Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1512/12.9TBMTA.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
CESSAÇÃO ANTECIPADA DO PROCEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Existe negligência grave do insolvente, e manifesto prejuízo dos credores, justificando a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, nos termos do art. 243º, nº1 a), do CIRE, a reiterada e total ausência de entrega ao fiduciário de cada uma das verbas a que estava obrigado.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:

 
O presente processo de insolvência foi declarado encerrado em 24/11/2013.

Por despacho de 13/03/2013, foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, tendo sido excluído o montante mensal de € 900 da cessão de rendimentos.

Interposto recurso do referido despacho, concedido parcialmente provimento, foi o montante a excluir da cessão de rendimentos fixado em € 1.100, por acórdão de 17/09/2013.

Em 19/12/2014, o sr. fiduciário veio informar que o insolvente, atento o rendimento disponível fixado e os rendimentos por aquele auferidos, não procedeu a qualquer entrega de rendimentos.

Por requerimentos de 22/12/2014, veio o insolvente requerer o aumento do rendimento indisponível para efeitos cessão em € 400 e requerer a possibilidade de apresentar um plano de pagamentos para liquidar o valor em dívida relativamente ao período de cessão.

Por despacho de 19/02/2015, foi indeferido a requerida alteração do rendimento indisponível e notificado o insolvente para apresentar proposta de regularização dos valores em dívida.

Em sede de recurso, foi o rendimento indisponível aumentado para € 1.200, por acórdão de 06/07/2015.

O insolvente D... propôs o pagamento das quantias em dívida para efeitos de cessão de rendimentos no remanescente período de cessão (req. 30/03/2015).

Em 13/11/2015, o sr. fiduciário veio informar que o insolvente, até ao momento, não procedeu a qualquer entrega de rendimentos e que apenas lhe remeteu os recibos de vencimento que juntou, referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2014 e de Janeiro e Fevereiro de 2015.

Por despacho de 23/11/2015, determinou-se a notificação do sr. fiduciário para diligenciar pela obtenção dos recibos de vencimento referentes aos restantes meses do período de cessão, bem como a correspondente declaração de IRS e, seguidamente, elaborar relatório do qual constem os valores auferidos pelo insolvente e os valores entregues a título de cessão de modo a poder-se concluir pelo cumprimento ou não dos deveres a que está obrigado.

Em resposta, o sr. fiduciário informou que o insolvente apenas lhe entregou os recibos que juntou, referentes aos meses de Março, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2015, não havendo entregue quaisquer rendimentos. 

Por requerimento de 19/01/2016, Cofidis veio peticionar a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, invocando que, até ao presente, o insolvente, injustificadamente, não entregou quaisquer rendimentos ao sr. fiduciário, nem regularizou os montantes em dívida como se propôs.

Notificado o insolvente para juntar aos autos os recibos de vencimento em falta, relativos aos meses de Abril, Setembro e Dezembro de 2015 e cópia da declaração e nota de liquidação do IRS de 2014, veio aquele juntar ao processo apenas o recibo relativo a Setembro de 2015 e a declaração e nota de liquidação do IRS de 2014.

Notificados o insolvente e o sr. administrador da insolvência para se pronunciarem sobre o pedido de cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, veio o insolvente, por requerimento de 03/02/2016, requerer que seja indeferido o requerido e que seja corrigida a lista de créditos, invocando que esta enferma de erro e que por isso não efectuou a cessão por naquela se incluírem credores que não o são.

No apenso de reclamação de créditos, o sr. administrador da insolvência apresentou lista definitiva de créditos, indicando um total de € 189.421,15 em dívida.

Não tendo sido deduzidas impugnações, foi a referida lista de credores reconhecidos homologada e graduados os créditos, por sentença de 14/10/2013, transitada em julgado.

Foi proferida decisão declarando a cessação antecipada do procedimento de exoneração e, em consequência, recusada a exoneração do passivo restante do devedor.

Inconformado, vem o mesmo recorrer, concluindo que:

1)A decisão de cessar antecipadamente a exoneração do passivo restante do recorrente funda-se na falta da entrega atempada das quantias a ceder mensalmente.
2)Contudo, o insolvente, viu-se perante uma lista de créditos definitiva que lhe imputa um passivo de 190.861,96€ (cento e noventa mil oitocentos e sessenta e um euros e noventa e seis cêntimos), quando, na verdade o seu passivo é de 19,935,41€ (dezanove mil, novecentos e trinta e cinco euros e quarenta e um cêntimos).
3)Efectuou sucessivos pedidos de correcção desse (enorme) lapso, sem que nada fosse corrigido até esta data.
4)Informou os autos e o Sr. A.I. desse facto.
5)Solicitou, à cautela, que lhe fosse permitido pagar ainda assim as quantias entendidas como em atraso a titulo de cessão, através de pagamentos fraccionados.
6)Não obteve qualquer resposta a esse pedido.
9)Assim, resulta claro que não existe má-fé do recorrente, pois informou os autos e o senhor A.I. do seu entendimento e de que se assim não fosse entregaria tais quantias logo que assim lhe fosse determinado, o que até hoje não aconteceu.
10)Consequentemente, não existe prova de qualquer dolo, sequer negligência grave, na conduta do recorrente, pelo que não estão presentes os pressupostos exigidos pelo artigo 239º do CIRE.
11)Além do mais, não existe sequer prejuízo, nem para o Estado, nem para os credores, porquanto, se lhe for ordenado, o recorrente entregará as quantias em falta como sempre se propôs.

Cumpre apreciar.

Nos termos do art. 239º nº 4 a) do CIRE, “durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a (...) informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja solicitado”.
E está ainda o devedor obrigado a “entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão” art. 239º nº 4 c) do mesmo diploma.

Constata-se dos autos que o devedor não procedeu a qualquer entrega de rendimentos, como estava obrigado.

Em 13/11/2015 o fiduciário informou o tribunal de que o devedor não procedera a qualquer entrega de rendimentos só lhe tendo remetido os recibos de vencimento relativos a Novembro e Dezembro de 2014 e Janeiro e Fevereiro de 2015.

Após notificado em 23/11/2015 para diligenciar pela obtenção dos recibos de vencimento dos restantes meses do período da cessão, correspondente declaração de IRS e para elaborar relatório contendo os valor recebidos pelo insolvente e os valores entregues a título de cessão, o fiduciário esclareceu que o insolvente apenas lhe entregou os recibos dos meses de Março, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2015, não tendo entregue quaisquer rendimentos.

Notificado mais uma vez para juntar os recibos de vencimento em falta, de Abril, Setembro e Dezembro de 2015 e cópia da declaração de IRS de 2014, o insolvente juntou apenas o recibo respeitante a Setembro de 2015 e a declaração e nota de liquidação do IRS de 2014.

Até hoje o insolvente não entregou ao fiduciário qualquer verba correspondente à parte dos seus rendimentos objecto de cessão.

Nunca tendo invocado qualquer erro na lista de créditos, e só o vindo a fazer em 03/02/2016 quando confrontado com o pedido de cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante.

Sendo irrelevante a existência de erros na lista de créditos, desde logo porque não invocada no momento próprio.Mas, mais importante, porque quaisquer dúvidas a esse respeito não exoneram o devedor de entregar mensalmente a parte do vencimento objecto de cessão.

Tal entrega é feita ao fiduciário e não aos credores, sendo o fiduciário que posteriormente as distribui pelos credores da insolvência. Logo, o insolvente deveria, por mais dúvidas que tivesse quando à lista de créditos ou de credores, entregar as verbas a que estava obrigado ao fiduciário podendo depois debater aquela questão. O que não faz sentido é que nunca tenha entregue ao fiduciário as verbas a que sabia perfeitamente estar obrigado.

Como também não faz sentido vir dizer agora que solicitou que lhe fosse permitido pagar as quantias em atraso através de pagamentos fraccionados. Mesmo que tal tivesse ocorrido, o insolvente teria de entregar ao fiduciário, pelo menos, a parte dos rendimentos não excluída, desde a data em que efectuou tal requerimento. Os pagamentos fraccionados reportar-se-iam, nas suas próprias palavras, às quantias vencidas e não pagas.

Revelaria pelo menos um certo esforço para regularizar a sua situação se o ora recorrente, mesmo requerendo o pagamento em prestações das verbas não pagas e vencidas desde o início da cessão, começasse a partir de tal requerimento a efectuar a entrega ao fiduciário da parte dos rendimentos não excluída nos meses seguintes. Mas não pagou nada.

Existe assim, e pelo menos, negligência grave do insolvente na reiterada e total ausência de entrega de cada uma das verbas a que estava obrigado, nos termos do art. 243º nº 1 a) do CIRE.

Contrariamente ao referido pelo recorrente, existe manifesto prejuízo dos credores, já que lhes não foram pagas, através do fiduciário, as verbas a que tinham direito e que se foram vencendo desde o início da cessão.

Com a consequência prevista no art. 243º nº 1 a) do CIRE 

Termos em que se nega provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.



LISBOA, 22/09/2016



António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Decisão Texto Integral: