Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1711/16.4S6LSB.L1-5
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
LEITURA DA SENTENÇA
INCÊNDIO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
FRIEZA DE ÂNIMO
AJUDA AO SUÍCIDIO
HOMICÍDIO A PEDIDO DA VÍTIMA
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PERDA DO DIREITO À VIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: - A indicação no relatório da decisão final de nome da arguida e a remessa para auto do processo quanto aos demais elementos integrantes da identificação da arguida, mormente quanto ao respectivo estado civil, filiação, naturalidade, profissão e residência, não acarreta qualquer consequência à própria sentença e respectiva validade, o mesmo sucedendo relativamente à identificação das partes civis.
- Se o acórdão se mostra assinado pelos Exmo.s Juízes membros do Tribunal Colectivo, nenhuma nulidade se mostra cometida pelo facto de a Exma. Presidente daquele Colectivo se ter limitado à leitura pura e simples do acórdão proferido nos autos, sem a presença dos juízes adjuntos.
- Quanto à integração jurídica no tipo legal de auxílio ao suicídio, ao contrário da menorização/desvalorização manifestada pela recorrente da atitude relatada, de a arguida ter abandonado o projecto inicial de, simultaneamente, se suicidar também, dir-se-á que essa opção determina que a vontade eventual da vítima nesse desfecho se mostra viciada na medida em que se mostra induzida em erro na respectiva motivação propositadamente pelo agente e por força desse erro, fica comprometido o preenchimento do tipo propugnado pela recorrente.
- A alternativa de integração dos factos no tipo legal do crime de homicídio a pedido da vítima do art.º 134º CP esbarra na necessidade de qualquer pedido feito nesse sentido pela vítima ter de assumir uma forma séria, instante e expresso, conformador e determinante da conduta do agente e na realidade factual que se mostra provada não se vislumbra, em primeiro lugar, um pedido expresso pela vítima, o qual não decorre necessariamente da mera verbalização de ideias suicidárias, e, em segundo lugar, não se mostra tal pedido como insistente apesar das motivações dadas para a realização de viagens conjuntas, em momentos temporalmente antecedentes ao desfecho fatídico, e muito menos, como sendo um pedido sério face aos projectos comuns relativos a casamento e descendência.
- A conduta da arguida nos momentos contemporâneos e subsequentes ao incêndio, com a ausência de ajuda depois (…) de ter ouvido a vítima gemer e de o ouvir cair no chão, a ausência de referência ao incêndio e à presença da vítima no local,  mesmo perante os vizinhos, de ausência de qualquer pedido ajuda para o mesmo e a fuga que fez, disfarçando-se com uma peruca de cor castanho clara na cabeça e apoderando-se da bolsa e na mochila da vítima,  contendo 2,100€ e, acima de tudo, omitindo aos familiares da vítima. o facto de este ter morrido e afirmando não saber o que se passava, mentindo sobre a hora e forma como tinha regressado a sua casa, demonstram que a sua intenção não seria o resultado de qualquer expresso pedido da vítima com as características exigidas no apontado tipo legal.
- a circunstância qualificativa referida na al. j) do n.º 2 do art.º 132º CP satisfaz-se na íntegra com a manutenção por parte da arguida da intenção de matar por um período bem mais dilatado que o referido na previsão legal e decorre das circunstâncias factuais atinentes à busca/escolha dos meios e modo do respectivo cometimento: a formulação da vontade de a própria não morrer em momento antecedente à realização das buscas quanto ao modo de cometimento do acto fatídico, as buscas feitas na internet pela arguida em momento antecedente em sete dias ao desfecho fatal, a encomenda do gelo seco especificamente para aquele dia e a compra da braseira/aquecedor.
- O preceito legal previsto no art.º 494º CC não é susceptível de ser aplicado em casos de facto ilícito – crime de homicídio – cometido com dolo directo, antes se reportando apenas a factos ilícitos cometidos com mera culpa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:  Acordam, precedendo audiência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I
Nos autos de processo comum …/… do Juízo Central Criminal de Lisboa, Comarca de Lisboa, a arguida F. foi submetida a julgamento e veio a ser condenada, pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de:
- Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.º 132º, n.ºs 1 e 2, al.s b) e j) na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão;
- Um crime de incêndio, p. e p. pelo art.º 272º, n.º 1 do C.P. na pena de quatro anos e seis meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico de penas na pena única de 17 (dezassete) anos de prisão – art.º 77º do C.P.
Mais foi decidido:
- Julgar totalmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo Estado Português, Ministério da Administração interna Comando Metropolitano da P.S.P. de Lisboa e, em consequência, condenar a demandada F. no pagamento de €240,00 (duzentos e quarenta Euros), acrescidos de juros à taxa legal desde a notificação até integral pagamento;
- Julgar parcialmente procedente, por provado o pedido dos Assistentes J.O. e M.S. e em consequência condenar a demandada arguida no pagamento da quantia de €56.500,00 (cinquenta e seis mil e quinhentos Euros) a titulo de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros á taxa legal desde a data da prolação do acórdão até integral pagamento;
- Condenar a demandada arguida no pagamento aos mesmos Assistentes da quantia de €2400,00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a notificação da arguida até efectivo e integral pagamento.
- Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado por Y.C. e S.Y. e condenada a demandada arguida a pagar-lhes a quantia de €9.333,29 (nove mil trezentos e trinta e três euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos desde 24 de Dezembro de 2016 até afectivo e integral pagamento.

Inconformados com tal acórdão dele vieram interpor recurso, de cujas motivações formularam as seguintes conclusões:
1. A arguida F. :
“1º A sentença foi lida sem a presença de todos os membros do tribunal.
2º A sentença não procede à identificação da arguida, dos assistentes e das partes civis.
3º Nada decide quanto a custas civis.
4º A avaliação psicológica está abrangida pelas regras de proibição de prova, o que foi expressamente invocado pelo arguido, sem que o tribunal tivesse tomado decisão a tal respeito, incorrendo em omissão de pronúncia.
5º Caso fosse considerada como prova lícita, teria de haver adesão às respetivas conclusões ou divergência fundamentada, por se tratar de prova pericial.
6º O apreendido constitui prova proibida, por não se ter elaborado auto mencionando a impossibilidade de o juntar ao processo e a identidade do responsável pelo mesmo.
7º A matéria de facto provada não permite a integração no tipo de homicídio qualificado, sendo subsumível ao homicídio a pedido da vítima ou na ajuda ao suicídio.
8º O tribunal deveria ter ordenado oficiosamente a perícia de reconhecimento do ritmo de digitação do teclado, por forma a determinar quem fez as pesquisas na Internet, sempre com submissão à contraditoriedade e ao exame em audiência.
9º Da prova produzida não resulta que tenha sido cometido um crime de incêndio e, mesmo que se entendesse o contrário, nada se concluiria quanto à respetiva autoria.
10º O tribunal deveria ter dado como provado o seguinte: No dia 23 de dezembro de 2016, tal como já o tinha feito em momentos anteriores, o ofendido H.O. disse à arguida que queria morrer, mencionando a provocação da morte através de gelo seco ou monóxido de carbono, solicitando à arguida que colaborasse na execução de tal projeto. A arguida agiu determinada pela manifestação de vontade do ofendido, que a declarou de modo categórico, perentoriamente, naquele momento e de forma direta e terminante.
11º A sentença é nula, por falta de fundamentação, já que não explica cabalmente a fixação das penas.
12º A arguida deveria ter sido absolvida do crime de incêndio e condenada a pena suspensa de um mês de prisão, por homicídio a pedido da vítima ou, caso assim não se entendesse, a doze anos de prisão, resultante do cúmulo das penas parcelares de três e doze anos.
13º Os pedidos de indemnização devem improceder, visto que a demandada não cometeu o crime de incêndio e o ofendido concorreu para o trágico resultado.
14º Verifica-se contradição insanável da fundamentação, ao dar-se como provado que o imóvel tem uma dona e simultaneamente que há proprietários do mesmo.
15º Há contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, uma vez que a demandada é condenada a pagar uma indemnização a S.Y.  apenas mencionado no dispositivo e, portanto, ausente do relatório e da matéria de facto provada.
16º Quando interpretadas no sentido de que é aplicável a pena de homicídio qualificado nos casos em que o ofendido concorda num projeto de suicídio coletivo, são inconstitucionais as normas contidas no artigo 131º, no nº 1 e nas alíneas b) e j) do nº 2 do artigo 132º do código penal, por ofensa aos nºs 1 e 2 do artigo 27º, ao nº 1 do artigo 29º e ao nº 1 do artigo 30º da lei fundamental.
17º Por contrárias ao nº 1 do artigo 32º da constituição, são dela violadoras as normas ínsitas no artigo 127º e nos nºs 1 e 2 do artigo 163º do CPP, se interpretadas no sentido de que o tribunal pode não dar relevo a uma avaliação psicológica sem a declarar como prova proibida.
18º Por violação dos nºs 1 e 2 do artigo 27º, do nº 1 do artigo 32º e do nº 1 do artigo 205º da lei fundamental, é inconstitucional a norma constante do nº 3 do artigo 71º do código penal, se interpretada no sentido de que o tribunal cumpre o dever de expressamente referir os fundamentos da medida da pena, quando a sentença omite a alusão a algumas das circunstâncias mencionadas no nº 2 do artigo 71º do código penal.
19º Normas jurídicas violadas
Do código penal
- artigo 43º
- artigo 50º
- artigo 58º
- nºs 1, 2 e 3 do artigo 71º
- artigo 131º
- nº 1 e alíneas b) e j) do nº 2 do artigo 132º
- artigo 134º
- artigo 135º
- nº 1 do artigo 272º
Do código de processo penal
- nº 2 do artigo 14º
43/48 42
- nº 5 do artigo 97º
- alínea e) do artigo 119º
- nº 1 do artigo 124º
- artigo 125º
- artigo 126º
- artigo 127º
- artigo 151º
- artigo 157º
- artigo 163º
- artigo 327º
- nºs 1 e 4 do artigo 339º
- nº 1 do artigo 340º
- artigo 355º
- artigo 368º
-artigo 369º
- nº 3 do artigo 372º
- alíneas a) e b) do nº 1, nº 2 e nº 4 do artigo 374º
- alínea c) do nº 1 do artigo 379º
Da constituição
- nºs 1 e 2 do artigo 27º
- nº 1 do artigo 29º
- nº 1 do artigo 30º
- nº 1 do artigo 32º
- nº 1 do artigo 205º.
20º Normas jurídicas que devem ser aplicadas
artigo 43º, artigo 50º, artigo 58º, nº 3 do artigo 71º, artigo 134º e artigo 135º do código penal, nº 5 do artigo 97º, artigo 126º, artigo 163º, nº 3 do artigo 372º, alíneas a) e b) do nº 1, nº 2 e nº 4 do artigo 374º do código de processo penal.
21º Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e a sentença recorrida ser declarada nula ou, caso assim não se entenda, ser a arguida condenada por homicídio a pedido da vítima ou por ajuda ao suicídio e absolvida do crime de incêndio por via da impugnação da matéria de facto procedendo-se à correspondente modificação ou, assim não sendo, ser o processo reenviado do processo para novo julgamento, absolvendo-se ainda a arguida dos pedidos de indemnização, apenas se pedindo a redução da pena por cautela de patrocínio.”
Termina ainda por manifestar:
“Provas que devem ser renovadas: depoimentos das testemunhas M.G., identificada a folhas 56, B.S.  , identificado a folhas 163,
E.S. , identificado a folhas 542, e J.N. , identificado a folhas 181, esclarecimentos complementares pelo perito F.O. , identificado no relatório 122/2017 (“apenso 1”), perícia a deferir ao grupo forense de perícias informáticas da unidade de telecomunicações e informática da polícia judiciária, com o seguinte objeto: foi a arguida que realizou as pesquisas descritas no relatório 122/2017?, foi o ofendido que realizou as pesquisas descritas no relatório 122/2017?”
e
“De acordo com o nº 5 do artigo 411º do CPP, requer a realização de audiência, a fim de debater os seguintes pontos:
- nulidade da sentença
- proibições de prova
- prova pericial
- omissão de pronúncia
- integração jurídica
- inconstitucionalidade
- penas parcelares
- pena única.”

A este recurso vieram responder:
1.1. A assistente demandante Y.C. e o demandante S.Y.: singelamente concluindo que “que tais despesas entram tout court no quantum indemnizatório devido.”, terminando pelo entendimento de que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente.
1.2. O M.º P.º, concluindo que “o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, designadamente as indicadas pela recorrente, optou pela aplicação à arguida/recorrente de pena que se mostra adequada e proporcional, atentas as circunstâncias que se verificam no caso concreto, seguindo os critérios legais, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.”

2. Os assistentes J.O. e M.S. :
“A.     
O presente recurso vem interposto da parte relativa ao pedido cível por si apresentado, entendendo os Assistentes que, quanto a esta matéria, a decisão recorrida assenta em erro notório na apreciação da prova e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
B.       
Os Assistentes entendem que os montantes fixados pelo Tribunal a quo são manifestamente reduzidos e insuficientes e não resultam de uma correcta apreciação da prova produzida em sede de instrução e de audiência de julgamento.

I - Começando pelo dano morte
C.       
Vem-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida - direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos - deve situar-se, com algumas oscilações, entre os € 50.000,00 e 80.000,00 (por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012).
D.       
O Acórdão recorrido reduziu de forma muito significativa este valor para os 25.000,00€, "atenta a contribuição do lesado".
E.       
Mas pergunta-se: qual contribuição?!
F.        
O Ponto 3 da matéria dada como provada considera:" A ideia do suicídio do H.O.  era um tema recorrente entre o casai".
G.       
E no Ponto 4 considera-se provado o seguinte facto: "Chegando o H.O. a falar em suicídio colectivo".
H.       
O ponto 22 reporta: "Bem sabendo a arguida F. que a encenação criada à volta do seu emprego, do emprego do H.O. , do casamento, da gravidez, não podiam manter-se por mais tempo e começando a ficar desesperada na sua relação com o H.O. começou a planear forma de se livrar de H.O.  pondo-lhe termo à vida e assim libertar-se de todos os seus problemas, aproveitando a ideia deste se querer suicidar."
I.
Já no Ponto 23 refere-se: "O falecido tinha concordado no projecto de suicídio colectivo para aquela altura no que a arguida anuiu daí o jantar no Ritz".
J.
Ora, em nenhum momento da prova produzida, para além das declarações da própria arguida, cujas versões se foram sucedendo e contrariando - pelo que devem merecer as maiores reservas quanto à sua credibilidade - se consegue apurar que o H.O. tinha vontade em se suicidar!
L.       
Na verdade, embora a arguida se tenha referido ao namorado como uma pessoa que vivia, desde o início da sua relação, numa depressão profunda, não existiu em sede de julgamento, qualquer prova que comprovasse este facto.
M.      
Veja-se o depoimento da arguida, prestado em sede de audiência de julgamento aos dias 25/01/18, do minuto 10 ao minuto 13: "O H.O. tinha muitos problemas com ele e chorava noite e dia até que começou-me a falar que esta vida não valia a pena e que a única coisa que valia a pena seria morrer (...) e que as nossas avós estariam à nossa espera (...)".
N.
Na verdade, a arguida, não podendo afastar a sua participação no homicídio, só podia invocar uma hipotética doença mental do H.O. para conseguir uma outra condenação, bem mais leve!
O.
Não só as testemunhas não corrobaram esta versão, como em lado nenhum constam documentos relativos a eventuais consultas médicas, receitas de medicamentos, ou outras, que indiciassem viver o H.O. num estado de tal forma depressivo que o levasse à vontade de suicídio.
P.
Nenhum dos testemunhos refere ter encontrado no apartamento, ou em qualquer outro lado, medicação para a depressão. A Sra. Inspetora M.G., no depoimento prestado em julgamento aos dias 1/02/18, a minuto 19 ao minuto 20 refere: " no local existia uma mala com pertences de mulher (...) e com coisas de homem (...) e medicação para o mau hálito, coisas assim do género. Nada mais."
Q.
Nos termos do art.° 374, n.º 2 do CPP, o Tribunal deve indicar os motivos de facto e de Direito que fundamentam a sua decisão, indicando as provas que serviram para formar a sua convicção.
R.       
Ora, ao concluir que o H.O. revelava graves problemas mentais, ao ponto de contribuir para a própria morte, o Tribunal fundamenta esta convicção tão só nas declarações da arguida.
S.        
O art.° 127.° do citado diploma indica que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal.
T.       
Em concreto, no que toca a este ponto, o Tribunal entendeu reduzir o montante indemnizatório, porque deu como verdadeira a versão da arguida segundo a qual o namorado sofria de uma profunda depressão, ao ponto de manifestar vontade em se suicidar.
U.       
Mas face às regras da experiência e à ponderação conjunta de todos os elementos de prova, a arguida merece, perante o Tribunal, alguma credibilidade, ao ponto de ser a sua versão - e só a sua - a que deve prevalecer, contrariando outros testemunhos, como os dos pais do H.O., da irmã ou da madrinha? Ou face à ausência de outras provas que sustentem a sua versão?
V.
Por que razão tomou o Tribunal como certas as declarações da arguida, quando esta, sobre os mesmos factos, apesentou sempre as mais variadas versões, conforme a conveniência das circunstâncias?
X.
Destarte, é opinião dos Assistentes que a prova produzida em sede de instrução e julgamento leva a concluir que o H.O. era uma pessoa sem qualquer problema de saúde e com comportamentos adequados e equivalentes a um jovem com a sua idade e que em nenhum momento contribuiu para o seu homicídio.
Z.
No depoimento, prestado em sede de audiência de julgamento aos dias 25/01/18, o ora Assistente, J.O. , do minuto 5 ao minuto 10 refere-se ao seu filho "como uma pessoa a pessoa bastante fechada, mas com muitos amigos (...) Não tinha nenhum problema de saúde, que eu me tenha apercebido ou que ele se tenha queixado. Passava muitas horas em casa (...) mas nunca detetamos nenhuma depressão. Como ele não criava problemas (...) nunca chegou a ter qualquer tipo de tratamento, nem nas escolas que frequentou nunca disseram nada. E nunca nos locais de ensino por onde passou lhe alertaram para qualquer comportamento menos próprio (...) convivia muito com amigos vizinhos".
AA.
Igualmente a Assistente confirmou que o filho até andava mais contente com a ideia de ser pai.
BB.
E no mesmo sentido, a sua irmã, M.O.  , em depoimento prestado em julgamento, aos dias 8/02/18, ao minuto 21 ao minuto 24: "O H.O. nunca foi medicado (...) houve um período que andou mais triste porque não arranjava trabalho (...) e decidiu estudar, ficou mais animado, teve rendimento escolar. Nunca demonstrou qualquer comportamento ou transtorno. Tinha os amigos de infância, da escola. Nunca a arguida me contou que o H.O. tinha tendências suicidas, apenas me dizia que ele tinha um feitio difícil. (...) O meu irmão tinha uma personalidade mais reservada, era introvertido, não muito sociável e ingénuo, mas tinha uma vida social normal, saia com os amigos aos fins-de-semana, desconhecia que pudesse ter uma depressão e nunca mostrou distúrbios psicológicos (...) e a F. nunca me referiu que ele tivesse tendências suicidas (...) No ano de 2016 foi o ano em que o meu irmão andou mais contente."
CC.
E ainda a testemunha F.A., em depoimento prestado em sede de julgamento aos dias 8/02/18, ao minuto 2,10 ao minuto 6,50: "O H.O. era uma pessoa simples, tímido, um jovem normal, igual a nós, que convivia connosco, era urna pessoa muito caseira, com um curso superior e mestrado e a aprender alemão porque os pais tiveram na Alemanha (...) com uma relação normal com os pais e muito caseiro. E que estudou cinema e alemão, com boas notas. Eu andava na Universidade ao mesmo tempo que ele e falávamos muito sobre as aulas. Nunca falou em suicídio. (...) tivemos uma última conversa em que lhe dei os parabéns porque ia ser pai e vinha viver para Lisboa. Toda a gente na família falou (...) Ele mostrava-se muito feliz em Novembro e muito animado com a paternidade."
DD.
Mas é verosímil e decorre da experiência da vida que uma pessoa consiga aguentar por mais de 5 anos numa profunda depressão sem que aqueles que com ele convivam se apercebam deste estado de tal forma grave que leva à vontade de por termo à própria vida?!
EE.
Se durante os mais de 5 anos de relação, essas ameaças de suicídio tivessem realmente acontecido, não era expectável que a arguida alertasse os pais ou a irmã do H.O. ; com quem falava por telefone várias vezes ao dia a partir do Verão de 2016?
FF.
E na mesma esteira, o douto Acórdão dá como provado, a Ponto 25: "Tendo em momentos anteriores, não concretamente apurados, o H.O. falado em gelo seco e em monóxido de carbono, como uma das melhores maneiras de morrer sem sangue e sem dor a propósito da ideia de suicídio colectivo, a arguida F. começou a pesquisar na internet as características e efeitos desse produto (...) e a pesquisar empresas que o vendessem".
GG.
Mas se o Tribunal dá como provado que foi o H.O. que teve a ideia do gelo seco, por que razão não é ele que faz a busca na internet sobre o produto, mas a arguida? E com a seguinte expressão de busca: "Como matar uma pessoa sem deixar pistas?". Ou: "Quanto tempo é necessário estar alguém exposto ao dióxido de carbono para morrer?"
HH.
Ao contrário do referido a Ponto 28, o dinheiro para pagar o gelo seco não foi entregue pelo H.O. . Veja-se o depoimento do Sr. E., prestado em sede de julgamento aos dias 8/02/18, de minuto 3 a minuto 7 que não suscitou dúvidas ao Tribunal: "No primeiro telefonema, fui eu próprio que atendi e parecia-me uma pessoa que tivesse conhecimento das características de gelo seco (...) Fomos sempre contactados pela mesma senhora e as ordens que tinha é que tinha de entregar às 15h porque a senhora queria sair e não queria que o esposo fosse incomodado". " Eu é que fiz a entrega de 35kg (...)" "este produto serve para festas, para por nas bebidas, como fumo para bebidas (...) a senhora até me comprou um par de luvas (...)" e do minuto 9 ao minuto 10: "quem pagou foi a senhora em notas, em dinheiro (...) cheguei a ver o marido, foi o casal que estava à porta (...) deixei as caixas e a senhora pagou (...) o senhor não disse nada nem sequer ajudou a transportar as caixas porque eu levava um carrinho e a cozinha era perto da porta de entrada." E confirma a minuto 17 a 20: "Foi a senhora que me pagou (...) tenho a certeza (...) o senhor não me disse nada."
II.
O Ponto 28 está em manifesta contradição com a prova produzida.
Os dois telefonemas são efectuados pela arguida para a firma EB nos dias 17 e 22 de Dezembro de 2016 (Pontos 26 e 27 do Acórdão) e só no dia 23 é que a arguida se junta ao H.O. na viagem de comboio de Gaia para Lisboa.
LL.
E facto demonstrativo que não queria que o H.O. soubesse do que se tratava, pede expressamente ao fornecedor para, no dia de entrega, "nada referir ao marido". (E só nesse dia é que o fornecedor se poderá encontrar com o H.O. e só nesta ocasião este o poderá questionar acerca do gelo seco).
MM.
Então se o H.O. teve a ideia do gelo seco, como o Tribunal dá como provado, por que razão não podia ter conhecimento da sua encomenda?!
NN.
Atenta a personalidade astuta e inteligente da arguida, e as inúmeras finalidades que o gelo seco pode ter, como confirmado por esta testemunha: para festas, conservação de bens, etc, facilmente o H.O. seria convencido que aquelas caixas de gelo teriam alguma finalidade; por exemplo, para o casamento que estava agendado para dali a 2 dias.
OO.
É da experiência da vida que não se associa facilmente três caixas de gelo à possibilidade de homicídio ou suicídio; pelo que é perfeitamente natural o desinteresse e distanciamento do H.O. , retratados pelo Sr. E.B. .
PP.
O Tribunal a Tio dá também como provado, a Ponto 30, que foi o H.O. que levou as caixas de esferovite com o gelo seco da cozinha para o quarto com a ajuda da arguida.
QQ.
Mais uma vez, tal facto só é referido pela arguida e não resulta de qualquer outro depoimento. Pelo contrário, o Sr. Inspector M., em depoimento prestado em julgamento aos dias 15/02/18, do minuto 11,33 ao minuto 13 afirma: "As caixas de gelo estavam convenientemente colocadas à entrada do quarto (...) acho estranho o facto de o gelo seco estar à entrada do quarto o que revela que quem o colocou teria vontade de escapar facilmente após o espalhar e juntar com água".
RR.
Outro elemento fundamenta! para a morte do H.O. foi a braseira, cuja aquisição é dada como provada no Ponto 29 do Acórdão.
SS.
O testemunho prestado em sede de audiência e julgamento pelo Senhor A., funcionário do Continente onde o casal adquiriu a braseira, refere, no depoimento prestado em sede de julgamento, aos dias 8/02/18, minuto 2,50 ao minuto 3,30: I...) dirigiram-se a mim e pediram um aquecimento para exterior (...) tipo o que existe nos restaurantes (...) e estavam muito calmos e que da conversa deles, pareceu-me que iam dar uma festa para muita gente." E ao minuto 7,42: "Eles foram à procura de um aquecimento exterior (...) E falaram que iam dar uma festa ou um jantar (...)
 TT.
Ora, a arguida afirmou em julgamento que o H.O. pretendia adquirir uma braseira, porque "lhe fazia lembrar a infância". E que "o ar condicionado não estava ligado, a casa estava fria e a braseira seria usada para o suicídio num sono aconchegante (,..)."
UU.
Já no Ponto 31, o Tribunal a quo considera provado que "após a 1h da madrugada do dia 24/12/16 após ter ingerido comprimidos para dormir (Diazepan), H.O. retirou-se para o quarto onde adormeceu".
Atenta a dose determinada pela autópsia, "dose terapêutica" é da experiência da vida que alguém que preparava o suicídio com utilização de fogo - uma morte altamente dolorosa - tomasse apenas um único comprimido e uma quantidade mínima de álcool?!
XX.
Conforme o testemunho da Dra. R.M., prestado em sede de julgamento, aos dias 15/02/18, a minuto 31 a 35: "A dose terapêutica é uma dose que não é letal nem tóxica. Quase uma dose mínima, uma quantidade que não coloca a pessoa inconsciente (...)"
ZZ.
Por outro lado, se o H.O. estava a planear a sua própria morte para essa noite, como sustenta o Acórdão, para que efeito pedia o H.O. dinheiro ao pai no dia 23/12/16 (Pontos 20 e 21)?
AAA.
Ou por que razão se queixou do valor do táxi à saída do Hotel Ritz - como afirmou a arguida - se dali a umas horas estaria morto?!
 BBB.
Na verdade, quem sofre de depressão é a arguida, assumindo que os primeiros sintomas apareceram em 2013 e pioraram com o tempo, ao ponto de, em 2015, sofrer de alopecia.
CCC.
Em suma, contesta-se a decisão do Acórdão na parte em que considera que houve por parte da vítima uma contribuição para o seu homicídio, na medida em que tal versão não tem qualquer fundamento na prova produzida.
DDD.
E por isso se entende que o montante de 25.000,00€ estipulado em primeira instância é manifestamente insuficiente, devendo condenar-se a arguida ao pagamento do montante de 80.000,00€ pelo dano morte, no seguimento do entendimento consensual da jurisprudência.

II - Quanto aos danos sofridos pelos familiares da vítima
EEE.
Neste ponto, o acórdão condenou a arguida ao pagamento do montante de 12.000,00€ a cada um dos Assistentes.
FFF.
No caso, o H.O. , pese embora a relação com a arguida, ainda vivia com os pais, pernoitando em casa destes várias noites ao mês. Neste sentido, o Ponto 11 da matéria de facto dada como provada: "A arguida e o H.O. passaram a pernoitar nesta casa nas várias vezes que se deslocavam a Lisboa e, nomeadamente, em dois fins-de-semana por mês."
 GGG.
Ou seja, dos cerca de 30 dias do mês, apenas 4 seriam passados em Lisboa, pelo que o H.O. , conforme os depoimentos dos seus pais e da sua irmã, estava a grande parte do mês em casa destes, em Vila Nova de Famalicão.
HHH.
Ora, o referido no Ponto 11 contraria directamente o facto provado no Ponto 74: "H.O.  queria estar distante dos pais, daí a casa ter sido arrendada em Lisboa".
III.
Se queria distância dos pais, por que razão continuava a viver com eles, quando a namorada tinha uma casa em Gaia e outra em Lisboa?
JJJ.
Como refere o Assistente, nem quando estudou no Porto o H.O. quis viver fora de casa da família.
LLL.
O depoimento do Assistente J.O. , ao minuto 23 prestado em sede de julgamento, aos dias 25/01/ 18, refere: " O H.O. vivia habitualmente com os pais e ocasionalmente estava com a namorada."
MMM.
Na verdade, o H.O. era a única companhia dos pais, uma vez que a irmã há mais de 15 anos que, por motivos profissionais, vivia fora.
NNN.
A sua morte foi o maior desgosto na vida dos seus pais. No seu depoimento, o Assistente, a minuto 26, em sede de julgamento, no dia 25/01/18, afirma: "Eu sofro do coração, já fui canceroso dos intestinos, próstata (...) desde que o meu filho adoeceu a minha saúde está muito pior, estou de rastos, dia sim, dia não a correr para o hospital".
000.
Facto confirmado pela Assistente ao referir, no seu depoimento, prestado em sede de julgamento ao dia 25/01/18, ao minuto19,38: "O meu marido piorou muito a sua saúde. É do hospital para casa e de casa para o Hospital".
PPP.
Desde a morte do seu filho que o estado de saúde do Assistente se tem degradado de forma significativa. Em Dezembro de 2017, foi internado por 3 vezes do Centro Hospitalar do Médio Ave e nos primeiros meses deste ano já foi por 12 vezes aos Serviços de Urgência desta Unidade, conforme documentos que se anexam e se requer a sua junção aos autos. (documentos 1 e 2)
OOO.
O agravar do estado de saúde deve-se também à sua recusa em tomar a medicação que lhe está prescrita, afirmando o Assistente recorrentemente que após a morte do filho só quer morrer.
RRR.
A dor, o sofrimento, a angústia e a tristeza indizíveis por que passaram, e continuarão a passar, até ao fim dos seus dias, ao saberem o seu filho morto e da forma como o foi pela arguida.
SSS.
Fruto do comportamento homicida da arguida, os aqui Recorrentes viram-se definitiva e irremediavelmente privados da companhia do seu filho querido e amado, com quem mantinham laços de afecto e proximidade.
TTT.
Os Recorrentes perderam um filho da forma mais trágica e cruel possível, tendo a sua vida sido ceifada, de forma especialmente pensada, perversa e censurável, com total frieza de ânimo por parte da arguida.
UUU.
Quanto ao montante de tais danos de natureza não patrimonial, o mesmo deverá ser fixado equitativamente, atendendo-se, designadamente ao grau de culpabilidade do agente (que foi máximo porquanto o homicídio foi doloso), à situação económica deste (que se provou ser desafogada) e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
VVV.
Neste caso, deverá necessariamente atender-se, pelo menos, à ausência de confissão por parte da arguida, que forçou os pais da vítima a enfrentarem todo o julgamento da homicida do seu filho, com grande ansiedade e angústia face ao seu desfecho.
XXX.
E, sobretudo, a manifesta e ostensiva falta de remorsos - leia-se, arrependimento - da arguida face à sua conduta, o qual, a ter existido, sempre poderia ter trazido algum conforto aos aqui Recorrentes.
ZZZ.
Assim, à morte do H.O. , pelo sofrimento irreparável causado aos Assistentes, deve corresponder como valor mínimo e adequado o montante de 50.000,00€ para cada um deles, revogando-se o valor determinado na decisão recorrida.
 
III - O dano sofrido pela vítima antes de morrer
AAAA.
O Tribunal a quo determinou um montante de 7.500,00€ pelo sofrimento sofrido pela vítima
BBBB.
Entendem os Assistentes que esta quantia é manifestamente desadequada ao sofrimento do H.O. .
CCCC.
Os Pontos 34 e 56 da matéria dada como provada consideram que o H.O. gemeu e caiu ao chão quando tentou agarrar-se ao cortinado para se levantar e fugir do fogo que alastrava pela cama.
DDDD.
Ou seja, o H.O. despertou quando se apercebeu do quarto em chamas, procurando levantar-se e fugir do fogo.
EEEE.
O que não logrou fazer, atenta a inalação do fumo e fuligem e o efeito dos medicamentos; que lhe provocaram confusão e desorientação; mas que não lhe tiraram a consciência; deixando-o assim indefeso face às chamas que o consumiam.
FFFF.
E nesses momentos, foi sofrendo, consciente, com dificuldade em respirar e com as queimaduras que se alastraram por diferentes partes do corpo, conforme melhor descrito no Relatório de Autópsia junto aos autos.
GGGG.
Como referiu a Dra. R.M., médica legista indicada pela arguida como consultora técnica, sendo a causa de morte a asfixia por monóxido de carbono, a vítima sentiu tosse, irritação nos olhos, dores de cabeça, náusea, confusão mental, desmaio e inconsciência.
HHHH.
Tendo em consideração que a vítima foi encontrada entre os pés da cama e a parede, apresentando sinais de que acordou e tentou escapar às chamas, tendo padecido de dores graves que só cessaram com a sua morte, e que no curto espaço de tempo que antecedeu a sua morte, sofreu angústias insuperáveis traduzidas nas dores físicas intensíssimas, que se traduziram em queimaduras de 1.° e 2.º grau na cabeça, nos membros superiores, de 3.° e 4.° grau nos membros inferiores, com exposição dos planos musculares e ósseos e carbonização parcial do membro e da cintura pélvica, nas faces anterior e posterior, bem como nas lesões resultantes da inalação do fumo e da fuligem, é de ter como adequado o valor de 30.000€ (trinta mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima mortal.”
Termina no sentido de o Acórdão proferido em primeira instância ser revogado na matéria cível correspondente ao pedido dos Assistentes, devendo manter-se no mais, com a condenação da arguida ao pagamento aos Recorrentes dos valores peticionados: 60.000,00€ pelo dano morte; 30.000,00€ a cada um dos Assistentes pela perda do seu filho e 30.000,00€ pelo sofrimento da vítima no momento da morte.

A este último recurso veio responder a demandada/arguida, formulando as seguintes conclusões:
“1º O recurso não contém verdadeiras conclusões (nº 1 do artigo 412º do CPP).
2º O documento junto pelos demandantes não pode ser admitido (nº 1 do artigo 165º do CPP).
3º Não é de aceitar a impugnação da matéria de facto, visto que os demandantes não cumpriram o ónus imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.
4º Em todo o caso, a prova produzida na audiência leva a concluir que foi acertado dar como provado que o falecido tinha o propósito de se suicidar, razão pela qual ele adquiriu o gelo seco e a braseira, tendo ido jantar ao hotel Ritz.
5º Tal conduz à aplicação do artigo 570º do código civil.
6º A sentença não integrou na matéria de facto demonstrada ou não provada o que a demandada alegou na sua contestação: “O suicídio foi aprazado para a véspera de Natal. A braseira foi comprada por insistência do H.O. que queria que a sua morte sobreviesse em clima aquecido que lhe fazia lembrar a infância”, originando a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 379º do CPP.
7º A “prova produzida em sede de instrução” apenas pode ser tida em consideração nos termos do nº 1 do artigo 355º, do artigo 356º e do artigo 357º do CPP.
8º Os demandantes valem-se de um depoimento de outiva, que não serve como meio de prova, para alegarem que a demandada teria feito um pedido de nada ser referido ao marido (nº 1 do artigo 129º do CPP).
9º Não existe contradição entre os nºs 11 e 74 da matéria de facto provada, havendo que distinguir o que se quer e a realidade.
10º É incorreto dizer que se verifica “ausência de confissão por parte da arguida”.
11º Da matéria de facto provada nada consta que autorize os demandantes a concluir pela “manifesta e ostensiva falta de remorsos – leia-se arrependimento”.
12º Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos demandantes J.O. e M.S. .”
        
Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, limitando-se a apôr o seu visto face ao pedido de realização de audiência formulado pela arguida. 

II.
Colhidos os vistos legais e efectuada audiência, cumpre agora apreciar e decidir.

Do acórdão recorrido consta o seguinte:
2.1. Matéria de facto provada:

1. A arguida F. e H.O., de 34 anos, conheceram-se em Novembro de 2011 quando ambos frequentavam o mestrado “Realização para Cinema e Televisão”, na Escola Superior … e iniciaram um relacionamento amoroso que se manteve até 23 de Dezembro de 2016.
2. H.O. veio a revelar-se ao longo do tempo como uma pessoa emocionalmente instável, de trato difícil.
3. A ideia do suicídio do H.O.  era um tema recorrente entre o casal
4. Chegando o H.O.  a falar em suicídio conjunto.
5. A arguida F. e H.O. nunca tiveram residência comum, sendo que a arguida residia habitualmente em Vila Nova de Gaia e H.O. com os pais em Famalicão.
6. H.O. não exercia qualquer profissão remunerada, nem por conta de outrem, nem individualmente e nem exercia qualquer atividade donde obtivesse proventos económicos, vivendo à custa dos pais que o alimentavam, vestiam e lhe davam semanalmente a quantia de 70€.
7. A arguida F. é licenciada em Estudos Portugueses, iniciou a sua vida profissional em 2006, dando aulas como professora substituta em várias escolas, funções que cessou em 30.07.2012, no Agrupamento de Escolas AC, passando desde então a dar explicações.
8. No dia 30 de Junho de 2014, a arguida na qualidade de inquilina celebrou um contrato de arrendamento habitacional da fração AF do … andar, do prédio sito no nº …, …, em Lisboa, com o senhorio S.Y. , ident. a fs. 268 com início a 1.07.2017, pelo prazo de um ano e pela renda anual de €9.000,00 correspondente a um montante mensal de 750€.
9. A arguida F. pagou por transferência bancária e exclusivamente a expensas suas, o montante de 9.000€ (nove mil euros), correspondente ao valor global anual das rendas.
10. A arguida F. viria a renovar por várias vezes este contrato, sendo a última em Junho de 2016 até Janeiro de 2017, tendo procedido sempre ao pagamento antecipado do valor global das rendas.
11. Desde então, a arguida F. e H.O.  passaram a pernoitar nesta casa nas várias vezes que se deslocavam a Lisboa e, nomeadamente, em dois fins de semana por mês.
12. Nessas alturas era a arguida F. quem suportava as despesas de alimentação e de transporte para e de circulação em Lisboa.
13. A arguida F. e H.O.  entre 2014 a 2016 fizeram várias viagens ao estrangeiro (Itália, Suíça, Alemanha) sendo as despesas de transporte e de alojamento integralmente suportadas pela arguida.
14. A arguida queria casar com o H.O.  e adquiriu alianças duplas com inscrição dos nomes e da data em que começaram a namorar.
15. Em momento não determinado da relação a arguida F. e H.O. foram construindo e transmitindo uma história de vida aos familiares do H.O. que não correspondia à realidade, nomeadamente que a arguida estava a dar aulas em Lisboa, que estava grávida do H.O. , que iriam casar e que fixariam residência em Lisboa, no Parque da Nações e que o H.O. tinha arranjado trabalho na escola onde a arguida dava aulas em Lisboa.
16. Em 27 de Outubro de 2015, a arguida e o H.O.  chegaram a ir à Conservatória do Registo Civil de Almada tratar do processo de casamento, mas deixaram caducar o Processo Preliminar de publicações nº …/… que era válido até 27 de abril de 2016, não mais o renovando, por desistência do H.O. .
17. Quer a arguida quer o H.O. convencerem os pais e a irmã deste que iriam casar, inventando datas para a celebração do casamento, datas essas que iam sucessivamente adiando, sendo a última fixada em 25 de Dezembro de 2016 e o local em Cinfães.
18. Em Julho de 2016, a arguida F. telefonou à irmã do H.O. e disse-lhe que estava grávida do irmão e que o bebé iria nascer no princípio do mês de Setembro.
19. Porém, à medida que o tempo passava e o parto não se concretizava e era confrontada pela irmã do H.O., a arguida inventava desculpas para o adiamento do parto, mantendo, ainda, no dia 22 de Dezembro de 2016, por telefone, a versão da gravidez e mais uma vez o adiamento do parto.
20. No dia 23 de Dezembro de 2016, pelas 10h, o H.O. apanhou o comboio em Famalicão com destino Lisboa, encontrando-se com a arguida em Vila Nova de Gaia, estando os pais do H.O. convencidos que eles iriam casar no dia 25 de Dezembro de 2016, em Cinfães, conforme lhes tinha sido transmitido no início de Dezembro de 2016 pelo H.O. .
21. H.O.  tinha igualmente convencido os pais que em Janeiro de 2017 iria começar a trabalhar na escola onde a arguida dava aulas. Assim convencidos e sem que desconfiassem destas mentiras, os pais do H.O. deram-lhe 2100€ (dois mil e cem euros) para ajudar com as despesas do casamento.
22. Bem sabendo a arguida F. que a encenação criada à volta do seu emprego, do emprego de H.O., do casamento, da gravidez, não poderia manter-se por mais tempo e começando a ficar desesperada na sua relação com o H.O. começou a planear forma de se livrar de H.O. , pondo-lhe termo à vida e assim libertar-se de todos os seus problemas, aproveitando a ideia deste se querer suicidar.
23. O falecido tinha concordado no projecto de suicídio coletivo para aquela altura no que a arguida anuiu daí o jantar no Ritz.
24. Porém a arguida já tinha decidido não morrer.
25. Tendo em momentos anteriores, não concretamente apurados, o H.O. falado em “gelo seco” e em monóxido de carbono, como uma das melhores maneiras de morrer sem sangue e sem dor a propósito da ideia de suicídio coletivo, a arguida F. começou a pesquisar na internet as características e efeitos desse produto, ficando ciente das consequências da libertação do dióxido de carbono e do sério risco de asfixia para os seres humanos aquando da sua inalação e também a pesquisar empresas que o vendessem.
26. Assim, no dia 17 de Dezembro de 2016, a arguida contactou telefonicamente a firma “EB” que se dedica ao comércio e distribuição de gás e material de soldadura e de “gelo seco” perguntando se vendiam gelo seco, qual o tempo de demora entre a encomenda e a entrega, a forma de embalagem, o tamanho das caixas de embalagem e o grau de pureza do gelo.
27. No dia 22 de Dezembro de 2016, a arguida F., cerca das 13h11m telefonou novamente para a firma “EB” encomendando a quantia de 35 Kg de gelo seco a entregar na Rua …, em Lisboa.
28. No dia 23 de Dezembro de 2016, cerca das 12h50, quando chegou a Lisboa com H.O., telefonou novamente para a firma “EB” confirmando a entrega do gelo seco às 15 horas na Rua …, em Lisboa, o que veio a acontecer, sendo o mesmo entregue acondicionado em caixas de esferovite, três de 10kg cada uma e uma de 5Kg e pelo qual foi pago o valor de 192.21€ (cento e noventa e dois euros), em dinheiro entregue pelo H.O. .
29. Como a casa estivesse fria e não tivessem aquecimento, H.O. e a arguida F. deslocaram-se ao hipermercado “Continente”, no Centro Comercial Vasco da Gama onde compraram uma braseira e carvão vegetal.
30. Depois do jantar que efetuaram no Hotel Ritz e já em casa, cerca das 24h, acenderam a braseira com o carvão, tendo H.O. levado a mesma para o quarto de dormir, levando também as caixas de esferovite com o gelo seco da cozinha para o quarto com a ajuda da arguida.
31. Já após a 1h da madrugada do dia 24 de Dezembro de 2016, após ter ingerido comprimidos para dormir (Diazepam), H.O. retirou-se para o quarto onde adormeceu.
32. A arguida não tomou os comprimidos com medo de morrer
33. Pouco depois das 2h, e determinada a tirar a vida ao H.O., a arguida retirou o gelo seco das embalagens onde estava acondicionado e espalhou-o pelo chão e molhou-o com água, expondo o H.O. aos efeitos da inalação do dióxido de carbono libertado e, de seguida, determinada a conseguir os seus intentos e apagar eventuais vestígios, pegou fogo em dois sítios diferentes da cama onde o H.O. estava deitado, um na zona da cabeceira e outro na zona dos pés e, de imediato, abandonou o quarto, fechando a porta.
34. Apesar de ter ouvido H.O.  gemer e de o ouvir cair no chão quando tentou agarrar-se ao cortinado para se levantar e fugir do fogo que alastrava na cama, a arguida nada fez para o ajudar.
35. Cerca das 3h10m, a arguida F. vendo que o incêndio estava em progressão e que o H.O. estava sem reação e com o fumo já a sair pela porta fazendo disparar o alarme anti-incêndio do prédio, pegou numa bolsa e na mochila de H.O.  contendo os 2,100€ e com uma peruca de cor castanho clara na cabeça, saiu de casa e dirigiu-se para o patamar de entrada do apartamento.
36. Foi surpreendida aí pelos vizinhos do 2º D, alarmados com o facto de o alarme ter disparado e de verem bastante fumo a sair pela porta do 2º B e acabou por se dirigir na companhia destes para o piso 0, saindo depois para a rua na direção da Gare do Oriente, onde apanhou um táxi para Vila Nova de Gaia.
37. Em nenhuma ocasião fez referência a H.O. , nem pediu ajuda para o mesmo, nem fez qualquer referência ao incêndio mesmo perante estes vizinhos.
38. O incêndio viria a ser combatido pelo Regimento Sapadores de Bombeiros de Lisboa, com 8 viaturas compostas por 23 elementos, tendo a PSP tomado conta da ocorrência e a Polícia Judiciária procedido às inspeções judiciárias.
39. Após o fogo ser declarado extinto H.O. , foi encontrado já cadáver, no chão entre os “pés da cama” e a parede cujo reboco caiu, sem roupa, com um chinelo calçado no pé direito, em posição de decúbito dorsal, com a pele no tronco e nos membros superiores apresentando vestígios de ter estado exposta a altas temperaturas e com a zona das pernas apresentando um grau de dano muito acentuado, quer na parte posterior, quer na parte anterior, sendo que a carbonização dos tecidos já se encontrava bastante avançada.
40. Aos pés do cadáver de H.O.  encontrava-se a braseira ainda com vestígios de carvão, da qual ainda saía algum fumo.
41. No entanto os pés do cadáver, que se encontravam mais próximos da braseira, não se encontravam afetados pela combustão do mesmo.
42. Os estragos mais elevados do incêndio na supra identificada fração circunscreveram – se ao referido quarto, em especial à cama, cujo colchão e parte da estrutura em madeira ficaram destruídos, à queda do reboco na parede em frente à cama, em resultado da acumulação de calor resultante da combustão do revestimento do colchão e roupa da cama.
43. No canto do colchão mais próximo da janela, foi detetado pela equipa forense grau de destruição mais profundo ao nível dos metais (por oposição ao lado contrário, ainda com vestígios de fuligem), coincidente com o dano mais acentuado nos tecidos da perna esquerda do cadáver, coincidentes com os dois focos de fogo distintos, um na zona da cabeceira e outro na zona dos pés.
44. O restante apartamento ficou completamente conspurcado de fuligem (tectos e paredes de estuque, armários, janelas) vestígios que se estenderam para as partes comuns do edifício, nomeadamente, para o patamar que dá acesso aos vários apartamentos do 2° piso e também às escadas de acesso aos restantes andares.
45. Em consequência do incêndio H.O.  sofreu queimaduras em várias partes do corpo, de diversos graus, nomeadamente as descritas no Relatório de  Autópsia ( fls. 777 a 785):
Hábito Externo:
CABEÇA: Queimaduras de lº e 2° grau da face, de coloração avermelhada, com edema associado e zona de vesículas já sem pele com fuligem preta dispersa pela face;
TÓRAX : Áreas escoriadas, com desidratação associada, na face anterior do torax, interessando toda cintura escapular …;
MEMBROS:
Membro superior direito: queimaduras de 1º e 2º dispersas, de coloração avermelhada, com edema, associado e zonas de vesículas já sem pele. Membro superior esquerdo: queimaduras de 1º e 2º dispersas de cor avermelhada, com edema associado e zonas de vesículas já sem pele.
Membro inferior direito: Queimaduras de 3° e 4° grau, com exposição dos planos musculares e ósseos e carbonização parcial do membro e da cintura pélvica, nas faces anterior e posterior.
Membro inferior esquerdo queimaduras de 3° e 4° grau, com exposição dos planos musculares e ósseos e carbonização parcial do membro e da cintura pélvica, nas faces anterior e posterior.
Hábito Interno:
CABEÇA: Fossas nasais e seios maxilares frontais e esfenoides: fossas nasais com presença de liquido avermelhado, com pontos de negro de fumo e fuligem
Cavidade oral e língua: presença de liquido avermelhado, com pontos de negro de fumo / fuligem
PESCOÇO: Laringe e traqueia: presença de líquido avermelhado, com pontos de negro de fumo / fuligem. Mucosa de coloração carminada
TORAX : traqueia e brônquios presença de liquido avermelhado nas vias aéreas desde a laringe até aos brônquios principais, com pontos de negro de fumo / fuligem.
MEMBROS:
Membros inferior direito: Carbonização dos planos musculares e ósseos do membro e cintura pélvica em relação com as queimaduras de 3° e 4° grau descritas no hábito externo.
Membro Inferior esquerdo: Carbonização dos planos musculares e ósseos do membro e cintura pélvica em relação com as queimaduras de 3º e/4º grau descritas no hábito externo.
46. Sendo que as lesões traumáticas descritas ao nível da face e dos membros denotam ter sido produzidas por agente físico “calor” sendo compatíveis com incêndio.
47. Em face dos dados necrósicos e do resultado dos exames complementares de Toxicologia e de Anatomia Patológica Forense concluiu a autópsia que a morte de H.O.  foi devida a intoxicação por monóxido de carbono.
48. O monóxido de carbono produzido pela combustão e a sua inalação determinaram como consequência direta e necessária a morte de H.O. .
49. - Apesar das lesões descritas no Hábito Externo serem idóneas a provocar a morte tudo indica que tenham sido provocadas post mortem por permanência na divisão da residência.
50. - Apontando as conclusões médicas – legais para a compatibilidade dos dados necrópsicos, dos exames complementares de Toxicologia e de Anatomia Patológica Forense e da informação circunstancial com uma etiologia médico-legal homicida.
51. A arguida sabia que no quarto onde o H.O. dormia a janela se encontrava fechada e que tinha uma braseira com carvão vegetal acesa e que essa combustão libertava monóxido de carbono que inalado pode provocar tonturas, desmaios e a morte.
52. Quando o mesmo se encontrava a dormir sob o efeito de sedativos, lançou água sobre o gelo seco que se encontrava nas caixas e espalhado no chão, libertando dióxido de carbono.
53. Sabia também a arguida que o gelo seco produz dióxido de carbono que pode ser letal em grandes concentrações e em ambientes fechados.
54. A arguida ateou fogo à cama onde o H.O.  se encontrava em dois pontos distintos, um à cabeira e outro ao pés, sabendo que o seu estado de letargia e de sedação, não lhe iria permitir reagir e fugir.
55. A arguida F. representou, quis e logrou alcançar a morte do seu companheiro, H.O. , o que conseguiu.
56. Ouviu o H.O. gemer com dores e ouviu o barulho que o mesmo fez ao cair no chão quando tentou levantar-se para fugir ao fogo.
57. Não providenciou socorro ou pediu ajuda e quando o fogo alastrou e o fumo começou a sair para fora do quarto disparando o alarme de incêndios, a arguida fugiu deixando a porta do quarto fechada e H.O.  a morrer.
58. Ainda assim e apesar de saber que o incêndio era na sua casa e que no interior da mesma estava o seu companheiro H.O. , a arguida F. abandonou o local, não fornecendo qualquer indicação sobre o H.O. , nem pediu ajuda para o mesmo, apanhando um táxi com destino a Vila Nova de Gaia.
59. Sabia que ateando fogo à cama onde H.O. dormia sob o feito de sedativos, lhe podia causar a morte, o que efetivamente desejou e conseguiu e que o fogo poderia alastrar-se após consumir o colchão, as roupas, os móveis, propagar-se às outras divisões, às restantes frações e aos imóveis existentes nas proximidades, pondo, dessa forma, em perigo vidas e bens patrimoniais alheios de valor elevado.
60. Sabia que ao atuar da forma descrita estragava o apartamento causando prejuízos aos seus proprietários.
61. A arguida quis matar H.O., quis lançar fogo ao colchão e provocar um incêndio, quis danificar o apartamento causando prejuízos aos seus proprietários.
62. No dia 24 de Dezembro de 2016, ao ser confrontada pelos familiares do H.O. com o facto de este ter morrido a arguida afirmou não saber o que se passava, mentindo mais uma vez sobre a hora e forma como tinha regressado a sua casa em Vila Nova de Gaia.
63. A arguida agiu denotando ausência de responsabilização e total desprezo pela vida humana, bem sabendo que por se tratar do seu companheiro tinha para com o mesmo o dever especial de o respeitar e de o salvaguardar.
64. A arguida atuou não se coibindo de provocar um incêndio.
65. Agiu ainda, com frieza de ânimo e com reflexão sobre os meios empregados.
66. A arguida agiu, em todos os momentos livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas por lei e que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.
Dos pedidos de indemnização civil:
67. Em virtude da arguida ter provocado um incêndio o agente PA…, do efectivo da P.S.P. fez parte do serviço de patrulhamento que se deslocou ao local onde decorria o incêndio.
68. Na operação de evacuação e no rescaldo da operação com vista a elaborar o auto de notícia sobre a ocorrência dos factos, o mesmo agente entrou na zona queimada tendo inalado fumos e necessitando de receber assistência médica hospitalar no Hospital de Vil Franca de Xira.
69. Deste facto resultou um dia de incapacidade para o trabalho, por inalação de fumos, tendo a P.S.P. despendido com despesas médicas €139,13 com abonos e vencimentos - um dia - €73,36 e €28,05 de taxa moderadora.
70. J.O. e M.S.  são pais e únicos herdeiros do ofendido.
71. – Ambos sofreram angústia, tristeza e falta de apoio e orientação com a perda do seu filho o falecido H.O. .
72. - H.O.  vivia e pernoitava em casa dos pais várias noites por mês.
73. No entanto, H.O.  falava muito pouco com os pais.
74. H.O.  queria estar distante dos pais, daí a casa ter sido arrendada em Lisboa.
75.  a sua outra filha irmã do H.O. há mais de quinze anos e por motivos profissionais deixou a casa dos pais, sendo o H.O. a sua companhia, amparo e conforto com o qual mantinham uma relação afectiva.
76.  Sofreram desgosto, com perda de alegria de viver, tristeza e consternação.
77.  Com as despesas de funeral e trasladação do corpo de Lisboa para Vilanova de Famalicão gastaram €2400,00
78. Y.C. é dona da fracção onde os factos ocorreram, a fracção …, em Lisboa.
79.  Havia arrendado tal fracção à arguida em 1 de Julho de 2014 pela renda anual de €9.000,00.
80.  A fracção foi dada de arrendamento com mobília, tendo o respectivo contrato um anexo com o inventário respectivo.
81. O contrato foi sendo sucessivamente renovado tendo ocorrido a última renovação em Junho de 2016.
82. A demandada procedeu sempre ao pagamento antecipado da renda anual.
83. Em virtude do Incêndio a cama o colchão e a parte da estrutura em madeira ficaram destruídos, tendo-se verificado a queda do reboco na parede em frente á cama, em resultado da acumulação de calor resultante da combustão do revestimento do colchão e roupa da cama.
84. No canto do colchão mais próximo da janela foi detetado um grau de destruição mais profundo ao nível dos metais coincidente com o dano mais acentuado nos tecidos da perna esquerda do cadáver.
85. O restante apartamento ficou completamente conspurcado de fuligem – tetos e paredes de estuque, armários e janelas - vestígios que se estenderam para as partes comuns dos edifícios, nomeadamente, para o patamar que dá acesso aos vários apartamentos do 2º piso e também às escadas de acesso aos restantes andares.
86. - A demandada sabia que o fogo podia alastrar-se a outras divisões, às restantes fracções e aos imóveis existentes nas proximidades pondo, dessa forma em perigo vidas e bens patrimoniais alheios de valor elevado.
87. Sabia que ao atuar da forma descrita estragava o apartamento causando prejuízos aos proprietários.
88. Em 16 de Janeiro de 2017 o demandante e a demandada celebraram um acordo escrito de revogação do contrato de arrendamento.
89. Em virtude do incêndio a fracção em causa teve que ter intervenção.
90. Recorreram aos serviços da empresa R., Ldª que apresentou um orçamento de obras no montante de €12.793,70 que foi suportado pela … - Companhia de Seguros SA.
91. Os demandantes suportaram o valor da franquia no total de €145.00.
92. Do incêndio resultou igualmente a danificação do sistema de climatização da fracção.
93. A CE, SA orçamentou a reparação em €3.779,00 valor que foi igualmente suportado pela mesma seguradora, ficando a cargo dos demandantes a franquia de €145,00.
94. Resultou, ainda, a destruição dos móveis que tiveram que ser repostos no valor total de €2.166,00.
95. Os demandantes tiveram que se deslocar a Portugal tendo gasto os seguintes valores em despesas entre 3 de Maio de 2017 e 22 de Maio do mesmo ano:
96. - Em voos €942,7;
97. - em alimentação €222,98; -
98. - €1061,41 e €150,00  em alojamento, no total de €2.377,29.
99. Deixaram de receber, pelos dias que não trabalharam, €1287,50.
100. Em virtude da realização das obras na fracção os demandantes ficaram impossibilitados de dar de arrendamento o referido apartamento, desde fevereiro a julho de 2017 deixando de receber €4.500,00,
Condições pessoais da arguida:
- A sua vida familiar na infância caracterizou-se como funcional ao nível dos afetos e das dinâmicas familiares, sinalizando-se uma relação próxima da arguida com os pais e os avós que preservou ao longo dos anos, mesmo quando saiu da aldeia.
- O estilo educativo preconizado pela família foi descrito como ajustado às regras e valores embora rígido e exigente.
- A vida escolar da arguida decorreu de forma regular e investida, sendo referenciada como excelente aluna e com um registo comportamental ajustado.
- Foi referido por vizinhos que devido a traços de carater de introversão seria vítima de bullyng por parte dos colegas. Padecia de um problema de pele que a complexava e obrigava-a a abrigar-se do sol com guarda-chuva, o que lhe determinava um certo isolamento fora do convívio com os pares.
- Concluiu o 12º ano com distinção na Escola Secundária de Cinfães e prosseguiu os estudos superiores no Porto, terminando a licenciatura de professor do ensino básico variante português e inglês cerca dos 23 anos.
- Quando foi estudar para o Porto, em 1999 F. passou a residir num apartamento que lhe terá sido oferecido pela família materna, tendo conquistado nessa altura a sua autonomia e não voltou a viver com a família de origem, visitando-se de um modo geral aos fins- de-semana.
- Mais tarde em virtude de alegadas obras de conservação neste apartamento, a arguida arrendou outro em Vila Nova de Gaia, recentemente devolvido ao proprietário.
- Participou num curso de escrita de ficção para cinema e televisão na Universidade Nova de Lisboa em 2008.
- Em 2011 frequentou o 1º ano de mestrado de realização para cinema e televisão na escola superior artística do Porto, onde conheceu H.O. .
- No plano afectivo terá tido outros dois relacionamentos em relação aos quais pouco concretiza dando-lhes reduzida relevância afectiva sobrevalorizando o relacionamento com H.O. referendo que toda a sua vida social e pessoal a partir de 2011 se circunscreveu a esta relação.
- Iniciou a sua actividade de professora em 2006, colocada numa escola de Póvoa do Varzim.
- A morte da mãe em Novembro de 2006 na sequencia de um enfarte precipitou a interrupção da actividade para assumir os cuidados que aquela prestava à avó materna portadora de doença incapacitante, voltando a ser colocada em 2008/2009, sendo a sua ultima colocação numa escola em Odivelas entre Fevereiro Julho de 2012.
- Posteriormente optou por dar explicações em casa de português e inglês.
- Foi formadora em dois cursos inseridos no programa novas oportunidades, leccionando as mesmas disciplinas durante um ano, antes de ter conhecido H.O. . Em Julho de 2014 arrendou o apartamento em Lisboa para onde o casal acabou por se fixar.
- A partir daqui regista uma gradual desistência da vida profissional como explicadora e um progressivo afastamento dos familiares referindo que tal se deveu a passar a viver só para a vítima, amava-o mais do que tudo na vida “eramos uns siameses, num casulo, nem o meu pai sabia da minha verdadeira existência” (sic).
- Não se lhe identificam amigos ou conhecidos à exceção de uma ou duas amigas que manteve enquanto frequentou a faculdade e das quis entretanto se afastou.
- Não tinha ocupação de tempos livres justificando-o com os ciúmes do H.O. .
- Desde o final de Verão de 2013 o casal realizou viagens ao estrangeiro, quatro dessas viagens em 2016.
- No campo socio económico subsistia dos rendimentos resultantes da venda de bens herdados por morte da mãe.
- Os seus rendimentos foram diminuindo a partir de 2014 deixando de trabalhar definitivamente em 2016 alegando falta de saúde psicológica.
- A arguida referiu sintomas depressivos a partir de 2015, situando os primeiros sintomas em 2013 quando começou a lavar frequentemente as mãos situação que terá piorado em 2015 época em que terá tido os primeiros sinais de alopecia.
- É acompanhada pelos serviços clínicos do EP de Tires com consultas de psiquiatria e psicologia, com medicação ansiolítica.
- É descrita no meio residencial de origem como uma pessoa bem educada, cordial e de bom trato.
- Como perspectiva de futuro pretende regressar á sua habitação no Porto, contando com o apoio incondicional do pai que reside só desde que os avós paternos faleceram.
- Tem estado estável e adequada ao confinamento e à restrição de actividades a que esta sujeita merce da privação de liberdade e não regista qualquer incidência disciplinar.
- Recebe apoio financeiro do pai com uma mesada de €150,00, assim como visitas regulares do pai e dos tios, dispostos a prestar-lhe o apoio necessário.
- É bem aceite no meio social de origem e a sua imagem associada à sua família é descrita como socialmente integrada.
- Não tem antecedentes criminais.
2.2. Factos não provados:
Não resultaram provados os factos que contrariam os factos assentes ou que se mostram em oposição com estes, designadamente:
a) Que H.O.  fosse agressivo verbalmente, não gostando de ser contrariado, conflituoso e procurando controlar a vida da arguida, isolando-a familiar e socialmente.
b) Que o relacionamento em causa veio sendo pautado ao longo do tempo por violência psicológica e física
c) Que H.O. mantivesse uma relação de proximidade afectiva com os pais.
d) Que H.O.  fosse um jovem alegre e que ajudava os pais nas tarefas domésticas que estes já não podiam realizar.
e) Que fracção onde os factos ocorreram a fracção …, … andar …, do prédio sito na … desvalorizou €60.000,00, ou que tivessem perdido €1287,50 por dias de trabalho.
f) Qua a arguida tenha tentado desmotivar H.O. das ideias de suicídio.
g) Que as viagens planeadas e realizadas tenham sido efectuadas para tentar demover H.O.  das ideias de morte.
h) Que a braseira tivesse sido comprada apenas por insistência de H.O.  porque este queria que a sua morte sobreviesse em clima aquecido que lhe fazia lembrar a infância.
i) Que o casal tivesse tido muito trabalho para acender a braseira o que demorou bastante tempo.
j) Qua a arguida tivesse abandonado o imóvel com a evaporação do gelo seco
k) …e que tenha regressado de novo ao apartamento com o soar do alarme de incêndio.
l) Que a arguida tivesse levado a mala e a mochila quando saíra pela primeira vez.
m) Que H.O.  tivesse falecido devido à inalação de CO2 libertado pelo gelo seco.
n) Que a arguida tivesse agido sem qualquer motivo.
*
2.3. Motivação:
Nos termos do disposto no artº 374º, nº 2, do C.P.Penal, o Tribunal deve indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação das provas que serviram para formar a sua convicção.
Em sede de valoração da prova, a regra primacial é a constante do artº 127º, do mesmo código, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”.
Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que “o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas”.
“ A convicção no plano judiciário é a persuasão do julgador, formada a partir de um certo número de provas, provas essas que à luz de uma comum e experiente perspetiva, fazem crer numa certa realidade”[1]
Para a formação da convicção no caso “sub judice”, e com particular relevo, ponderaram-se conjunta e conjugadamente os elementos probatórios que a seguir se indicam:
Declarações da arguida:
Declarações prestadas perante a Srª Juíza de Instrução que podem ser valoradas nos termos e para os efeitos do disposto pelo artº 127º do C.P.P.:
Referiu que a sua relação com o H.O. teve início em 4 de Novembro de 2011 data aposta na aliança que ambos traziam.
Conheceram-se na escola de cinema e passaram a viver juntos em Gaia pouco antes da arguida ter arrendado casa em Lisboa em 1 de Julho de 2014.
Entre 2012 e 2014 exerceu a função de professora e deu muitas explicações.
Nos últimos dois anos passou só a dar explicações.
O H.O. não trabalhava e tinha uma semanada do pai de sessenta/setenta Euros. Conheceram-se no mestrado de cinema mas apenas completaram o 1º ano.
Antes de perfazerem um ano de namoro ele mostrou-se muito deprimido mas não lhe conhece qualquer diagnóstico de depressão porque, segundo refere, ele não quis. Refere que H.O. tinha estado durante um período de 20 meses sem sair de casa em virtude da depressão de que padecia.
No tempo em que viveram juntos ele nunca quis ir ao médico. Referiu que ele tinha ciúmes da irmã e que era rebaixado em relação à irmã.
Era a arguida que suportava todas as despesas de casa tendo referido que o fazia com gosto. O facto de terem arranjado casa em Lisboa também era com a intenção de virem para cá trabalhar.
Referiu que o H.O. ficava em casa, por vezes trancava-se no quarto outras vezes na sala e que o mesmo ouvia vozes o que se mostra um pouco incompatível com o horário preenchido da arguida que dava explicações, mas acabou por referir que ele ficava ocupado a ver televisão ou na internet.
Relatou que ambos criaram uma vida fictícia para a família dele e que o H.O. era uma boa pessoa.
A ideia do casamento foi dela porque achou que seria uma forma de lhe remover as ideias suicidas que ele já apresentava.
Para o demover da ideia de suicídio fizeram várias viagens ao estrangeiro que descreveu.
Relatou que os pais do H.O. eram ambos acompanhados por psiquiatras.
O H.O. desistiu do casamento mas ela continuou a acreditar que ele ia mudar. Ele disse aos pais que iam casar mesmo depois dos papéis para o casamento terem caducado porque queria obter a aprovação dos pais que o consideravam inútil.
Os pais do H.O. deram-lhe dois mil e cem euros antes de virem para Lisboa.
Parte deste dinheiro foi gasto no gelo seco, no jantar do Ritz nas compras do continente e nos táxis nos quais se fizeram transportar.
Refere que a gravidez não foi uma criação dela mas que foi antes inventada pelo H.O. como forma de obter a valorização junto dos pais.
A arguida não foi adiante com a gravidez porque ele só falava em suicídio.
No entanto, esta afirmação é incoerente uma vez que terem um filho seria uma forma de o demover da ideia.
Confrontada com este raciocínio a arguida então referiu que durante algum tempo quis engravidar e falou com as pessoas da família dele sobre a ideia de gravidez mas apenas para corroborar a tese do H.O. e nesta conformidade telefonou á mãe do H.O.. Falou com a mãe do H.O. sobre o casamento mas o H.O. estava a seu lado a assistir á conversa telefónica.
O H.O. não possuía armas.
Quando não estavam juntos estavam sempre a falar ao telemóvel. Chegou a ter medo que ele a matasse mas ele nunca lhe bateu. Ficava alterado quando lhe falavam em psiquiatra. Era ciumento, ouvia vozes e referia-lhe que ambos tinham que morrer juntos. Acabou por se sentir deprimida também com queda acentuada de cabelo, tendo tomado vários medicamentos para o efeito, queda que se acentuou em Julho agosto e Setembro de 2016.
Em Dezembro de 2012 falaram pela primeira vez em gelo seco.
Sobre o ambiente em casa dos pais do H.O. este referia-lhe que era um ambiente em que o pai agredia diariamente a mãe e insultava-a e chegou a verificar que a mãe dele tinha os olhos todos pisados.
Foi em Dezembro de 2016 que a arguida aderiu a este plano do gelo seco. Ficou com uma depressão muito grande e acabou por concordar com o plano do gelo seco, plano este para morrerem os dois.
Foi ela que marcou o jantar no Ritz. Também foi a arguida que encomendou o gelo seco e tratou disto tudo porque o plafond do telemóvel do H.O. estava esgotado e ele não podia telefonar.
Esta afirmação é contrariada pela circunstância do H.O. ter trazido consigo dois mil e cem Euros que lhe permitiriam carregar o telemóvel.
Refere que se tratava de um projecto conjunto e por isso é que o H.O. não tratou da sua própria morte. Era sempre ela que tratava de tudo Ele referia-lhe que gostava de morrer aquecido que o plano era fácil e indolor acreditava na reincarnação e ouvia vozes. Explicou-lhe como funcionava o processo do gelo seco e que estava firme e seguro da ideia de morrer.
Sucede porém que as pesquisas sobre gelo seco, como ressalta da prova pericial realizada aos computadores de ambos, foram todas realizadas no computador da arguida sem qualquer menção, direta ou indireta, a qualquer intenção suicida, mas antes a uma busca pelo crime perfeito, revelando a intenção da arguida.
Por outro lado, a versão da arguida de que H.O. era frágil, que ela é que decidia tudo, que sem o apoio dela não se matava, que se a arguida não o tivesse ajudado na noite dos acontecimentos ele não teria morrido é contrariada pela circunstância de ter sido ele a pensar sobre a forma de morrer.
Nas suas declarações a arguida assume que cometeu um crime porque o ajudou a morrer e não teve capacidade de discernimento para o fazer desistir e que no final ele concordou que seria só ele a morrer.
Referiu que o H.O. demorou algum tempo até conseguir acender o fogareiro e que não conseguia – Tinha carvão e acendalhas mas nunca mais aquecia demorou perto de uma hora.
Foi o H.O. que transportou as caixas de gelo seco para o quarto e que colocou as três caixas entre a cama e o roupeiro do quarto.
Quanto ao fogareiro teve cuidado de referir que foi colocado aos pés da cama perto da janela entre o fundo da cama e o cortinado. E acrescenta perto da cama onde estava o edredon – para tentar adiantar a causa de incêndio. Menciona que as ultimas palavras de H.O. para si foram: obrigado amorzinho. Foi a arguida que colocou a água no gelo seco porque ele queria que ela o ajudasse e pediu-lhe. Foram mais de dez garrafas de água de litro e meio.
Referiu ainda que ele tomou os comprimidos para dormir receitados por um “amigo”.
Tomou os comprimidos imediatamente antes de se deitar a água no gelo seco.
Era-lhe impossível permanecer na habitação porque não se via nada nem conseguia respirar e veio para a rua. Deu voltas cerca de meia hora e ouviu soar o alarme e foi então que voltou para fazer alguma coisa. Correu, abriu a porta mas não se via nada e na sua perceção ele já estava sem vida porque não respondeu ao chamamento. Nestes cerca de 30 minutos que andou às voltas não lhe ocorreu nada porque estava sem dormir há alguns dias. Mais esclareceu que quando voltou a entrar na casa já estava a deflagrar o incêndio e estava tudo muito escuro.
Mais explicou a razão de usar peruca. Que o dinheiro já se encontrava consigo uma vez que era ela que guardava o porta-moedas e o telemóvel dele na carteira mas esqueceu-se de explicar por que motivo também levou a mochila dele com ela.
Levar a carteira e (sobretudo a mochila do H.O. que como referiu tinha dois pães) com ela mostra-se incongruente com o estado de assustada e desorientada que descreveu que se encontrava. Acresce que, como veremos, do auto de apreensão em sua casa de Gaia consta que a mochila do H.O. tinha os seus pertences pessoais e parece-nos obvio que tinha o que restava da quantia não gasta e remanescente do €2100,00 que os pais do H.O. lhe haviam dado.
Em audiência de julgamento manteve idêntica versão de auxílio ao suicídio mas com diferenças de pormenor, mantendo as incongruências no depoimento acima assinaladas.
Em suma, a arguida afirmou que tinha acordado com o seu companheiro, o falecido H.O. , que ambos se iriam suicidar utilizando gelo seco. Era uma ideia que este alimentava há algum tempo e que insistia que fosse por ambos concretizada, tendo acabado por a aceitar pois também estava já muito deprimida.
No entanto, na noite dos factos, não conseguiu concretizar esse projecto, acabando o H.O. por aceitar que se iria suicidar sozinho.
Com efeito a ideia de suicídio vertida nos artigos 3º, 4º 23º e 24º dos factos assentes resulta das declarações da arguida em audiência de julgamento.
Depois de deitarem água no gelo seco e de o apartamento estar cheio de fumo, acabou por fugir do local assustada. Ainda lá voltou passados cerca de 20 minutos mas o H.O. já não respondia.
Em seguida, abandonou o local e apanhou um táxi na estação do Oriente para Vila Nova de Gaia onde reside.
Em sede de pormenores foi juntando coisas como que o H.O. acreditava na reincarnação, porque tinham coisas à espera deles: a mãe da arguida, a avó do H.O. .
Contrariando o que foi revelado em audiência de julgamento pelos pais do H.O. , como veremos, trouxe uma versão que estava sempre com o H.O. e que o H.O. vivia consigo na casa que a arguida já tinha arrendado em Gaia.
Estavam sempre juntos e o H.O. apenas se deslocava a casa dos pais para ir buscar uma semanada de 60/70 Euros.
Por outro lado o H.O. queria arrendar uma casa em Lisboa porque a sua relação com os pais era muito má, o que também não se confirmou nos restantes depoimentos.
Referiu que foi com o seu dinheiro que arrendou a casa em Lisboa em 2014 tendo pago de uma vez a renda anual de 9.000,00. Tinha esta quantia não só porque dava muitas explicações e porque tinha adquirido bens da sua família de que se desfez, designadamente, quadros e ouro que tinha herdado da mãe e da avó.
Portanto, basicamente o casal vivia com o dinheiro que era exclusivamente dela, salvo nas suas palavras aquele montante extra que o H.O. recebeu dos pais de €2100,00 quando vieram para Lisboa no dia 23 de Dezembro de 2006.
Relativamente a esta quantia demonstrou-se muito admirada pelos pais do H.O. lhe terem dado tal quantia pois que desconhecia o motivo de tal entrega.
Sucede, porém, que ouvida a Assistente e mãe do H.O. esta referiu que em tempos tinha vendido um terreno e que dessa venda entregou €15,000,00 ao H.O. que este depositou na Conta da arguida na Caixa Geral de Depósitos tendo acompanhado o casal à Caixa Geral de Depósitos. A arguida depois de ouvir a mãe do H.O. não negou que ela lhe tivesse entregado o dinheiro, tendo referido que se tratava do pagamento de um empréstimo. Com efeito, a arguida veio referir em Tribunal que tinha emprestado €19.000,00 aos pais do H.O. para que o pai do H.O. fizesse uma operação ao coração no Hospital da Prelada.
Sucede que a sua versão não foi confirmada mas antes, infirmada pela documentação clinica junta pelo Assistente J.O..
Relativamente ao facto de ter que ser ela a fazer os telefonemas todos durante esses dias explicou que o H.O. tinha um plafond no telemóvel de apenas 70 Euros mensais e que se tinha esgotado. Ora, como se disse já, se em outras ocasiões poderia ser assim, em Lisboa ele trazia consigo €2100,00 pelo que podia muito bem carregar o telemóvel.
Por outro lado e sendo a arguida do Norte foi logo escolher para a intervenção ao coração o Hospital da Prelada que se dedica essencialmente e como Especialidade ao diagnóstico e tratamento clínico e cirúrgico das doenças do aparelho locomotor, tais como lesões ósseas, particulares, musculares, de ligamentos, tendões e outras estruturas.
Não convenceram pois estas declarações.
Referiu que na altura em que foi encomendar o gelo seco, cerca das 15 horas da tarde, já tinha decidido não morrer e sabia que era a melhor forma, rápida e indolor de morrer. Ora, se já tinha deixado de parte a ideia de suicidar não se compreende o que esteve a fazer durante o resto do tempo. É certo que a arguida referiu que gastou o tempo, aliás como grande período da relação de namoro, a tentar demover o H.O. de se suicidar mas não pediu ajuda a ninguém, mesmo estando em permanente contato telefónico com a mãe do H.O. e com a irmã deste. Por outro lado, se o propósito do H.O. era apenas o suicídio, a partir do momento em que concordou que a arguida viveria não precisava desta para o ajudar a morrer pois como referiu a arguida em julgamento ele também teria lançado garrafas de água para o gelo seco.
Se a partir das 15 horas já tinha o gelo seco em casa, repete-se, não se compreende porque não pediu auxílio ou porque não fugiu deixando o H.O.  matar-se. Acresce que como veremos estava sempre em contato telefónico com os pais e a irmã do H.O. .
Por outro lado, saíram para o Hipermercado Continente na zona comercial da Expo, em véspera de Natal, altura em que as ruas estão cheias de gente o que facilitava o pedido de auxílio. Ainda assim, prosseguiram com a compra do carvão, das acendalhas e da braseira e depois já com a arguida em pânico foram jantar ao Ritz onde o H.O. despendeu €200,00 pelo jantar.
Acabaram de jantar e foram passear a pedido dela para a Avenida isto mais uma vez com o intuito de o demover da ideia de suicídio.
O elementos de prova contrariam ainda que tenham sido ambos a fazer pesquisas sobre o gelo seco em vários dias. Com efeito, se tivermos em consideração a prova pericial referente aos computadores da arguida e do H.O. as pesquisas ocorreram apenas no computador da arguida e da seguinte forma sic… Computador apreendido a F. e que na perícia foi designado como EQ01 – nº 5cd2185425
Apenas duas contas de utilizador se encontram configuradas e ativas, uma conta de utilizador com o nome de início de sessão utilizador e descrição de utilizador FR.. com privilégios de administração do sistema operativo sem palavra passe associada.
A outra conta sem acessos.
O último acesso data de 28/12/2016:
Em 16/12/2016 às 17h e 46 m verificou-se a seguinte pesquisa: como matar alguém com gelo seco.
Em 17/12/2016, pelas 11 horas e 34 m qual a quantidade de gelo seco necessária para matar alguém
Em 16/12/2016 pelas 17h e 46m como matar uma pessoa sem deixar pistas.
Em 20/12/2016 armazém de gelo seco.
Em 17/12/2016 pelas 11h e 56m curiosidades sobre gelo seco.
Em 24/12/2016 pelas 13h e 13m e 40 s. a pesquisa quanto tempo é necessário estar alguém exposto ao Dióxido de Carbono para morrer,
Cumpre aqui realçar que esta última pesquisa foi feita depois dos factos, já o H.O. estaria morto e foi realizada quando regressou a Gaia.
Como veremos o vendedor de gelo seco veio explicar ao Tribunal que este tipo de artigo era muito usado em festas, o que quer a arguida quer o H.O. sabiam porque foram ambos estudantes de cinema e este produto também serve para a criação de efeitos especiais cinéfilos.
A arguida referiu ainda ao Tribunal que quando estavam a jantar na Varanda do Ritz o H.O. lhe referiu que seria a ultima vez que ela jantava numa Varanda.
Ora, pela versão da arguida, a esta hora ela já tinha decidido que não queria morrer, pelo que não é compreensível que não tenha fugido ou pedido ajuda quando o H.O. lhe diz no fundo que seriam as últimas horas da vida dela. Tanto mais que referiu que só no final é que o H.O. concordou com a ideia de ela não morrer.
Trata-se assim de declarações que não convenceram o tribunal.
Sobre os momentos que antecederam a morte do H.O. referiu que ele ouvia vozes, designadamente de um tal de Diabo que haviam conhecido em Barcelona.
Que estiveram bastante tempo abraçados a chorar e ela a relembrar-lhe os momentos que rezaram no Vaticano.
Descreve ao pormenor onde foi colocada a braseira sem deixar de salientar que estava muito perto da cortina e que o espaço entre a braseira e os pés da cama é exíguo.
Ou seja, tentou antecipar uma explicação plausível para o incêndio, sem que nada lhe tivesse sido perguntado a esse propósito. Perpassa muito pelo discurso da arguida a tendência de antecipar algo que dentro das suas expectativas lhe irá ser perguntado.
Pormenoriza a forma como o H.O. queria morrer: todo nu só com a aliança colocada. Conta que o H.O. se despiu e tomou cerca de três pastilhas de Diazepam (como veremos a dose que tomou foi meramente terapêutica) que desta feita tinham visto num site brasileiro, contrariando a versão anterior de que tinha sido um amigo do H.O. que os receitou.
Depois referiu que o H.O. despejou algumas garrafas e ela despejou as restantes e quando acabou de despejar as garrafas o H.O. já estava a dormir. Formou-se um fumo espesso que envolveu todo o ambiente e o tornou irrespirável e ela teve que sair em pânico.
Esta saída em pânico, com o H.O. a dormir, é contrariada pela circunstância de ter levado a sua mala e, mais agravante, a mochila do H.O. . Este comportamento não é consentâneo com o alegado pela arguida estado de pânico, desespero e desorientação.
Referiu que não viu qualquer vestígio de incêndio quando saiu de casa nem procurou ajuda porque estava desorientada e quando ouviu o alarme de incêndio subiu as escadas e estava tudo escuro, um fumo espesso e um cheiro estranho que a fez sentir que havia um incêndio em fase inicial.
Não colhe á luz das regras da experiencia comum o facto de a arguida ter saído de casa, ter voltado quando ouviu o alarme a tocar e depois abandonar o local sem nada fazer ou referir às pessoas que entretanto se aproximaram dela, questionando-a expressamente sobre o que se estava a passar.
Com efeito, encontrou-se com vizinhos mas nem a estes conseguiu pedir ajuda. Ora, em nosso entender, quando há um incêndio existe chama e quando os vizinhos ouvidos em audiência passaram pela arguida não tiveram dúvidas de que se tratava de um incêndio, Ficaram todos ali junto da porta do prédio enquanto a arguida caminhou no sentido da estação do oriente com uma mala e mochila com os pertences do H.O. às costas.
A arguida refere que volta atras com o barulho do alarme porque lhe adveio um sentimento de arrependimento. Esta afirmação é contrariada pela circunstância de não ter pedido ajuda e ter optado antes por se meter num táxi até á sua casa de gaia.
Quando convocada para se deslocar à PJ compareceu voluntariamente.
Amava profundamente o H.O. mas perante a insistência deste acabou por aceitar ajuda-lo a morrer.
Declarações dos Assistentes:
J.O.:
Pai do Falecido H.O. referiu as condições pessoais do filho e a dificuldade deste encontrar emprego. O filho era uma pessoa fechada, embora tivesse amigos. Pese embora o filho tivesse uma tendência para se isolar sempre associou à respectiva maneira de ser e de estar na vida. Nunca lhe chamaram a atenção, quer os amigos quer os locais de ensino que o filho frequentou para qualquer comportamento do filho.
Descreveu a única ocasião em que esteve com a arguida quando esta foi a casa deles, num ambiente amistoso.
Mais tarde o filho chegou a casa e ficou igualmente contente por ver a F….
Depois desta ocasião falaram muitas vezes ao telefone. Era a F. que ligava porque gostava muito de conversar com a mulher, mãe do H.O. .
Achava que o filho e a F. iam casar no dia de Natal em Cinfães. Quando soube da morte do filho telefonou á F., que se encontrava em Gaia e que lhe referiu não saber que o H.O. tinha morrido.
Confirmou que entregava uma semanada ao filho e que este se ausentava de casa por vezes ao fim de semana, por vezes à semana mas que habitualmente residia com os pais.
Confirmou, ainda que na ultima vinda do H.O. a Lisboa lhe deu cera de 2000, 3000, Euros porque este se ia casar e que a mulher uns tempos antes tinha vendido um terreno tendo dado cerca de €15.000,00 ao filho. O casamento seria em Cinfães e o filho ficou de lhe telefonar quando veio para Lisboa. Mais recordou que se falava em casa dele que a arguida “andaria para ter um bébé”.
 Referiu por ultimo a sua doença do coração, como documentado nos autos e que se agravou desde que o filho faleceu.
O depoimento prestado foi genuíno, não procurou nem teve carga incriminadora para a arguida não escamoteou algum distanciamento entre os pais e o filho, pelo que nos pareceu isento e convincente.
M.S. , mãe de H.O.  que referiu ao Tribunal falar várias vezes ao telefone com a arguida. No dia em que o H.O. veio para Lisboa foi acompanha-lo à estação de comboio sempre com a ideia que ele vinha estar com a noiva em Lisboa e que casariam no dia de Natal.
A arguida contava-lhe pelo telefone que andaria a tratar de um emprego para o H.O. em Lisboa na secretaria dela uma vez que contava à mãe do H.O. que era professora em Lisboa.
Confirma tal como o marido o tinha referido que o H.O. quando veio para Lisboa trouxe consigo cerca de €2000,00, bem como que lhe tinha dado a quantia de €15.000,00 em virtude de ter vendido um terreno e que o H.O. foi depositar esta quantia na conta da arguida que esta tinha na Caixa Geral de Depósitos. Acompanhou-os até Famalicão, local onde fizeram o depósito, o que não foi contrariado pela própria arguida como já referimos.
Mais referiu o caráter fechado do filho sempre triste mas desde a infância, mas que ficou contente com a ideia de ser pai.
O filho estava com a arguida muitas vezes e tencionavam vir viver para Lisboa.
O filho não trabalhava, não conseguiu emprego depois de ter terminado o curso de cinema e ter, ainda, frequentado o mestrado.
O filho chegou a ir ao médico em virtude de uma depressão e ficou a saber disto depois do filho ter morrido porque encontrou uns papéis do médico.
O filho sempre viveu com os pais, inclusive quando estudou no Porto ia e vinha todos os dias para Famalicão para casa dos pais.
Mais referiu que a doença do coração de que o marido padece se agravou com a morte do filho.
Nada do que referiu foi posto em causa e prestou depoimento de forma sincera, não obstante a posição processual que ocupa nos autos.
Foi ainda ouvido o demandante S.Y.  marido da Assistente Y.C. que se referiu de forma isenta e objectiva quanto as danos ocorridos no apartamento, as despesas que teve com a deslocação a Portugal, bem como, a quantia que deixou de auferir quando teve que se deslocar a Portugal.
Prova testemunhal:
Análise crítica das declarações prestadas por M.G., Inspetora da polícia judiciária que procedeu á inspecção Judiciária ao local, tal como documentado a fls. 56 e seguintes, tendo descrito o que verificou quando acedeu ao local, designadamente com o confronto com os elementos fotográficos tendo percepcionado que a vitima, designadamente a zona dos pés estava com uma ligeira distancia da braseira – fotografia de fls. 58 tirada quando acederam ao local antes de retirarem o estuque de cima da vítima. Referiu, ainda, que quando na sua conclusão preliminar refere homicídio quer referir-se ao facto de naquele cenário que inspeccionou ter havido intervenção humana para a morte e que a mesma não foi ocasional. Prestou depoimento sereno, sem qualquer animosidade para com a arguida e respondendo de forma objectiva a todas as questões que lhe foram colocadas, assumindo inclusive que a parte do incêndio e sua análise no local não foi percepcionada ou analisada por si mas por outra brigada especializada nesta matéria.
R.M. e P.S., ambos fisioterapeutas e vizinhos há data da ocorrência em causa nos autos. Explicaram que na data dos factos, cerca das 03:30h, ouviram o alarme de incêndios do prédio. R. M., ao abrir a porta da rua, apercebeu-se da existência de algum fumo no patamar, e viu uma mulher perto do seu apartamento. Perguntou-lhe se havia algum incêndio, tendo aquela respondido que não sabia, e ficou parada a olhar para R.M., dando ideia de que estaria um pouco desorientada até porque se ia enganando na saída do prédio.
R.M. chamou a sua mulher para saírem do prédio, e quando saíram de casa a arguida ainda se encontrava no patamar da escada. P.S.  abriu a porta de acesso às escadas, momento aproveitado pela mulher para se dirigir para a saída. Já na rua, a tal mulher deslocou-se em direcção à gare do Oriente / Campus da Justiça. Esta transportava uma mochila e um saco ou mala. Pela profissão que exercem facilmente se aperceberam que a arguida usava peruca tendo explicado ao tribunal porquê. Ambos os depoimentos foram presenciais em relação ao que relataram, objectivos e coerentes. A própria arguida não colocou em causa a presença deste casal no local quando regressou ao apartamento.
- R.M. e P.S.  reconheceram esta mulher como sendo a arguida F., fls. 89, 118, 147 e ss. e fls. 150 e ss.
Declarações de A.C. o funcionário do Continente que vendeu a lareira, o mesmo refere que não se apercebeu de qualquer agressividade entre o casal, e foram os dois que escolheram o fogareiro, alegando a intenção de aquecerem o exterior da casa para um jantar ou festa já não se recorda. Foi o próprio que montou a braseira, a pedido do elemento masculino do casal e que o casal não era muito falador.
- MFA, vizinha da arguida e do falecido, referiu que na data dos factos, a horas que não consegue precisar, mas que será entre as 02:15h e as 03:10h, ouviu uns gemidos que passado pouco tempo cessaram e só depois foi alertada para a existência do incêndio, sem conseguir precisar qualquer outro pormenor.
Foram igualmente ouvidos os vizinhos A.D. e P.V. que apenas souberam referir a ocorrência do incêndio naquele dia e hora, desconhecendo o que se houvera passado antes.
E.S. , comerciante de gelo seco há mais de vinte anos e que fez a venda documentada nos autos.
Explicou o telefonema recebido por parte da arguida que foi a primeira abordagem para esta encomenda. Elucidou a arguida do gelo os cuidados no manuseamento e a sua interlocutora agradeceu o tempo despendido.
Depois foram contatados para fazer a entrega do gelo 35 kg às 15 horas porque depois a pessoa em causa teria que sair.
Fez a entrega e deixou o gelo seco na cozinha, onde se encontravam a arguida e o seu companheiro.
Explicou para que serve o gelo seco para uma festa para fazer adornos de fumo, para exportação de produtos alimentícios.
A arguida nunca lhe transmitiu para que efeito seria o gelo seco e o depoente também não questionou até porque deu a explicação dos cuidados a ter, tanto assim é que acabou por vender umas luvas próprias para o manuseamento.
Como costuma vender para casas particulares, tipo festas de halloween não estranhou.
 Recebeu em dinheiro mas que ambos – a arguida e o falecido H.O. - estiveram no momento da entrega. Deixou as caixas na cozinha com auxílio de um carrinho.
Deixou a encomenda na cozinha e até especificou um pormenor relativamente á cozinha. Pelo que o seu depoimento não suscitou dúvidas ao Tribunal.
M.O., irmã do falecido H.O.. Nunca conheceu pessoalmente a arguida e só falavam por telefone. A primeira vez o pai estava internado no Hospital e passou-lhe o telefone durante a visita. Este primeiro contato teve lugar em Março de 2016.
O pai só fez duas cirurgias ao coração uma há mais de 20 anos outra em Março de 2016. Esteve internado no Hospital de Famalicão e chegou a estar no Hospital de São João no Porto. Nunca esteve no Hospital da Prelada
Em Setembro/Outubro de 2016 a depoente e a arguida começaram a falar com mais frequência sempre pelo telefone mas a arguida sempre lhe implorou que não contasse ao irmão.
O irmão referiu-lhe que iria casar mas adiaram tantas vezes que ela achava que o irmão não queria casar. Quando o irmão lhe disse que a arguida estava grávida  achou que ele estava muito contente.
O irmão era tímido introvertido, não muto sociável e ingénuo mantinha os amigos de infância. Neste ano de 2016 foi o ano em que ele andou mais contente. Estava com o irmão ao fim de semana quando ia a casa dos pais.
O relacionamento dos pais entre si era normal e ajudavam o H.O. não o criticavam por não ter emprego.
Quando recebeu a notícia da morte do irmão estava em casa dos pais e foi ela que comunicou aos pais.
Telefonou á arguida cerca de uma hora depois e perguntou-lhe se sabia o que tinha acontecido ao irmão e ela mostrou-se indignada e surpresa com uma reação como se não soubesse de nada.
A arguida disse que não sabia de nada e que não estava em Lisboa mas antes no Porto.
Disse que o irmão a tinha mandado embora de Lisboa e que tinha lá ficado sozinho, o que a depoente não acreditou que o irmão ficasse sozinho em véspera de Natal.
Mais referiu que a arguida lhe falava de gravidez mas estava sempre a adiar pelo que começou a estranhar e a não acreditar. A arguida ligava-lhe constantemente, dando explicações científicas através de testes e foi adiando a data do parto para Outubro, Novembro e Dezembro a ultima vez que se recorda aconteceria em 15 de Dezembro.
O irmão vivia com os pais mas encontrava-se com a arguida com regularidade, designadamente em Lisboa.
Desconhecia que o irmão pudesse ter uma depressão e nunca mostrou distúrbios psicológicos ou falta de higiene pessoal.
A arguida nunca lhe referiu que o irmão tivesse tendências suicidas nem nada do género.
Sempre lhe referiu que era professora em Lisboa e que dava aulas numa escola perto do parque das nações.
A razão do irmão vir para Lisboa era igualmente porque a arguida lhe ia arranjar trabalho na escola onde leccionava uma vez que havia uma pessoa á espera da reforma.
O irmão viria a Lisboa fazer uns testes para concorrer á vaga em causa.
Referiu a doença dos pais e que afinal os papeis de saúde encontrados e referentes ao H.O. encontrados eram referentes a sessões de fisioterapia e não depressão. Explicou que a mãe sofre de epilepsia o que por vezes, juntamente com esta situação da morte do irmão denota alguns problemas mentais.
O irmão tinha um computador em casa e a depoente trouxe o computador do irmão e entregou na Policia judiciária.
Os pais ajudaram sempre o irmão, designadamente, quando a mãe vendeu um terreno.
Nunca ouviu referir que a F. tivesse emprestado dinheiro ao pai.
Nunca veio ao apartamento de Lisboa. Sabia que ele viajou com a arguida porque ele lhe referiu.
Foi a arguida que lhe contou que tinha arrendado uma casa em Lisboa quando veio trabalhar para cá em 2014. Também lhe contou que a casa era arrendada a um chinês.
Referiu que antes de entrar na faculdade o irmão teve uma fase menos positiva, mais triste, sem emprego mas continuava a dar-se com os amigos, vizinhos.
O irmão acabou o curso em 2008. Passava muito tempo ao telefone com a arguida.
O irmão era pacífico.
F.A., prima do falecido H.O. que apenas soube referir características pessoais dele como uma pessoa simples, introvertido tímido, com uma relação normal com os pais muito caseiro. Para além do curso de cinema também estudou alemão.
Foi o H.O. que lhe transmitiu que namorava com a F. referindo-lhe inclusivamente que tinha o nome da depoente mas sem entrar em pormenores sobre a relação. Ultimamente só falou com ele para lhe desejar felicidades pelo bebé e pela vinda para Lisboa. Ele mostrava-se muito feliz e animado.
M.G. inspector da PJ na secção de incêndios da mesma PJ que realizou o exame ao local nos termos exarados no relatório de fls. 163 e ss.
Explicou a existência de dois focos de incêndio de acordo com as zonas com maior grau de destruição.
Ambos os focos se localizam no colchão da cama. A braseira com o carvão estava afastada do foco de incêndio.
Só o carvão não era suficiente para justificar o grau de destruição do colchão.
Esclareceu que o fogo foi colocado no colchão, afastando qualquer incêndio com origem no cortinado uma vez que não tem carga térmica para aquele grau de destruição.
A profundidade da destruição do colchão é tão grande que seria incompatível com a carga térmica destes elementos, incluindo uma peça de carvão que possa ter saltado. Tinha que ser provocado por um acelerante de combustão. O segundo foco estava afastado do primeiro.
Afasta a possibilidade do carvão da braseira ter despoletado qualquer dos focos de incêndio mas antes de um acelerante de combustão.
No local não conseguiu localizar o produto acelerante e também só o poderia fazer se estivesse num local sem combustão uma vez que o acelerante com o fogo não deixa vestígios.
O foco de incêndio maior localiza-se próximo dos pés da cama. Maior carga térmica na parede que se encontra em frente zona de embate das chamas.
O segundo foco de incêndio (na cabeceira da cama) teve menos carga do que a dos pés da cama, daí ser mais pequeno. Não teve dúvidas na autonomia deste segundo foco de incêndio.
Qualquer acelerante como álcool pode ter sido utilizado para causar o dano em causa.
 O tempo de combustão daquele colchão é lenta a não ser que usado acelerante de combustão líquido.
Respondeu de forma clara e coerente às questões que lhe foram sendo colocadas e de acordo com os seus conhecimentos técnicos e especializados, pelo que mereceu credibilidade por parte do Tribunal.
B.S., inspector da PJ, na secção de incêndios da mesma PJ, referiu, igualmente, que não achou verosímil a intervenção da braseira ou do carvão nesta existente para qualquer um dos focos de incêndio, atenta a respectiva dimensão.
 Para aquele grau de destruição teve de existir um auxílio tipo acelerante de combustão liquido, tipo álcool ou gasolina.
No local - na cama - não existiria cheiro ou voláteis uma vez que o líquido desapareceria com o grau de incêndio em causa.
Relativamente aos focos de incêndio e a diferenciação do respectivo grau explica-se pela maior ou menor quantidade de elemento de ignição e liquido acelerante combustão.
Descreveu o que viu de forma objectiva serena conhecedor da matéria em questão sem que despoletasse dúvida sobre a sequencia do que relatou.
E.R. chefe de regimento de sapadores de bombeiros que foi chamado nesta qualidade para debelar o incêndio com os seus colegas de profissão. Apagaram o incêndio fazendo o seu combate pelo interior da habitação onde a parte tomada pelo incêndio era o quarto. Fez o relatório da ocorrência e aguardou a chamada da PSP, tendo prestado depoimento direto ao que assistiu, sem que suscitasse dúvidas ao Tribunal.
N.M. , Inspetor Chefe da Policia Judiciária, esteve no local, é chefe da brigada que investigou este caso. Tem experiência nestes casos há 28 anos.
Foram chamados porque havia um cadáver numa situação de incêndio. Suspeitaram que o incêndio tinha sido colocado por existirem dois focos distintos e,por sua vez, distintos do local onde se encontrava a braseira. Detetou que os livores do corpo lhe transmitiram indícios de intoxicação - cor carminada que indica estar vivo aquando da intoxicação o que está de acordo com a descrição feita no relatório de autópsia de fls. 778: Livores cadavéricos: Fixos, abundantes e carminados localizados nas partes posteriores do corpo.
Reparou nas caixas de gelo seco e depois foram assistir á autópsia. O incêndio estava circunscrito ao quarto.
Mais fizeram a reportagem fotográfica junta aos autos.
A identificação do falecido acabou por ser dada através de bilhetes de avião.
Mais tarde fizeram a busca em casa da arguida onde encontraram os pertences da vítima – carteira e telemóvel.
 Detetou indícios que poderão afastar o suicídio, ou seja, as caixas de gelo colocadas todas juntas á entrada do quarto e não estavam espalhadas pelo mesmo, a chave do quarto estava colocada do lado de fora da porta.
As zonas queimadas situavam-se na parte inferior do corpo não permitiam á primeira vista referir que morreu queimado.
Não havia qualquer hipótese de recolha lofoscópica atenta a fuligem existente na casa mas foi acompanhado de um técnico de lofoscopia.
Por baixo do corpo havia concentração de calor. Onde o corpo está mais queimado é onde o chão está mais queimado, como resulta dos elementos fotográficos.
Quando acedeu ao local ainda existiam brasas dentro da braseira.
Os pés de H.O. , não obstante estarem próximos da braseira, não estavam queimados um deles até tinha um chinelo que não estava queimado.
A parte do corpo queimada estava próximo do local onde havia o maior foco de incêndio.
D.A.T. , agente da PSP que acedeu ao local para fechar o perímetro evacuar o edifício e auxiliar os bombeiros a desenvolverem o seu trabalho, tendo ficado com um elemento da sua patrulha no exterior do prédio.
Quando acedeu ao local os bombeiros já se encontravam no local e a sua preocupação foi afastar transeuntes e moradores do local.
Fizeram uma identificação de pessoas no local para mais tarde lhe serem colhidos os depoimentos.
Quando lhe foi transmitido que existia um cadáver no local chamaram a brigada de homicídios da P.J.
P.L.N. que acedeu ao local para acudir as pessoas próximas do incêndio ajudando-as a evacuar do local, ou seja, a sua intervenção foi essencialmente para socorrer e salvar as pessoas do incêndio, apercebendo-se das labaredas já existentes.
Conseguiu evacuar as pessoas para o terraço.
 Como se fez referencia a uma pessoa que teria abandonado o local deslocou-se à gare do Oriente, ao aeroporto e sete rios para a paragem de camioneta mas não encontraram ninguém.
Sentiu-se mal após o almoço, com vómitos, o que motivou a sua ida á urgência hospital da área da sua residência depois do almoço, não tendo trabalhado da parte da tarde.
I.N. medica psiquiatra que tem acompanhado a arguida no E.P., e que relatou que a arguida tinha inicialmente um quadro de insónia e de ansiedade.
Na segunda observação estava melhor com ajuda de um ajuste terapêutico.
Analisou-a, ainda, na véspera verificando estado de ansiedade com um discurso ininterrupto com necessidade de justificação dos atos mas sem dificuldade de concentração, com expressão de apreensão, com alguma postura de vitimização e de sedução em relação à médica depoente.
Ocasionalmente, não cumpre a terapêutica que é meramente auxiliar para o combate da ansiedade. Numa altura teve ideias de morte passiva – depressão ligeiro-moderada - tipo “apetecia-me desaparecer” mas que não se assemelha a ideação suicida. Não é um caso de internamento, nem tem qualquer sinal de inimputabilidade ou perigosidade.
Regista alguma preocupação obsessiva com a limpeza das mãos para evitar contaminação, daí a introdução da sertralina como terapêutica deste problema atuando ao nível da depressão.
R.M., médica legista ouvida como consultora técnica da arguida que analisou o relatório da autopsia, tendo explicado as lesões, designadamente uma ferida no Hemotórax direito produzida em vida mas de pouca relevância, sem nexo de causalidade para a morte.
A causa de morte é uma asfixia por monóxido de carbono, cor carminada com 54% de carboxiemoglobina o que provocou asfixia sendo a percentagem absolutamente fatal. Esta percentagem existia na hora da morte. Mais referiu os sintomas. Tosse, irritação nos olhos dores de cabeça, náusea confusão mental, desmaio e inconsciência.
Tinha diazepam em dose terapêutica que nem como o auxílio do teor de álcool verificado provoca inconsciência. Se tivesse realizado a autópsia teria concluído por etiologia médico-legal a esclarecer e não homicidio. No entanto, a sua análise não incidiu sobre os restantes elementos, designadamente o gelo seco porque limita a ausência de consciência á combinação álcool diazepam.
O cadáver não estava na cama quando a cama ardeu uma vez que as costas do cadáver estão poupadas ao fogo e o chão desse lado também. Acaba por referir que a existência de gelo seco, na medida em que liberta dióxido de carbono, também pode levar ao estado de inconsciência.
Ao visualizar as fotos chamou a atenção para o facto da mão direita não estar queimada o que poderia significar que tentou agarrar-se a algo e é compatível com a ideia de ele num primeiro momento e antes de ter ficado inconsciente ter-se agarrado ao cortinado, o que só pode significar que não obstante não ter morrido queimado apercebeu-se das chamas.
H.O.  já estaria morto quando foi queimado e não fugiu porque já estaria atordoado com a conjunção do diazepam, álcool, dióxido de carbono e por fim monóxido de carbono – causa da morte – que nas palavras desta médica legista provoca uma “morte doce”.
As queimaduras verificadas no corpo só podem ser resultantes das chamas e não do carvão.
Foi ainda ouvida a psicóloga clínica que acompanha a arguida no Estabelecimento Prisional desde que esta entrou. O contexto de adaptação ao meio prisional, com um quadro de ansiedade, a perturbação obsessivo- compulsiva de lavagem das mãos. Denotou uma dificuldade inicial de inserção, com algum desequilíbrio hormonal e queda de cabelo. Dificuldade de socialização com traços narcísicos da personalidade e de vitimização que na maior parte das vezes traduzem uma pessoa com pouco auto estima, autovalorizando-se e desvalorizando os outros.
E da análise crítica da prova resulta o seguinte:
 A causa da morte foi, pois, o fumo do incêndio que libertou o monóxido de carbono.
Assim, o incêndio foi intencional – um foco localizado na zona dos membros inferiores no lado ocupado. O pé que tem o chinelo e está próximo da braseira não está queimado o que significa que as queimaduras foram causadas pelo foco de incêndio e não pela braseira.
A intenção de matar da arguida resulta ainda conjugando dois aspectos: o conteúdo das buscas feitas no seu computador e a conversa explicativa designadamente quanto ao manuseamento tida com o vendedor de gelo seco.
Análise da restante prova:
O correio electrónico de fls. 312 e ss. contraria a tese de que a arguida pretenderia finalmente vir viver para Lisboa uma vez que pediu a prorrogação do contrato apenas até Janeiro de 2017.
- No dia 24 de Dezembro de 2016, cerca das 03:40h, foi contactada a Esquadra da PSP do Parque das Nações, por haver notícia de um incêndio na habitação sita na Rua … Lisboa, conforme Auto de Notícia da PSP de fls. 6 a 8.
Após o incêndio ter sido extinto pelos Regimento Sapadores de Bombeiros de Lisboa, foi encontrado H.O. , já sem vida, e parcialmente queimado.
- Realizada Inspecção Judiciária no local dos factos, cujo relatório consta de fls. 56 a 76 e fls. 163 a 172, verificou-se que o fogo tinha ocorrido apenas no quarto, tendo-se encontrado H.O.  sem roupa, com um chinelo no pé direito, com as pernas e zona genital parcialmente carbonizadas.
No quarto, era visível uma braseira (fls. 64), e quatro caixas de esferovite contendo "gelo seco" (fls. 65 e 66).
O cortinado e respectivo varão encontravam-se caídos, sugerindo que a vítima se tenha agarrado ao mesmo, colocando o seu peso no cortinado e fazendo-o cair (fls. 66).
A fls. 163 a 172 concluí-se que o incêndio teve origem humana dolosa, com dois focos distintos, ateados na cama (fls. 164 e 165), um na zona da cabeceira e outro na zona dos pés, e que quando o colchão foi totalmente tomado pela chama, o cadáver já não estaria na cama.
- Segundo a informação preliminar da autópsia realizada pelo INML de fls. 130 e 131, "as únicas lesões traumáticas idóneas a provocar a morte são as queimaduras nos membros inferiores. Tendo em conta a coloração carminada dos livores, dos órgãos e tecidos moles, tudo aponta para que a morte tenha ocorrido por intoxicação com monóxido de carbono (produzido pela braseira) e que as lesões tenham ocorrido por permanência na divisão".
Veio a confirmar-se que a morte ocorreu efectivamente por intoxicação com monóxido de carbono e que o falecido tinha ingerido Diazepam em dose terapêutica fls. 812.
- Quanto ao gelo seco encontrado no local dos factos, o mesmo é letal em grandes concentrações e ambientes fechados. Contudo, o mesmo não é possível de mesurar, já que produz dióxido de carbono, composto químico existente no nosso organismo (cf. informação de segurança quanto ao gelo seco a fls. 113 e 134).
Conforme se disse a propósito das declarações da arguida realizada perícia forense aos computadores apreendidos (apenso 1) cujo elemento probatório se considerou essencial.
Computador apreendido a F. e que na perícia foi designado como EQ01 – nº 5cd2185425
Apenas duas contas de utilizador se encontram configuradas e ativas, uma conta de utilizador com o nome de inicio de sessão utilizador e descrição de utilizador F.R. com privilégios de administração do sistema operativo sem palavra passe associada.
A outra conta sem acessos.
O último acesso data de 28/12/2016:
Em 16/12/2016 às 17h e 46 m verificou-se a seguinte pesquisa: como matar alguém com gelo seco.
Em 16/12/2016 pelas 17h e 46m como matar uma pessoa sem deixar pistas.
Em 17/12/2016, pelas 11 horas e 34 m qual a quantidade de gelo seco necessária para matar alguém
Em 17/12/2016 pelas 11h e 56m curiosidades sobre gelo seco.
Em 20/12/2016 armazém de gelo seco.
Em 24/12/2016 pelas 13h e 13m e 40 s. a pesquisa quanto tempo é necessário estar alguém exposto ao Dioxido de Carbono para morrer,
Nesta ultima pesquisa já a arguida estava na sua casa de Gaia após a morte de H.O. . Computador que era do H.O.  com a designação na perícia de EQ02 e com o nº CNF74842FZ nada foi localizado com relevância para os autos.
Prova Documental que já foi sendo referida ao longo da motivação:
- Verificação de óbito nº 169867, efetuado pela Autoridade de Saúde Pública do ACES II Lisboa a fls. 5.
- Relatório da Inspeção Judiciária a fls. 55 a 76;
-Relatório da Inspeção Judiciária da Secção de Incêndios e Criminalidade Ambiental da PJ a fls. 163 a 172; e fotografias de fls.8, 9 a 10 e 13 fls. 169 e 170 , 171 e 172, 167 a 172 dos autos
- Auto de Reconhecimento de Pessoas a fls. 147 a 152 pelas testemunhas que depuseram em audiência de julgamento e que viram a arguida no patamar após ter tocado o alarme de indendio;
-Auto de apreensão a fls.44 (um‘Dvd”contendo imagens de videovigilância das câmaras da Agência do Novo Banco – Office Park Lisboa);
- Auto de busca e apreensão a fls.82 e 83 ( Uma factura da “Telepizza” com o nº35102016/000069757, datada de 23/12/2016 entregue na morada onde ocorreu o incêndio);
- Auto de Diligência externa de fls. 81 com vista a obter o documento de fls. 82.
- Auto de busca e apreensão a fls.111 e 112 (uma fatura da Farmácia Portela de Vila em Nova de Gaia, com o nº FR /944891, datada de 23/12/2016, emitida às 5h15 m, do dia 23,12,2016);
- Auto apreensão a fls. 535 e 536 (um CD com imagens de videovigilância da Farmácia PORTELA, referente à compra efetuada por F. no dia 23/12/2016, pelas 5h15m);
-Auto de visionamento de registo de imagens captadas pelo circuito de
videovigilância da Farmácia Portela, a fls. 664 e 665;
- Auto apreensão a fls. 182 e 183 (Um computador da marca HP, com o
N/SCNf74842FZ, propriedade de H.O.  e que foi entregue na Policia Judiciária pela Irmã do H.O. , M.O. que como referiu em audiência de julgamento resolveu levar o computador do irmão quando foi chamada a depor na Policia judiciária uma vez que podia ter informação relevante para o caso em apreço.
Um telemóvel da marca ALCATEl, com o IMEI58329071725163, telemóvel da marca MICROSOFT, com o
PlN 357778064676695, dois mil, quinhentos e noventa e cinco euros),
- Auto de busca e apreensão a fls. 532; realizada na residência da arguida em Gaia:
Como se verifica e contrariamente ao que a arguida afirmou, a mochila apreendida continha no seu interior vários objectos pessoais, nomeadamente um gorro aí descrito, óculos de sol estojo uma água de colonia masculina, telemóveis e carregadores, cartão de cidadão, carta de condução e chaves de uma viatura
- Auto de apreensão a fls. 250, 490 e 491 e auto de visionamento a fls. 611 (três “CD’s”com imagens do sistema de videovigilância da “Infraestruturas de Portugal – IP,SA, correspondentes às Estações de Campanhã, Santa Apolónia e Lisboa Oriente);
-Auto de apreensão a fls. 435 e 436 (um porta-chaves com o formato de peluche, decor castanha, com duas chaves);
- Assento de Nascimento de H.O. J.O.  a fls. 405;
- Assento de Nascimento de F.  a fls. 406;
- Auto de declaração para casamento – Processo Preliminar de publicações nº 8811/2015 válido até 27 de abril de 2016 a fls. 774 a 776;
-Suporte digital da operadora Vodafone e NOS a fls. 423 a 423 –A e 425 a 426;
-Cópia da escritura de compra e venda da fração autónoma Bloco …em Lisboa, a fls. 299 a 304;
- certidão permanente do registo predial a fls. 305 a 306, 342 a 385;
- caderneta predial urbana a fls. 308;
- contrato de arrendamento urbano a fls. 309 a 311, 313 a 315, 323 a 325, 448 a 453;
- Elementos da Segurança Social referentes a F. a fls. 116 a 120, 387 a 388;
-Elementos da Direção Geral de Estatística da Educação e Ciência a fls. 454 e 548;
- elementos da Segurança Social de Lisboa referentes a H.O.  a fls.389 a 390;
- Informação / cota a fls. 541 ;
- Informação a fls. 547 da firma “CE;
- Documento relativo ao Conselho de Segurança sobre manuseamento de gelo seco, de fls. 133 a 134.
-Factura referente ao fornecimento de gelo seco pela firma “EB” a fls.545;
- Orçamento dos prejuízos causados no Bloco B, 2º andar, no valor de 10.170€, a fls. 656;
- Notas de despesas da PSP a fls. 739 a 743;
- CRC da arguida F.  a fls. 54.
Outra prova pericial:
- Exame pericial a Telemóveis a fls. 694 a 676 que denotam contactos constantes entre a arguida e H.O. ;
- Informação Preliminar de Autópsia a fls. 130 a 131;
- Relatório de Autópsia de H.O.  a fls. 777 a 785;
Não se deu relevo à avaliação psicológica realizada uma vez que a maioria dos testes não foi concretizada e na medida em que foi questionada sobre os factos que viriam a ser julgados posteriormente que não podem ser tidos em consideração em audiência de julgamento.
 Outra prova documental dos pedidos de indemnização civil:
Documentos de fls. 739 e ss. remetidos pela P.S.P. e relativos ao episódio de urgência de P.N. e aos custos hospitalares e de vencimento.
Despesas suportadas com o funeral de H.O.  de fls. 911 e ss.
Despesas suportadas por Y.C. e S.Y., em virtude do incêndio ocorrido na sua fracção que foi imputado à arguida:
Sobre a relação de móveis existentes no apartamento e que acompanhou o contrato de arrendamento – fls.936.
Revogação do contrato por mútuo acordo de fls. 938 e ss.
Orçamento para o arranjo dos estragos ocasionados pelo incêndio - fls. 941 e ss.
Despesas com alojamento, transporte e estadia de fls. 947 e ss.
Quanto aos factos não provados: a ausência de prova testemunhal ou outra e quanto aos restantes danos patrimoniais essencialmente a ausência de prova documental. Por outro lado não se deu como provado a desvalorização do imóvel com base nas regras da experiencia comum sendo facto notório que durante os últimos dois anos assistiu-se a uma valorização do imóveis em Lisboa e sobretudo em zonas como o Parque da Nações.”

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P. (cfr. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95).
No caso dos autos, face às conclusões da motivação dos recursos, as questões suscitadas são:
1. Pela arguida/recorrente F. :
1.1. Questões prévias - Deficiências formais do acórdão:
1.1.1. Erros materiais de escrita;
1.1.2. Identificação da arguida;
1.1.3. Identificação das partes civis;
1.1.4. Condenação em custas cíveis;
1.1.5. Leitura da sentença;
1.2. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia - al. c) do n.º 1 do art.º 379º CPP;
1.3. Se as apreensões são prova proibida;
1.4. Impugnação da matéria de facto provada;
1.5. Se houve violação do art.º 340º CPP por não efectivação de perícia;
1.6. Se os factos preenchem o tipo legal do crime de homicídio a pedido da vitima do art.º 135º ou de ajuda ao suicídio do art.º 134º CP;
1.7. Se as penas se mostram não fundamentadas e exageradas;
1.8. Quanto aos pedidos de indemnização civil:
1.8.1. Formulado pelo Estado: Se não se verificam os requisitos do art.º 483 CC;
1.8.2. Formulados pelos assistentes J.O. e M.S. : Se deveria ser absolvido por força do art.º 570º CC;
1.8.3. Formulado por Y.C. e S.Y. :
- Se enferma de vicio de contradição insanável da al. a) do n.º 2 do art.º 410º CPP;
- Se não se verificam os requisitos do art.º 483 CC;
- Se existe prova do facto provado 94.

2. Pelos assistentes/demandantes J.O. e M.S. :
2.1. Se se mostra fundamentada a redução do montante indemnizatório quanto ao dano morte;
2.2.Se os montantes indemnizatórios fixados se mostram insuficientes e desadequados

1. Do recurso da arguida:
1.1. Questões prévias:
1.1.1. Na motivação de recurso apresentada pela arguida, mostram-se apontadas algumas deficiências de forma à decisão recorrida que vão de erros materiais de escrita a deficiências de identificação de intervenientes processuais até omissões decisórias.
Assim, seguindo a sugestão apresentada pela recorrente, ao abrigo do art.º 380º n.º 1 al. b) CPP rectificam-se os, por si, apontados erros materiais de escrita nos seguintes moldes inserindo-se entre aspas a página correspondente no acórdão: à Conservatória (página 2), com as, Vila Nova (3), desmotivá-lo (5), destino a Lisboa (9), cabeceira (14), no, Vila, Vila Nova (15), referindo (18), quais entretanto, à sua, mercê (19), Que (20), Que (21), a pensar, pés (24), obvio, à espera (25), 70 euros, que a (26), à luz, experiência, atrás, à sua, Gaia, ajudá-lo (29), à F., última, último, acompanhá-lo (30), à inspecção, distância (31), à data, à cozinha (33), à arguida (34), à espera, à vaga (35), sequência, à autópsia (37), à entrada, à primeira, referência (38), médica, à combinação (39), Alcatel, colónia (43), experiência (45), à Conservatória, início (55), a arguida (64). 

1.1.2. Aponta ainda a recorrente que a sentença não deu integral cumprimento ao disposto no art.º 374º n.º 1 al. b) CPP uma vez que a identificação da arguida se resume ao seu nome e remessa para fls. do processo onde constarão os demais elementos integrantes da mesma identificação.
Dispõe o art.º 374.º CPP, a propósito dos requisitos da sentença que:
1 - A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;…”.
Não estabelece este preceito qual a abrangência das indicações “tendentes à identificação do arguido”, contrariamente ao que se mostra consignado no art.º 342º CPP em que expressamente se mostram indicados os elementos relativos à identificação do arguido em audiência de discussão e julgamento.
A invocação que a recorrente faz do regime constante dos art.ºs 389º-A (alínea a) do n.º 1) e 391º-F do CPP para, desse regime específico, extrair a obrigatoriedade de completa identificação da arguida no presente caso por se tratar de processo comum, não encontra eco nos apertados termos em que estas referências se mostram elencadas no art.º 379º CPP, aí não estando cominada de nulidade essa não indicação no relatório da sentença.
Por contraposição argumentativa, a identificação do arguido em sede de acusação pública mostra-se estabelecida em regime mais exigente, conforme resulta do disposto no art.º 283º CPP - onde se mostra utlizada a mesma forma expressiva “indicações tendentes à identificação do arguido” –, aí já se cominando de nulidade (embora sanável, uma vez que como tal não é referida no preceito, nem está abrangida na enumeração taxativa do art.º 119.º do Código de Processo Penal) a respectiva inobservância. Porém, a jurisprudência vem entendendo que a identificação do arguido na acusação, apenas pelo nome, com remessa dos restantes elementos para documentos dos autos com consequências, não é suficiente para rejeição da acusação ao abrigo do art.º 311.º, n.ºs 2, al. a) e 3, al a), do C.P.P., decidiram, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de Dezembro de 2003 (Proc. n.º 3444/03, Des. Jorge Dias) e de 03 de Novembro de 2010 (proc. n.º 19/09.1GBOBR.C1, Des. Esteves Marques); da Relação do Porto de 23 de Março de 2011 (proc. n.º 485/09.0PBMTS.P1, Des. José Alberto Vaz Carreto), disponível em www.dgsi.pt e da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2001 (CJ 2001, XXVI, 4, pág.135).         
Por esta via, a indicação no relatório da decisão final de nome da arguida e a remessa para auto do processo quanto aos demais elementos integrantes da identificação da arguida, mormente quanto ao respectivo estado civil, filiação, naturalidade, profissão e residência, não acarreta qualquer consequência à própria sentença e respectiva validade.

1.1.3. Outro dos aspectos que a recorrente aponta como deficiência à sentença condenatória diz respeito à identificação das partes civis que (não) consta do respectivo relatório, “pois apenas refere o seu nome, o que não permite individualizar as pessoas em causa, por força de homonímia, havendo certamente numerosas pessoas com os nomes ., M.S.  e Y.C.”, manifestando, mais uma vez, violação da alínea b) do nº 1 do disposto no art.º 374º CPP.
Para além do que anteriormente referimos acerca das consequências processuais, a nível da validade do acto processual, decorrentes da incompleta ou deficiente identificação das partes, a leitura dos autos permite-nos perceber as razões da deficiente (porque unicamente refere o nome desta) indicação quanto à assistente Y.C. e co-demandante com a mesma, atenta a sequência dos requerimentos inseridos a fls. 918 e seguintes em que, primeiramente, aquela, sozinha, adere à acusação pública (fls. 918) e só depois, a fls. 920, formula, conjuntamente com o lesado/demandante S.Y. , pedido de indemnização civil contra a arguida, fazendo expressa menção a “Doravante conjuntamente designados por “Demandantes”.”.
Já quanto aos demandantes J.O. e M.S.  qualquer outra referência identificativa no relatório não nos parece exigível na medida em que os mesmos se identificam no requerimento de fls. 897 como sendo os assistentes, ou seja, inexiste qualquer possível confusão com outro alguém com o mesmo nome, como a recorrente invoca, na medida em que inexistem outros assistentes nos autos com o mesmo nome. De resto é o que expressamente se mostra inserido no relatório em questão: “Os assistentes J.O. e M.S.  deduziram pedido de indemnização civil contra a arguida.”
Em qualquer dos casos, nenhuma consequência acarreta para o acórdão a constatação dessas eventuais discrepâncias - até porque em sede de dispositivo do acórdão são indicados os dois demandantes a favor dos quais se mostra estabelecido montante indemnizatório - para além da respectiva correcção, no segmento do relatório, ao abrigo do art.º 380º CPP, com a indicação do demandante S.Y.  a seguir à demandante/assistente Y.C. .

1.1.4. Ainda como aspecto formal do acórdão que a recorrente aponta diz respeito à omissão no mesmo quanto a custas civis – a que se refere o n.º 4 do artigo 374º do CPP.
Na realidade, a leitura de tal decisão final permite-nos constatar que, apesar de se ter pronunciado acerca dos pedidos de indemnização civil formulados nos autos [por parte do M.º P.º (em representação do Estado), dos demandantes Y.C. e S.Y.  bem como dos assistentes e J.O. e M.S. ], e, por procedência total ou parcial dos mesmos, ter proferido condenação da demandada/arguida no pagamento de diversas quantias a favor dos diversos demandantes, não foi proferida condenação em custas em matéria cível, ou seja, em inobservância do disposto nos art.ºs 523º CPP, 527º e seguintes do CPC e Regulamento de Custas Processuais.
Tal omissão, contudo, não constitui causa de nulidade da sentença em questão na medida em que a condenação em custas não se mostra inserida no elenco de elementos referidos no art.º 379º n.º 1 CPP cuja omissão acarreta aquele vício.
Assim, a respectiva correcção terá de ser feita ao abrigo do art.º 380º n.ºs 1 al. a) e 2 CPP, a que se procede, ali aditando “Custas cíveis a cargo da demandada/arguida e demandantes na proporção do respectivo decaimento, nos termos dos art.ºs 523º CPP, 527º e seguintes do CPC e Regulamento de Custas Processuais.” 
 
 1.1.5. O último dos aspectos que a recorrente aponta, enquanto questão prévia, ao acórdão condenatório diz respeito ao acto formal da respectiva leitura em audiência, leitura feita unicamente pela Presidente do Tribunal Colectivo, como resulta da acta respectiva a fls. 1721 dos autos.
Argumenta a recorrente que tal leitura, na ausência dos adjuntos com violação do n.º 2 do artigo 14º e o n.º 3 do artigo 372º do CPP, gera a nulidade prevista na alínea e) do artigo 119º do mesmo Código.
Idêntica questão e invocação se mostram tratadas no acórdão da Relação de Évora datado de 07/01/2014, em que foi relator o Exmo. Desembargador Sérgio Corvacho, disponível em www.gde,mj.pt/jtre com a seguinte argumentação: 
Como é sabido, o art. 118º do CPP consagra o princípio da legalidade ou da tipicidade em matéria de nulidades processuais, segundo o qual a inobservância ou violação das normas de direito processual só é geradora de nulidade nos casos especialmente previstos.
Por seu turno, o art. 119º do CPP define o elenco das nulidades processuais insanáveis, que podem ser declaradas independentemente de arguição, em qualquer fase do processo, sendo a sua al. a) do seguinte teor: A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição.
Do teor da acta da sessão de julgamento, em que se procedeu à leitura do acórdão (fls. 2504 e 2505), levada a efeito em 17/12/12, não resulta sequer inequívoco quantos dos Exmºs Juízes integrantes do Tribunal Colectivo estiveram presentes nesse acto.
Assim, na parte inicial da referida acta, vêm mencionados os nomes do Exmº Juiz Presidente e das Exmªs Juízes Adjuntas, dando a entender que todos se encontrariam presentes.
Contudo, tal impressão resulta desmentida pelo despacho ditado para a acta pelo Exmº Juiz Presidente, na sequência da leitura do acórdão: “Não se procede, no dia de hoje, ao depósito do acórdão em virtude de um dos membros que compõe o presente colectivo, a Dra. M.L.F. se encontrar impedida de se deslocar a este Tribunal no dia de hoje, por motivos profissionais. Mais se consigna que no dia de amanhã o acórdão já se encontra assinado e proceder-se-á ao depósito em falta».

O acórdão encontra-se assinado electronicamente por todos os Exmºs Juízes membros do Tribunal Colectivo e foi depositado no dia subsequente àquele em que foi lido (fls. 2506 a 2539).
Independentemente de se saber ao certo se o acórdão recorrido foi efectivamente lido pelo Exmº Juiz Presidente, fora da presença das suas Exmªs Colegas Adjuntas, como alega o recorrente, adiantamos desde já que discordamos da tese jurídica em que este faz basear a arguição da nulidade, perfilhada no Acórdão da Relação de Lisboa a que ele faz apelo, datado de 13/03/13, proferido no processo nº 33/01.0GBCLD.L1-3 e relatado pelo Exmº Desembargador Dr. Carlos Almeida.
Pelo contrário, convergimos com a orientação interpretativa consagrada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado na resposta do MP ao requerimento de arguição da nulidade, datado de 10/5/95, correspondente ao documento SJ199505100472473 da base de dados do ITIJ e relatado pelo Exmº Conselheiro Dr. Pedro Marçal, cuja jurisprudência iremos seguir de perto (vd., no mesmo sentido, Ac. do STJ de 5/1/95, documento SJ199501050473413 e relatado pelo Exmº Conselheiro Dr. Sousa Guedes).
A experiência demonstra que a leitura dos acórdãos proferidos por Tribunais Colectivos por um único dos Juízes que o integram, normalmente, o Presidente, constitui uma prática generalizada nos Tribunais e obedece a preocupações de economia processual e economia de trabalho, procurando evitar a ocupação de três Juízes na prática de um acto que se entende poder ser levado a cabo, sem prejuízo para os direitos de quem quer que seja, por um único Magistrado Judicial.
É certo que, se se tratasse de uma prática «contra legem», não seria por ser generalizada que ela deveria ser tolerada. Sucede, porém, que não se nos afigura que nos encontremos perante uma prática «contra legem».
O cerne da questão parece residir na interpretação que se faça da norma do nº 3 do art. 373º do CPP, que estatui: “Regressado o tribunal à sala de audiência, a sentença é lida publicamente pelo presidente ou por outro dos juízes. A leitura do relatório pode ser omitida. A leitura da fundamentação ou, se esta for muito extensa, de uma sua súmula, bem como do dispositivo, é obrigatória, sob pena de nulidade.
Se bem entendemos, o Acórdão da Relação de Lisboa, que o recorrente mobiliza em apoio da sua tese, não põe em causa que a disposição legal transcrita atribua ao Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, ou a outro Juiz que o integre, a competência para efectuar a leitura do acórdão. Entende, apenas, que esta como outras competências atribuídas ao Presidente deve ser exercida com o Colectivo de Juízes reunido e presente no lugar da prática do acto.
A este respeito, convirá ter presentes as razões que levam a lei de processo penal a exigir que certos processos sejam julgados pelo Tribunal Colectivo.
Tal exigência explica-se pela necessidade reforçada de, pela eminência dos bens jurídicos em questão ou pela potencial gravidade das consequências da decisão, aferida em função da moldura penal abstractamente aplicável, assegurar, tanto quanto possível, que a causa tenha um julgamento justo, seja na vertente da apreciação da prova, seja na da interpretação e aplicação das regras de direito, o que, parte-se do princípio, poderá ser mais facilmente alcançado através da intervenção de três Juízes, em vez de apenas um.
Ora, a leitura do acórdão não é mais do que o acto público por meio do qual o Tribunal anuncia a sua decisão, não comportando em si qualquer margem decisória.
Nesta ordem de ideias, somos de entender que a circunstância de a decisão ser lida com intervenção presencial de três Juízes ou somente um é inócua do ponto de vista quer dos direitos dos sujeitos processuais, quer dos valores cuja realização subjaz ao processo criminal.
Em consequência, teremos de concluir, tal como os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, a que acima fizemos referência, a exigência da intervenção de três Juízes nos processos da competência do Tribunal Colectivo cessa, em princípio, com a assinatura do acórdão.
Saliente-se que o raciocínio que vimos desenvolvendo vale apenas para os casos em que o acto da leitura tenha sido puro e simples, como transparece da acta de leitura do acórdão constante dos autos.
Diferentemente, sempre que, no acto da leitura, se revele a necessidade de dirimir alguma questão ou praticar algum acto que a lei reserve à competência do Colectivo, o que, no caso em apreço, não sucedeu, a reunião do trio de Juízes passa a ser de novo obrigatória.
Nesta conformidade, a leitura do acórdão recorrido levada a efeito pelo Exmº Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, caso tenha tido lugar na ausência das Exmªs Juízes Adjuntas, não violou qualquer norma da lei de processo penal, relativa à composição do Tribunal e ao número de Magistrados Judiciais que o devem integrar, pelo que não se encontra inquinada da nulidade insanável prevista na al. a) do art. 119º do CPP.
Consequentemente, julgamos improcedente a arguição pelo recorrente da referida nulidade.”
Tal como ali, também aqui o acórdão em questão mostra-se assinado pelos Exmo.s Juízes membros do Tribunal Colectivo pelo que entendemos que nenhuma nulidade se mostra cometida na medida em que o acto processual praticado pela Exma. Presidente daquele Colectivo se limitou à leitura pura e simples do acórdão proferido nos autos.

1.2. Ultrapassadas as questões formais suscitadas pela recorrente, imputa esta à decisão condenatória o vicio de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379º n.º 1 al. c) CPP, fundando essa nulidade em dois aspectos, alternativos, resultantes da opção do Colectivo em não ter valorado o relatório de avaliação psicológica da arguida constante dos autos.
O primeiro aspecto relativo a tal relatório diz respeito à sua natureza de meio de prova proibido, invocado pela arguida, e sem que o tribunal se tenha pronunciado nessa sequência.
A consulta dos autos permite-nos referir que:
1. A questão relativa à nulidade desse meio de prova foi objecto de apreciação e decisão por parte do Mmo. JIC em sede de decisão instrutória na qual foi decidido que não constituía prova proibida – cfr. fls.1291 a 1294.
2. Desse segmento decisório e na sequência da notificação da decisão instrutória, a arguida veio, a fls. 1343, interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa em que pedia que o relatório em questão fosse declarado prova proibida e determinado o respectivo desentranhamento dos autos.
3. Tal recurso não foi admitido por despacho de fls. 1366.
4. Dessa não admissão veio a arguida, a fls. 1405, reclamar para o Presidente do TRL, reclamação que foi objecto de indeferimento por decisão de 18.01.208 proferida pela Exma. Vive Presidente deste tribunal. 
 5. Em sede de contestação, veio a arguido suscitar novamente a questão da validade desse meio de prova, considerando-o proibido, com os mesmos fundamentos que já havia utilizado na fase de instrução.
 6. Finalmente, na decisão final ora recorrida e na respectiva motivação da decisão quanto à matéria de facto, o Colectivo menciona expressamente que:
“Não se deu relevo à avaliação psicológica realizada uma vez que a maioria dos testes não foi concretizada e na medida em que foi questionada sobre os factos que viriam a ser julgados posteriormente que não podem ser tidos em consideração em audiência de julgamento.”
 
O texto acabado de citar conduz-nos a duas considerações/consequências: a primeira, é que esse relatório de avaliação psicológica, apesar de indicado como meio de prova pelo M.º P.º na sua acusação e referido na pronúncia proferida a final da fase de instrução, não foi valorado [“relevado”] pelo Colectivo na formação da sua convicção e, segunda, esvazia de utilidade as questões que a propósito da mesma avaliação a arguida vinha suscitando e que acima fizemos referência (ponto 5).
Assim, tornava-se inútil apreciar as deficiências e respectivas consequências que a recorrente apontava a esse relatório de avaliação psicológica na sua contestação.
E nesta perspectiva nenhuma nulidade por omissão de pronúncia se mostra como afectando a decisão recorrida.
 Retomando o inicio das referências a este relatório de avaliação, o segundo dos aspectos alternativos que a recorrente aponta pela opção do Colectivo que anteriormente citámos diz respeito à, em resultado dessa não valoração, fundamentação ali vertida para a mesma com reflexos na defesa da arguida que, em contradição com o que acabava de desenvolver na categorização como prova proibida que pretendia ver feita, manifesta dever haver apreciação critica de toda a prova produzida.           
Contrariamente ao que argumenta a recorrente, a postura do Colectivo não representa a ultrapassagem do disposto no art.º 163º CPP, dissentindo das conclusões periciais que ali foram vertidas pelos Exmo.s Peritos, mas, antes e em momento anterior a essa apreciação das conclusões periciais, pura e simplesmente não o valoraram como meio de prova.
Mas essa não valoração mostra-se fundamentada em duas ordens de razões; i) a maioria dos testes não foram realizados e ii) a arguida foi questionada sobre factos que viriam a ser julgados posteriormente (por aferição ao momento da realização da perícia) e que acabavam por ser, nada mais, nada menos, os factos objecto da pronúncia e que deveriam ser objecto de confirmação, ou não, na audiência e trazidos à decisão final.
Com o devido respeito pela leitura que a recorrente faz desta argumentação/fundamentação, percebemos as reticências do Colectivo quanto às perguntas e respostas quanto aos factos objecto dos autos e a consequências que das mesmas adviriam em termos de limitação/espartilho na formação da respectiva convicção caso as respostas da arguida ali vertidas mostrassem discrepâncias com as prestadas em audiência pela mesma arguida ou, no limite, em confronto total com a globalidade da demais prova nesta audiência.
Ainda quanto a esta concreta fundamentação, o relatório aponta a necessidade de efectivação de outros testes (vide os dois últimos parágrafos da respectiva pág. 27, último de pág. 28 e primeiro de pág. 29 bem como a sugestão feita a final de pág. 32).
Em suma conclusiva, a opção do Colectivo ao não valorar tal relatório de avaliação não representa qualquer omissão de pronúncia (art.º 379º n.º 1 al. c) CPP) sobre as questões que a arguida tinha suscitado, na contestação, quanto à validade do mesmo, classificando-o como prova proibida, e, consequentemente não se verifica a nulidade invocada.

1.3. Ainda em matéria de meios de prova, suscita a recorrente a questão da validade, considerando-os prova proibida nos termos do art.º 125º CPP, dos meios de obtenção de prova consistentes nas apreensões de fls. 44, 111-112, 182-183, 250, 435-436, 490-491, 532 e 535-536 porquanto, alega, os correspondentes autos não demonstram ter sido dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do art.º 178º CPP.
Com o devido respeito pela consequência que a recorrente pretende trazer à validade desses meios de obtenção de prova, o preceito invocado – art.º 178º n.º 2 CPP – não comina de nulidade a não observância das invocadas junção e/ou depósito dos bens apreendidos, nem a mesma consequência se retira dos art.ºs 119º e 120º CPP pelo que essa eventual omissão só pode ser reconduzida a mera irregularidade por força do disposto no art.º 118º n.º 2 CPP.
Tal irregularidade há muito se mostra sanada por força do disposto no art.º 123º CPP dado que a mesma não se mostra suscitada pela arguida no momento ou prazo ali estabelecidos, isto num limite processual posterior e decorrente da notificação da acusação em que tais apreensões são indicadas como meio de prova.
Não assiste razão à recorrente.

1.4. Como quarta questão insurge-se a recorrente quanto à matéria de facto provada que se mostra fixada no acórdão defendendo que na mesma deveriam ser aditados dois factos “No dia 23 de dezembro de 2016, tal como já o tinha feito em momentos anteriores, o ofendido H.O.  disse à arguida que queria morrer, mencionando a provocação da morte através de gelo seco ou monóxido de carbono, solicitando à arguida que colaborasse na execução de tal projeto.
A arguida agiu determinada pela manifestação de vontade do ofendido, que a declarou de modo categórico, perentoriamente, naquele momento e de forma direta e terminante.
 Essa pretensão mostra-se assente - na sua perspectiva impõem dar-se como provados tais factos - em meios de prova produzidos em audiência a que faz referência e que cita: declarações da arguida, depoimentos de assistentes, demandante e testemunhas, com concreta indicação dos segmentos em que as declarações que transcreve se mostram gravadas.
A pretensão da recorrente no aditamento de tais factos traduz a tentativa de introdução, no elenco dos factos provados, da versão que a própria trouxe à audiência de julgamento segundo a qual os factos que praticou conducentes à morte da vítima H.O.  nada mais eram que a cumprimento das solicitações que o mesmo lhe vinha fazendo de o ajudar a morrer, projecto e decisão em que a mesma também se havia inicialmente associado, no sentido de um pacto de suicídio entre ambos, mas que abandonou posteriormente.
Se bem que se mostre dado cumprimento pela recorrente ao disposto no art.º 412º n.º 3 al.s a) e b) CPP, a leitura dos excertos que a recorrente aponta como base nessa sua pretensão não impõem, por um lado, que esses factos sejam aditados como provados e, por outro, a tomada de uma decisão diversa da tomada pelo Colectivo.
As próprias declarações da arguida, postas em relevo agora no recurso, nunca falam de qualquer pacto de suicídio abrangendo ambos, nenhuma referência concreta fazem quanto ao modo como esse suicídio iria ser feito, quaisquer pedidos e respectiva insistência da vítima nessa intenção. Por outro lado, as transcrições que a recorrente avançou dos depoimentos testemunhais ou dos assistentes também nenhuma referência concreta fazem a essa concreta intenção da vitima ou a essa verbalização junto dos mesmos ou de terceiros.,
De resto, socorrendo-nos das menções inseridas pelo Colectivo na motivação da decisão fáctica resulta evidente que a versão da arguida, agora avançada na impugnação de facto com a pretensão de introdução de dois factos provados, já havia sido desenvolvida pela mesma em audiência de discussão e julgamento, tendo sido ali desmontada com recurso a critérios lógicos e análise de outros elementos probatórios e, por esse motivo, remetida para o seguimento dos factos não provados, tal como se mostra desenvolvido no acórdão e que nos abstemos de aqui reproduzir.
Este conjunto de factos apenas nos merecem pequenas observações/reparos, isto derivado da respectiva redacção que não se mostra feita de modo perfeitamente claro e isento de dúvidas.
Assim, o inserido nos pontos de facto provados 3 e 4 não se mostra em plena correspondência com o afirmado no facto provado 23, na medida em que não se mostra atribuída a autoria da ideia originária do “projecto de suicídio colectivo”.
Na realidade, a ser atribuído à vítima, como pareceria decorrer do afirmado no facto provado 4, então não seria necessária a sua concordância (relatada no ponto 23). Por outro lado, se a concordância referida neste último facto diz respeito ao momento da respectiva execução, então também se mostraria inútil a referência ali feita à anuência da arguida.
A compatibilização desses duas realidades factuais apontam para que, do referido no facto provado 4 (o H.O. falar em suicídio conjunto), o texto do facto provado 23 tenha de ser alterado para “O falecido tinha mencionado o projecto de suicídio coletivo para aquela altura no que a arguida anuiu; daí o jantar no Ritz.” 
Tal alteração é a que se mostra também consentânea com o referido pela própria arguida nas respectivas declarações, como o Colectivo pôs em destaque na fundamentação: “Foi em Dezembro de 2016 que a arguida aderiu a este plano do gelo seco. Ficou com uma depressão muito grande e acabou por concordar com o plano do gelo seco, plano este para morrerem os dois.” (pág. 23).
Impõe-se ainda a compatibilização o referido no facto provado 22 (começou a planear forma de se livrar de H.O. , pondo - lhe termo à vida e assim libertar-se de todos os seus problemas, aproveitando a ideia deste se querer suicidar.) e o descrito no facto provado 25 (Tendo em momentos anteriores, não concretamente apurados, o H.O. falado em “gelo seco” e em monóxido de carbono, como uma das melhores maneiras de morrer sem sangue e sem dor a propósito da ideia de suicídio coletivo, a arguida F. começou a pesquisar na internet as características e efeitos desse produto…), isto para, dentro do possível, estabelecer o marco temporal da formulação pela arguida do desígnio de tirar a vida à vítima.
Ora, fazendo apelo ao que se mostra referido na fundamentação acerca do momento temporal em que as buscas informáticas se mostram feitas, a págs. 27 e 28 do texto do acórdão recorrido, a primeira delas ocorreu a 16/12/2016 às 17h e 46 m, teremos de concluir que, pelo menos nesta data, já a arguida havia maturado na decisão de tirar a vida a vítima.
Ainda por relação ao último dos factos provados acima referidos, a indicação de não se ter apurado o momento temporal em que o H.O. terá falado em “gelo seco” e em monóxido de carbono, apesar da indicação feita pela arguida nas suas declarações como tendo sido “Em Dezembro de 2012 falaram pela primeira vez em gelo seco.” – cfr. fls. 23 -, dificilmente seria de aceitar essa referência, com essa exactidão, como presente na memória face à dilação temporal. Daí o “não apurado”.
Deste conjunto de explicações teremos ainda que concluir que a menção feita no facto provado 24 acerca da decisão tomada pela arguida de não morrer, terá de ser reportada à data em que foi feito o jantar no Ritz (no dia 23 de Dezembro, como se depreende do facto provado 30), isto como decorrência também das pesquisas feitas no computador que acima mencionámos.
Finalmente, importa esclarecer o conteúdo do facto provado 32 [A arguida não tomou os comprimidos com medo de morrer] no sentido de que a razão de não tomada do comprimido assentou, na realidade, na decisão previamente  já tomada de não morrer e não por qualquer medo desse desfecho pessoal.
Importa, assim, reformular este conjunto de factos sem que dessa alteração resulte qualquer alteração substancial em moldes de influir/interferir em qualquer aspecto da posterior integração jurídica dos factos, mormente aqueles que a recorrente pôs em concreto na sua impugnação: a integração jurídica no crime de auxílio ao suicídio ou de homicídio a pedido da vítima a que mais à frente nos referiremos.
   Assim, tais factos passarão a ter a seguinte redacção:
22. Bem sabendo a arguida F. que a encenação criada à volta do seu emprego, do emprego de H.O. , do casamento, da gravidez, não poderia manter-se por mais tempo e começando a ficar desesperada na sua relação com o H.O. , pelo menos a 16 de Dezembro de 2016, começou a planear forma de se livrar de H.O. , pondo-lhe termo à vida e assim libertar-se de todos os seus problemas, aproveitando a ideia deste se querer suicidar.”
23. O falecido tinha mencionado em data e momento circunstancial anterior não apurados em projecto de suicídio coletivo para aquela altura no que a arguida anuiu; daí o jantar no Ritz.”
24.  Porém, neste jantar, a arguida já tinha decidido não morrer.”
32.  A arguida não tomou os comprimidos pois já havia decidido não morrer.”

A não adopção da tese do pretenso pacto de suicídio pelo Colectivo não se mostra incompatível com as referências a “suicídio” inseridas nos factos provados 3, 4, 25, 30 e 31 na medida em que dos mesmos nunca se consegue extrair uma persistência da vítima nessa intenção e, muito menos, pedidos insistentes, temporalmente repetidos junto da arguida com essa finalidade.
As indicações que a arguida faz durante o seu depoimento e que refere como transmitidos aos familiares da vítima mostram-se de sentido radicalmente contrário a quem está determinado a morrer, suicidando-se, mesmo que na assunção de um plano conjunto e uma finalidade que abrangesse ambos.
Improcede, pois, a impugnação factual que pretendia ver aditados aos factos provados os inicialmente citados pela recorrente.

A factualidade dada como provada merece ainda a dissidência da recorrente quanto ao facto provado 33 ["a arguida pegou fogo em dois sítios diferentes da cama onde o H.O. estava deitado, um na zona da cabeceira e outro na zona dos pés"], manifestando a existência de sérias dúvidas, pelos depoimentos testemunhais, na atribuída autoria em exclusiva que ali se mostra feita. Para demonstração dessas dúvidas e, mais precisamente, na tentativa de impor essas dúvidas (”fica sempre a incerteza sobre quem provocou o fogo: o ofendido, a arguida ou os dois”), a recorrente tece uma série de considerações acerca dos depoimentos testemunhal prestados por N.M. e M.P. e dos prestados pelas testemunhas moradores no prédio e invoca ainda o conteúdo de provas documentais constantes dos autos, como sejam os de folhas 6-8, 55-76 e 163-172, as imagens de folhas 8, 9, 10, 13, 64-66 e 167-172 e o relatório de folhas 163 a 172.
Não podendo concordar com a tese da recorrente, não só o Colectivo não alimentou quaisquer dúvidas quanto ao facto provado em questão, afastando, por esta via, qualquer resquício de aplicação do princípio in dubio pro reo, como as provas em questão são exactamente aquelas que habilitaram o Colectivo na formação da respectiva convicção acerca da autoria do incêndio por parte da arguida, não impondo, só por si, qualquer outra e diversa conclusão acerca da autoria do incêndio. De resto, não deixará a recorrente de relembrar que a sua própria versão afastava da cogitação pela vítima de morrer mediante tal meio pois, como se mostra indicado na fundamentação, a arguida mencionou “que tinha acordado com o seu companheiro, o falecido H.O. , que ambos se iriam suicidar utilizando gelo seco”.
A convicção a que o Colectivo chegou para dar como provados os factos postos em crise pela recorrente mostra-se devidamente fundamentada, de forma minuciosa, exaustiva, com enumeração dos elementos probatórios em que se baseou para formar a sua convicção, com indicação dos depoimentos das testemunhas prestados em audiência, e do porquê da relevância/credibilidade que lhe foi atribuída, com critérios lógicos e objectivos, e alicerçada nos elementos de prova obtidos em audiência, bem como nos documentos juntos aos autos e invocados na motivação da matéria de facto, encontrando-se a matéria de facto fixada de acordo com um raciocínio lógico e coerente, de acordo com a regra da livre apreciação da prova inserta no art.º 127º, do CPP.
A recorrente faz uma diferente apreciação da prova produzida em audiência, impugnando dessa forma a convicção adquirida pelo tribunal a quo e pondo em causa a regra da livre apreciação da prova. Contudo, a motivação expressa pelo Colectivo é suficiente para habilitar os sujeitos processuais, bem como o Tribunal ad quem, a concluir que o julgador seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras experiência comum na apreciação da prova.
 
1.5. Ainda em sede de meios de prova e respectiva produção em audiência, manifesta a recorrente que o tribunal deveria ter ordenado que se realizasse perícia de reconhecimento de digitação do teclado, por forma a determinar que as pesquisas foram efectuadas pelo ofendido na medida em que os dados biométricos comportamentais, em que a rigorosa identificação se processa mediante apreciação dos actos-reflexos idiossincráticos únicos em cada indivíduo entendendo que é facílimo determinar quem, em dado momento, foi a pessoa que utilizou o teclado de um computador ainda que tenha recebido formação de dactilografia, bastando fazer o confronto com documentos arquivados anteriormente, elaborados pelo ofendido e pela arguida. A omissão dessa perícia representa violação do art.º 340º n.º 1 CPP.
Nos autos mostra-se feito um exame pericial que o Colectivo pôs em destaque na motivação que desenvolveu acerca dos factos provados e que por si foi valorado: 
“…prova pericial referente aos computadores da arguida e do H.O. as pesquisas ocorreram apenas no computador da arguida e da seguinte forma sic… Computador apreendido a F. e que na perícia foi designado como EQ01 – nº 5cd2185425
Apenas duas contas de utilizador se encontram configuradas e ativas, uma conta de utilizador com o nome de início de sessão utilizador e descrição de utilizador F. Reimão com privilégios de administração do sistema operativo sem palavra passe associada.
A outra conta sem acessos.
O último acesso data de 28/12/2016:
Em 16/12/2016 às 17h e 46 m verificou-se a seguinte pesquisa: como matar alguém com gelo seco.
Em 17/12/2016, pelas 11 horas e 34 m qual a quantidade de gelo seco necessária para matar alguém
Em 16/12/2016 pelas 17h e 46m como matar uma pessoa sem deixar pistas.
Em 20/12/2016 armazém de gelo seco.
Em 17/12/2016 pelas 11h e 56m curiosidades sobre gelo seco.
Em 24/12/2016 pelas 13h e 13m e 40 s. a pesquisa quanto tempo é necessário estar alguém exposto ao Dióxido de Carbono para morrer,
Cumpre aqui realçar que esta última pesquisa foi feita depois dos factos, já o H.O. estaria morto e foi realizada quando regressou a Gaia.”
Note-se que esta perícia incidiu sobre os computadores da vítima e da arguida, sendo que as evidências das buscas postas em destaque foram obtidas apenas no computador da arguida.
Dispõe o art.º 340º CPP:
1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa;
ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.”
Não demonstram os autos que tal tipo de perícia tenha sido solicitado ao tribunal recorrido por parte da defesa e, por outro lado, apesar da explicação técnica que a recorrente pretendeu trazer ao recurso sobre o modo de realização dessa perícia - pelo confronto com documentos arquivados anteriormente, elaborados pelo ofendido e pela arguida - não encontrámos literatura cientifica que demonstre qualquer fiabilidade nessa metodologia de molde a aferir se as buscas em questão poderiam ter sido feitas também ou exclusivamente pela vítima. De qualquer modo, pela consistência da temática de todas as buscas, o facto de terem sido feitas no mesmo computador (da arguida) e de uma delas ter sido efectuada já bem depois do evento fatídico que determinou a morte e após esta habilita-nos, tal como ao Colectivo, afirmar que essas buscas foram todas efectuadas pela arguida.
Nessa perspectiva, não só essa perícia não se apresenta como necessária para a descoberta da verdade como tal meio de prova se nos apresenta de obtenção muito duvidosa.
Ainda a propósito da prova pericial e por referência à perícia que na sua perspectiva importaria que o tribunal desenvolvesse, alega a recorrente que a perícia 122/2017 constante do apenso aos presentes autos – exame pericial ao computador da arguida – não foi sujeita sujeito à contraditoriedade nem ao exame em audiência, conforme impõem os artigos 327º e 355º do CPP.
Acerca da necessidade de produção e exame de provas em audiência para que as mesmas possam ser valoradas pelo tribunal, face à regra geral contida no art.º 355º n.º 1 CPP, vem a jurisprudência manifestando o entendimento de que o disposto naquele preceito é inaplicável aos elementos probatórios de natureza documental e aos meios de obtenção de prova que já constem dos autos (in casu, foi junto aos autos após a acusação, mas antes do pedido de abertura de instrução feito pela arguida) pois os mesmos consideram-se examinados e produzidos em audiência, independentemente de aí terem sido lidos, porque estando eles no processo todos os intervenientes têm acesso aos mesmos e têm, portanto, oportunidade de os analisar, por um lado, e contraditar, nomeadamente em julgamento, por outro. Tal é que se constata dos acórdãos do STJ de 19.11.97, TRP de 18.06.2007, TRG 4.03.2013, TRE de 5.5.2015 e TRG de 25.09.2017, dentre outros, cujos sumários se mostram disponíveis em http://www.pgdlisboa.pt em anotação ao art.º 355 CPP.
Termos em que nenhuma violação do citado preceito processual existe.

1.6. Continua a discordância da recorrente quanto à decisão recorrida na parte relativa à integração jurídica dos factos ali feita no tipo legal do crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo artigo 131º e alíneas b) e j) do nº 2 do artigo 132º ambos do Código Penal, defendendo que essa integração deveria ser feita no tipo legal do crime de homicídio a pedido da vítima do art.º 134º n.º 1 CP ou, segundo outro entendimento, ao do crime de ajuda ao suicídio do artigo 135º n.º 1 CP.
A defesa dessa alternativa integração jurídica assenta na invocação dos seguintes segmentos factuais provados:
"aproveitando a ideia deste [ofendido H.O. ] se querer suicidar" (nº 22 da matéria de facto provada) 
“"O falecido tinha concordado no projeto de suicídio coletivo para aquela altura no que a arguida anuiu daí o jantar no Ritz" (nº 22)
"tendo em momentos anteriores, não concretamente apurados, o H.O. falado em gelo seco e em monóxido de carbono, como uma das melhores maneiras de morrer sem sangue e sem dor a propósito da ideia de suicídio coletivo" (nº 25)
"a entrega de gelo seco às 15 horas, [...] sendo o mesmo entregue acondicionado em caixas de esferovite, três de 10 kg cada uma e uma de 5 kg e pelo qual foi pago o valor de € 192,21 (cento e noventa e dois euros), em dinheiro entregue pelo H.O. " (nº 28)
"H.O.  e a arguida F. deslocaram-se ao hipermercado Continente, no centro comercial Vasco da Gama onde compraram uma braseira e carvão vegetal" (nº 29)
"Depois do jantar que efetuaram no Hotel Ritz e já em casa, cerca das 24h, acenderam a braseira com o carvão, tendo H.O.  levado a mesma para o quarto de dormir, levando também as caixas de esferovite com o gelo seco da cozinha para o quarto com a ajuda da arguida"
"Já após a 1h da madrugada do dia 24 de dezembro de 2016, após ter ingerido comprimidos para dormir (diazepam), H.O.  retirou-se para o quarto onde adormeceu" (nº 31)
O acórdão recorrido não se pronunciou sobre as apontadas pretensões de integração jurídica dos factos, antes dirigindo a respectiva análise ao tipo legal do crime que se mostrava imputado a nível da pronúncia proferida nos autos, até porque a nível do elementos subjectivo deu como provada outra factualidade, bem diferente daquela que a recorrente pretendia ver inserida/aditada nessa categoria como atrás analisámos:
22. Bem sabendo a arguida F. que a encenação criada à volta do seu emprego, do emprego de H.O. , do casamento, da gravidez, não poderia manter-se por mais tempo e começando a ficar desesperada na sua relação com o H.O. , pelo menos a 16 de Dezembro de 2016, começou a planear forma de se livrar de H.O. , pondo-lhe termo à vida e assim libertar-se de todos os seus problemas, aproveitando a ideia deste se querer suicidar.” (destaque e sublinhado nosso com a inserção já aditada)
O que ressalta desse facto, até pelos termos que se mostram argumentados pelo Colectivo na motivação da sua convicção, é um aproveitamento pela arguida das ideias suicidárias da vítima e, sob a capa de um pretenso pacto a que também tinha manifestado apoio, provocar a morte do mesmo. 
De qualquer modo, pela leitura escorreita dos factos e da motivação do Colectivo quanto à formação da sua convicção para os factos provados, claramente se mostra arredada da respectiva atenção a possível configuração dos tipos legais dos crimes postos em destaque pela recorrente na sua alegação recursiva, atenta a discussão que desenvolve acerca da existência de um pacto de suicídio entre ambos (arguida e vitima) ou que esta tivesse solicitado ajuda para o respectivo suicídio.
Se para afastar este último tipo legal do crime bastaria, pelas próprias invocações dos excertos factuais feitos pela recorrente, mencionar que, a existir qualquer intenção suicida por parte da vítima, esta seria sempre assente na convicção da vitima que a intenção de se suicidarem seria abrangendo ambos como refere o facto provado 23.
Ora, o tipo legal desse crime em questão dispõe no seu n.º 1: “Quem incitar outra pessoa a suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim, é punido com pena de prisão até três anos, se o suicídio vier efectivamente a ser tentado ou a consumar-se.” 
Como refere Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, Universidade Católica Editora, a pág. 416, na anotação 3 ao art.º 135, “deixa de haver suicídio quando a vitima se arrepende do seu propósito e arrepia caminho, manifestando-se essa vontade por qualquer meio que seja”, abandono que claramente se mostra extraível do facto provado 34 [Apesar de ter ouvido H.O.  gemer e de o ouvir cair no chão quando tentou agarrar-se ao cortinado para se levantar e fugir do fogo que alastrava na cama, a arguida nada fez para o ajudar.]. De resto e sem conceder, nunca seria pelo fogo que a “preparação” para o suicídio estaria combinada, isto a seguir a tese da recorrente.
Ainda pela análise dos elementos factuais que a recorrente pôs em destaque para a afirmação da sua tese acerca da integração jurídica no tipo legal de auxílio ao suicídio, ao contrário da menorização/desvalorização manifestada pela recorrente da atitude relatada de a arguida ter abandonado o projecto de, simultaneamente, se suicidar também, diremos que essa opção determina que a vontade eventual da vítima nesse desfecho se mostra viciada na medida em que se mostra induzida em erro na respectiva motivação propositadamente pelo agente (a arguida). E por força desse erro, fica comprometido o preenchimento do tipo propugnado pela recorrente.
Outro aspecto factual que imporia sempre o não seguimento da tese da recorrente quanto ao crime de ajuda aos suicídio seria o próprio meio utilizado pela arguida que, tal como se mostra comprovado factualmente – facto 33 “determinada a conseguir os seus intentos e apagar eventuais vestígios, pegou fogo em dois sítios diferentes da cama onde o H.O. estava deitado, um na zona da cabeceira e outro na zona dos pés” -, meio esse que representa um desvio ao que aparentemente seria a opção verbalizada pela vitima [na tese da própria arguida] e, consequentemente, com recurso a uma intervenção activa e exclusiva da arguida, causadora da morte de outrém na medida em que deu origem também à emanação de monóxido de carbono (a causa da morte, como resulta do relatório de autópsia e facto provado 47), ainda que, sem conceder, o fosse em resultado de um pacto dessa natureza e, portanto, não enquadrável na figura do incitamento ou ajuda ao suicídio do artigo 135º do Código Penal.      
Por sua vez, a alternativa de integração dos factos no tipo legal do crime de homicídio a pedido da vítima do art.º 134º CP esbarra na necessidade de qualquer pedido feito nesse sentido pela vítima ter de assumir uma forma séria, instante e expresso, conformador e determinante da conduta do agente – cfr. Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, UC Edit. pág. 412, em anotação ao art.º 134 CP. Na realidade factual que se mostra provada não se vislumbra, em primeiro lugar, um pedido expresso pela vítima, o qual não decorre necessariamente da mera verbalização de ideias suicidárias, e, em segundo lugar, não se mostra tal pedido como insistente apesar das motivações dadas para a realização de viagens conjuntas, em momentos temporalmente antecedentes ao desfecho fatídico, e muito menos, como sendo um pedido sério face aos projectos comuns relativos a casamento e descendência. Além disso, a conduta da arguida nos momentos contemporâneos e subsequentes ao incêndio, com a ausência de ajuda depois do que se mostra referido no facto provado 34 [Apesar de ter ouvido H.O.  gemer e de o ouvir cair no chão …], a ausência de referência ao incêndio e a H.O.  mesmo perante os vizinhos, de ajuda para o mesmo [facto provado 37] e a fuga que fez, disfarçando-se com uma peruca de cor castanho clara na cabeça e apoderando-se da bolsa e na mochila de H.O.  contendo os 2,100€ [facto provado 35] e, acima de tudo, omitindo aos familiares do H.O. o facto de este ter morrido e afirmando não saber o que se passava, mentindo sobre a hora e forma como tinha regressado a sua casa em Vila Nova de Gaia [facto provado 62], demonstra que a sua intenção não seria o resultado de qualquer expresso pedido da vítima com as características exigidas no apontado tipo legal.
Não se mostra, pois, possível a integração jurídica alternativa proposta pela recorrente até porque a alteração por si proposta de aditamento de factos à matéria de facto provada não obteve provimento, decaindo o recurso também nesta parte.
Ainda neste segmento particular do inconformismo da recorrente quanto à decisão, discorda a recorrente da afirmação do preenchimento das circunstâncias agravativas/qualificativas do crime de homicídio que se mostra considerado pelo Colectivo - do n.º 2 do artigo 132º CP: i) a alínea b) [Praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.º grau;] e ii) a alínea j) [Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;].
Argumenta a recorrente, por relação à primeira das circunstâncias, que “Da matéria de facto dada como provada, não resulta que a arguida e o ofendido mantivessem uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação.
Tudo o que se diz é que "iniciaram um relacionamento amoroso" (nº 1 da matéria de facto provada), "nunca tiveram residência em comum" (nº 5), a "a arguida queria casar com o H.O.  e adquiriu alianças duplas" (nº 14) e que "chegaram a ir à conservatória do registo civil de Almada tratar do processo de casamento" (nº 16). Alude-se à "relação" (nº 15) e ao facto de o ofendido ser "companheiro" da arguida (nºs 55, 58 e 63).
Por relação à segunda daquelas circunstâncias, defende a recorrente que “da matéria provada não se extraem factos concretos dos quais resulte que a arguida atuou com frieza de ânimo ou com reflexão sobre os meios empregados. Tudo o que se diz é precisamente isso: "agiu, ainda, com frieza de ânimo e com reflexão sobre os meios empregados" (nº 65), numa reprodução literal do texto legal, o que não se traduz em factualidade.”
Quanto a estas circunstâncias agravativas /qualificativas, desenvolveu o Colectivo a seguinte argumentação:
No que respeita à alínea b) do artº 132º, nº2 do C.P. não é necessária qualquer motivação especial. Basta que o arguido tenha consciência da sua relação de parentesco com a vítima.
O fundamento desta agravação revelado por esta circunstância é a maior energia criminosa manifestada pelo agente ao vencer as contra motivações éticas relacionadas com os laços para-conjugais. Traduz a convicção enraizada na sociedade, de que um homicídio de um cônjuge ou companheiro mesmo que não vivam juntos, viola deveres éticos elementares, para além da violação do direito à vida… Está subjacente o desrespeito que é devido àqueles que partilham a vida conjugal, e em regra, dos sentimentos mais puros e profundos – Só um motivo de relevante valor social e moral que diminua sensivelmente a culpa do agente pode afastar a especial censurabilidade que as relações conjugais ou de namoro como as dos autos são suscetíveis de revelar.
Neste particular, dúvidas não restam que a arguida com a sua apurada conduta preencheu esta alínea atenta a relação que mantinha com o H.O. .”
e
A alínea j) “corresponde à tradicionalmente chamada circunstância da premeditação mas cujo conceito é agora omitido. Assim, reuniu-se sob o conceito de premeditação alguns dos entendimentos que diferentes ordenamentos lhe conferiam, a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas.
“O legislador Português pretendeu afinal englobar uma realidade unitária, susceptível de possibilitar por si mesma um maior juízo de censura jurídico-penal sobre o agente- a particular intensidade da vontade criminosa daquele que age com reflexão ou domínio de si e não sob emoções ou impulsos de momento e que desse modo pode manifestar uma personalidade marcadamente mais desviada dos padrões supostos pela ordem jurídica. A frieza de ânimo reside numa particular vontade criminosa sem motivo que a torne menos exigível.
A reflexão sobre os meios empregados. Refletir é ponderar sobre estes, sobre as vantagens de uns relativamente aos outros, escolhe-los com vista a uma maior probabilidade de êxito e a uma execução mais fácil do crime com a consequente diminuição da capacidade de defesa do sujeito passivo:
Dúvidas não restam que a arguida agiu deste modo, considerando, designadamente, as pesquisas efectuadas no seu computador.”
Por relação à primeira das circunstâncias agravativas o refúgio da recorrente nos preciosismos fácticos para alegar a insuficiência destes para a categorização do respectivo relacionamento esbarra com o conteúdo da globalidade dos factos provados descritivos do relacionamento que mantinham - seja os termos, a regularidade e finalidade dos encontros tidos, a existência de projectos de vida comuns que a própria arguida anunciava, a existência de tentativa anterior de celebrar casamento - apontam que só faltaria o passo final para uma total e plena convivência e para a qual, de resto, até já haviam arrendado a residência de Lisboa e ignorando o que se mostra referido no facto provado 63. Depois, a própria verbalização da arguida acerca do apoio e ajuda que providenciava à vítima, revela-nos que a arguida mantinha uma relação com a vítima que se pode catalogar como sendo em tudo idêntica à dos cônjuges, faltando-lhe apenas a constância na coabitação.
Ora, o texto do preceito em questão abrange as situações em que o facto se mostra cometido contra e na pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha, ou tenha mantido, uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou seja, exactamente como ocorre no presente o tipo de relacionamento entre a vítima e a arguida.
Por sua vez, a circunstância qualificativa referida na al. j) do n.º 2 do preceito em questão satisfaz-se na íntegra com a manutenção por parte da arguida da intenção de matar por um período bem mais dilatado que o referido na previsão legal e decorre das circunstâncias factuais atinentes à busca/escolha dos meios e modo do respectivo cometimento: a formulação da vontade de a própria não morrer em momento antecedente à realização das buscas quanto ao modo de cometimento do acto fatídico, as buscas feitas na internet pela arguida em momento antecedente em sete dias ao desfecho fatal, a encomenda do gelo seco especificamente para aquele dia e a compra da braseira/aquecedor.
Nenhuma censura merece a opção seguida pelo Colectivo na integração jurídico dos factos e na verificação do preenchimento das circunstâncias agravativas/qualificativas consideradas.  

1.7. Insurge-se ainda a recorrente quanto à medida das penas, parcelares dos crimes de homicídio e de incêndio e única, em que foi condenada considerando que, por um lado, “Não dá cumprimento cabal ao dever de fundamentar a aplicação das concretas penas de dezasseis anos e quatro anos e seis meses de prisão e da pena única de dezassete anos de prisão. Assim, verifica-se a nulidade prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 379º do CPP, por referência ao nº 2 do artigo 374º desse diploma.” e, por outro, defende um abaixamento da primeira delas como decorrente de diferente integração jurídica (homicídio a pedido da vítima) e “mesmo que se considerasse a arguida como autora de um crime de incêndio, a pena nunca deveria ultrapassar os três anos de prisão, sem prejuízo de suspensão de execução atendendo ao artigo 50º do código penal”.    
 Vejamos o que se mostra inserido na decisão recorrida quanto à determinação da medida das penas:
“Os crimes em causa são punidos com pena de prisão, mais concretamente de doze a vinte e cinco anos de prisão para o crime de homicídio qualificado; pena de prisão de três a dez anos pelo crime de incêndio.
Esgotado o primeiro momento da determinação definitiva da pena, cabe agora proceder à fixação da medida concreta, o que se fará nos termos equacionados no artº 71º, nº 1, do C.Penal, ou seja, em função da culpa do agente, que constitui limite inultrapassável (traduzindo-se, assim, num princípio fundamental do Estado de Direito), tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.
Por outro lado, como dispõe o nº 2 do referido preceito, deverão ainda ser consideradas todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
No que diz respeito à culpa a que se refere o artº 71º, nº 1, do C.Penal, é esta entendida no seu sentido comum, como elemento do conceito de crime (quer dizer, como o juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma).
Acresce que, como limite que é, a medida da culpa serve para determinar o máximo da pena – que não poderá ser ultrapassado – e não para fornecer, em última análise, a medida da pena. Esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção.
Tendo em conta este princípio, consideremos agora as circunstâncias relevantes em termos de medida da pena concreta para cada um dos crimes em causa:
A culpa da arguida é superior à média, atentas as suas habilitações literárias, dentro do juízo de especial censurabilidade.
O elevado grau do ilícito, diminuindo a capacidade de defesa da vítima e considerando os estragos provocados pelo incêndio, bem como, o perigo criado para os moradores – artº 72º, nº2, al. a) do C.P.
A intensidade do dolo é elevada, porquanto ao atuar como atuou, a arguida fê-lo com dolo direto – artº 71º, nº2, al. b) do C.P.
Manifestou sentimentos de indiferença – artº 71º, nº2, al. c) do C.P.
A arguida não tem antecedentes criminais – artº 71,nº2, al. e) do C.P..
A sua situação económica é mediana.
A sua condição familiar e social é positiva beneficiando de apoio familiar dos tios e do pai – artº 71º, nº2, al. d) do C.P.
Assim sendo, ponderadas todas estas circunstâncias, bem como, as exigências de prevenção, que são elevadas, entende o tribunal como adequada a pena de dezasseis anos de prisão para o crime de homicídio qualificado e de quatro anos e seis meses de prisão para o crime de incêndio.”
Por sua vez, no tocante à medida da pena única resultante do necessário cúmulo jurídico destas penas parcelares, desenvolveu o Colectivo:
Os crimes pelos quais a arguida é condenada nestes autos encontram-se numa relação de concurso – artº 77º, nº1 do C.P., pelo que há lugar à aplicação de uma pena única, tendo como limite máximo a pena de vinte anos e quatro meses prisão e mínimo a pena de dezasseis anos de prisão, em conformidade com o preceituado no artº 77º, nº2, do C.P.
Nos termos do disposto no nº1 da aludida disposição normativa, na punição do concurso de crimes e para aplicação da medida concreta da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, cumprindo, igualmente, ter em atenção as finalidades das penas, tal como constante do já mencionado artº 40º do C.P.
Tomando em consideração o conjunto dos factos praticados e a personalidade do arguido, já aludidos supra e para os quais se remete, numa ponderação global dos referidos factores, considera-se adequada a pena única de dezassete anos de prisão.”
E se a primeira crítica a este segmento do acórdão diz respeito a pretensa violação o dever de fundamentação da pena (da alínea a) do nº 1 do artigo 379º do CPP, por referência ao nº 2 do artigo 374º desse diploma), diremos que essa é uma crítica imerecida e infundada na medida em que, embora se possa classificar de sucinta a argumentação expendida pelo Colectivo, ela reflecte na totalidade os elementos disponíveis e necessários à determinação da medida da pena, mais desenvolvida quanto às parcelares e quanto à única mediante a remessa para os elementos enformadores que a antecederam.
E com essas considerações alicerçantes da decisão do tribunal recorrido não podemos deixar de concordar na íntegra, subscrevendo-as na medida em que o comportamento da arguida impõe um claro reforço nas medidas punitivas, cujo primeiro reflexo se traduzirá, como se mostra seguido, na fixação de uma expressiva pena concreta no crime de homicídio qualificado dentro da moldura aplicável ao mesmo crime e, posteriormente, com o respectivo reflexo na pena única. 
Acrescentaremos ainda que, no dizer da Prof. F. Palma, «A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral» - «As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva», in «Jornadas sobre a Revisão do Código Penal» (1998), AAFDL, pp. 25-51, e in «Casos e Materiais de Direito Penal» (2000), Almedina, pp. 31-51 (32/33).
As necessidades de prevenção geral e especial mostram-se muito prementes a actuantes no caso concreto em virtude da própria postura da arguida perante os factos, deslocando a sua responsabilização para a esfera de uma intenção conjunta que acabou por abandonar, mas persistente da vítima conducente à sua actuação, tal como revelou na sua versão em audiência.
Assim, diremos que a fixação das penas parcelares de ambos os crimes em medida superior ao mínimo legal da respectiva moldura, pouco acima do terço mas abaixo dos respectivos pontos médios, se mostram adequadas para garantir o respeito devido aos interesses tutelados pela lei e proporcional à culpa demonstrada pela arguida.
Não se revela, no caso, um conspecto atenuativo que, face à protecção dos bens jurídicos envolvidos e às necessidades de ressocialização da arguida, justifique as opções por si pretendidas de ver diminuída essas penas, sendo mais evidente a relativa ao crime mais grave por impossibilidade de integração jurídica no tipo de ilícito por si propugnado.

No tocante à pena única importa reter que no nos termos do n.º 2 do art.º 77º do CP, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares aplicadas e como limite mínimo a mais elevada dessas penas.
À recorrente foram aplicadas as penas de 16 anos de prisão, pelo crime de homicídio, e 4 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de incêndio, pelo que a moldura penal tem no seu limite mínimo 16 anos de prisão, a medida da pena parcelar mais elevada, e como limite máximo 20 anos e 6 meses de prisão, a soma das duas.
Na fixação concreta da pena única, como ensina Figueiredo Dias, devem ser tidos em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no art.º 71º – exigências gerais de culpa e prevenção – e o critério especial dado pelo n.º 1 do artº 77º: «Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Sobre o modo de levar à prática estes critérios, diz o mesmo autor: “Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, 2005, páginas 291 e 292).
No conjunto dos factos praticados pela recorrente destaca-se claramente a conduta integradora do crime de homicídio, sendo ela que essencial e predominantemente dá a medida da gravidade global desses factos. O crime de incêndio aparece como um minus embora aponte para uma confirmação do homicídio, cuja autoria pretendeu por essa via esconder ou no mínimo baralhar, como o Colectivo faz realçar “determinada a conseguir os seus intentos e apagar eventuais vestígios “. Por isso, estando-se perante uma «pluriocasionalidade que não radica na personalidade» da arguida, e não se mostrando elevada a contribuição da conduta integradora deste último crime para a «gravidade do ilícito global perpetrado», a respectiva pena deve assume pouco peso na formação da pena conjunta.
Considerando estes elementos, tendo em atenção as considerações tecidas no acórdão e o que atrás mencionámos por relação à determinação das penas parcelares, entendemos que a fixação da pena única em menos de um quarto acima do seu ponto mínimo da moldura aplicável (tal como impõe a parte final do n.º 2 do art.º 77º CP) se mostra criteriosa e isenta de críticas.

1.8. Quanto aos pedidos de indemnização civil:
1.8.1. Insurge-se ainda o recorrente, na decorrência da procedência do pedido de indemnização civil que o M.º P.º contra si deduziu em representação do Estado Português, quanto à condenação proferida no pagamento da quantia de €240,00 (duzentos e quarenta Euros), acrescidos de juros à taxa legal desde a notificação até integral pagamento, argumentando a recorrente singelamente que, no caso, não se verificam os requisitos previstos no artigo 483º do Código Civil pois como defendeu não se mostrou provado ser a autora do crime de incêndio.
Tendo em atenção que o valor do pedido é inferior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada é desfavorável para o recorrente em valor também inferior a metade desta alçada bem como o disposto nos art.ºs 403º n.ºs 1 e 2 al. b), 400º n.º 2 CPP e 44º da LOSJ na redacção introduzida pela Lei 62/2013 de 26/8, ao abrigo dos art.ºs 414º n.º 2 e 420º n.º 1 al. b) CPP rejeita-se, por inadmissível, o recurso interposto quanto a este pedido de indemnização civil.

1.8.2. Quanto ao pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes/demandantes, J.O. e M.S. , manifesta a recorrente que a aplicação do artigo 570º do Código Civil conduz à improcedência do pedido.
Não conseguiu, no entanto, a recorrente desenvolver o argumento legal invocado, mormente com a chamada a esta discussão e explanação em que matéria de facto provada no acórdão assenta a culpa do lesado enquanto causa de exclusão da obrigação de indemnizar.
Nos termos do art.º 483º n.º 1 do CCivil, são pressupostos (cumulativos) da responsabilidade civil aquiliana ou por factos ilícitos: i) a existência de um facto voluntário, ii) a ilicitude da conduta, iii) a imputação subjectiva do facto ao agente e iiii) a existência de um dano, iiiii) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O primeiro elemento pressupõe um facto voluntário violador de um dever geral de abstenção ou uma omissão que viola um dever jurídico de agir, isto é, um facto objectivamente controlável pela vontade (excluindo-se assim os casos de força maior ou por circunstâncias fortuitas).
O segundo elemento (ilicitude) consiste na violação de direitos subjectivos (reais, de personalidade, familiares), de leis que protegem interesses alheios, particulares ou colectivos (vg. a prática de crimes, desde que esses interesses caibam no âmbito de previsão da norma violada e sejam objecto da sua tutela), exprimindo a ilicitude fundamentalmente um juízo de reprovação e prevenção.
O dano é a perda sofrida por alguém em consequência do facto, seja o dano real (morte, lesões) ou o dano patrimonial (dano emergente e lucro cessante, isto é, as despesas feitas, os benefícios que se perdem no futuro)
Finalmente, é necessário que o facto seja em abstracto ou em geral causa do dano (ou uma das causas), isto é, que este dano seja uma consequência normal ou típica daquele, tendo em conta as circunstâncias reconhecíveis por uma pessoa normal ou as efectivamente conhecidas do lesante.
Ora, os factos que no acórdão se deram como provados e que digam respeito à verificação, ou não, daqueles pressupostos mostram-se desenvolvidos na argumentação alinhavada no mesmo acórdão no segmento relativo ao conhecimento do pedido de indemnização civil apresentado pelos assistentes:
J.O. e M.S.  são pais e únicos herdeiros do ofendido.
 Ambos sofreram angústia, tristeza e falta de apoio e orientação com a perda do seu filho o falecido H.O. .
H.O.  vivia e pernoitava em casa dos pais várias noites por mês.
No entanto, H.O.  falava muito pouco com os pais.
H.O.  queria estar distante dos pais, daí a casa ter sido arrendada em Lisboa.
A sua outra filha irmã do H.O. há mais de quinze anos e por motivos profissionais deixou a casa dos pais, sendo o H.O. a sua companhia, amparo e conforto com o qual mantinham uma relação afectiva.
 Sofreram desgosto, com perda de alegria de viver, tristeza e consternação.
A ideia do suicídio do H.O.  era um tema recorrente entre o casal chegando o H.O.  a falar em suicídio conjunto.
O falecido tinha concordado no projecto de suicídio coletivo para aquela altura no que a arguida anuiu daí o jantar no Ritz.
 Com as despesas de funeral e trasladação do corpo de Lisboa para Vilanova de Famalicão gastaram €2400,00.”
Assim, estabelecida a autoria do crime de homicídio qualificado - o facto ilícito e voluntário por si praticado, nos moldes que se mostram descritos na decisão recorrida quanto à parte crime da mesma –, os danos postos em relevo e que se mostram elencados nos factos por relação aos assistentes/demandantes referidos, a obrigação de indemnizar recai na íntegra sobre a demandada, ora recorrente, nenhuma factualidade apontando para a culpa do lesado em moldes de excluir aquela obrigação na medida em que nenhuma evidência é apontada pela recorrente de que a conduta da vitima possa considerar-se concausa dos danos indemnizáveis em concorrência com o facto do responsável.
Não assiste razão à recorrente.

1.8.3. Por relação à decisão tomada no acórdão final quanto ao pedido de indemnização, invoca a recorrente que a mesma se encontra afectada do vício de contradição insanável da fundamentação, segundo a alínea b) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, porquanto “dá-se como provado que Y.C. é dona do apartamento e simultaneamente diz-se que o mesmo tem proprietários que são os demandantes, embora não se indique nenhuma outra pessoa”, isto na decorrência do que se mostra referido acerca da “primeira como demandante. Esta consta na matéria de facto dada como provada como dona do imóvel (nº 78), não sendo feita nenhuma alusão a S.Y. , embora depois se refiram os “proprietários” (nº 87), “o demandante” (nº 88) e “os demandantes” (nº 91, nº 93, nº 95 e nº 100) e se conjuguem verbos na terceira pessoa do plural (nº 90 e nº 99)
Sendo certas as citações factuais postas em destaque, na realidade nenhuma contradição insanável se evidencia nos mesmos segmentos factuais na medida em que a afirmação feita no facto provado 78 não atribui a propriedade do imóvel em questão em exclusividade à assistente/demandante Y.C. , pretendendo a recorrente vingar uma leitura restritiva que os termos escritos e linguísticos na decisão não suportam. De resto, uma leitura atenta do requerimento em que se mostra interposto o pedido de indemnização civil demonstra à evidência que são dois os demandantes e os meios de prova acerca dessa matéria invocados no acórdão recorrido demonstram, à evidência, essa compropriedade. De resto, em tal requerimento claramente é apontado, após a menção de quem são os demandantes, que «Doravante conjuntamente designados por “Demandantes».
Acresce que como resulta do dispositivo da decisão recorrida a condenação ali proferida da arguida/demandada no pagamento da quantia de €9.333,29 (nove mil trezentos e trinta e três euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos desde 24 de Dezembro de 2016 até afectivo e integral pagamento foi decretada a favor de ambos os demandantes Y.C. e S.Y.  requerentes.
Manifesta ainda a recorrente que não se verificam os requisitos previstos no artigo 483º do código civil, pelo que não existe obrigação de indemnizar resultante de responsabilidade civil aquiliana, isto na decorrência do que pretendia ver reconhecido neste recurso acerca da (não) autoria do crime de incêndio.
Essa pretensão não obteve acolhimento nos termos que anteriormente se mostram explanados e decorre da respectiva e exclusiva responsabilização como autora material do crime de incêndio, enquanto facto ilícito, gerador da obrigação de indemnizar os danos resultantes daquele facto. Na realidade, tal como decorre da matéria de facto provada que se mostra confirmada, como acima se disse, a ignição do fogo gerador do incêndio deveu-se a conduta dolosa e exclusiva da arguida/recorrente pelo que nenhuma censura merece a decisão nesse tocante.
  Já quanto aos danos e montante indemnizatório correspondente, manifesta a recorrente a inexistência de prova quanto ao facto provado que «“a destruição dos móveis que tiveram de ser repostos no valor de total de € 2 166,00”, sem que esteja demonstrado quem suportou tal despesa».
Contrariamente ao que se mostra alegado, na fundamentação da matéria de facto provada mostra-se referido que “o demandante S.Y.  marido da Assistente Y.C. que se referiu de forma isenta e objectiva quanto as danos ocorridos no apartamento, as despesas que teve com a deslocação a Portugal, bem como, a quantia que deixou de auferir quando teve que se deslocar a Portugal.”, não apresentando a recorrente qualquer outra prova infirmativa daquela nem sequer fazendo menção às declarações deste no sentido de demonstrar que a essa concreta matéria não se referiu.
Nada a apontar, pois, à decisão.

2. Do recurso dos assistentes/demandantes:
2.1. A primeira questão que os recorrentes assistentes dirigem ao acórdão final diz respeito ao segmento decisório que, na apreciação do pedido cível por ambos formulado, fixa o montante indemnizatório correspondente ao dano morte da vitima em 25.000 euros, reduzindo-o dos peticionados 60.000 euros com o argumento de “atenta a contribuição do lesado – artº 494 do Código Civil”, sendo por relação a esta concreta fundamentação que apontam o dever de fundamentação decorrente do art.º 374º n.º 2 CPP e perfilam uma série de considerações acerca da leitura que fazem dos factos provados bem como de algumas das provas produzidas em audiência.
Como primeira nota quanto ao tipo de argumentação seguida pelos recorrentes temos a apontar que, em momento concreto algum, se mostra claramente dito pelos recorrentes que pretendem com a mesma impugnar os factos dados como provados – para o que até tinham legitimidade atenta a qualidade de assistentes que detêm no processo – mediante impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma, apesar de no respectivo desenvolvimento se referirem a factos concretos provados e a provas concretas produzidas.
Assim, no tocante à factualidade provada relativa à matéria crime – 1 a 66 provados – nenhuma alteração haverá a fazer, sendo pois com base nos mesmos e nos demais considerados como provados e atinentes aos alegados no pedido de indemnização civil que a questão posta relativa à fixação do montante indemnizatório terá de ser aferida.
Retomando a argumentação desenvolvida pelos recorrentes, quanto ao dano morte da vítima, peticionado que foi o montante de € 60.000 e fixado que foi em €25.000, a razão desse abaixamento radicou, tal como se menciona no acórdão recorrido, “na contribuição do lesado” e mostra-se aí também invocado como fundamento legal o art.º 494º CC.
Este preceito dispõe: “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”
Com o devido respeito pela tese seguida na decisão, o preceito legal em questão não é susceptível de ser aplicado ao caso na medida em que a obrigação de indemnizar, no caso concreto, não radica em facto ilícito cometido com mera culpa, mas, antes, a facto ilícito – crime de homicídio – cometido com dolo directo, como se mostra decidido no acórdão recorrido.
Se por relação à “contribuição do lesado” não logrou o Colectivo apontar (no exacto local em que a invoca), em que materialidade fáctica provada se mostra revelado esse contributo próprio, não menos certo é que a leitura dos factos provados nos habilita a, de certo modo, preencher essa perspectiva de análise: bastamo-nos pelas referências aos factos atinentes à verbalização do suicídio pela vítima, até mesmo em suicídio conjunto, a escolha e compra conjunta de equipamento/material que veio a ser utilizado na intoxicação determinante da morte. Ora, essa conjugação de factores inculca a ideia de que a própria vítima teria pouco apego à própria vida e, apesar da idade que apresentava à data da morte - 35 anos -, também se mostra como decorrendo dos factos que não acalentava grandes perspectivas de futuro, atenta a ausência de projecto profissional como decorre dos factos 15 e 21, e ainda no quadro de ficção/efabulação em que se desenrolava e perspectivava a vida em comum com a arguida. Radicará neste conjunto de circunstâncias a razão da diminuição do valor peticionado para os fixados € 25.000 no tocante à indemnização pelo dano morte da vítima.
E nessa perspectiva, com os apontados elementos e a fixação segundo critérios de equidade, nos termos propostos pelo art.º 496º n.º 4 do CC, podemos concluir que o montante indemnizatório estabelecido no acórdão recorrido quanto a este concreto dano se mostra equilibrado e criterioso.

2.2. Quanto aos danos sofridos pelos familiares da vítima e por relação aos quais o Colectivo entendeu condenar a arguida ao pagamento do montante de € 12.000 a cada um dos assistentes, insurgem-se na fixação de tal montante alegando que, pelo sofrimento irreparável causado aos Assistentes, deve corresponder como valor mínimo e adequado o montante de 50.000,00€ para cada um deles, pondo em questão o facto provado 11 (relativo ao relacionamento que a vitima mantinha com os assistentes pais), viram-se definitiva e irremediavelmente privados da companhia do seu filho querido e amado, com quem mantinham laços de afecto e proximidade, perderam um filho da forma mais trágica e cruel possível, tendo a sua vida sido ceifada, de forma especialmente pensada, perversa e censurável, com total frieza de ânimo por parte da arguida, enfrentarem todo o julgamento da homicida do seu filho, com grande ansiedade e angústia face ao seu desfecho e pondo em destaque o comportamento e atitude de arguida perante os factos com ausência de confissão por parte da arguida e, sobretudo, a manifesta e ostensiva falta de remorsos - leia-se, arrependimento.
Estão agora aqui em causa prejuízos de ordem não patrimonial, ou danos morais, que correspondem ao chamado pretium doloris, ou ressarcimento da angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psíquico-emocional resultante de uma situação de luto.
Diogo Leite de Campos, in "A indemnização do dano da morte", pg. 13, ss., diz que "nos chamados danos não patrimoniais não haverá uma indemnização verdadeira e própria mas, antes, uma reparação, a atribuição de uma soma de dinheiro que se julga adequada para compensar e reparar umas dores ou sofrimentos através do proporcionar de certo número de alegrias e satisfações que as minorem ou façam esquecer.
Enquanto a "indemnização" colmata uma lacuna patrimonial, a "reparação" encontra um património intacto e aumenta-o para que, com tal aumento, o ofendido possa encontrar uma compensação para a dor, para restabelecer um desequilíbrio verificado fora do património, na esfera incomensurável da felicidade humana (...). Pretende-se proceder a uma equivalência de sensações. Uma sensação dolorosa é posta em correlação com uma agradável".
Vaz Serra, in B.M.J. n.° 83-83, diz também que "a indemnização por danos não patrimoniais não é uma indemnização no sentido próprio, por não ser equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no status quo ante. É, tão só, uma satisfação ou compensação do dano sofrido, que não é verdadeiramente avaliável em dinheiro.
Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", por sua vez, diz que "a indemnização reveste aqui uma natureza acentuadamente mista: Por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente".
Entendeu-se também no Ac. da Rel. do Porto de 9/7/1998, in C.J., Ano XXIII, Tomo IV, pg. 185, que "mais que uma verdadeira indemnização o montante em dinheiro a arbitrar por danos não patrimoniais representa antes a possibilidade de o lesado conseguir outros prazeres que, de alguma forma, lhe façam esquecer ou mitigar o sofrimento causado pela lesão".
Na fixação destes danos, e citando-se o Ac. da Rel. de Coimbra de 19/6/1996, in C.J., Ano XXI, Tomo III, pág. 54, com a respectiva doutrina em que se alicerça, importa atender à gravidade dos danos, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado, e às demais circunstâncias previstas nos art°s. 494.° e 496.°, n.° 3, do Cód. Civil.
A sua ressarcibilidade baseia-se - como se diz no citado acórdão de 9/7/1998, transcrevendo Pessoa Jorge, in "Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil", pg. 376) - "(...) na generosa formulação do art.° 496.° do C. Civil, que confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custos, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas, antes, o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar à vítima e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afectada".
Também em acórdão do S.T.J., de 19/02/2002, in C.J. (Acs. do Supremo) Ano XXVIII, Tomo 1, pg. 269, se diz que "não sendo os danos não patrimoniais materialmente mensuráveis e visando a quantia a atribuir a esse título ao lesado, não propriamente indemnizá-lo mas, antes, compensá-lo com uma quantia em dinheiro, cuja aplicação em bens materiais ou morais possa de algum modo contribuir para minorar o seu sofrimento, a quantificação de dano dessa natureza tem de ser feita pelo recurso aos critérios de equidade, em que se terão em devida conta o grau de culpa do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias atendíveis como, por exemplo, a gravidade da lesão, a desvalorização da moeda, os padrões normalmente utilizados nos casos análogos, etc."
Porém, a dificuldade de quantificar os danos não patrimoniais não pode entravar a fixação de uma indemnização, que procurará ser justa, embora correndo-se o risco de ser algo aleatória.
Na decisão recorrida argumentou-se quanto à fixação do montante indemnizatório por tal dano: “Vistos os critérios orientadores estabelecidos nos artº 496º e 494º, do C.Civil, julga-se equitativa, pelos danos sofridos pelos assistentes, a indemnização de €12.000,00, para cada um.”, isto depois da referência factual anterior a “J.O. e M.S.  são pais e únicos herdeiros do ofendido.
 Ambos sofreram angústia, tristeza e falta de apoio e orientação com a perda do seu filho o falecido H.O..
 H.O. vivia e pernoitava em casa dos pais várias noites por mês.
No entanto, H.O. falava muito pouco com os pais.
H.O. queria estar distante dos pais, daí a casa ter sido arrendada em Lisboa.
A sua outra filha irmã do H.O. há mais de quinze anos e por motivos profissionais deixou a casa dos pais, sendo o H.O. a sua companhia, amparo e conforto com o qual mantinham uma relação afectiva.
 Sofreram desgosto, com perda de alegria de viver, tristeza e consternação.”
Apontamos ao citado texto alguma singeleza que perpassa a ideia de uma baixa avaliação dos factores que deverão influenciar os critérios de equidade que presidem à fixação de tal montante indemnizatório. Na realidade, se a factualidade provada indica algum défice relacional da vítima para com os pais, não demonstra que o percurso relacional dos pais para com este tivesse essa mesma intensidade. A perda de um filho representa sempre para os pais um evento traumático até pela inversão da ordem normal da natureza, inversão esta provocada por mão humana de uma forma dolosa, que acarreta, como não podia deixar de ser, angústia e sofrimento pessoal.
Não deixamos aqui também de relevar a postura da arguida nos termos que se mostram postos em destaque pelos recorrentes, pelo que somos de concluir que a fixação do montante indemnizatório se revela parco e desajustado, devendo ser alterado/aumentado para €25.000 a favor de cada um dos assistentes/demandantes. 

2.3. Resta-nos a apreciação da questão relativa à fixação dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima para cujo ressarcimento os assistentes peticionavam a quantia de € 30.000 e que foram estabelecidos no acórdão recorrido em €7.500 com base em “Provou-se que apesar de ter ouvido H.O. gemer e de o ouvir cair no chão quando tentou agarrar-se ao cortinado para se levantar e fugir do fogo que alastrava na cama, a arguida nada fez para o ajudar.
Pelo que se estima, pelo sofrimento sofrido a quantia de €7.500,00.”
Insurgem-se os agora recorrentes contra tal montante alegando que “Os Pontos 34 e 56 da matéria dada como provada consideram que o H.O. gemeu e caiu ao chão quando tentou agarrar-se ao cortinado para se levantar e fugir do fogo que alastrava pela cama.
Ou seja, o H.O. despertou quando se apercebeu do quarto em chamas, procurando levantar-se e fugir do fogo.
O que não logrou fazer, atenta a inalação do fumo e fuligem e o efeito dos medicamentos; que lhe provocaram confusão e desorientação; mas que não lhe tiraram a consciência; deixando-o assim indefeso face às chamas que o consumiam.
E nesses momentos, foi sofrendo, consciente, com dificuldade em respirar e com as queimaduras que se alastraram por diferentes partes do corpo, conforme melhor descrito no Relatório de Autópsia junto aos autos.”
Não podemos deixar de concordar com a argumentação tecida quanto ao sofrimento que percorreu a vítima ao ver-se na situação de indefeso, decorrente da confusão e desorientação derivada da inalação do fumo e da fuligem, o que determinou o insucesso na sua tentativa de escapar do local, evidenciada no arranque e queda do cortinado, perante um fogo que alastrava na divisão em que se encontrava.
Porém, já não concordamos com a alegação da consciência por parte da vítima quanto às queimaduras que o atingiram em várias partes do corpo, isto na decorrência do que se mostra inserido nos factos provados 47 a 49 de que se extrai que a morte de H.O.  foi devida a intoxicação por monóxido de carbono e a expressa menção de que as queimaduras tenham sido provocadas post mortem por permanência na divisão da residência.
De qualquer modo, também quanto a este dano sofrido pela vítima entendemos que o montante indemnizatório fixado fica aquém do que nos parece ser criterioso e adequado pelo que, com os demais elementos referidos no art.º 496º n.º 4 CC, se entende alterar o mesmo para €20.000.   

III
Em face do exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:
1. Rejeitar, por inadmissível, o recurso interposto pela arguida F. quanto ao pedido cível formulado pelo M.º P.º em representação do Estado Português;
2. Apesar das apontadas inserções factuais referidas no ponto 1.4. supra, negar provimento ao recurso interposto pela arguida F.;
2. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos assistentes/demandantes J.O. e M.S., alterando os montantes indemnizatórios fixados relativos aos danos não patrimoniais fixando, respectivamente:
2.1. A favor de cada um dos demandantes o montante de €25.000 (vinte e cinco mil euros) por danos não patrimoniais sofridos pelos próprios demandantes;
2.2. A favor de ambos o montante de €20.000 (vinte mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima;
3. Confirmar no demais o acórdão recorrido.
Custas a cargo da recorrente arguida fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.
Custas cíveis a cargo dos demandantes recorrentes e demandada na proporção do respectivo decaimento.

Feito e revisto pelo 1º signatário.

Lisboa, 18 de Setembro de 2018.
João Carrola
Luís Gominho
Filomena Gil

[1] José IM Rainho, Revista do CEJ, 2006, nº4, pag 146 e ss. “Decisão Da Matéria De Facto Exame Crítico Das Provas”