Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12487/15.2T8LRS.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: DIREITO DE REMIÇÃO
LEILÃO ELECTRÓNICO
DEPÓSITO DO PREÇO
PRAZO
ADJUDICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.A apresentação de comprovativo do depósito do preço ao momento do exercício do direito de remição constitui condição de validade do respectivo exercício, ainda que tal depósito possa ser efectuado até ao termo do prazo previsto no artigo 843º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
2 – No caso de venda em leilão electrónico, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do artigo 843º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, devendo o familiar do executado que pretenda exercer esse direito estar presente no termo do leilão, de modo a acautelar o seu exercício, dado que a lei não prevê qualquer outro procedimento que o garanta após aquele momento.
3 - A adjudicação formaliza-se pela emissão do título de transmissão a favor do adquirente, não existindo uma previsão legal expressa no sentido da necessidade da comunicação da data em que este será lavrado, impondo-se apenas que o preço se mostre depositado antes disso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A [ …. STC S.A.], habilitada na posição de exequente de Novo Banco, S. A. Cf. Decisão proferida em 15 de Setembro de 2020, com a Ref. Elect. 145675617., com sede à Avenida da Liberdade, n.º 195, Lisboa, em 18 de Setembro de 2015 deduziu execução ordinária para pagamento de quantia certa contra B [ Construções …., Lda. ] , com sede ao Casal …; C [ Ana ….; D [ Dinis … ] , E [ FLORENTINO ….] , F [ MARIA …] e G [ … Investimentos Imobiliários, Lda ] . (entretanto considerada parte ilegítima Cf. despacho de 12-10-20215 com a Ref. Elect. 125546716.), todos residentes e com sede à Rua …, Campelos com base em título executivo constituído por livrança subscrita pela primeira executada e avalizada pelos segundos a quinto executados, com o valor inscrito de 1 139 998,02 €, com data de vencimento de 14 de Agosto de 2015, sendo o valor da quantia exequenda de 1 144 155,73 € (cf. Ref. Elect. 2314202).
Em 17 de Março de 2017 foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre diversos imóveis entre os quais o prédio rústico, correspondente a vinha, terra e árvores, sito em … Torres Vedras, inscrito na matriz predial sob o artigo … da Secção E e descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o número ..., com a propriedade inscrita a favor de E e F (cf. Ref. Elect. 5346809).
Em 4 de Junho de 2019 o agente de execução proferiu decisão sobre a modalidade da venda determinando a venda dos imóveis penhorados por leilão electrónico, fixando o valor base dos bens a vender e a aceitação de propostas iguais ou superiores a 85%, decisão notificada à exequente e aos executados (cf. Ref. Elect. 8426213, 8426242, 8426257 e 8426463).
Em 3 de Dezembro de 2020 o agente de execução notificou as partes, nos termos do art.º 837º, n.º 1 do Código de Processo Civil Adiante designado pela sigla CPC., de que se encontrava a decorrer até às 10 horas do dia 14 de Janeiro de 2021 a venda de alguns dos imóveis penhorados, designadamente, o acima identificado, por leilão electrónico (cf. Ref. Elect. 10334470 e 10334475).
Em 15 de Janeiro de 2021 o agente de execução notificou os ilustres mandatários da exequente e dos executados da certidão do encerramento de leilão relativamente ao prédio rústico sito em ..., concelho de Torres Vedras, inscrito na matriz predial sob o artigo … da Secção E e descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o número ..., sendo o valor da melhor proposta de 9 000,00 €, superior ao mínimo, apresentada por ... – Investimentos Imobiliários, Lda., bem como da sua decisão de aceitação de licitação, nos termos do art.º 821º, n.º 1 do CPC e da nota de liquidação (cf. Ref. Elect. 10476116 e 10476132).
Com data de 19 de Janeiro de 2021 foi elaborado “Título de Transmissão”, nos termos do art.º 827º, n.º 1 do CPC, mediante o qual o agente de execução certificou que “na diligência de venda em leilão electrónico, do terreno rústico, correspondente a vinha, terra e árvores, prédio sito em ..., concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o número ..., inscrito na matriz predial sob o artigo … da Secção E, da referida freguesia, com o valor patrimonial de 36,71 euros, penhorado em 17/03/2017, foi adjudicado a 19 de Janeiro de 2021 a ... – Investimentos Imobiliários, Lda., NIPC ..., com sede na Rua do Brejo n.º 10, Campelos, pelo montante de 9.000,00 euros, nos termos do artigo 821º do Código de Processo Civil, montante esse que foi pago na íntegra ao Agente de Execução. Certifica […] que foi pago e liquidado imposto de selo em 19/01/2021 no montante de 72,00 euros e que o Imposto Municipal de Transmissões está isento nos termos do art.º 7º do CIMT (prédios para revenda). A adjudicação do imóvel, foi paga na íntegra ao Agente de Execução através de transferência bancaria, no dia 18/01/2021 […]” (cf. Ref. Elect. 10490432).
Em 29 de Janeiro de 2021 o agente de execução dirigiu aos autos informação sobre a apresentação de requerimento para exercício de direito de remição e requerimento do proponente, dando conta que o imóvel objecto de remição está definitivamente registado em nome do proponente desde 20 de Janeiro de 2021, tendo o depósito do preço ocorrido no dia 18 de Janeiro de 2021 e os respectivos impostos liquidados em 19 de Janeiro de 2021, tomando posição no sentido de que o exercício de tal direito deveria ter tido lugar antes da emissão do título de transmissão, ocorrida no dia 19 de Janeiro de 2021, para além de não ter sido cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 843º do CPC (depósito do preço acrescido de 5%) (cf. Ref. Elect. 10536503).
Juntou com essa informação cópia do requerimento para exercício do direito de remição e requerimento do proponente, consistindo, o primeiro, numa carta registada de André ..., com data de 20 de Janeiro de 2021, dirigida ao agente de execução, sob o assunto “Exercício do direito de remição”, por referência aos presentes autos, com o seguinte teor (cf. Ref. Elect. 10536503):
“André ….. […] vem, ao abrigo do disposto nos arts. 842º e 843º, n.º 1, alínea b) do Cód. Proc. Civil, e na qualidade de neto de E e de F, executados […] informar que pretende exercer o direito de remição relativamente ao terreno rústico correspondente a vinha, terra e árvores, prédio sito em ..., concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o número ..., inscrito na matriz predial sob o artigo … da Secção E, da referida freguesia, o qual foi objecto de venda no leilão electrónico com a referência LO719232020 e teve por melhor proposta a de € 9 000,00, apresentada por ... – Investimento Imobiliários, Lda.”
No requerimento apresentado pelo proponente, na sequência da notificação do requerimento para exercício do direito de remição, por ele é referido que o direito deve ser exercido até ao momento da adjudicação, o que não sucedeu no caso, sendo que, além de já estar lavrado o título de transmissão e realizado o registo de aquisição, o respectivo exercício dependia do depósito do preço, que o remidor não depositou com o acréscimo de 5% para indemnização da proponente, pelo que a pretensão deve ser recusada.
Juntou ainda cópia de certidão do registo predial onde se mostra inscrita a aquisição a favor de ... – Investimentos Imobiliários, Lda., pela Ap. 7835 de 2021/01/20.
Com data de 10 de Fevereiro de 2021 os executados R, F, D e C dirigiram ao agente de execução um requerimento solicitando informação sobre se os titulares do direito de preferência na alienação do prédio objecto da venda tinham sido notificados para exercerem tal direito, se, no caso afirmativo, algum o exerceu e se, tendo surgido mais de um preferente, houve licitação entre eles, indicando que a informação se destinava a ser transmitida a um descendente seu interessado em exercer o direito de remição, para poder saber o preço a depositar (cf. Ref. Elect. 10574321).
Em 13 de Fevereiro de 2021, André ..., neto dos executados E e F, deduziu reclamação relativamente à decisão do agente de execução quanto ao direito de remição que pretendeu exercer, visando a obtenção da sua substituição por outra que o admita, alegando, em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 10583996):
- Em 18/01/20201 os executados foram notificados da certidão de encerramento do leilão electrónico e da decisão de aceitação da proposta de 9 000,00 € apresentada por ... – Investimentos Imobiliários, Lda. para aquisição do prédio rústico descrito sob o número ... da Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras e inscrito na matriz predial sob o artigo … da secção “E” e ainda para, querendo, se pronunciarem no prazo de 10 dias;
- Os executados comunicaram essa decisão ao reclamante que, a 20-01-2021, remeteu carta registada com aviso de recepção ao senhor agente de execução, informando-o de que pretendia remir o prédio rústico, comprovando ser neto dos executados;
- O reclamante foi notificado pelo senhor agente de execução, em 02-02-2021, de que o imóvel estava definitivamente registado em nome do proponente desde 20-01-2021, tendo o depósito do preço tido lugar no dia 18-01-2021 e os respectivos impostos liquidados a 19-01-2021 e que o direito de remição deveria ter sido exercido antes da emissão do título de transmissão, emitido a 19-01-2021, para além de não ter sido dado cumprimento ao disposto no art. 843º, n.º 2 do CPC;
- De acordo com o disposto no art. 843.º, n.º 1, b) do CPC, nas situações de venda por modalidade diversa da realizada mediante propostas em carta fechada, o direito de remição pode ser exercido “até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta”;
- Decorre dos art.ºs 799.º, 802.º, 827.º e 828.º do CPC que o momento da emissão do título antecede o da entrega dos bens;
- No caso, o prédio foi vendido em leilão electrónico, mas ainda não ocorreu a sua entrega efectiva, pelo que o exercício do direito é tempestivo;
- O título de transmissão não podia ter sido emitido antes de 28-01-2021, data em que terminaria o prazo concedido aos executados para se pronunciarem sobre a decisão de aceitar a proposta;
- O prédio em causa confronta com o prédio rústico inscrito na respectiva matriz predial sob o art. … da secção “E” da freguesia do Ramalhal, concelho de Torres Vedras e, a nascente, com o prédio rústico inscrito na respectiva matriz predial sob o art. … da secção “E” da dita freguesia e concelho, qualquer deles com área inferior à unidade de cultura, pelo que o agente de execução teria de notificar os respectivos proprietários para, querendo, exercerem o direito de preferência;
- A não ter existido o exercício do direito de preferência, o agente de execução deveria ter notificado os executados do acto de adjudicação do prédio objecto de venda, o que não fez, pelo que não podia ter emitido o título de transmissão;
- Porque os executados desconheciam que a propoente havia depositado o preço, não poderia o reclamante adivinhar que, para além dos 9 000,00 € oferecidos, competia-lhe depositar o acréscimo de 5%,
- Com essa omissão, o agente de execução inviabilizou a possibilidade de o reclamante exercer o direito de remição em momento anterior ao da emissão do título e de conhecer o valor a depositar, pelo que ocorreu justo impedimento à prática, pelo reclamante, dos actos processuais tendentes ao exercício do direito de remição.
Ordenada a notificação do conteúdo da reclamação ao agente de execução e às partes, conforme despacho de 17 de Junho de 2021 (cf. Ref. Elect. 148033256), veio o primeiro remeter aos autos cópia da notificação ao reclamante, de 29 de Janeiro de 2021, em que lhe dá conta que o exercício do direito de remição é extemporâneo (cf. Ref. Elect. 11061103).
Em 27 de Fevereiro de 2022 foi proferida decisão que indeferiu a reclamação apresentada, com o seguinte teor (cf. Ref. Elect. 151455511):
Está em causa saber se o direito de remição foi regularmente exercido pelo requerente André …, sendo que, por decisão do senhor Agente de Execução de 29-01-2021, foi entendido, por um lado, que (i) o título de transmissão foi emitido no dia 19-01-2021 e, sendo o requerimento de exercício do direito de remição posterior, é extemporâneo, e por outro lado que, (ii) não foi cumprido pelo requerente o requisito de depósito do preço concomitantemente com o exercício do direito de remição, nos termos do artigo 843º, nº 2, do Cód. Proc. Civil.
Da análise dos autos resulta que:
- Em 13-01-2021 ocorreu o encerramento do leilão electrónico lançado para venda do imóvel em causa e, por decisão de 14-01-2021, o senhor Agente de Execução aceitou a proposta apresentada pela “..., LDA.” por ser a mais elevada.
- No dia 15-01-2021, o senhor Agente de Execução remeteu à proponente a guia para depósito do preço e, além disso, notificou exequente e executados «da certidão de encerramento de leilão, para, querendo, se pronunciar no prazo de dez dias.».
- No dia 19-01-2021, o senhor Agente de Execução emitiu título de transmissão, nos termos do artigo 827º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, certificando que o preço foi pago em 18-01-2021, acrescido dos impostos devidos.
- Por carta datada de 20-01-2021, recebida pelo senhor Agente de Execução em data não comprovada, o requerente André …, neto dos executados, além do mais, informou que «pretende exercer o direito de remição» relativamente ao prédio em causa, na sequência do que o senhor Agente de Execução proferiu a sobredita decisão de 29-01-2021, de que o requerente reclamou em 13-02-2021.
Mostrando-se cumprido o contraditório, cumpre decidir.
Comece-se por salientar que, ainda que tempestivo fosse o exercício do direito de remição pelo requerente, acompanha-se o sentido do decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-12-2020, disponível in www.dgsi.pt: «A simples declaração do remidor no sentido de que exerce o direito de remição relativamente a certo bem, desacompanhada do depósito do preço, não tem efeito constitutivo e não produz efeitos, salvo se a lei atribuir alguma eficácia a essa declaração, como sucede, por exemplo, na modalidade de venda por propostas em carta fechada – o n.º 2 do artigo 843.º do Cód. Proc. Civil».
Em sentido similar, foi decidido também no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-07-2019, proferido no processo nº 238/17.1T8ETZ-I.E1, e disponível in www.dgsi.pt, que: «O direito de remição, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 842º do Código de Processo Civil, pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que documenta a venda, e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.».
No mesmo sentido, veja-se, ainda, o decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04-10-2021, proferido no processo 897/09.9T2AVR-G.P1, e disponível in www.dgsi.pt.
Considerando o disposto no nº 1 do artigo 843º, que traça o limite temporal até ao qual pode ser exercido o direito de remição, e estando em causa a venda através de leilão electrónico, o exercício de tal direito podia ser feito até à assinatura do título que a documenta, como se prevê na alínea b) daquele nº 1 e, na sendo do exposto, também o pagamento do respectivo preço, como efectivação de tal exercício, poderá ser feito até esse mesmo momento. É o que resulta do nº 2 do artigo 843º do Cód. Proc. Civil, quando ali se diz, por referência ao acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, «(…) devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento (…)».
Face ao exposto, entende-se que efectivamente o direito de remição não foi eficazmente exercido por não ter sido efectuado concomitantemente o depósito a que alude o nº 2 do artigo 843º do Cód. Proc. Civil.
Julga-se que o argumento de que o requerente não podia efectuar esse depósito por não saber qual a quantia a depositar não obsta a tal conclusão, pois que a lei não exige qualquer notificação ao remidor, devendo ser este sponte sua ou através dos executados a obter tal informação em tempo útil.
Nesta conformidade, indefere-se a reclamação da decisão do senhor Agente de Execução de 29-01-2021.
Notifique e comunique ao(à) senhor(a) Agente de Execução.”
Inconformado com esta decisão, vem o reclamante André … interpor o presente recurso, cuja motivação conclui do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 12118753):
A) Nos presentes autos, procedeu-se à venda, por leilão eletrónico, do prédio rústico composto por vinha, terra e árvores, sito no …, concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o art. …, secção “E”, da dita freguesia.
B) A 18/01/2021, foram os executados notificados da certidão de encerramento do leilão, bem como da decisão de aceitação da proposta de 9.000,00€ apresentada por ... – Investimentos Imobiliários, Lda. e ainda para, querendo, se pronunciarem no prazo de 10 dias - cfr. doc. 1 junto à reclamação.
C) A 20/01/2021 - dois dias depois, por conseguinte – o ora recorrente remeteu carta registada com aviso de receção ao senhor agente de execução, informando-o de que pretendia exercer o direito de remição relativamente àquele prédio rústico, na qualidade, que comprovou, de neto dos executados – cfr. docs. n.ºs 2 a 4 juntos à reclamação.
D) Em resposta a tal comunicação, foi notificado pelo senhor Agente de Execução nos seguintes termos: “Fica V. Exa. Notificado de que o imóvel objecto do requerimento de remissão encontra-se definitivamente registado em nome do proponente desde 20.01.2021, tendo o depósito do preço tido lugar no dia 18.01.2021 e os respectivos impostos liquidados a 19.01.2021. Dispõe o art. 843.º do CPC que o exercício do direito de remissão deverá ter lugar antes da emissão do título de transmissão. Tendo o título de transmissão sido emitido a 19.01.2021 o requerimento de exercício do direito de remissão é extemporâneo. Acresce que não foi cumprido o disposto no n.º 2 do mesmo artigo, pressuposto fundamental para a verificação do direito que se arroga. Mais se notifica que se discordar da decisão, cabe ao juiz decidir. A discordância da decisão deve ser suscitada perante o Juiz, no prazo de DEZ DIAS” – cfr. doc. 5 junto à reclamação.
E) Não se conformando com semelhante decisão, dela apresentou reclamação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, sobre a qual incidiu o despacho recorrido, de que se transcrevem os seguintes segmentos: “(…) ainda que tempestivo fosse o exercício do direito de remição pelo requerente (…)” “Considerando o disposto no n.º 1 do artigo 843.º (…) o exercício de tal direito podia ser feito até à assinatura do título que a documenta, como se prevê na alínea b) daquele n.º 1 (…).
F) Ao invés do que se refere no despacho em apreço, o direito de remição não tem de ser exercido até ao momento da assinatura do título que documenta a venda, já que o referido art. 843.º prevê expressamente, no seu n.º 1, alínea b), a possibilidade de vir a ser exercido até ao momento da entrega efetiva dos bens.
G) Por outro lado, e de acordo com o disposto nos arts. 799.º, 802.º, 827.º e 828.º do Cód. Proc. Civil, o momento da emissão do título antecede o da entrega dos bens como, aliás, não poderia deixar de ser, já que é justamente com base no título que pode o agente de execução exigir a entrega efetiva dos bens.
H) No caso dos autos, verifica-se que a 20-01-2021 – data em que o ora recorrente informou o senhor Agente de Execução de que pretendia exercer o direito de remição relativamente ao supra identificado prédio - já este prédio fora vendido, mas não ocorrera, ainda, a sua entrega efetiva, pelo que estava o recorrente mais do que em tempo para vir a exercer tal direito, à luz do preceituado no citado art. 843.º, n.º 1, al. b) do Cód. Proc. Civil.
I) Em sede de reclamação, o recorrente invocou a inexistência de qualquer fundamento legal para que, a 19-01-2021 - ou seja, no primeiro dos dez dias de prazo que o senhor Agente de Execução concedera aos executados para se pronunciarem sobre a decisão de aceitação da proposta de compra apresentada pela ... – emitisse o mesmo senhor Agente de Execução, com desconcertante rapidez e manifesta prematuridade, o título de transmissão, como expressamente reconheceu ter feito e comprovado está nos autos (cfr. doc. 5 junto à reclamação).
J) Tal questão não foi, no entanto, objeto de qualquer tratamento, apreciação ou decisão por parte do Tribunal a quo, daí resultando uma efetiva omissão que, à luz do disposto nos arts. 615.º, n.º 1 e 613.º, n.º 3, ambos do Cód. Proc. Civil, acarreta a nulidade, por omissão de pronúncia, do despacho recorrido.
K) Acresce que o prédio rústico aqui em causa confronta a norte e nascente com o prédio rústico inscrito na respetiva matriz predial sob o art. … da secção “E” da freguesia do Ramalhal, concelho de Torres Vedras, e a nascente, com o prédio rústico inscrito na respetiva matriz predial sob o art. … da secção “E” da dita freguesia e concelho, possuindo qualquer destes área inferior à unidade de cultura (cfr. docs. 6, 7 e 8 juntos à reclamação, os dois primeiros disponíveis em https://www.dgterritorio.gov.pt/cadastro/pesquisa-de-seccoes-cadastrais e o último, em https://www.google.pt/maps/place/Vila+Facaia,+Ramalhal/@39.1741384,- 9.2531445,598m/data=!3m1!1e3!4m5!3m4!1s0xd1f33b40f3a6a15:0xa00ebc04f809bc0!8m2!3d39.1646585!4d-9.2511422, correspondendo-lhe as coordenadas 39.174434, -9.250666).
L) Como tal, impunha-se ao senhor Agente de Execução: I) notificar os proprietários desses dois prédios para, querendo, virem exercer o direito de preferência que lhes assiste (arts. 1.380.º do Cód. Civil e 811.º, n.º 2, 819.º, 823.º, 827.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil); II) notificar os executados do eventual exercício desse direito por parte de um ou de ambos os preferentes; III) notificá-los do lance de maior valor oferecido, na hipótese de se ter aberto licitação entre eles, e IV) independentemente da existência de titulares de direito de preferência, do ato de adjudicação do prédio objeto de venda.
M) Nada disso fez, optando por emitir o título de transmissão sem antes cumprir todas essas formalidades a que estava legalmente obrigado e com as quais, legítima e naturalmente, contava o recorrente, sabedor que era, tal como os executados, da existência de titulares do direito de preferência e do prazo de que dispunham para, querendo, virem a exercê-lo.
N) Sobre estes pontos, considerou o Tribunal a quo que “o argumento de que o requerente não podia efectuar esse depósito por não saber qual a quantia a depositar não obsta a tal conclusão (leia-se: à conclusão de que o direito de remição não foi eficazmente exercido, por não ter sido efetuado concomitantemente o depósito a que alude o n.º 2 do art. 843.º do Cód. Proc. Civil), pois que a lei não exige qualquer notificação ao remidor, devendo ser este sponte sua ou através dos executados a obter tal informação em tempo útil”.
O) Com tal julgamento não pode concordar o recorrente, desde logo porque, ao invés do que parece sugerir a Meritíssima Juiz a quo, jamais o recorrente se insurgiu contra o facto de não ter sido notificado pelo senhor Agente de Execução, fosse para lhe dar a conhecer o montante do depósito a efetuar, fosse para qualquer outro efeito, como claramente ressalta do teor da sua reclamação.
P) Depois, porque muito embora hajam os executados dado pronto conhecimento ao recorrente de que a melhor proposta apresentada em leilão ascendera a € 9.000,00 comunicaram-lhe, simultaneamente, e com total pertinência, todos os elementos indispensáveis ao cabal exercício do direito de remição, designadamente, que dispunham ainda do prazo de 10 dias para se pronunciarem sobre a decisão de aceitação do senhor Agente de Execução e que teria de aguardar-se pelo prazo destinado ao eventual exercício do direito de preferência por parte dos proprietários dos prédios rústicos confinantes posto que, só depois disso, seria possível apurar, ao certo, a quem fora adjudicado o prédio em causa, por que montante e, consequentemente, qual o valor que deveria o recorrente depositar com vista a exercer o direito de remição.
Q) Face à legítima expetativa de, dessa forma, ou seja, em total consonância com o que prescreve a lei, se vir a desenrolar a subsequente tramitação legal tratou, ainda assim, o recorrente de informar que pretendia exercer o direito de remição, contando vir a fazê-lo logo que o senhor Agente de Execução inteirasse os executados desses elementos e estes, por sua vez, os transmitissem ao recorrente.
R) Lamentavelmente, e para total surpresa dos executados e do recorrente, tal não veio a suceder pois, como supra se disse, o senhor Agente de Execução nem facultou aos respectivos titulares a possibilidade de virem a exercer o direito de preferência que a lei lhes confere, nem notificou os executados do ato de adjudicação do imóvel vendido, ou seja, em duas palavras, houve falta de diligência, sim, não dos executados ou do recorrente, mas do senhor Agente de Execução que, ao atuar da forma supra descrita, inviabilizou o exercício do direito de remissão.
S) Não se compreende, pois, que sustente o Tribunal a quo não ter sido tal direito eficazmente exercido por falha do recorrente, isto é, “por não ter ele efetuado concomitantemente o depósito a que alude o n.º 2 do art. 843.º do Cód. Proc. Civil”, quando resulta claro que tal se deveu unicamente ao do senhor Agente de Execução que, ao atuar pela forma supra descrita, inviabilizou o exercício do direito de remissão.
T) Importa lembrar que, para que o direito de remição possa ser operacionalizado, têm os executados de ser informados sobre o ato de adjudicação, de modo a conhecerem e poderem transmitir ao titular do direito de remição, que não é parte no processo, os elementos essenciais ao exercício desse direito, desde logo, o preço que deverá depositar.
U) Na verdade, para que o interessado em remir possa, efetivamente, exercer tal direito, não basta, como evidencia a situação dos autos, que os executados, com a máxima diligência e prontidão, lhe dêem conhecimento da proposta aceite pelo agente de execução. Senão, vejamos:
V) Um dos fundamentos invocados pelo senhor agente de execução e acolhido no douto despacho é o de que “não foi cumprido o disposto no n.º 2 do mesmo artigo, pressuposto fundamental para a verificação do direito que se arroga.”
X) De acordo com o preceituado nesse comando legal (leia-se, n.º 2 do art. 843.º do Cód. Proc. Civil), “ Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º. “ – sub. nosso.
Z) Ora, desconhecendo os executados, porque disso jamais foram informados pelo senhor Agente de Execução, que a proponente ... já havia efetuado o depósito referido no n.º 2 do art. 824.º, pergunta-se como poderia, então, o recorrente adivinhar que, para além dos 9.000,00€ por aquela oferecidos, competir-lhe-ia, ainda, depositar o acréscimo de 5%, por forma a dar cumprimento ao prescrito naquela norma e, assim, exercer validamente o seu direito?!
AA) Diante do que se acabou de dizer, torna-se inegável que, ainda que tivesse o recorrente efetuado, concomitantemente à informação que dirigiu ao senhor de Agente de Execução, o depósito de € 9.000,00, correspondente ao valor da melhor proposta apresentada em leilão, sempre tal valor ficaria aquém do devido, dado faltar o acréscimo de 5% imposto por aquele preceito e, como tal, ineficazmente exercido o direito de remição, por razões que, sendo inteiramente alheias aos executados e ao recorrente, se prendem unicamente com a atuação levada a cabo pelo senhor Agente de Execução. Não se diga, pois, como consta do despacho em crise, que foi o recorrente quem não exerceu eficazmente tal direito.
BB) Diante da informação que possuía, fez o recorrente tanto quanto se lhe impunha fazer: informar o senhor Agente de Execução de que pretendia remir o prédio objeto de venda, fazendo-o dois dias após serem os executados notificados da decisão de aceitação da proposta, e num momento em que desconhecia, quer a posição assumida pelos titulares de direito de preferência, quer a efetivação do depósito do preço, quer o cumprimento das obrigações fiscais por banda da proponente.
CC) Face ao exposto, torna-se indiscutível que foi o senhor Agente de Execução quem, com tamanha e desconcertante precipitação, deu azo às situações que, de forma não menos desconcertante e bizarra, se lembrou depois de invocar em sustento da sua decisão, já que não só inviabilizou a possibilidade de vir o recorrente a exercer o direito de remição em momento anterior ao da emissão do título, como ainda que tal tivesse sido possível, o impediu de conhecer o valor a depositar e, como tal, de perfectibilizar o exercício desse direito, subvertendo por completo as regras destinadas a garantir um processo justo e equitativo e atentando claramente contra o princípio constitucional da proteção à família e ao património desta (art. 67.º da CRP).
DD) Dúvidas não restam, pois, de que ocorreu justo impedimento à prática, pelo recorrente, dos atos processuais tendentes ao exercício do direito de remição em causa, o que se invoca à luz do disposto no art. 140.º do Cód. de Proc. Civil, e de que o despacho recorrido violou o disposto nos arts. 799.º, 802.º, 827.º, 828.º e 843.º, n.º 1, alínea b), todos do Cód. Proc. Civil, art. 1.380.º do Cód. Civil, conjugado com os arts. 811.º, n.º 2, 819.º, 823.º, 827.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil e art. 67.º da CRP.
Remata as suas conclusões requerendo que a decisão seja declarada nula por omissão de pronúncia e, assim se não entendendo, que seja revogado tal despacho, substituindo-se por outro que determine a anulação dos actos subsequentes à realização do leilão electrónico e que seja garantido o exercício do direito de remição.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª Edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação do reclamante/recorrente há que apreciar
a) Da nulidade da decisão;
b) Do prazo e pressupostos para o exercício do direito de remição.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia
Sustenta o apelante que a decisão recorrida está afectada do vício de nulidade por omissão de pronúncia, pois que invocou, em sede de reclamação, não existir fundamento para, em 19 de Janeiro de 2021, o agente de execução emitir título de transmissão, sem ter deixado transcorrer o prazo de dez dias que concedeu aos executados para se pronunciarem sobre a decisão de aceitação da proposta, questão que não foi apreciada pela 1ª instância.
O senhor juiz a quo proferiu despacho admitindo o recurso interposto, mas não se pronunciou sobre a arguida nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641º, n.º 1 e 617º do CPC.
A omissão de despacho do juiz a quo sobre as nulidades arguidas não determina necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância para tal efeito, cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 149.
Tendo presente a natureza da questão suscitada e o enquadramento que deve merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade.
As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento dos factos e do direito; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art. 615.º do Código de Processo Civil (CPC).
Dispõe o art. 615º, n.º 1 do CPC o seguinte:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Para a correcta interpretação deste preceito importa distinguir entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que apenas a estas últimas se aplica o normativo em referência.
Conforme impõe o n.º 3 do art.º 607º do CPC, o juiz deve especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, observando o disposto quer nesse normativo, quer no respectivo n.º 4, ou seja, o juiz deve discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, o que fará em conformidade com a sua livre apreciação (princípio da liberdade de julgamento – cf. n.º 5 do art.º 607º do CPC).
É usual verificar-se alguma confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou até entre a omissão de pronúncia (quanto a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento de entre os que são convocados pelas partes – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 737.
No que diz respeito à omissão de pronúncia sobre questões deduzidas ou sobre pretensão deduzida, tem-se entendido que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as de conhecimento oficioso, mas tal não exige que se apreciem todos os argumentos (que são coisa diversa de “questões”).
O juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, nos termos do art. 608º, n.º 2 do CPC, o que não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias soluções plausíveis de direito para a solução do litígio, tenham sido deduzidos pelas partes ou possam ter sido inicialmente admitidos pelo juiz – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pp. 713 e 737.
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2005, processo n.º 05S2137 Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram acessíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem., esclarece-se que:
“[…] a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC, nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e "[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras". É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes. Todavia, como já dizia A. Reis, há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão." Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas. Por isso […] não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicada pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.
A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC. A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas […] "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções […].”
Efectivamente, o reclamante mencionou em sede de alegação no contexto da sua reclamação não compreender por que razão o agente de execução emitiu o título de transmissão em 19 de Janeiro de 2021, quando apenas em 28 de Janeiro de 2021 terminaria o prazo concedido aos executados para se pronunciarem sobre a decisão de aceitar a proposta.
No entanto, prossegue a sua alegação passando a discorrer sobre a falta de notificação dos eventuais preferentes para exercerem o direito de preferência e sobre a falta de notificação do acto de adjudicação que, no seu entender, constituem formalidades omitidas, que impediram o interessado em remir de o fazer antes da emissão do título de transmissão.
Assim, verdadeiramente, do que se trata não é de uma questão carecida de resolução, mas antes de um dos argumentos aventados pelo reclamante para sustentar a pretendida revogação da decisão do senhor agente de execução.
Com efeito, a questão colocada pelo reclamante é a de saber se o exercício do direito de remição teve lugar dentro do prazo de que dispunha para o efeito e se o exerceu em respeito de todos os pressupostos legalmente exigidos, o que foi apreciado pelo Tribunal recorrido, que respondeu negativamente a ambas as questões, pelo que, ainda que não tendo mencionado ou aludido a invocada falta de concessão do prazo para o exercício do contraditório, não deixou a 1ª instância de apreciar as questões que lhe foram colocadas, pelo que não ocorre a apontada nulidade.
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Do prazo para o exercício do direito de remição
Como se retira do texto da decisão recorrida que supra se transcreveu foram invocados dois motivos para a não admissão do exercício do direito de remição por parte do reclamante Dinis …:
- O exercício do direito após a assinatura do título que documenta a venda, considerado este momento, nos termos do art.º 843º, n.º 1, b) do CPC, como o termo limite para a respectiva prática;
- A falta de depósito do preço.
O reclamante/apelante pretende ver revogada a decisão impugnada e a sua substituição por outra que determine a anulação dos actos subsequentes à decisão do agente de execução de aceitação da proposta apresentada pelo exequente/recorrido para aquisição do bem imóvel penhorado pela seguinte ordem de razões:
- O direito de remição não tem de ser exercido até ao momento da assinatura do título que documenta a venda, pois que o art.º 843º, n.º 1, b) do CPC prevê a possibilidade de ter lugar até ao momento da entrega efectiva dos bens, sendo que aquele antecede este e no dia 20 de Janeiro de 2021 ainda não ocorrera a entrega efectiva do imóvel;
- O título foi emitido no primeiro dos dez dias de prazo que o agente de execução concedeu aos executados para se pronunciarem sobre a decisão de aceitação da proposta;
- O prédio rústico objecto da venda confronta com outros dois prédios rústicos que possuem área inferior à unidade de cultura, pelo que o agente de execução estava obrigado a notificar os respectivos proprietários para, querendo, exercerem o direito de preferência, nos termos do art.º 1380º do Código Civil e 811º, n.º 2, 819º, 823º e 827º, n.º 1 do CPC;
- Ainda que nenhum preferente tivesse exercido o seu direito, estava o agente de execução obrigado a notificar os executados do acto de adjudicação do prédio objecto da venda, com o que contava o recorrente e com o prazo que aqueles dispunham para exercer o direito de preferência, pois que só após isso se poderia saber a quem fora adjudicado o prédio e qual o valor do preço a depositar;
- O desconhecimento pelos executados de que a proponente já havia depositado o preço impediu que o reclamante soubesse que para além do preço teria de depositar o acréscimo de 5%, pelo que, ainda que tivesse depositado o preço, sempre ficaria aquém do valor devido, mas por facto que deve ser imputado ao agente de execução.
Com a reforma da acção executiva introduzida pelo DL n.º 38/2003, de 8 de Março, vários procedimentos e decisões deixaram de caber ao juiz, passando a ser atribuídos ao agente de execução, sem prejuízo de ser o juiz a decidir se houvesse discordância das partes.
Posteriormente, com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, o art. 719º, n.º 1 conferiu um poder geral de direcção do processo ao agente de execução, pois que lhe incumbe efectuar todas as diligências de execução, incluindo, as citações, notificações e publicações, salvo se estiverem atribuídas à secretaria ou forem da competência do juiz. Assim, “na acção executiva os actos processuais do Estado são, em regra, actos do agente de execução” - cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pág. 453.
Quanto à venda executiva, a respectiva decisão compete, em regra, ao agente de execução – cf. art. 812º, n.º 1 do CPC.
Sabendo-se que a execução visa satisfazer os direitos do exequente à custa do património do executado, importa não descurar o facto de aquele resultado dever ser atingido sem sacrifício excessivo dos interesses deste último.
Por essa razão, o art. 812º, n.º 1 do CPC impõe a audição tanto do exequente como do executado, quer sobre a modalidade de venda, quer sobre o valor base do bem a vender, para além de não poderem ser aceites, no contexto da venda mediante propostas em carta fechada, propostas de valor inferior ao referido no n.º 2 do art. 816º (cf. art. 821º, n.º 3 do CPC).
De igual modo, face a tais exigências, justifica-se também, em atenção ao interesse comum de que os bens sejam vendidos pelo maior preço possível, que a decisão de venda não seja modificada sem audição dos interessados.
Por via do estatuído no art. 811º, n.º 2 do CPC, o disposto no art.º 818º, no n.º 2 do art.º 827º e no art.º 828º para a venda mediante propostas em carta fechada aplica-se, com as necessárias adaptações, às restantes modalidades de venda e o disposto nos art.ºs 819º e 823º aplica-se a todas as modalidades de venda, exceptuada a venda directa.
Em todas as modalidades de venda a verba fixada como valor base da transacção serve de referência para a conclusão do negócio de venda no contexto da execução.
A venda por leilão electrónico é a preferencialmente utilizada para a venda de bens imóveis, sendo-lhe aplicáveis as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão em tudo o que não estiver especialmente regulado na Portaria mencionada no n.º 1 do art.º 837º do CPC, ou seja, a Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto Que procede à Regulamentação de Vários Aspectos das Acções Executivas Cíveis. - cf. art.ºs 811º, n.º 1, g) e 837º, n.º 1 do CPC.
A publicitação da venda por leilão electrónico segue as regras gerais do art.º 817º, n.ºs 2 a 4 do CPC; processa-se em plataforma eletrónica acessível na Internet, concebida especificamente para permitir a licitação dos bens a vender, nos termos definidos na aludida Portaria n.º 282/2013, em conformidade com as regras do sistema aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça – cf. art.º 20º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto.
O dia e a hora de abertura e de termo de cada leilão eletrónico são estabelecidos pela entidade gestora da plataforma eletrónica, sendo tais prazos divulgados nessa plataforma, pelo menos, com cinco dias de antecedência face ao seu início, assim como as ofertas de licitação para aquisição dos bens em leilão são ali introduzidas, sendo que apenas podem ser aceites ofertas de valor igual ou superior ao valor base da licitação de cada bem a vender e, de entre estas, é escolhida a proposta cuja oferta corresponda ao maior dos valores de qualquer das ofertas anteriormente inseridas no sistema para essa venda – cf. art.ºs 22º e 23º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto.
Nos termos do art.º 26º, n.º 1 da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, compete ao agente de execução a decisão de adjudicação dos bens, sendo que os direitos ou deveres legalmente previstos podem ser exercidos até ao momento da adjudicação (cf. n.º 2).
No contexto da venda por leilão electrónico, a que se aplicam as regras da venda em estabelecimento de leilão no que não esteja previsto na Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, cabe ao proponente vencedor proceder ao pagamento por depósito do preço líquido em instituição de crédito, à ordem do agente de execução, juntando ao processo o conhecimento de depósito, no prazo de cinco dias após a realização da venda – cf. art.ºs 837º, n.º 3 e 834º, n.º 4 do CPC
No confronto com as regras descritas e os actos praticados nos autos verifica-se o seguinte:
- Em 4 de Junho de 2019 o agente de execução decidiu sobre a modalidade da venda e valor base dos bens, tendo tal decisão sido notificada à exequente e aos executados, que assim tomaram conhecimento do conteúdo de tal decisão e dos elementos essenciais da venda, nada tendo vindo requerer a esse propósito;
- Em 3 de Dezembro de 2020 o agente de execução notificou as partes de que se encontrava a decorrer até às 10 horas do dia 14 de Janeiro de 2021 a venda de alguns dos imóveis penhorados, designadamente, o acima identificado, por leilão electrónico, pelo que os executados puderam tomar conhecimento do momento relevante para o exercício dos direitos que deveriam ter lugar até ao encerramento do leilão;
- Em 15 de Janeiro de 2021 o agente de execução notificou os ilustres mandatários da exequente e dos executados da certidão do encerramento de leilão relativamente ao prédio rústico sito em ..., concelho de Torres Vedras, inscrito na matriz predial sob o artigo … da Secção E e descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o número ..., do valor da melhor proposta de 9 000,00 €, da identidade da proponente, bem como da sua decisão de aceitação de licitação, apresentando nota da liquidação;
- Em 19 de Janeiro de 2021 foi elaborado “Título de Transmissão”, mediante o qual o agente de execução certificou a venda em leilão electrónico e a adjudicação à proponente, fazendo menção ao depósito do preço.
O direito de remição é um mecanismo de protecção do património do executado, visando permitir que este conserve na esfera dos seus familiares directos o bem penhorado em caso de adjudicação ou venda, sem prejudicar a satisfação do crédito exequendo. Funciona como um direito de preferência a favor da família no confronto com estranhos.
Exercido o direito de remição, a alienação executiva do bem subsiste, ocorrendo apenas uma substituição quanto à pessoa do adquirente – cf. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2ª Edição Revista e Aumentada, pág. 472.
O art. 843º do CPC estabelece limites temporais para o exercício do direito de remição visando a protecção da estabilidade do acto de transmissão dos bens, fixando-o, no caso das modalidades de venda distintas da venda por propostas em carta fechada, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta (cf. alínea b) do n.º 1).
No entanto, se o remidor não tiver tido conhecimento atempado da venda executiva e se pretender exercer o seu direito já depois daquele prazo, poderá fazê-lo, desde que alegue que só teve conhecimento da venda depois do decurso desses prazos – cf. neste sentido, cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 473; em sentido distinto encontram-se, contudo, decisões dos tribunais superiores, exigindo a comprovação de justo impedimento, como o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-01-2009, relator Jorge Arcanjo, processo n.º 877/2002.C1; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-05-2015, relator Arlindo Oliveira, processo n.º 386/12.4TBSRE-B.C1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2016, relator Filipe Caroço, processo n.º 577/10.2TBSJM-B.P1.
Cumpre notar que o exercício do direito de remição pressupõe que se tenha realizado a venda dos bens do devedor e que esta seja válida e eficaz. Se a venda for anulada não se dá a transmissão dos bens na qual o familiar do devedor possa remir (o que não obsta, claro está, a uma nova venda válida e eficaz, em que esse direito possa ser exercido).
Ora, em face do acima expendido, tendo os executados sido notificados, na pessoa da sua ilustre mandatária, da decisão sobre a venda e do período durante o qual teria lugar o leilão electrónico e tendo sido também notificados do respectivo encerramento e decisão de aceitação da licitação, estavam eles, desde logo, em condições de advertir o seu familiar directo para se apresentar a exercer o direito a remir.
Por outro lado, comunicada a decisão sobre a aceitação da licitação e o valor do preço, estavam os executados em condições de saber o valor da oferta aceite pelo agente de execução.
Ora, a circunstância de apenas em 19 de Janeiro de 2021 ter sido emitido o título de transmissão, e não obstante este não ter sido expressamente notificado aos executados, em nada impedia que o reclamante exercesse o direito de remição, para o que sempre teria de proceder ao pagamento do preço, porquanto a possibilidade de efectuar a entrega de um cheque visado, à ordem do agente de execução no montante correspondente a 5% do valor anunciado, está apenas prevista para o remidor que pretenda exercer o seu direito no acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada.
Além disso, no caso em apreço, não se trata apenas da falta de depósito do acréscimo de 5% sobre o preço da venda, mas da falta de comprovação do depósito de qualquer montante, ao menos, do relativo ao preço, o que sempre tornaria ineficaz o exercício do direito de remição, porquanto tal depósito teria sempre de ser efectivado até ao exercício do direito, que, no caso, teria de respeitar a previsão da alínea b) do n.º 1, do art.º 843º do CPC, sendo que o depósito do preço no momento da remição é condição de validade do exercício do direito – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2021, processo n.º 0768/20.8BEAVR; do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-12-2020, processo n.º 1367/16.4T8PBL-A.C1, onde se refere que, com excepção da previsão atinente à modalidade de venda por abertura de propostas por carta fechada, a declaração de remição sem o depósito do preço não causa o que quer que seja, posto que “a declaração e pagamento constituem uma unidade não só funcional, mas também temporal”, sendo o pagamento do preço elemento constitutivo do direito de remição; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-03-2021, processo n.º 594/13.0TBPTL-C.G1.
Discorda o apelante da decisão recorrida quanto nela se entende que ao momento em que se apresentou a exercer o direito de remição estava já transcorrido o prazo para o efeito, o que faz sustentando que poderia exercê-lo até à entrega efectiva do bem, que em 20 de Janeiro de 2021 ainda não ocorrera.
Estatui o art.º 843º, n.º 1 do CPC o seguinte:
“O direito de remição pode ser exercido:
a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º;
b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.”
Verifica-se, assim, que o termo final do exercício do direito de remição difere consoante a modalidade de venda: no caso da venda mediante propostas em carta fechada, será até à emissão do título de transmissão dos bens ou no prazo de cinco dias, contados do termo do prazo que é concedido ao proponente ou preferente para depositar a totalidade ou parte do preço em falta (cf. art.º 824º, n.º 2 do CPC); nas demais modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
Em qualquer situação, a remição tem de ser exercida antes de a venda se encontrar completa – cf. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II 2022, pág. 937.
José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre referem (mudando o primeiro a posição que assumira em A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, pág. 388 Onde admitia que o direito de remição podia ter lugar até à assinatura do título de venda, se o houver, ou à entrega do bem, na falta de forma escrita.) que, como a forma escrita é exigida na venda por negociação particular, na venda em estabelecimento de leilão, na venda em leilão electrónico, na venda em depósito público ou equiparado e, em certa medida, na venda em mercado regulamentado, o remidor poderá sempre contar com aquele dos dois limites que ocorra posteriormente – cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, 3ª Edição, pág. 836.
De todo o modo, na delimitação do termo final para o exercício do direito importa atentar na modalidade de venda do bem penhorado que está em causa.
In casu, trata-se de bem imóvel vendido através de leilão eletrónico, em que o neto dos executados vem exercer o direito de remição depois de a proponente ter procedido ao depósito do preço (o que ocorreu em 18 de Janeiro de 2021), ter cumprido as obrigações fiscais decorrentes da aquisição, e de ter sido elaborado o título de transmissão (em 19 de Janeiro de 2021) e registada a aquisição no registo predial (em 20 de Janeiro de 2021).
Tendo o recorrente apresentado o pedido de remição limitando-se a afirmar a intenção de exercer o direito, depois de ter sido finalizado o procedimento de venda e entregue ao adquirente o título de transmissão, com registo da aquisição e sem que haja procedido ao depósito do preço, é seguro que aquele que não exerceu validamente tal direito, tanto mais que os executados foram regularmente notificados do período em que decorreria o leilão e, mais do que isso, do respectivo encerramento e decisão de aceitação de licitação (por expediente de 15 de Janeiro de 2021, presumindo-se a parte notificada em 18 de Janeiro de 2021).
Como se refere no acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2021, processo n.º 0768/20.8BEAVR supra mencionado, estando em causa uma venda em leilão electrónico, que, efectivamente, se inclui na previsão da alínea b) do n.º 1 do art.º 843º do CPC, podendo o direito de remição ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, o familiar do executado que pretenda exercer esse direito tem que estar presente no termo do leilão, de modo a acautelar o exercício desse direito, pois a lei não prevê qualquer outro procedimento que lhe garanta esse exercício após aquele momento.
Com efeito, para além da audição das partes quanto à decisão sobre a modalidade da venda e preço base dos bens a vender e comunicação da decisão do agente de execução sobre o resultado da venda, nenhuma exigência se mostra inscrita na lei a propósito das subsequentes diligências meramente executivas e que, na prática, visam concretizar a venda, já previamente determinada e definida nos seus elementos essenciais, sendo que o executado não tem qualquer direito processual a pronunciar-se sobre as diligências práticas que visam alcançar a realização do negócio, sem qualquer inovação relativamente aos seus elementos essenciais já precedentemente definidos.
Depois da notificação da decisão de aceitação da licitação e, mais do que isso, no momento do encerramento do leilão, incumbia aos executados, visando assegurar o exercício do direito de remição por parte de um seu familiar, acompanhar esses desenvolvimentos das diligências processuais de venda e a tramitação subsequente para que tal exercício fosse exercido em devido tempo.
É que estando integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, comunicando de seguida a venda ao serviço de registo competente.
Com efeito, a regra é, de acordo com o disposto no art.º 827º, n.º 1 do CPC, que, adjudicado o bem, este é entregue, sendo que na venda por leilão eletrónico, a adjudicação deve ser realizada nos termos previstos para a venda por propostas em carta fechada, por força da parte final do artigo 8º, n.º 10, do Despacho n.º 12624/2015 da Ministra da Justiça e esse regime é o que se acha no artigo 827º do CPC.
A adjudicação formaliza-se pela emissão do título de transmissão a favor do adquirente, não existindo um qualquer outro momento próprio para o efeito distinto desse. O título certifica apenas a venda executiva, não sendo um elemento constitutivo dessa venda – cf. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., pág. 924.
Não existe uma previsão legal expressa no sentido da necessidade da comunicação da data em que será lavrado o título de transmissão, impondo apenas a lei que o preço se mostre depositado antes disso – cf. art.º 8º, n.º 10 do Despacho da Ministra da Justiça n.º 12624/2015, de 9 de Novembro e art.º 26º, n.º 1 da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto.
Por outro lado, invoca o recorrente que poderia exercer o direito de remição até à entrega do bem, o que, ao momento do seu requerimento, ainda não ocorrera.
Não há notícia de que o bem imóvel – prédio rústico - estivesse ocupado ou na posse de um qualquer detentor (v. g. um depositário, que sequer figura indicado no auto de penhora) e que este não o tivesse entregado voluntariamente.
A tramitação processual legal não prevê outro momento depois da assinatura do título para que o remidor possa exercer o seu direito, pois que a entrega do bem apenas originará outra tramitação se aquela não tiver lugar de forma voluntária (cf. art.º 828º do CPC).
Resulta, aliás, expressamente, do disposto no art.º 26º, n.º 2 da Portaria 282/2013, que o exercício do direito de remição deveria ocorrer até ao momento da adjudicação – cf. neste sentido, Rui Pinto, A Ação Executiva, 2019 Reimpressão, pág. 886, onde se refere que, em termos próximos ao da venda mediante propostas em carta fechada, na venda em leilão electrónico, por força do disposto no referido art.º 26º, o direito de remição há-de ser exercido até ao momento da adjudicação, ali não incluindo a opção pelo momento da entrega do bem; no entanto, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-04-2022, processo n.º 419/14.0T8VNF-J.G1 considerou-se: “se é certo que, ao não efetuar o depósito do preço no momento em que se apresentou a exercer o direito de remição, a apelada não observou um dos requisitos constitutivos desse direito, nada obsta que a mesma venha de novo exercer esse direito, contanto que o faça dentro do prazo a que alude a referida al. b), do n.º 1 do art. 843º, efetuando desta vez o depósito integral do preço e da indemnização a que alude o n.º 2 deste mesmo normativo, caso esta última seja devida. Porque assim é, vindo o remidor exercer o direito de remição, nos casos em que aquele não deposita a totalidade do preço do bem e a indemnização, quando esta seja devida), estando este ainda em prazo para exercer validamente o direito de remição, e vindo efetuar o depósito em falta dentro desse prazo, não se pode ter como não exercido validamente esse direito ou como precludido o mesmo”, sendo certo, porém, que neste caso o apelante não se apresentou a depositar o preço dentro do prazo mencionado.
Assim, estando completa a venda ao momento em que o recorrente pretendeu exercer o seu direito não só tal exercício se revela extemporâneo como, ainda que o não fosse, a falta de depósito do preço sempre tornaria ineficaz essa declaração de vontade de exercer o direito de remição.
Também a circunstância de o título de transmissão ter sido lavrado logo que depositado e preço e cumpridas as obrigações fiscais, ainda dentro do prazo de dez dias posteriores à notificação aos executados da decisão de aceitação de licitação, em nada interfere com a conclusão da extemporaneidade nem corporiza qualquer omissão de formalidade ou incumprimento do exercício do contraditório, pois, tal como decorre do atrás expendido, após o encerramento do leilão electrónico, nada existindo em contrário aos termos pré-estabelecidos para a venda, alcançada uma proposta que cumpra os requisitos, designadamente, a observância de valor igual ou superior ao valor base da licitação do bem e a escolha daquela que corresponda ao maior dos valores de qualquer das ofertas anteriormente inseridas no sistema para essa venda (cf. art.º 23º da Portaria n.º 282/2013), cabia apenas ao agente de execução, precisamente no prazo de dez dias a contar da certificação da conclusão do leilão, dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada – cf. art.º 8º, n.º 10 do Despacho n.º 12624/2015, de 9 de Novembro.
Como tal, é indiferente para a aferição do prazo para o exercício do direito de remição que estivesse em curso o prazo subsequente à notificação efectuada em 15 de Janeiro de 2021 aquando da emissão do título de transmissão, porquanto esta integra apenas a tramitação processual normal que deve ter lugar na sequência do encerramento do leilão, uma vez depositado o preço e cumpridas as obrigações fiscais, não se iniciando então qualquer período de pronúncia quanto aos termos das meras diligências executivas para conclusão da venda (eventuais irregularidades na venda que viessem a ser suscitadas – cf. art.º 835º do CPC - teriam, então, a virtualidade de interferir com a sua validade, mas não tendo aqui sido deduzidas não cumpre afastar o dies ad quem para o exercício do direito de remição).
Mais sustenta o recorrente que o prédio rústico objecto de venda confronta com dois outros que possuem área inferior à unidade de cultura e cujos proprietários deveriam ter sido notificados para, querendo, exercerem o direito de preferência, nos termos do art.º 1380º do Código Civil e art.ºs 811º, n.º 2 e 819º do CPC, pelo que estavam os executados e o recorrente convencidos de que se teria de aguardar pelo prazo destinado ao eventual exercício do direito de preferência, pelo que, tendo dado conta da intenção de exercer o direito de remição, ficou a aguardar informação sobre os elementos da venda, designadamente, se teria existido licitação entre os preferentes e o preço que deveria depositar.
De acordo com o disposto no art.º 844º, n.º 1 do CPC, o direito de remição prevalece sobre o direito de preferência.
Embora o n.º 2 deste normativo legal estipule que, havendo vários preferentes e abrindo-se licitação entre eles, a remição tem de ser feita pelo preço correspondente ao lanço mais elevado, tal não significa que, no caso, o recorrente tivesse de aguardar pelo exercício de um eventual direito de preferência, porquanto sequer teve lugar qualquer notificação nesse sentido.
Com efeito, o direito de remição prevalece sobre os direitos de preferência reconhecidos no processo executivo, ou seja, o remidor pode exercer o seu direito de remição contra o titular de um direito de preferência oponível na execução.
Ora, neste caso, nenhum direito de preferência foi exercido nem foi pretendido fazer valer na execução, sendo que a eventual falta de notificação do preferente não determina a nulidade processual da venda, pois que o terceiro preferente poderá propor acção de preferência, nos termos do art.º 819º, n.ºs 2 e 4 do CPC, isto é, o preferente mantém o direito de intentar acção de preferência, no prazo de seis meses, que, a proceder, implicará a substituição do preferente ao terceiro adquirente, pagando o preço e as despesas da compra – cf. art.ºs 421º, n.º 2 e 1410º, n.º 1 do Código Civil; António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipes Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II – Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, 2020, pág. 240; Rui Pinto, A Ação…, pág. 885. Dir-se-á, também, que a admitir-se a existência de uma nulidade processual por falta de notificação dos preferentes não se vislumbra que esta fosse susceptível de ser invocada pelo remidor, porquanto não interfere com o exercício do seu direito; tal legitimidade poderá ser reconhecida ao executado, por este ter interesse na eventual licitação entre o proponente e o preferente e entre vários preferentes, interesse que não se constata relativamente ao remidor – cf. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., pp. 935-936.
Como tal, não tendo existido a notificação de qualquer preferente nos autos, independentemente da existência de titulares em condições de o poderem opor à execução, seguro é que o prazo para o exercício do direito de remição não estava dependente de uma notificação que, a ter existido, tinha que ter tido lugar nos termos do n.º 1 do art.º 819º do CPC, por referência ao dia e a hora de abertura e de termo do leilão eletrónico, para que tal direito pudesse ser exercido até à adjudicação.
Ademais, da prevalência do direito de remição sobre o direito de preferência decorre que, uma vez exercido aquele, nenhum direito de preferência é susceptível de ser exercido no processo executivo. Assim, omitida a notificação dos titulares do direito de preferência, o exercício do direito de remição faz caducar o direito de preferência de tais titulares – cf. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., pág. 938 e António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipes Pires de Sousa, op. cit., pág. 266.
Notificados da decisão de aceitação de licitação e não tendo tido lugar qualquer notificação a eventuais preferentes, nenhum outro prazo tinha o reclamante que aguardar para exercer, querendo, o seu direito de remição e, fazendo-o, proceder ao depósito do preço equivalente ao valor da oferta aceite.
Notificados os executados da decisão do agente de execução de aceitação da oferta mais elevada, encontravam-se aqueles, desde então, em condições de informar o ora recorrente, seu familiar, das condições de exercício do direito a remir, direito que podia exercer até à emissão do título que documenta a venda. Este termo final não se altera ainda que o titular de direito legal de preferência se apresentasse a exercê-lo na sequência da interpelação a que se refere o art.º 823.º do CPC, sendo de notar também que nada na lei obriga a aguardar pelo prazo de 10 dias que as partes deduzam eventual oposição ao seu exercício antes da passagem do título, dispondo o art.º 827.º do CPC, a este respeito, e apenas, que “Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor (…)”.
Não impondo a lei ao agente de execução que dê conhecimento aos titulares do direito de remição da prática dos actos relativos à concretização da venda, designadamente da iminente emissão do título de transmissão, verificado que o preço se encontrava totalmente pago e a proponente tinha satisfeito as obrigações fiscais, nada obstava à respectiva emissão, até porque então eram já conhecidas as condições do exercício do direito de remição, cabendo aos executados e respectivos familiares, como acima se referiu, um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem, com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-09-2012, processo n.º 4595/10.2TBBRG.G1.S1 do Tribunal da Relação de Évora de 11-03-2021, processo n.º 2895/18.2T8LLE-C.E1.
Não tendo sido preterida qualquer formalidade imposta por lei não existe fundamento para anular qualquer acto subsequente ao encerramento do leilão electrónico.
Por outro lado, como decorre do acima expendido, sendo a remição um mecanismo de protecção do património do executado, sem prejudicar a satisfação do crédito exequendo, nem as legítimas expetativas dos credores, funcionando como um direito de preferência a favor da família no confronto com estranhos, tal não significa que possa ser exercido a todo o tempo, antes fixando a lei um termo final que no caso vertente não foi observado.
Por fim, e como já acima se deu conta, o remidor, ora apelante, não fez acompanhar a sua declaração de remição de comprovativo do depósito do preço, que é condição da respectiva eficácia, pelo que, também com este fundamento, não poderia a sua pretensão ser atendida.
Improcedem os fundamentos do recurso, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O apelante decai na sua pretensão recursória, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante.
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Lisboa, 13 de Setembro de 2022
Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro