações com extinção referida a 09.01.2017, conforme inscrição no processo virtual, pelo que, nada mais cumpre apreciar no âmbito do presente processo, porquanto o poder jurisdicional mostra-se esgotado nos autos em apreço.
Sigam os mesmos os seus ulteriores termos até final com o seu consequente e oportuno arquivamento.».
Notificadas as partes veio a exequente, com data de 19/03/2018, requerer o seguinte: «Os presente autos não deverão ser considerados extintos por pagamento, uma vez que a que a quantia exequenda ainda não foi paga na totalidade. Consultada a agente de execução a mesma confirmou tal indicação. Por outro lado, o executado apresentou reclamação face aos dois pedidos de ampliação dos quais ainda não existe despacho.(…) Termos em que se requer a V. Excia que se . digne a não ordenar a extinção a instancia pelos fundamento supra identificados».
A agente de execução por sua vez juntou aos autos a seguinte informação:
«1 - Os presentes autos foram instaurados em 29 de Fevereiro de 2012.
2 - Nos presentes autos foi pedido o pagamento, inicialmente, da quantia de 5.420,65 € (i), correspondente a prestações de pensão de alimentos e despesas, em cumprimento do titulo executivo/sentença judicial.
3 - Em 11 de Abril de 2012, procedeu-se à penhora do veículo automóvel de matrícula 97-63-SR.
4 - Na sequência desta penhora o executado foi citado, tendo assinado o aviso de recepção da citação em 17 de Abril de 2012.
5 - O Executado deduziu oposição à execução.
6 - Em 21 de Abril de 2014 foi requerida ao Tribunal cumulação de execução, correspondente a prestações de pensão de alimentos e despesas, no valor de 6.315,09 €
7 - Em 29 de Abril de 2014, a signatária requereu ao Tribunal informação sobre o estado da oposição à execução.
8 - Em 20 de Maio de 2014 a signatária foi notificada do douto despacho proferido a fls dos autos (Apenso C), nos termos do qual foi informada da extinção da instância de oposição.
9 - Em 15 de Julho de 2014, foi penhorado o salário auferido pelo Executado junto da empresa Zagope —Construções e Engenharia, S.A..
10 - Em 15 de Julho de 2014, foi expedida notificação de tal penhora ao Executado.
11 - Com data de 1 de Agosto de 2014, a referida Z…, S.A. informou a signatária da cessação do contrato de trabalho do executado, à data de 2 de Julho de 2014.
12 - Em 21 de Julho de 2014, a Exequente deduziu nova cumulação de execução, correspondente a prestações de pensão de alimentos e despesas, no valor de 6.733,25 € (iii).
13 - Com data de 4 de Dezembro de 2014, a fls... do Apenso B, foi proferido despacho no sentido de o Executado ser notificado para deduzir oposição à ampliação de pedido apresentada nos autos.
14 - Com data de 10 de Novembro de 2015, foi expedida notificação para penhora à então entidade patronal do Executado — I…, S.A. — , com vista à penhora do respectivo salário.
15 - Em 4 de Dezembro de 2015, foi lavrado o respectivo auto de penhora de salário do executado, ao serviço desta ultima empresa.
16 - Com data de 4 de Dezembro de 2015, foi enviada ao Executado a respectiva notificação após penhora.
17 - Em 30 de Janeiro de 2016, a signatária procedeu à entrega à Exequente da quantia de 3.250,00 €.
18 - Em 1 de Abril de 2016, foi proferido despacho no sentido de ser exercido o contraditório, pelo Executado
19 - Em 29 de Abril de 2016, a signatária procedeu à entrega à Exequente da quantia de 1.500,00 €.
20 - Em 13 de Junho de 2016 foi proferido despacho admitindo a ampliação da execução. Nesta data, atentas as duas ampliações já deduzidas, o valor total da execução era de 18.468,99 €, correspondente ao somatório das seguintes quantias:
1. Quantia inicial — 5.420.65 €;
2. Primeiro pedido de ampliação (21 de Abril de 2014) — 6.315,09€
3. Segundo pedido de ampliação (21 de Julho de 2014) — 6.733,25 €.
21 - Em 21 de Julho de 2016, a signatária procedeu à entrega à Exequente da quantia de 1.500,00 €.
22 - Em 24 de Outubro de 2016, a signatária procedeu à entrega à Exequente da quantia de 1.500,00€
23 - Em 28 de Dezembro de 2016, foi apresentada nova cumulação de execução, referente a prestações de pensão de alimentos e reembolso de despesas, agora no valor 3.753,25 (iv).
24 - Em 26 de Janeiro de 2017, a signatária procedeu à entrega à Exequente da quantia de 2.000,00€.
25 - Em 12 de Abril de 2017, o Executado, através da sua Ilustre Mandatária, apresentou requerimento nos autos (Apenso B), nos termos do qual refere, sob o artigo 3°, não ter sido notificado para exercer o contraditório relativamente aos pedidos de cumulação de execução apresentados nos autos, em 21 de Abril de 2014 (6.315,09 €), em 21 de Julho de 2014 (6.733,25 €) e em 28 de Dezembro de 2016 (3.753,25 €).
26 - A signatária desconhece, sem obrigação de conhecer, se tal afirmação do Executado corresponde ou não à verdade.
27 - Por requerimento entrado em Juízo em 29 de Junho de 2017, o Executado reafirmou o que consta sob o ponto 25 antecedente.
28 - A este requerimento a signatária respondeu nos termos da comunicação junta aos autos em 1 de Julho de 2017.
29 - Face ao constante do n.° 20 antecedente, a signatária foi promovendo as diligências de penhora de salário, com vista à satisfação da então quantia exequenda e encargos no processo, tendo-se verificado a última penhora de salário em 29 de Novembro de 2017.
A signatária entendeu que a penhora de salário apenas devia prosseguir após esclarecimento cabal da questão enunciada pelo executado, no que se refere ao exercício do contraditório relativamente ao último pedido de ampliação apresentado nos autos, uma vez que o mesmo era de data posterior à proteção do despacho a que se alude sob o referido n.° 20 antecedente.
30- Até ao momento foi penhorada a quantia total de 17.952,97 €. Encontra-se também penhorado, como se referiu já sob o n.° 3 antecedente, veículo automóvel, com 10 anos de idade, desconhecendo a signatária o respectivo estado de conservação e, por via disso, o respectivo valor comercial.
31 - Da referida quantia penhorada foi já entregue à exequente a quantia total de 9.750,00 €, encontrando-se na conta do processo a quantia de 8.202,97 €.
Assim, atento tudo o que antecede,
32- É entendimento da signatária que os presentes autos não devem ser considerados extintos, Porquanto,
33 - Ainda não se verificou sequer a penhora de quantia suficiente para pagamento do valor inicial da execução e das duas ampliações já admitidas por despacho judicial, que perfazem a referida quantia total de 18.468,99 €, quantia à qual acrescem os respectivos juros e as despesas do processo, nomeadamente, os honorários da signatária.
E,
34 - Sendo deferida a terceira cumulação de execução, no valor de 3.753,25 E, a quantia total reclamada nos presentes autos ascende a 22.222,24€, à qual acrescem os juros legais e despesas do processo.
35- Entendendo V. Exa ser necessária a junção aos autos da conta provisória do processo, considerandoo valor inicial da qauntia exequenda; respectivas ampliações; juros legais e despesas, a signatária disponibiliza-se desde já para a apresentar.».
Com data de 23/01/2019 foi proferido, na parte relevante, o seguinte despacho:« (…)Constata-se nos autos anterior decisão de extinção da execução pelo pagamento que, dado o ora informado pela Agente de Execução, padecerá de manifesto lapso, uma vez que então não havia, como não há, integral pagamento da quantia exequenda e demais encargos, pelo que deferindo em parte o requerido nos autos, se repara tal decisão, anulando a mesma e decidindo de seguida:
Acaso ainda não o tenham sido, contraditem-se as sucessivas cumulações da execução.
Procede-se a conta provisória conforme sugerido pela Agente de Execução.
Notifique (partes e agente de execução).».
Inconformado com tal decisão veio o executado recorrer apresentando as seguintes conclusões:
« a. O recorrente não se conforma com o despacho proferido pelo Tribunal a quo em 24/01/2019, do qual consta o seguinte: "Constata-se nos autos anterior decisão de extinção da execução pelo pagamento que, dado o ora informado pela Agente de Execução padecerá de manifesto lapso, uma vez que então não havia, como não há, integral pagamento da quantia exequenda e demais encargos, pelo que deferindo em parte o requerido nos autos, se repara tal decisão, anulando a mesma e decidindo de seguida: Acaso ainda não o tenham sido, contraditem-se as sucessivas cumulações da execução. Proceda-se a conta provisória conforme sugerido pela Agente de Execução...".
b. Pelo que dele vem recorrer.
c. Considera o recorrente que já havia sido proferido despacho pelo Tribunal, em 07/03/2018, que extinguia a ação executiva: "Compulsados os autos constata-se que os mesmos se mostram extintos por pagamento a prestações com extinção referida a 09.01.2017, conforme inscrição no processo virtual, pelo que, nada mais cumpre apreciar no âmbito do presente processo, porquanto o poder jurisdicional mostra-se esgotado nos autos em apreço. Sigam os ulteriores termos até final com o seu consequente e oportuno arquivamento".
d. Não tendo deste despacho a exequente recorrido, mas apenas se limitando a elaborar requerimento no qual indicava as razões por que não deveriam os autos serem extintos.
e. A Exma. Agente de Execução nunca se pronunciou, com exceção de quando foi notificada pelo Tribunal para o fazer e volvidos sete meses da data da extinção da execução.
f. Pelo que, o despacho de extinção formou caso julgado.
g. Não podendo o Tribunal a quo corrigir a decisão anteriormente formulada e notificada a todas as partes do processo.
h. Até porque a mesma não padece de qualquer vício, seja material ou de julgamento.
i. Considerando-se assim que, o Tribunal a quo ao proferir o despacho de 24/01/2019, violou o princípio do caso julgado previsto no artigo 628° do C.P.C.
j. Ficando, pois, o seu poder jurisdicional, ao abrigo do art. 613º nº2 do C.P.C esgotado.
k. Para além do mais, atento o que se expôs nas alegações, o recorrente convenceu-se que os valores que lhe haviam sido penhorados tinham sido suficientes para liquidar a quantia exequenda.
l. Razão pela qual, o Tribunal a quo, ao proferir o já citado despacho, está a violar o princípio do Estado de direito democrático, consagrado no art. 2.° da CRP, que postula uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da continuidade da ordem jurídica e na atuação do Estado.
m. Devendo assim, o despacho ser considerado inconstitucional por violação dos princípios supra referidos.
n. Para além do mais, o despacho omite por completo a fundamentação de Direito em que se baseia, devendo por isso, ser considerado nulo, nos termos do art. 615°, n.2 1, alínea b) do C.P.C.
Nestes termos e nos mais de Direito, requer-se a este Venerando Tribunal que considere o despacho proferido ferido de inconstitucionalidade e/ou nulo, devendo manter-se a extinção da execução por pagamento integral da quantia exequenda.»
A exequente contra alegou pugnando pela imporcedência do recurso e concluindo da seguinte forma:
«1- A Senhora agente de execução sempre se pronunciou sobre todas as questões a que foi inquirida, nomeadamente esclarecendo que, "os presentes autos não s deem considerar extintos por pagamento, uma vez que a quantia exequenda ainda não foi paga na totalidade"
2- Tal como foi proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo "a decisão de extinção da instancia de execução pelo pagamento..., padecerá de manifesto lapso que, dado o ora informado pelo agente de execução, então não havia, como não há integral pagamento da quantia exequenda e demais encargos.."
3- O executado ora recorrente foi citado pela Sra Dr.a Agente de execução em 14.04.2014; 15.07.2014 e 04.12.2015
4- A pretensão do recorrente é impedir que o seu filho receba as quantias que lhe são devidas a titulo de alimentos e despesas de saúde, e educação e médicas.
5- O mesmo tem conhecimento pelas citações que recebeu das ampliações do pedido no presente processo executivo.
6- Ou seja a última citação foi do ano de 2015 e não obstante ver o seu salário penhorado, só Refere Lebre de Freitas "C.) que se deve ter em conta "que não basta que um despacho judicial pressuponha o conhecimento pressuponha o conhecimento do vício para que este se possa considerar por ele implicitamente coberto" acrescentando que "ocorrida uma nulidade do ato processual que, nos termos do art.° 201° n°2 deve acarretar a nulidade da sentença, não é invocável o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto á matéria da causa (art°666. N°1), a qual só ocorre quanto ao objecto da decisão, nem o transito em julgado da sentença (art°677, que não se dá enquanto a arguição estiver pendente, par entender que o juiz deixa de poder conhecer da nulidade oportunamente arguida ou esta se sana pelo facto de contra a decisão final não ser interposto recurso, não podendo a sentença subsistir.
7-Deste modo, sempre que m despacho não se pronuncie expressamente sobre uma infração processual anterior, não se pode/deve que considerou indireta e implicitamente que não existe tal infração processual, mas antes e apenas, pura e simplesmente que não se pronunciou sobre tal questão e cobrir a infração processual.
8- Pode a infração ser suscitada e conhecida, não estando  o seu conhecimento, neste estrito termos, vedado pelo esgotamento do poder jurisdicional, nem representando uma violação do caso julgado formal anterior e 2017 vem a reagir informando que não foi notificado.
9-Os presentes autos iniciam-se com o pedido de pagamento da quantia de 5420.65€8
Em 21 de Abril de 2014 foi requerido ao Tribunal a cumulação de execuções, no valor de 6.315.09€ correspondente a pagamento de pensão de alimentos e despesas.
10- Em 21.07.2014 a ora recorrida/exequente eduziu nova execução no valor de 6.733.25€
11-Sendo a 04 de Dezembro de 2014 o ora recorrente/executado notificado para deduzir oposição.
12-Em 13 de Junho de 2016 foi proferido despacho admitindo as ampliações, nessa data o valor da execução montava a 18.468.99€, correspondentes ao pedido inicial de 5420.65E, às ampliações de 21 de Abril de 2014 no alor de 6.315.09€; à ampliação de 21 de Junho de 2014 de 6.733.09€
13- Em 28.12.2016 foi apresentada nova ampliação no montante de 3.753.25E.
14-Assim, e atento a tudo o que antecede a execução não poderia ser considerada extinta.
Neste momento a quantia reclamada nos autos é de 22.000.24E.
14-A ora recorrida ainda só recebeu 9.750.00€14-. è manifesto que se trata de um expediente dilatório utilizado há vários anos elo executado para não proceder ao pagamento das quantias em divida a titulo de despesas e pensão de alimentos com o seu filho menor.
15-Refere Lebre de Freitas "(..) que se deve ter em conta "que não basta que um despacho judicial pressuponha o conhecimento pressuponha o conhecimento do vício para que este se possa considerar por ele implicitamente coberto" acrescentando que "ocorrida uma nulidade do ato processual que, nos termos do art.°. 201° n°2 deve acarretar a nulidade da sentença, não é invocável o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto á matéria da causa (art°666. N°1), a qual só ocorre quanto ao objecto da decisão, nem o transito em julgado da sentença (art°677, que não se dá enquanto a arguição estiver pendente, par entender que o juiz deixa de poder conhecer da nulidade oportunamente arguida ou esta se sana pelo facto de contra a decisão final não ser interposto recurso, não podendo a sentença subsistir.
16-Deste modo, sempre que m despacho não se pronuncie expressamente sobre uma infração processual anterior, não se pode/deve que considerou indireta e implicitamente que não existe tal infração processual, mas antes e apenas, pura e simplesmente que não se pronunciou sobre tal questão e cobrir a infração processual.
17-Pode a infração ser suscitada e conhecida, não estando o seu conhecimento, neste estrito termos, vedado pelo esgotamento do poder jurisdicional, nem representando uma violação do caso julgado formal anterior 18-0 tribunal a quo, procedeu em conformidade.
19-Não tendo violado nenhum princípio constitucional.
20-Por uma questão de economia processual, procedeu em conformidade no seu despacho.».
O Ministério Público também contra alegou e formulou as seguintes conclusões:
«1.°- Atento o teor do despacho proferido em 07.03.2018, e sem embrago de melhor opinião, afigura-se-me que a Mm.' Juíza não declarou extinta a execução, mas sim que se limitou a constatar que estaria extinta, atenta a inscrição no processual virtual, que se me afigura ter sido com base no que consta no CITIUS relativamente aos detalhes do processo, não em elementos que constam do processo.
2.°- Assim sendo, afigura-se-me que não chegou a ser proferida qualquer decisão de extinção da execução, pelo que o presente recurso se mostra prejudicado, devendo a execução prosseguir os seus trâmites normais.
3.°- Caso assim não se entenda, o que apenas a título de hipótese de trabalho se admite, então importa referir que o recorrente efetivamente foi tomando conhecimento das ampliações ao pedido, bem como que a quantia exequenda, à data da prolação do despacho recorrido, era no montante total de 22.222.24€, ao qual acresciam juros e despesas do processo.
4.°- Mais, dos autos resulta que relativamente às 2.2 e 3.2 cumulações, em 13 de fevereiro de 2019, o recorrente/executado era devedor da importância total de 14.583,78€, 9.627,08€ da 2.2 cumulação e 4.956,70€ da 3.2 cumulação.
5.°- Logo, importa concluir que no despacho proferido a 07.03.2018 se laborou em manifesto lapso, que se impunha suprir, como fez o Mm.° Juiz no despacho recorrido, proferido, como já referido, em 23.01.2019.
6.°- Neste particular, mais não resta do que referir que se concorda com os fundamentos de facto e de direito apresentados pela recorrida/exequente, aos quais aqui e agora se adere.
7.°- Donde que, o despacho recorrido não violou qualquer preceito legal, nem enferma de qualquer nulidade ou irregularidade, pelo que deve ser mantido.
8.- Pelo exposto, isto é, por inexistir decisão a declarar extinta a execução, o recurso apresentado não deve ser conhecido.
9.°-Caso assim não se entenda, o que apenas a título de hipótese de trabalho se admite, sempre se dirá que o douto despacho recorrido não violou qualquer preceito legal, nem enferma de qualquer nulidade ou irregularidade, pelo que deverá ser mantido.
Por todo o exposto, o recurso apresentado não dever ser conhecido.
Caso assim não se entenda, deve o douto despacho recorrido ser mantido, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso interposto por J... .
O recurso foi admitido e o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade da seguinte forma: «O Executado J… interpôs recurso do despacho proferido a 23 de janeiro de 2019, mediante o qual se repara o despacho que havia sido proferido a 7 de março de 2018, interpretado como uma decisão de extinção da execução, alegando, além do mais, que tal decisão é nula com fundamento no disposto no artigo 615°, n° 1, al. b) do CPC, já que, no seu entender, a mesma omite a fundamentação de direito em que se baseia.
Importa, por isso, tomar posição nos termos do artigo 617°, n° 1 do CPC, desde já se adiantando que, a meu ver, não padece o despacho posto em causa da apontada nulidade.
Com efeito a referida decisão aponta a razão de facto que a sustenta, a saber, a falta de pagamento integral da quantia exequenda e, por isso, a impossibilidade de se declarar extinta a execução e, em seguida, extrai desta conclusão as necessárias consequências práticas processuais, ou seja, repara a anterior decisão, lançando mão do mecanismo previsto no artigo 616°, n° 2, al. b) do CPC, ainda que não o refira expressamente.
Ora, como a este propósito se escreveu no Acórdão do TRC de 6/11/2012: "a nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do art° 659°, n° 2, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Como é entendimento pacifico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na aL b) do n° 1 do citado art° 668°. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade."
Aliás, nem se vê como pode o despacho proferido a 7 de março de 2018 ser entendido como uma sentença a declarar extinta a execução, já que o mesmo se limita a constatar que já antes a execução estaria extinta — constatação que, claramente e como se viu dos esclarecimentos prestados pela Sra. Agente de Execução, assenta ela própria num lapso. Acresce ainda que o próprio Executado requereu a aclaração do referido despacho, o que veio a suceder, por via do despacho do qual o mesmo agora recorre e que foi proferido ao abrigo do disposto nos artigos 613°, n° 2 e 3 e 614°, n° 1 do CPC.
Em suma, não se verifica a apontada nulidade do despacho proferido a 23 de janeiro de 2019.».
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, a questão que importa apreciar é saber se:
- O despacho recorrido violou o caso julgado ou se é nulo, por ausência de fundamentação e além do mais inconstitucional, por violação do Estado de Direito.
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II. Fundamentação:
Os elementos fácticos relevantes para a decisão são os constantes no relatório que antecede cujo teor se reproduz.
*
III. O Direito:
A questão a dirimir em sede de recurso prende-se apenas com o despacho objecto do recurso e não com as demais vicissitudes ocorridas em termos processuais na execução especial de alimentos. Donde, está em causa aferir se o despacho sob recurso violou o princípio do caso julgado, não podendo o Tribunal corrigir decisão anteriormente proferida por força do artº 628º do CPC. Acresce que pretende ainda o recorrente que se declare inquinado o despacho recorrido por nulo, por ausência de fundamentação, ou inconstitucional por violar o princípio do Estado de Direito e os princípios de certeza e segurança jurídica que o mesmo implica.
Vejamos cada um dos argumentos de per si.
- O princípio do caso julgado.
Sustenta o recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter proferido o despacho objecto de recurso porquanto o seu poder jurisdicional já se encontraria esgotado, face ao disposto no art. 613°, n.2 1 do CPC. Mais refere que inexiste erro material susceptível de correcção, pois este apenas ocorre quando se escreve coisa diversa do que queria escrever, ou quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o Juiz tinha em mente exarar. Fora dos casos de lapso manifesto por erro material o discurso jurídico fundamentador de facto e de direito da decisão contém o sentido do enquadramento jurídico dado pelo Tribunal ao caso concreto, rege o princípio da intangibilidade da decisão judicial formulado no art.° 613.° n.° 1 CPC, ficando esgotado o poder jurisdicional do Juiz sobre a matéria da causa, insusceptível, assim, de ser reformulado.
Por sua vez a recorrida defende que sempre que um despacho não se pronuncie expressamente sobre uma infração processual anterior, não se pode/deve que considerou indireta e implicitamente que não existe tal infração processual, mas antes e apenas, pura e simplesmente, que não se pronunciou sobre tal questão. Logo, conclui que pode a infração ser suscitada e conhecida, não estando o seu conhecimento, neste estrito termo, vedado pelo esgotamento do poder jurisdicional, nem representando uma violação do caso julgado formal anterior.
O Ministério Público defendeu nas suas contra alegações que atento o teor do despacho transcrito, e sem embargo de melhor opinião, afigura-se que a Mmª Juíza não declarou extinta a execução, mas sim que se limitou a constatar que estaria extinta, atenta a inscrição no processual virtual, que se afigura ter sido com base no que consta no CITIUS relativamente aos detalhes do processo, não em elementos que constam do processo.
Assim sendo, conclui que não chegou a ser proferida qualquer decisão de extinção da execução, pelo que no seu entender, o recurso mostra-se prejudicado, devendo a execução prosseguir os seus trâmites normais.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
O trânsito em julgado, conforme decorre claramente do art.º 628.º do CPC, ocorre quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
Segundo o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art.º 619.º.
Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida -efeito negativo- e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado. Na lição do Prof. Alberto dos Reis, no seu CPC anotado, vol. III, Reimpressão, págs. 92-93, o caso julgado exerce uma função positiva, quando faz valer a sua força e autoridade (princípio da exequibilidade), e uma função negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal. Todavia, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar (art.º 625.º n.º 1 do CPC), critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do preceito).
Diferente da excepção do caso julgado, com a qual não se confunde (ou, pelo menos, não deve ser confundida, embora a prática nem sempre o confirme), é a autoridade do caso julgado.
Esta radica nos art.ºs 619.º, n.º 1, e 621.º, ambos do CPC, dispondo o primeiro que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”; e o segundo que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).”
Ambos respeitam ao caso julgado material e pressupõem o trânsito em julgado da decisão (cfr. art.º 628.º).
Como se expõe no Acórdão do STJ de 30/04/2019 ( in www.dgsi.pt/jstj): «A excepção do caso julgado, enquanto excepção dilatória, tem que ver com “um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto de essa mesma relação já ter sido, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado.
Pelo contrário, a figura da autoridade do caso julgado tem a ver com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes – incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção. Ou seja, estamos aqui confrontados com a chamada função positiva do caso julgado, mediante a qual a vinculatividade própria do instituto do caso julgado impõe que o objecto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, incidente sobre relação jurídica diversa, mas dependente ou condicionada pela anteriormente apreciada, em termos definitivos, pelo tribunal».
Como se afirma no acórdão de 19/2/09 do STJ, proferido no processo n.º 09B0081, citado no acórdão deste Tribunal identificado na nota anterior:
“A excepção de caso julgado visa evitar que o tribunal se veja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior. A autoridade de caso julgado significa que, decidida com força de caso julgado material uma determinada questão de mérito, não mais poderá ela ser apreciada numa acção subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu.
Assim, em primeiro lugar, essa imutabilidade ou indiscutibilidade da decisão judicial definitiva impede que a questão que foi objecto da decisão proferida e inimpugnável (ou não tempestiva e adequadamente impugnada) possa voltar a ser, ela própria, na sua essencial identidade, recolocada à apreciação do tribunal: se tal ocorrer, por força da figura da excepção de caso julgado – que reflecte a chamada função negativa da figura do caso julgado -  deve o juiz abster-se de voltar a apreciar a matéria ou questão que se mostra já jurisdicionalmente decidida, em termos definitivos, como objecto de uma anterior acção.”
O instituto do caso julgado exerce, assim, duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual pressupõe a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado e tem por fim evitar contradições ou reproduções (cfr. art.º 580.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica.
A propósito desta questão importa ter presente os ensinamentos de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2.º, pág. 599): “A excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.
No mesmo sentido, defende o Prof. Miguel Teixeira de Sousa (In “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ 325, págs. 49 e sgs.) que escreveu “a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.
Propugna o recorrente a aplicação do princípio inserto no art.º 613.º do CPC, nos termos do qual proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, ressalvando-se os casos de rectificação de erros materiais, que era lícito suprir (vide n.ºs 1 e 2 do preceitos). Tal regime é aplicável aos despachos por força do n.º 3 do preceito.
Da rectificação dos erros materiais ocupa-se o preceito imediato, o qual dispõe no seu nº 1 que se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. Logo, na parte que aqui releva, autoriza o juiz, por sua iniciativa, a corrigir por simples despacho os “erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto”, rectificação que pode ter lugar a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz e a todo o tempo no caso de nenhuma das partes recorrer da decisão.
Este desvio ao princípio da intangibilidade da decisão consagrado no n.º 1 do preceito, válido para o erro de cálculo e quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, justifica-se pela circunstância da vontade declarada na sentença (ou despacho) não corresponder à vontade do juiz, por não fazer sentido “que subsista vontade diversa daquela que o juiz teve em mente incorporar na sentença ou despacho”( A. dos Reis, CPC anotado, vol. V, pág. 130), ficando obviamente de fora o erro de julgamento.
Acentua-se pois, que a possibilidade de modificação oficiosa da sentença está prevista para o erro material ou de cálculo, exigindo a lei que o mesmo seja manifesto, sendo pois necessário que as circunstâncias sejam de molde a fazer admitir, sem sombra de dúvida, que o juiz foi vítima de erro ou engano, tendo escrito uma coisa quando, de forma evidente, queria escrever outra.
Donde, ampliando o âmbito de reforma da sentença, o art.º 616.º agora em vigor, que reproduziu sem alterações o art.º 669.º cessante, prevê ainda a sua alteração quando eivada de manifesto e inquestionável erro de julgamento devido a lapso, em dois casos escolhidos: quando tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos (al. a); quando constarem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, por si só, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida - vg. o juiz desconsiderou documento dotado de força probatória plena que, por si só, era bastante para inverter o sentido do decidido- hipótese considerada na al. b). Todavia, e como decorre clara e inequivocamente do preceito que se analisa, a iniciativa dessa reforma cabe exclusivamente às partes, exigindo ainda a lei que da decisão não caiba recurso.
Logo, enfatiza-se que ao juiz não lhe é lícito vir em despacho posterior e por sua iniciativa, “dar o dito por não dito”( expressão utilizada pelo Prof. Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. V, Reimpressão, pág. 127).
Ora, como vimos nos termos previsto no artº 616º do CPC é eliminada a possibilidade da reforma da sentença tendo por base o “esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos”, tal como se encontrava previsto no artº 669º nº 1 alínea a) do CPC/95. A propósito de tal alteração refere Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in Primeiras Notas ao Novo CPC pág. 608): «O novo regime aparenta assentar neste pressuposto: se a ambiguidade ou obscuridade tornam a decisão imprestável (ininteligível), é nula ( artº 615º nº 1 alínea c); caso contrário, o pedido de esclarecimento carece de propósito sério, pelo que deixa de ser admissível. O simplismo maniqueísta desta lógica deixa perceber que os propósitos da alteração são mais prosaicos, prendendo-se com a necessidade de eliminar os pedidos de esclarecimento meramente dilatórios ou infundados – já presentes na reforma anterior ( DL nº 303/2007 ), com o acantonamento da aclaração na alegação de recurso ( artº 669º nº 3 do CPC/95). Pelo caminho sacrificam-se os casos em que um esclarecimento necessário evitaria uma apelação».
O rigor contido no artº 613º nº 2 e 614º do CPC quanto à possibilidade de rectificação de erros materiais da sentença ou suprir nulidades tem a sua justificação na necessidade de evitar a insegurança e incerteza que, fora do quadro do regime dos recursos, derivaria da possibilidade de ser alterada a decisão, mas tal “poderá encontrar alguma atenuação na confluência de situações excepcionais”( cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in “CPC Anotado vol I pág 734. ), ainda que Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ( in CPC Anot, vol II, pág. 730) mencionem nomeadamente sentenças prematuras, concluindo que neste caso deverão encontrar solução através do regime do recurso.
Tal regime é manifestamente aplicável às sentenças, no âmbito das quais se revela a impossibilidade de aclaração ou rectificação, salvo nos casos em que não cabe recurso – cf. nº 2 do artº 616º, ou estando em causa custas e multas – cf. nº 1 do mesmo preceito. Porém, tratando-se de um despacho, referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro ( in ob. Cit. ), «na sua articulação com o disposto no artº 613º nº 3 – extensão do regime previsto para a sentença aos despachos - , esta alteração deve ser aplicada em termos adequados. Quanto aos despachos interlocutórios, devem ser admitidos pedidos de aclaração, no contexto de uma gestão esclarecida (artº 6º nº 1), não se justificando que se exija à parte que reclame uma nulidade sempre que tenha dúvidas sobre o alcance da decisão do Tribunal. A gestão do processo impõe um permanente diálogo entre o juiz e os mandatários, de modo a que estes possam definir as suas estratégias processuais futuras, não se compadecendo este diálogo com constantes reclamações (“acusações”) de nulidade.».   
Analisadas as normas aplicáveis importará subsumir o caso em apreço às mesmas, por forma a aferir da procedência ou não do recurso. 
No caso concreto escuda-se o recorrente na circunstância de ter sido proferida sentença de extinção da execução, finalizando por dizer que face ao princípio da imutabilidade da decisão e extinção do poder jurisdicional não poderia o Juiz a quo ter ordenado a “reparação” e “anulação” de tal decisão. Ora, tal poderia ser efectivamente assim, face aos princípios e análise supra exposta, porém, entendemos que o despacho cuja “reparação ou anulação” é afirmada no despacho recorrido não constitui uma sentença de extinção.
Senão vejamos.
O despacho a que o recorrente atribui a qualidade de sentença, datado de 7/03/2018, apenas refere o seguinte:
«Compulsados os autos constata-se que os mesmos se mostram extintos por pagamento a prestações com extinção referida a 09.01.2017, conforme inscrição no processo virtual, pelo que, nada mais cumpre apreciar no âmbito do presente processo, porquanto o poder jurisdicional mostra-se esgotado nos autos em apreço.
Sigam os mesmos os seus ulteriores termos até final com o seu consequente e oportuno arquivamento.».
Na apreciação da nulidade invocada no recurso refere o Tribunal a quo: «(…), nem se vê como pode o despacho proferido a 7 de março de 2018 ser entendido como uma sentença a declarar extinta a execução, já que o mesmo se limita a constatar que já antes a execução estaria extinta — constatação que, claramente e como se viu dos esclarecimentos prestados pela Sra. Agente de Execução, assenta ela própria num lapso. Acresce ainda que o próprio Executado requereu a aclaração do referido despacho, o que veio a suceder, por via do despacho do qual o mesmo agora recorre e que foi proferido ao abrigo do disposto nos artigos 613°, n° 2 e 3 e 614°, n° 1 do CPC.
Em suma, não se verifica a apontada nulidade do despacho proferido a 23 de janeiro de 2019.».
Com efeito, a decisão que o recorrente entende que constitui uma sentença de extinção não determina a extinção, único comando que determinaria a sua classificação como sentença extintiva, ou seja, não existe segmento decisório qua tale. Limitando-se o despacho em causa a referir uma constatação reportando a mesma a uma data anterior- 09.01.2017, e a indicar que tal resulta da inscrição no processo virtual. Aliás ao reportar a mesma a uma data com a anterioridade de mais de um ano do despacho proferido, nem sequer resulta claro a data da pretensa extinção, mas seguramente que tal despacho não reveste a qualidade de “sentença”.
Na definição do processo civil, o termo “sentença” designa o “acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa” - art. 152º, nº 2, do CPC, o que não é manifestamente o caso.
Donde, na qualidade de despacho e não obstante o disposto no artº 613º nº 3 do CPC, ou seja a extensão do regime previsto para a sentença aos despachos e, logo, inexistir a possibilidade de aclaração, nos despachos interlocutórios, entendemos (tal como defendido por Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro nos termos supra aludidos) devem ser admitidos pedidos de aclaração, no contexto de uma gestão esclarecida, não se justificando que se exija à parte que reclame uma nulidade sempre que tenha dúvidas sobre o alcance da decisão do Tribunal.
Outrossim tal como expõe a recorrida, citando Lebre de Freitas "que não basta que um despacho judicial pressuponha o conhecimento do vício para que este se possa considerar por ele implicitamente coberto" acrescentando que "ocorrida uma nulidade do ato processual que, nos termos do art.° 201° n°2 deve acarretar a nulidade da sentença, não é invocável o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto á matéria da causa (art°666. N°1), o qual só ocorre quanto ao objecto da decisão, nem o transito em julgado da sentença (art°677), que não se dá enquanto a arguição estiver pendente, par entender que o juiz deixa de poder conhecer da nulidade oportunamente arguida ou esta se sana pelo facto de contra a decisão final não ser interposto recurso, não podendo a sentença subsistir”.
No caso em apreço notificada que foi a exequente do despacho proferido veio a mesma no prazo de dez dias, ou seja com data de 19/03/2018, requerer o seguinte: «Os presentes autos não deverão ser considerados extintos por pagamento, uma vez que a que a quantia exequenda ainda não foi paga na totalidade. Consultada a agente de execução a mesma confirmou tal indicação. Por outro lado, o executado apresentou reclamação face aos dois pedidos de ampliação dos quais ainda não existe despacho.(…) Termos em que se requer a V. Excia que se digne a não ordenar a extinção a instância pelos fundamentos supra identificados».
Também a agente de execução, chamada a esclarecer, veio desde logo fazer uma resenha dos actos processuais, indicando quer as penhoras efectuadas, quer o período em que tais penhoras, nomeadamente de vencimento, não foram efectuadas por impossibilidade, por cessação do vínculo laboral com o executado. Mais referiu quer os valores em dívida, que advém das ampliações sucessivas operadas, quer ainda os valores já depositados e pagos à exequente. Sobre esta questão sintetísa os valores da seguinte forma:
- Quantia inicial — 5.420.65 €;
- Primeiro pedido de ampliação (21 de Abril de 2014) — 6.315,09€
- Segundo pedido de ampliação (21 de Julho de 2014) — 6.733,25 €.
- Em 28 de Dezembro de 2016, foi apresentada nova cumulação de execução, referente a prestações de pensão de alimentos e reembolso de despesas, agora no valor 3.753,25.
- Até ao momento foi penhorada a quantia total de 17.952,97€, da referida quantia penhorada foi já entregue à exequente a quantia total de 9.750,00 €, encontrando-se na conta do processo a quantia de 8.202,97 €.
Finalizando por dizer que os autos não devem ser considerados extintos, porquanto, ainda não se verificou sequer a penhora de quantia suficiente para pagamento do valor inicial da execução e das duas ampliações já admitidas por despacho judicial, que perfazem a referida quantia total de 18.468,99 €, quantia à qual acrescem os respectivos juros e as despesas do processo, nomeadamente, os honorários da signatária. Mais refere que sendo deferida a terceira cumulação de execução, no valor de 3.753,25 E, a quantia total reclamada nos presentes autos ascende a 22.222,24€, à qual acrescem os juros legais e despesas do processo.
Logo, o despacho sob recurso limita-se a afirmar a existência de um erro manifesto na mera constatação do anterior despacho, pelo que não viola o caso julgado, pois o despacho anterior nada decidiu, limitando-se a afirmar algo que não resulta verdadeiro no confronto de todos os actos processuais constantes do processo.
Soçobra assim, nesta parte, o recurso.
- Da inexistência da dívida exequenda.
No âmbito do recurso conclui ainda o recorrente que se havia convencido que os valores que lhe haviam sido penhorados tinham sido suficientes para liquidar a quantia exequenda, invocando em suma a sua extinção pelo pagamento.
Ora, não está em causa sindicar as ampliações efectuadas pela exequente quanto aos valores em dívida, mas tendo por base a natureza da execução – execução especial por alimentos – o valor destes vai-se renovando quer mensalmente, quer na proproção das despesas que a educação, saúde e a subsistência de um menor exige.
O recorrente em momento alguma afirma que efectuou determinado pagamento, limitando-se a declarar que entendia que os valores penhorados seriam suficientes. Daqui se conclui que desde 2012 até à presente data o recorrente entende que o valor em dívida e devido a título de alimentos e despesas a filho menor se cristalizou na data da interposição da acção. Manifestamente não lhe assiste razão.
Estamos no domínio da cobrança de alimentos devidos pelos pais aos filhos.
Em sede geral, diz-se que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral – art.69º, nº1, da Constituição da Republica Portuguesa.
O mesmo decorre ainda do Princípio IV da Declaração dos Direitos da Criança (que Portugal foi um dos primeiros países a ratificar, em 1990) de acordo com o qual a criança deve poder crescer e desenvolver-se de maneira sã, devendo ser-lhe assegurados cuidados especiais, como alimentação, alojamento, recreio e cuidados médicos.
Assente na consideração que «a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma protecção e cuidados especiais, nomeadamente de protecção jurídica adequada, tanto antes, como depois do nascimento», a Base II desta Declaração consagra que a criança deve beneficiar de protecção especial a fim de se poder desenvolver de maneira sã e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condição de liberdade e dignidade, e, na adopção de leis para este fim, o interesse superior da criança deve ser a consideração determinante, constituiu o grande marco na história da infância, ao traçar a viragem na concepção dos direitos da criança. Ela trouxe o reconhecimento jurídico da criança como sujeito autónomo de direitos, ao mesmo tempo que destacou a importância da família para o seu bem estar e desenvolvimento harmonioso.
Assim, o artº 36º da Lei Fundamental (Família, Casamento e filiação) estabelece que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. O instituto das responsabilidades parentais, intuído no interesse e proveito dos filhos, é actualmente encarado como um conjunto de poderes e deveres que compete aos pais relativamente à pessoa (artigos 1885° a 1887° do CC) e aos bens (artigos 1888º a 1900º do CC) dos filhos menores não emancipados.
São poderes de natureza pessoal – que para o caso nos interessa -, o poder de auxílio e de assistência (artigos 1874º nº 1 e 2 e l878º nº 1 do CC), sendo dever do Estado cooperar nessas funções (artigos 26.°, 43º, 47º, 67º nº2, alínea c), 68º, 69º, 70º, 74º e 79º da CRP).
Resulta, assim, das disposições legais citadas que, no que se refere, particularmente, ao direito da criança à prestação alimentar, ele tem também no direito interno positivo consagração expressa.
Trata-se de um direito – o direito a alimentos - , que devido á sua importância vital para o alimentando, goza de uma “fortíssima” protecção legal, de que destacamos, desde logo, o seu caráter de indisponibilidade (artº 2008º nº1 do CC) - o que gera, nos termos do artigo 298º nº1, “a contrario”, do CC, a sua imprescritibilidade pelo seu não exercício- e de irrenunciabilidade (artigo 2008°, nº 1, do CC).( ver Revista Julgar online 2014, Maria Amália Pereira dos Santos in “ O Dever (Judicial) de fixação de alimentos a Menores ).
Para o caso que ora nos ocupa a relevância advém da circunstância de o recorrente pretender que se declare extinta a execução, por entender que as penhoras efectuadas no seu vencimento seriam suficientes para pagamento da prestação de alimentos e despesas do seu filho menor. Donde, pretende o recorrente que esta suficiência seja reportada a seis anos de prestação e alimentos e despesas, pois da própria alegação de recurso não resulta que tenha feito algum pagamento sem ser através da execução especial para alimentos devidos a filho menor.
Ora, manifestamente não assiste razão ao recorrente, pois o valor penhorado não é suficiente para o pagamento das prestações devidas durante estes seis anos, sendo a questão das ampliações requeridas pela recorrida questão que não pode ser abordada neste recurso, mas é apenas tendo por base essa decisão que pode ser aferida a suficiência ou não do montante depositado.
 Logo, também não existe a extinção por pagamento tal como sustentava o recorrente.
- Da nulidade por falta de fundamentação
Nas suas alegações de recurso conclui ainda o recorrente que o despacho omite ainda por completo a fundamentação de Direito em que se baseia, devendo por isso, ser considerado nulo, nos termos do art. 615° nº 1  alínea b) do CPC.
O artigo 615º do CPC na sua alínea b) do nº 1, sob a epígrafe «Causas de nulidade da sentença», dispõe é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Constata-se nos autos anterior decisão de extinção da execução pelo pagamento que, dado o ora informado pela Agente de Execução, padecerá de manifesto lapso, uma vez que então não havia, como não há, integral pagamento da quantia exequenda e demais encargos, pelo que deferindo em parte o requerido nos autos, se repara tal decisão, anulando a mesma e decidindo de seguida:
Acaso ainda não o tenham sido, contraditem-se as sucessivas cumulações da execução.
Procede-se a conta provisória conforme sugerido pela Agente de Execução.
Chamado a pronunciar-se sobre a nulidade face ao recurso interposto, o Tribunal a quo fê-lo da seguinte forma:« Com efeito a referida decisão aponta a razão de facto que a sustenta, a saber, a falta de pagamento integral da quantia exequenda e, por isso, a impossibilidade de se declarar extinta a execução e, em seguida, extrai desta conclusão as necessárias consequências práticas processuais, ou seja, repara a anterior decisão, lançando mão do mecanismo previsto no artigo 616°, n° 2, al. b) do CPC, ainda que não o refira expressamente.
Ora, como a este propósito se escreveu no Acórdão do TRC de 6/11/2012: "a nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do art° 659°, n° 2, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Como é entendimento pacifico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na aL b) do n° 1 do citado art° 668°. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade."
Aliás, nem se vê como pode o despacho proferido a 7 de março de 2018 ser entendido como uma sentença a declarar extinta a execução, já que o mesmo se limita a constatar que já antes a execução estaria extinta — constatação que, claramente e como se viu dos esclarecimentos prestados pela Sra. Agente de Execução, assenta ela própria num lapso. Acresce ainda que o próprio Executado requereu a aclaração do referido despacho, o que veio a suceder, por via do despacho do qual o mesmo agora recorre e que foi proferido ao abrigo do disposto nos artigos 613°, n° 2 e 3 e 614°, n° 1 do CPC.
Em suma, não se verifica a apontada nulidade do despacho proferido a 23 de janeiro de 2019.».
Dispõe o artigo 205º, nº 1, da CRP, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O primeiro requisito de imposição de fundamentação é o da natureza da decisão em causa, expressa pela negativa «decisões que não sejam de mero expediente». Estatui o artigo 152º nº 4, do CPC, serem decisões de mero expediente as que se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesse entre as partes.
No caso dos autos não está em causa uma decisão de mero expediente mas manifestamente não está em causa uma decisão que exija uma densificação de fundamentação, quer fáctica, quer jurídica.
O artigo 154º, do CPC, ocupa-se justamente da densificação desse dever estatuindo, desde logo, que o mesmo se estende a todos os pedidos controvertidos e a todas as dúvidas suscitadas (necessariamente aquelas que influenciem a decisão e que não sejam meramente académicas, lúdicas, etc.).
Esta fundamentação, suscitada pela controvérsia e pela dúvida, deve, em consequência, incidir sobre a explicitação dos motivos que levaram o julgador a dirimir a controvérsia no sentido em que o fez.
A fundamentação, expressão da legitimidade de exercício jurisdicional, deve satisfazer este requisito ou seja, deve ser a necessária a explicitar as razões da decisão enquanto escolha e a suficiente a que essas razões resultem patentes para os intervenientes processuais e para a sociedade.
Ou seja, não impõe uma enumeração exaustiva de todas as soluções possíveis mas antes se basta com indicação das determinantes que a fundam e que simultaneamente arredam outras possibilidades.
Na verdade, é pacífica a jurisprudência no sentido de que só a absoluta falta de fundamentação, não apenas a sua insuficiência, determina a nulidade da decisão a que se acolhe o Recorrente. Falta absoluta à qual se assimila a fundamentação que não permita descortinar as razões de decidir, o que se impõe face à razão de ser do dever de fundamentar que acima abordámos.
Nesse sentido vejam-se por todos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 2016 e de 15 de Maio de 2019 e desta Relação de 8 de Março de 2018 ( todos in www.dgsi.pt).
O que a fundamentação visa – disse-se já também – é assegurar a ponderação do juízo decisório e permitir às partes o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a opção reactiva (impugnatória ou não) adequada à defesa dos seus direitos.
Mas se isto é assim, não é o facto de, na sua fundamentação, o despacho judicial remeter para as razões expressas noutras peças processuais que, só por si, põe em causa a razão de ser da imposição de fundamentação. No caso dos autos é por remissão para as conclusões da agente de execução e ainda tendo por base o requerido pela exequente, que requer que se dê sem efeito o despacho, por assentar em premissas erradas, o que vale em dizer que foi proferido por erro.
Logo, tal como se sustenta no despacho que aprecia tal nulidade a referida decisão aponta a razão de facto que a sustenta, a saber, a falta de pagamento integral da quantia exequenda e, por isso, a impossibilidade de se declarar extinta a execução e, em seguida, extrai desta conclusão as necessárias consequências práticas processuais, ou seja, repara a anterior decisão, lançando mão do mecanismo previsto no artigo 616°, n° 2, al. b) do CPC, ainda que não o refira expressamente.
Do exposto resulta que não se verifica a nulidade apontada, improcedendo também nesta parte o recurso.
· A alegada violação do princípio Constitucional do Estado de Direito
Por fim, sustenta o recorrente que a decisão recorrida viola o princípio do Estado de direito democrático, consagrado no art. 2.° da CRP, que postula uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da continuidade da ordem jurídica e na atuação do Estado, devendo, assim, tal despacho ser considerado inconstitucional por violação dos princípios supra referidos.
Os direitos fundamentais são o âmago da constituição, são condicionantes materiais (com seus conteúdos) de toda a ordem jurídica vigente. O Estado Democrático de Direito deságua, portanto, em um Estado de Direitos Fundamentais.
Ora, não fundamenta o recorrente em que termos tal decisão colide com algum dos seus direitos fundamentais, ou em que termos entende que foi violado o princípio do Estado de Direito, pois como se explicou anteriormente não está em causa uma sentença de extinção, nem o despacho cuja alteração foi perpetrado pelo despacho recorrido é decisório em concreto, mas sim meramente enunciativo e, como vimos, assentado em premissas erradas.
Face ao exposto, o recurso é improcedente na íntegra.
                                                           *                                            
IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo apelante e, consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelado.
Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Maio de 2020

Gabriela Fátima Marques

Adeodato Brotas
                                              
Octávia Viegas