Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1869/14.7TFLSB.L1-9
Relator: GUILHERMINA FREITAS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO RODOVIÁRIA
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - De acordo com o disposto no art. 175.º do CE, no que respeita às contra-ordenações rodoviárias, a única diligência obrigatória é a comunicação da infracção ao arguido e a concessão de prazo para que este, querendo, apresente a sua defesa.
II - Se houver uma alteração de factos relevantes para a decisão da causa, na ausência de normas específicas que regulem tal matéria no RGCO, deverá aplicar-se subsidiariamente as normas dos arts. 358.º e 359.º do CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório

1. Por decisão proferida, em 10/2/2014, pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária foi o arguido FB..., melhor id. nos autos, condenado pela prática de uma contraordenação p. p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 28.º, n.ºs 1, al. b) e 5, 27.º, n.º 2, al. a), 138.º, 145.º, n.º 1, al. c) e 147.º, n.º 2, todos do CE, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 75 dias. 

2. O arguido impugnou judicialmente a decisão administrativa alegando, em resumo, que:
- A decisão administrativa padece de nulidade por omissão de investigação/instrução oficiosa do processo contraordenacional, assim como é omissa na fundamentação de facto quanto ao elemento subjectivo da infracção, violando assim, o disposto no art. 58.º do RGCO;
- Não está comprovada a aprovação e verificação do aparelho de medição, requerendo que a ANSR seja notificada para juntar aos autos tal comprovativo;
- Subsidiariamente requer que a medida da sanção acessória seja reduzida ao mínimo legal de 30 dias e suspensa na sua execução.
3. Admitido o recurso, foi realizada audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou improcedentes as nulidades suscitadas e condenou o arguido pela prática da contra-ordenação que lhe era imputada, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias.

4. Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido, para este Tribunal da Relação, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
“1. Na decisão administrativa proferida pela ANSR foram exclusivamente considerados provados os factos constantes do auto de contra-ordenação, não se incluindo neles, nem em qualquer documento complementar, aliás inexistente, qualquer facto idêntico ou sobre a matéria dos factos provados descritos na douta sentença recorrida sob os n.°s 3., 4. e 5., primeira parte, os quais foram acrescentados pela M. Juíza "a quo" sem que fosse dado prévio cumprimento ao disposto no art.° 358.° do CPP.
2. A condenação com base em factos não constantes da "acusação" (em que a decisão administrativa se transformou com a sua remessa a Tribunal pelo Ministério Público), fora do caso e das condições previstas no art.° 358.° do CPP, acarretam a nulidade da douta sentença recorrida, por força do disposto na alínea b) do n.° 1 do art.° 379.° do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo contra-ordenacional com base no art.° 41.° do RGCO. Caso assim se não entenda, o que apenas por mera cautela se admite, mas sem conceder,
3. A ANSR não procedeu às necessárias diligências instrutórias, de natureza oficiosa, que lhe eram impostas pelo disposto no n.° 2 do art.° 54° do R.G.C.O., concretamente a audição do Senhor Agente Autuante, a propósito da contradição existente no auto de notícia (condução do veículo pelo arguido e levantamento do auto com base no facto de não ter sido possível identificar o autor da infracção) e a propósito do elemento subjectivo da invocada infracção.
4. Não o tendo feito e dada a indispensabilidade das mesmas, a consequência para o processo de contraordenação seria a absolvição do ora recorrente, muito mais gravosa que a consequência formal invocada. No entanto,
5. O ora recorrente entende que a falta da instrução oficiosa do processo gera a nulidade da decisão administrativa, por força do disposto na alínea d) do art.° 119° do CPP, aplicável ao processo de contra-ordenação com base no art.° 41º do RGCO. Caso assim também se não entenda,
6. Nos factos considerados provados na decisão administrativa, referidos por mera remissão para o auto de contraordenação no ponto 6. da decisão administrativa, encontram-se apenas os factos objectivos que materializam a infracção imputada ao arguido, ora recorrente, constantes do auto de contra-ordenação.
7. Lendo cuidadosamente o auto de contra-ordenação, nele nada se encontra a propósito de factos que haveriam de preencher o elemento subjectivo da infracção, os quais foram completamente omitidos, quer no auto de contra-ordenação (único documento que foi notificado ao arguido, para efeitos de se poder defender administrativamente), quer em documento complementar, aliás inexistente, quer ainda, posteriormente, na matéria de facto provada em que se baseou a condenação administrativa e que, no que aos factos provados diz respeito, se limitou a remeter para o auto de contra-ordenação. Para além disso,
8. As considerações ou conclusões jurídicas tecidas a esse propósito no ponto 7. da decisão administrativa, portanto, já depois da indicação de que apenas se consideravam provados os factos constantes do auto de contra-ordenação e, por isso, sem qualquer base factual - aliás incorrectas, por não serem silogísticas -, nunca foram comunicadas ao arguido previamente à decisão administrativa, não lhe permitindo, assim, o exercício do seu direito de defesa na fase administrativa, único verdadeiramente relevante para este efeito. Acresce que,
9. Dos factos objectivos que materializam a invocada infracção não se pode retirar automaticamente o elemento subjectivo, sob pena de isso corresponder, na prática, à responsabilização objectiva do arguido pela infracção contraordenacional, o que é manifestamente ilegal. Mas,
10. Mesmo que isso fosse legal, sempre se ficaria sem se perceber por que motivo a ANSR estaria a optar por uma imputação a título de negligência e não a título de dolo, dúvida igualmente demonstrativa da ilegalidade das considerações e presunções levadas a cabo pela ANSR e, de algum modo, corroborada pela M. Juíza "a quo" no facto provado descrito sob o n.° 4. da douta sentença recorrida.
11. A referida omissão gera também a nulidade da decisão administrativa, agora por força do disposto nos art.°s 374°, n.°s 2 e 3, e 379°, n.° 1, al. a), ambos do CPP, aplicável ao presente processo por força do art.° 41° do RGCO, motivo por que, ao decidir de forma contrária, a douta sentença recorrida violou as supra citadas disposições legais.
12. O que tudo o ora recorrente requer que seja reconhecido e decretado por esse Venerando Tribunal, em qualquer caso com a consequente anulação da douta sentença recorrida e, se assim se não entender, com a sua revogação e da decisão administrativa judicialmente impugnada e com as legais consequências.

Termos em que, e nos mais de direito aplicável, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, nos moldes e com as consequências expostas, assim fazendo V. Exas., Venerandos Desembargadores, a costumada, necessária e indispensável
                                           JUSTIÇA!”

5. O recurso foi admitido por despacho de fls. 167 dos autos.

6. O MP em 1.ª instância apresentou resposta, pugnando pela improcedência do mesmo.

7. A Exm.ª Procuradora Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer, nos termos e para os efeitos previstos no art. 416.º do CPP, no sentido de que o recurso não merece provimento.

8. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2, do art. 417.º, do CPP.

9. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

Atendendo ao disposto no n.º 1, do art. 75.º, do DL n.º 433/82 de 27/10, que aprovou o Regime Geral das Contra-Ordenações (alterado pelos DL n.ºs 356/89 de 17/10 e 244/95 de 14/9 e pela Lei n.º 109/2001 de 24/12), em matéria contra-ordenacional o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento de certos vícios ou nulidades de conhecimento oficioso, designadamente, os indicados no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP.

Há, ainda, que ter em atenção que o objecto do recurso é fixado pelas conclusões retiradas da respectiva motivação, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

As questões suscitadas pelo recorrente, a apreciar por este Tribunal, são:

- a nulidade da decisão administrativa por força do disposto nos arts. 374.º, n.ºs 2 e 3 e 397.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP, aplicável por força do art. 41.º do RGCO;

- a nulidade da decisão administrativa por falta de diligências instrutórias que lhe eram impostas pelo disposto no n.º 2 do art. 54.º do RGCO – art. 119.º, al. d), do CPP, aplicável por força do art. 41.º do RGCO.

- a nulidade da sentença recorrida nos termos do disposto na al. b), do n.º 1, do art. 379.º do CPP, aplicável por força do art. 41.º do RGCO, por a M. Juíza do tribunal a quo ter acrescentado factos não constantes da acusação sem que tenha dado prévio cumprimento ao disposto no art. 358.º do CPP.

2. A decisão recorrida

É do seguinte teor a decisão recorrida na parte que ora nos interessa (transcrição):

Questões Prévias:

   Das nulidades invocadas pelo recorrente:
a) Nulidade por falta de instrução oficiosa do processo

Invoca o recorrente que a decisão da entidade administrativa é nula por absoluta omissão de qualquer acto de investigação e instrução.

Ora, tal afirmação não tem qualquer acolhimento com o teor plasmado na decisão sob recurso, na medida em que nesta foram indicados todos os meios de prova nos quais se alicerçou a entidade administrativa para chegar ao apuramento de tais factos.

Dispõe o art. 54.º, n.º 2, do RGCO que: “A autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima.”

A investigação do processo contraordenacional visa aquilatar da prática de uma infracção de tal natureza e a autoria da mesma.

Compulsados os autos, vislumbra-se que foi elaborado o respectivo auto de contra-ordenação, cfr. fls. 1, junto prova fotográfica a fls. 2, e ainda certificado de verificação do cinemómetro (radar), no qual resulta a sua operacionalidade em conformidade com as regras legais em vigor.

Foi cumprido o disposto no art. art.171.º, n.º 5, do Código da Estrada (actual art.171.º, n.º 6, do Código da Estrada) para apuramento da autoria da contra-ordenação em apreço.

Notificado, nos termos do art. 50.º, do RGCO, o arguido procedeu ao pagamento da coima.

Razão pela qual, presidindo a entidade administrativa à investigação e instrução cabe-lhe a ela praticar os actos que se proponha para atingir as finalidades daquela fase processual, o que manifestamente se tem por observado.

Em face do exposto, indefere-se a suscitada nulidade invocada que não se tem por verificada.

*

b) Nulidade por omissão de factos que sustentem o elemento subjectivo da infracção

Alega o recorrente que a decisão de contra-ordenação é nula por omissão de factos que sustentem o elemento subjectivo.

Dispõe o art. 58.º do RGCO., na parte que releva para a presente apreciação, o seguinte:

“1 – A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:

a) A identificação dos arguidos;

b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;

c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;”

Por “descrição dos factos imputados” deve entender-se não só os factos objectivos típicos, mas também os factos internos ou subjectivos, que permitirão a subsunção a um dos títulos possíveis de imputação subjectiva, seja doloso ou negligente. Para além destes factos típicos, a decisão deve ainda conter os demais factos necessários para estabelecer o grau de participação do arguido, bem como todas as circunstâncias factuais relevantes para a determinação da sanção, em caso de decisão condenatória.

Tal factualidade deve ser, tanto quanto possível, expurgada de conceitos jurídicos e de conclusões.

Ora, a decisão de aplicação de uma coima é um acto administrativo na medida em que se consubstancia numa decisão tomada por órgãos da administração pública que ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

A fundamentação dos actos administrativos decorre da própria Constituição da República Portuguesa – cfr. art. 268.º, n.º 3 – e do Código de Procedimento Administrativo – cfr. art. 124.º, n.º 1, alínea a).

No caso concreto a obrigatoriedade de descrição dos factos e fundamentação das decisões decorre do acima citado art. 58.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RGCO.

A exigência de uma cabal descrição dos factos, incluindo os provados e não provados, e da respectiva fundamentação tem por finalidade assegurar uma efectiva garantia dos particulares contra a arbitrariedade das decisões administrativas, permitindo, assim, a estes o exercício conveniente do seu direito de defesa contra decisões que os afectem.

Na verdade, só conhecendo as razões e premissas da decisão é possível ao particular reagir contra a mesma, contrapondo factos e argumentos ou pôr em causa as razões de facto e de direito que levaram a uma determinada decisão.

Como se explica de modo lapidar no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/04/2004, in www.dgsi.pt, “Pretende-se, fundamentalmente, por um lado, conferir força pública inequívoca (autoridade e convencimento) aos referidos actos e, por outro lado, facultar a sua fundada impugnação, tudo no sentido de que a fundamentação da sentença há-de permitir a transparência da decisão.”

A violação do dever de fundamentação impede o intérprete de comprovar se na decisão se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, de modo a aferir se se trata de uma decisão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras de experiência comum e fazer um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial.

Já nesta sede, permitirá ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa (neste sentido, cfr. António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2ª Edição, pág. 159).

Na verdade, a autoridade administrativa deu como provados os factos constantes na de fls. 9, escalpelizando e enunciando quanto a nós correctamente a factualidade consubstanciadora da responsabilidade contra-ordenacional da recorrente, quer nos seus elementos objectivos quer nos seus elementos subjectivos.

Refere a decisão administrativa no ponto que: “Com a conduta descrita o (a) arguido (a) revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional”

Essencial é que a factualidade provada contenha os factos concretos dos quais se possa retirar a imputação objectiva e subjectiva, a qual, como se transcreveu do teor da decisão administrativa se tem por observada.

Dúvidas se não afiguram que constam da decisão administrativa os factos nos quais se alicerçou a referida decisão, como se afere pela dissecação crítica do seu conteúdo e resulta do recurso de impugnação apresentado pela recorrente, vislumbrando-se claramente que compreendeu o alcance da dinâmica factual subjacente a tal decisão, pese embora, discorda do entendimento nele vertido, como resulta claro do recurso.

Com efeito, a autoridade administrativa fundamentou a decisão, indicou os meios de prova tidos em consideração e que foram suficientes para imputar ao impugnante a título de negligência.

Diga-se, de resto, que os parâmetros estabelecidos no art. 58.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações são os únicos a que as decisões administrativas condenatórias devem obedecer, já que são aqueles que derivam da lei, não se justificando, quer pela menor ressonância ética da conduta subsumível a um ilícito contra-ordenacional, quer pela natureza da sanção aplicável – uma mera coima - o recurso às normas que norteiam a elaboração de uma acusação ou de uma sentença em processo penal para apodar de nula uma decisão administrativa, sem descurar as garantias de defesa que sempre assistem a qualquer cidadão no seio de um Estado de Direito Democrático, que in casu não ficaram obliteradas nem beliscadas, visto que o que se pretende é que as decisões administrativas que afectem os direitos dos administrados sejam fundamentadas, quer de facto, quer de direito, que permitam que o recorrente se defenda, que o visado conheça a factualidade que lhe é imputada e quais as normas infringidas, o que a decisão em causa acautelou.

Pelo exposto, não merecem acolhimento os fundamentos aduzidos pela impugnante, pelo que, julgo improcedente a nulidade suscitada.

*

Inexistem nulidades ou quaisquer outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

*

II. - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Atenta a prova junta aos autos e a produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, com relevância e pertinência para a boa decisão da causa, tem-se por assente, os seguintes factos:
1. No dia 24 de Setembro de 2012, pelas 14 horas e 27 minutos, na Av.ª Infante Dom Henrique, sentido norte/sul, em Lisboa, o arguido seguia ao volante do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula 40-FA-73 a pelo menos à velocidade de 87 km/h, correspondente à velocidade registada de 92 km/h, deduzido o valor do erro máximo admissível;
2. A velocidade máxima permitida naquele local é de 50 km/h;
3. O recorrente sabia que não podia conduzir um veículo automóvel naquela via a uma velocidade superior a 50 km/h;
4. Não obstante tal, não se absteve de praticar tal conduta, agindo livre, voluntária e conscientemente, sabedor que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo, no mínimo, actuado com desrespeito pelos deveres de cuidado a que estava legalmente adstrito a observar quando circula na via pública ao volante de um veículo automóvel e que podia e devia ter observado;
5. O recorrente pagou voluntariamente a coima que lhe foi aplicada no âmbito dos presentes autos de contra-ordenação;
6. Do registo individual de condutor do recorrente constam averbadas as seguintes contra-ordenações: a) por factos praticados em 20.06.2009 foi condenado pela prática de uma contra-ordenação grave tendo-lhe sido aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir de 30 dias, suspensa na sua execução por 180 dias; b) por factos praticados em 28.02.2012 foi condenado pela prática de uma contra-ordenação grave tendo-lhe sido aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir de 60 dias;
7. O impugnante é Consultor de Administração de Sistema (SAP).
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Factos não provados:
Com pertinência e relevância para a boa decisão da causa inexistem quaisquer factos não provados, não se tendo demonstrado nem o contrário, nem qualquer facto que estivesse em contradição com a factualidade acima elencada.

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III. -  MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

A factualidade dada como provada resultou do teor da prova documental junta aos autos, designadamente, da análise do auto de notícia (cfr. fls. 1), do fotograma referente ao veículo automóvel em causa, com registo da velocidade e circunstâncias de tempo e de lugar, (cfr. fls. 2), o teor consignado no registo individual do condutor de fls. 8 e ainda no que respeita à verificação do aparelho no certificado de verificação de fls. 3.

O recorrente prestou declarações em audiência de discussão e julgamento tendo de modo genérico e conclusivo afirmado não ser o condutor da viatura automóvel nas circunstâncias de facto em apreciação nos autos, indicando a esposa como sendo a condutora.

Ora, a versão do arguido não foi expressamente invocada no seu recurso de impugnação judicial, fazendo-o apenas na audiência de discussão e julgamento, sendo certo que, tendo sido oportunamente notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 171.º do Código da Estrada, concretamente para identificar o condutor nas circunstâncias de tempo de lugar apurados o arguido não o fez e procedeu ao pagamento da coima correspondente.

O recorrente invocou assim genérica e de forma conclusiva não ser o condutor, pese embora, o hiato temporal entretanto decorrido desde os factos em discussão nos autos e a circunstância da viatura automóvel em causa ser habitualmente por si conduzida e a sua mulher dispor de uma outra viatura, porém, não se propôs a demonstrar coisa diferente da constante da decisão administrativa, designadamente, a inquirição da mulher e/ou a junção de qualquer documentação demonstrativa que não estaria em Lisboa em tais circunstâncias (como referiu), pese embora, tenha tido a oportunidade de em sede própria invocar e demonstrar não ser o condutor do veículo, pois, foi notificado para identificar/indicar a autoria da infracção e nada fez, nem tão-pouco o invocou em sede de recurso de contra-ordenação, o que é demonstrativo da sua tentativa de agora eximir-se a qualquer responsabilidade pela prática da infracção em causa nos autos. Motivo pelo qual, não nos mereceu credibilidade a negação simples da autoria da infracção.

Relativamente à resposta do Tribunal em 7. ancoramo-nos nas declarações do recorrente, as quais não foram infirmadas pela restante prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e porque não foi abalada pela demais prova produzida não tem o Tribunal base para delas duvidar permitindo a convicção da veracidade das mesmas.

Ora, nos termos do art. 170.º, n.ºs 3 e 4, do Código da Estrada:

“3 - O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.

4 - O disposto no número anterior aplica-se aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.”

O recorrente não alegou nem provou qual a velocidade a que circulava nem nenhuma prova produziu que permitisse pôr em causa a fidelidade do resultado do aparelho de medição.

Foi ainda inquirida a testemunha Joaquim Barroso, Agente da PSP na Divisão de Trânsito de Lisboa que no âmbito da sua actividade profissional relatou ao Tribunal em pormenor e de forma circunstanciada a acção por si levada a cabo e a forma como se desenrola o tipo de acção em causa nos autos. Do seu depoimento resultou que o condutor não foi interceptado aquando da prática da contra-ordenação, sendo o procedimento habitual a notificação do titular do documento de identificação do veículo, o que é corroborado pelos elementos constantes dos autos e consta da decisão administrativa.

No que respeita ao elemento subjectivo há que ter em consideração que a via onde o impugnante circulava se trata de uma estrada no interior de uma localidade, cujo limite máximo de velocidade corresponde a 50 km/h. Ora, decorre do próprio acto de condução a obrigação dos seus condutores agirem de forma a conduzir em segurança, e assim, a ter especiais precauções quando estão ao volante de uma viatura automóvel. O que manifestamente o impugnante não fez, considerando que imprimiu uma velocidade inadequada ao local. O impugnante é titular de carta de condução, logo, impõe-se-lhe o conhecimento das regras de código e de condução, e é igualmente o condutor habitual da viatura interceptada pela força de autoridade, como explicou, pelo que, demonstra conhecimento do tipo de veículo que conduzia.

Daí que, o recorrente enquanto condutor zeloso e avisado tenha agido sem o dever objectivo de cuidado que lhe era exigível e de que era capaz circulando desobedecendo às regras de velocidade. Mostra-se assim, preenchido o elemento subjectivo da negligência, tal como lhe é imputado na decisão administrativa.”

3. Analisando

3.1. A invocada nulidade da decisão administrativa por força do disposto nos arts. 374.º, n.ºs 2 e 3 e 397.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP, aplicável por força do art. 41.º do RGCO

Alega o arguido/recorrente que:
“6. Nos factos considerados provados na decisão administrativa, referidos por mera remissão para o auto de contraordenação no ponto 6. da decisão administrativa, encontram-se apenas os factos objectivos que materializam a infracção imputada ao arguido, ora recorrente, constantes do auto de contra-ordenação.
7. Lendo cuidadosamente o auto de contra-ordenação, nele nada se encontra a propósito de factos que haveriam de preencher o elemento subjectivo da infracção, os quais foram completamente omitidos, quer no auto de contra-ordenação (único documento que foi notificado ao arguido, para efeitos de se poder defender administrativamente), quer em documento complementar, aliás inexistente, quer ainda, posteriormente, na matéria de facto provada em que se baseou a condenação administrativa e que, no que aos factos provados diz respeito, se limitou a remeter para o auto de contra-ordenação. Para além disso,
8. As considerações ou conclusões jurídicas tecidas a esse propósito no ponto 7. da decisão administrativa, portanto, já depois da indicação de que apenas se consideravam provados os factos constantes do auto de contra-ordenação e, por isso, sem qualquer base factual - aliás incorrectas, por não serem silogísticas -, nunca foram comunicadas ao arguido previamente à decisão administrativa, não lhe permitindo, assim, o exercício do seu direito de defesa na fase administrativa, único verdadeiramente relevante para este efeito. Acresce que,
9. Dos factos objectivos que materializam a invocada infracção não se pode retirar automaticamente o elemento subjectivo, sob pena de isso corresponder, na prática, à responsabilização objectiva do arguido pela infracção contraordenacional, o que é manifestamente ilegal. Mas,
10. Mesmo que isso fosse legal, sempre se ficaria sem se perceber por que motivo a ANSR estaria a optar por uma imputação a título de negligência e não a título de dolo, dúvida igualmente demonstrativa da ilegalidade das considerações e presunções levadas a cabo pela ANSR e, de algum modo, corroborada pela M. Juíza "a quo" no facto provado descrito sob o n.° 4. da douta sentença recorrida.
11. A referida omissão gera também a nulidade da decisão administrativa, agora por força do disposto nos art.°s 374°, n.°s 2 e 3, e 379°, n.° 1, al. a), ambos do CPP, aplicável ao presente processo por força do art.° 41° do RGCO, motivo por que, ao decidir de forma contrária, a douta sentença recorrida violou as supra citadas disposições legais.”

Não tem razão, salvo o devido respeito.

A decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária obedece aos requisitos previstos no art. 181.º do CE dela constando os factos relativos ao elemento subjectivo da infracção no ponto 7., no qual se refere:

“Com a conduta descrita o (a) arguido (a) revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.

Assim, os factos descritos e provados levam a concluir que a infracção foi praticada a título de negligência, nos termos do art.º 133.º do Código da Estrada, porquanto o arguido não procedeu com o cuidado a que estava obrigado.”

Dúvidas não existem, pois, de que ao arguido foi imputada a infracção contra-ordenacional a título negligente, tendo sido por ela que foi condenado.

Conforme se refere no Ac. da RC de 3/10/2012, proferido no âmbito do Proc. 14/12.8TBSEI.C1, disponível in www.dgsi.pt, em sede de decisão administrativa não é de exigir o rigor formal nem a precisão descritiva que se exige numa sentença judicial.

O arguido teve a oportunidade de se defender da imputação que lhe foi feita, durante a fase administrativa, o que fez, impugnando judicialmente a decisão.

E ainda mesmo durante a fase administrativa teve o arguido/recorrente a possibilidade de se defender dos factos que lhe eram imputados no auto de contra-ordenação, na medida em que dele foi notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 15 dias e nada disse, não tendo arguido qualquer nulidade ou irregularidade.

Improcede, assim, o recurso, quanto a esta invocada nulidade.   

3.2. A invocada nulidade da decisão administrativa por falta de diligências instrutórias que lhe eram impostas pelo disposto no n.º 2 do art. 54.º do RGCO – art. 119.º, al. d), do CPP, aplicável por força do art. 41.º do RGCO

Alega o arguido/recorrente que:
“3. A ANSR não procedeu às necessárias diligências instrutórias, de natureza oficiosa, que lhe eram impostas pelo disposto no n.° 2 do art.° 54° do R.G.C.O., concretamente a audição do Senhor Agente Autuante, a propósito da contradição existente no auto de notícia (condução do veículo pelo arguido e levantamento do auto com base no facto de não ter sido possível identificar o autor da infracção) e a propósito do elemento subjectivo da invocada infracção.
4. Não o tendo feito e dada a indispensabilidade das mesmas, a consequência para o processo de contraordenação seria a absolvição do ora recorrente, muito mais gravosa que a consequência formal invocada. No entanto,
5. O ora recorrente entende que a falta da instrução oficiosa do processo gera a nulidade da decisão administrativa, por força do disposto na alínea d) do art.° 119° do CPP, aplicável ao processo de contra-ordenação com base no art.° 41º do RGCO.”

Mas também quanto a esta questão carece de razão.

O art. 54.º do RGCO não comina com a nulidade a falta de diligências instrutórias e a nulidade prevista na al. d) do art. 119.º do CPP diz respeito apenas aos casos de falta de inquérito ou de instrução em que a lei determinar a sua obrigatoriedade.

De acordo com o disposto no art. 175.º do CE, no que respeita às contra-ordenações rodoviárias, a única diligência obrigatória é a comunicação da infracção ao arguido e a concessão de prazo para que este, querendo, apresente a sua defesa.

Improcede, pois, a invocada nulidade da decisão administrativa, por falta de diligências instrutórias.

3.3. A invocada nulidade da sentença recorrida nos termos do disposto na al. b), do n.º 1, do art. 379.º do CPP, aplicável por força do art. 41.º do RGCO, por a M. Juíza do tribunal a quo ter acrescentado factos não constantes da acusação sem que tenha dado prévio cumprimento ao disposto no art. 358.º do CPP

Alega o arguido/recorrente que:
“1. Na decisão administrativa proferida pela ANSR foram exclusivamente considerados provados os factos constantes do auto de contra-ordenação, não se incluindo neles, nem em qualquer documento complementar, aliás inexistente, qualquer facto idêntico ou sobre a matéria dos factos provados descritos na douta sentença recorrida sob os n.°s 3., 4. e 5., primeira parte, os quais foram acrescentados pela M. Juíza "a quo" sem que fosse dado prévio cumprimento ao disposto no art.° 358.° do CPP.

2. A condenação com base em factos não constantes da "acusação" (em que a decisão administrativa se transformou com a sua remessa a Tribunal pelo Ministério Público), fora do caso e das condições previstas no art.° 358.° do CPP, acarretam a nulidade da douta sentença recorrida, por força do disposto na alínea b) do n.° 1 do art.° 379.° do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo contra-ordenacional com base no art.° 41.° do RGCO.”

Mas, mais uma vez, sem razão.

Se houver uma alteração de factos relevantes para a decisão da causa, na ausência de normas específicas que regulem tal matéria no RGCO, deverá aplicar-se subsidiariamente as normas dos arts. 358.º e 359.º do CPP.

Acontece que, no caso dos presentes autos, não ocorreu qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos imputados ao arguido na decisão administrativa.

Os factos dados como provados sob o ponto 3 da decisão recorrida constam dos pontos 1 e 7 da decisão administrativa.

Os factos dados como provados sob o ponto 4 da decisão recorrida constam do ponto 7 da decisão administrativa.

Os factos dados como provados sob o ponto 5 da decisão recorrida constam do ponto 3 da decisão administrativa.

Assim sendo, não tendo ocorrido qualquer alteração de factos relevantes para a decisão da causa não tinha a Sr.ª Juiz do tribunal a quo que dar cumprimento ao disposto no art. 358.º do CPP, não padecendo a decisão recorrida da nulidade que lhe é assacada.

Improcede, pois, de igual forma, o recurso quanto a esta invocada nulidade.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido FB....
Custas a cargo do arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s.
Lisboa, 4 de Junho de 2015

(Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, que assina a final e rubrica as restantes folhas (art. 94.º, n.º 2 do CPP).

Guilhermina Freitas

José Sérgio Calheiros da Gama