Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
127/13.9YUSTR-C.L1-9
Relator: ANTERO LUÍS
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I. A alínea d), do nº1 do artigo 723º do novo Código de Processo Civil, é uma norma em branco que deve ser materializada e densificada, em cada momento e processo, pelos intervenientes previstos nessa mesma norma.

II. Conferindo a lei ao juiz, competência para decidir “outras questões” e ao agente de execução competência para as suscitar, inexiste qualquer problema de competência quando o oficial de justiça, enquanto agente de execução, abre conclusão ao juiz no processo e este decide favoravelmente sobre essa mesma questão, ainda que a mesma se reporte a uma promoção do Ministério Público ao agente de execução.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

I           RELATÓRIO

No processo supra identificado, do Tribunal da Concorrência e Regulação de Santarém, Juiz 3, o Meritíssimo Juiz proferiu a fls. 82 daqueles autos o seguinte despacho: (transcrição)

«Considerando o disposto no art.º 723.º, n.º 1 al. d) do novo Código de Processo Civil - Sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz: (…) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes (…), no prazo de cinco dias; considerando a informação quanto à frustração da citação postal (fls. 64) e o requerimento do Ministério Público Exequente de fls. 81, tendo em vista a efectivação da citação prévia da Executada, proceda à obtenção de informação do paradeiro e residência conhecida da Executada, através das devidas e possíveis averiguações junto das bases de dados e entidades referidas no art.º 226.º, n.º 1 do novo Código de Processo Civil e pelo Ministério Público Exequente, solicitando resposta no prazo de 10 dias e nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 1 e 2, do mesmo Código» (fim de transcrição)

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Inconformado com o mesmo, o Digno Magistrado do Ministério Público, veio interpor recurso do referido despacho nos termos constantes de fls. 3 a 11, concluindo nos seguintes termos: (transcrição)

Ressalvado o devido respeito, o Meritíssimo juiz carecia de competência para proferir o despacho de 07/03/2016 que consta de fls 82, uma vez que respeita a atos que cabem na reserva do oficial de justiça que no caso dos autos desempenha as funções de agente de execução;

Trata-se de um vício de inexistência sendo por isso insuscetível de produzir quaisquer efeitos jurídicos, entre eles a formação de caso julgado;

O despacho recorrido violou as normas dos artigos 719º, nº 1 e 723º, nº 1 do nCPC.


             Assim, deverá o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa revogar o despacho judicial recorrido, assim se fazendo Justiça. (fim de transcrição)

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            O recurso foi admitido.

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A executada não respondeu ao recurso.

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A Exma. Procuradora Geral- Adjunta neste Tribunal de Relação limitou-se a apor o visto de fls. 57.

II          FUNDAMENTAÇÃO

1. Para uma melhor compreensão do que está em causa, vejamos o que está documentado nos autos com relevância para a presente decisão.

Dos autos resultam assente a seguinte realidade processual:


a) Por decisão do TCRS de 16/12/2013 proferida nos autos principais e transitada em julgado a 14/04/2014, aqui executada Srª Viviane Cristina da Silva Almeida foi condenada na coima de € 25 000 e no pagamento de custas que ascenderam a € 346,34 (v. douta sentença de fls. 1878 e ss dos autos principais que confirmou a decisão condenatória proferida pelo BdP).


b) O MP apresentou requerimento executivo a 17/12/2015 para cobrança coerciva da quantia de € 25 346,34 (v. fls. 2040 dos autos principais e fls. 1 deste apenso), tendo nomeado à penhora um imóvel, os bens que forem encontrados na sede da executada e ainda os saldos bancários, suficientes para o pagamento da quantia exequenda e acréscimos legais.


c) Os autos prosseguiram com a realização das diligências realizadas pelo agente de execução que no caso é o oficial de justiça que se encontram documentadas a fls. 2 e ss e que culminaram com a promoção do MP de fls. 59, cujo teor aqui se reproduz.


d) O agente de execução apresentou os autos ao Mº Juiz através da abertura de conclusão no dia 07/12/2015, conclusão essa que mereceu o despacho de fls. 60 cujo teor aqui se reproduz.


e) O agente de execução informou como consta e fls. 61 na sequência do que abriu vista ao MP aqui exequente para se pronunciar, tendo o MP promovido como consta de fls. 62, cujo teor aqui se reproduz.


f) O agente de execução apresentou os autos ao Mº Juiz através da abertura de conclusão no dia 06/01/2016, conclusão essa que mereceu o despacho de fls. 63 cujo teor aqui se reproduz.


g) Na sequência de diversa informação junta aos autos (v. fls. 64 e ss) foi aberta vista ao MP exequente para se pronunciar, o que fez conforme consta de fls. 81 cujo teor aqui se reproduz.


h) O agente de execução concluiu os autos ao Mº Juiz que proferiu o despacho de fls. 82, ora em recurso.

2. Efectuada esta sedimentação da factualidade relevante para a presente decisão sumária, vejamos agora a questão de fundo.

O Ministério Público no seu recurso entende que o juiz não tem competência para proferir o despacho em crise, já que a sua promoção se dirigiu ao agente de execução e a competência para decidir é do mesmo.

Com o devido respeito, não tem razão.

Vejamos.

O recorrente Ministério Público em abono da sua tese, cita e chama à colação várias decisões de Tribunais superiores e os pressupostos de desjudicialização que estiveram na base das alterações do processo executiva, relegando o juiz para um papel de actor secundário, já que deixou de ter as tarefas de direcção do processo de execução.

Não pondo em causa esta ideia central do processo executivo, nem por isso o juiz deixou de ter um papel relevante no processo.

Desde logo o juiz continua a ter todos os poderes jurisdicionais que decorrem do texto constitucional, já que é aos tribunais e por consequência aos juízes seus titulares, que compete “administrar a justiça em nome do povo”, assegurando “a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” (artigo 202º), sendo assegurado a todos o acesso aos mesmos (artigo 20º, ambos da Constituição da República Portuguesa).

 É em obediência as estes princípios constitucionais que o legislador ordinário estabeleceu no actual artigo 723º do novo Código de Processo Civil (anterior artigo 809º), mesmo neste contexto de desjudicialização, um conjunto de poderes e funções de tutela e controlo pelo juiz no processo executivo, que se podem resumir na feliz expressão do Supremo Tribunal de Justiça, “Quem tem o poder geral de controlo do processo é o juiz”.[1]

Feito este enquadramento genérico sobre o papel do juiz no processo executivo, vejamos a questão suscitada nos presentes autos.

Entre os vários poderes do juiz no processo executivo elencados e tipificados pelo legislador no artigo 723º, o mesmo consagrou no nº 1, alínea d) do preceito, uma norma residual, nos seguintes termos: “Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de 10 dias”.

O que entender por “outras questões”? Que questões são estas e quem as caracteriza?

O legislador, ainda que não defina nem caracterize a que questões se reporta, diz-nos, pelo menos, quem as pode suscitar: o agente de execução, as partes e terceiros intervenientes.

No caso em apreço, o oficial de justiça, aqui a desempenhar funções de agente de execução, tem poderes para suscitar a questão ao juiz do processo, tal como tem o Ministério Público enquanto parte no mesmo processo.

Ora, se o oficial de justiça enquanto agente de execução, tem poderes para suscitar ao juiz “outras questões”, não compete ao mesmo a identificação e caracterização dessas mesmas questões a suscitar?

A resposta só pode ser afirmativa.

Neste contexto, tendo o oficial de justiça agente de execução, aberto conclusão no processo ao juiz, está a colocar ao mesmo uma questão a decidir, ou seja “outra questão”.

Mas se por um lado o agente de execução considera necessária a intervenção do juiz, no momento em que é aberta a conclusão, por outro o juiz tem o mesmo entendimento do agente de execução, no momento em que despacha nos autos e decide, lavrando despacho, a questão que lhe foi colocada.

A questão seria diversa se o juiz lavrasse despacho a considerar que não tinha competência para apreciar a questão ou, apreciando-a, o fizesse contra e em desfavor de um dos intervenientes processuais, como acontece em todos os casos chamados à colação pelo recorrente Ministério Público, sobre situações já decididas por outros tribunais superiores.

Tratando-se na alínea d), do nº1 do artigo 723º, de uma norma em branco, a mesma deve ser materializada e densificada, em cada momento e processo, pelos intervenientes previstos nessa mesma norma, a saber: juiz, partes, intervenientes acidentais e agente de execução.

Existindo acordo entre cada uma dessas partes que suscita a questão e o juiz, detentor do poder geral de controlo e de decisão sobre as questões que lhe são colocadas, não faz sentido esgrimir com questões de competência.

A competência do juiz resulta da própria lei e ele apenas a exerce mediante a iniciativa de cada um daqueles que tem competência legal para suscitar a questão, no caso o oficial de justiça investido de poderes de agente de execução.

Ora, atribuindo a lei competência ao juiz para decidir “outras questões” e ao agente de execução competência para as suscitar, inexiste qualquer dúvida sobre ambas as competências.

Neste contexto e no caso em apreço, diremos mesmo que a competência e o interesse em agir do Ministério Público para o recurso, apenas pode assentar em questões de controlo de legalidade e nunca num interesse próprio no processo, já que o mesmo não é prejudicado ou afectado pela decisão em causa.

Em resumo e sem necessidade de mais considerandos, não tem razão o Ministério Público improcedendo o recurso interposto.

III         Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto e em consequência manter o despacho recorrido.

Sem custas por não serem devidas.

Notifique nos termos legais.

(o presente acórdão, integrado por seis páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)

Lisboa, 27 de Outubro de 2016

Antero Luís

João Abrunhosa


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[1] Acórdão de 18/06/2009, in CJ, Tomos Supremo Tribunal de Justiça, 2009, Tomo 2, pág. 125 com referência à anterior  redacção do actual artigo 723º.