Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
110414/15.0YIPRT.L1-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: INJUNÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O senhorio pode socorrer-se do procedimento de injunção para peticionar o pagamento de rendas e de algumas despesas de consumos de água, eletricidade e gás, alegadamente respeitantes ao período de vigência do contrato de arrendamento.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Carla requereu procedimento de injunção contra Cármen, Manuel e Maria, todos identificados nos autos.
Pediu que os requeridos fossem notificados para lhe pagar a quantia de € 6419.20, sendo, € 6106.05  de capital, € 211.15 de juros e € 102,00  de taxa de justiça.

Alegou, para tanto:
A Requerente e o seu marido, na qualidade de senhorios, celebraram contrato de arrendamento com a Requerida Cármen, no qual os Requeridos Manuel e Maria assumiram a qualidade de fiadores, contrato esse referente à fração autónoma X.
Apesar de interpelados para o efeito, os Requeridos não procederam ao pagamento de uma renda vencida no ano de 2012, seis rendas vencidas no ano de 2013, parte de uma renda(€150, 00) e seis rendas vencidas no ano de 2014, e três rendas vencidas no ano de 2015, encontrando-se em dívida a quantia de € 5.750, 00.
A esta quantia acrescem ainda juros de mora à taxa legal de 4%, contabilizados desde a data de vencimento de cada uma das rendas até integral pagamento, e ue nesta data se liquidam em
€ 211, 15.
Os Requeridos encontram-se também em dívida para com os Requerentes com as seguintes quantias, relativas ao período em que habitaram o arrendado: faturas de gás € 142, faturas de eletricidade € 107, 89, faturas de água € 106,16.

Apenas a Requerida Cármen deduziu oposição, tendo alegado, em síntese:
O contrato de arrendamento que vem invocado foi outorgado, pela parte do senhorio, pela ora Requerente e por seu marido.
Assim, o presente requerimento de injunção tem de ser requerido pelos dois, em litisconsórcio necessário.
Sendo a Requerente, enquanto desacompanhada do marido, parte ilegítima.

A Requerida tinha a faculdade de recusar o pagamento das rendas porque a Requerente, apesar de várias vezes interpelada, nunca lhe entregou recibos dos pagamentos efetuados.

A Requerida fez os seguintes pagamentos:

I-No ano de 2012:

- 28/02: 350,00 €;
- 29/02: 450,00 €, perfazendo estes dois primeiros pagamentos a quantia de 800,00 € respeitante aos dois primeiros meses de vigência do contrato (Março e Abril de 2012) mais 100,00 € a título de despesas, conforme ao previsto na cláusula 2ª, pontos 2 e 3 do contrato junto como Doc.1;
- 29/03: 350,00 €, referentes à renda de Maio/2012, que só deveria ser paga em Abril (cf. cláusula 2ª do contrato de arrendamento);
- 30/04: 350,00 €, respeitantes à renda de Junho de 2012;
- 08/06: 350,00 €, respeitantes à renda de Julho de 2012;
- 03/07: 350,00 €, respeitantes à renda de Agosto de 2012;
- 08/08: 350,00 €, respeitantes à renda de Setembro de 2012;
- 11/09: 350,00 €, respeitantes à renda de Outubro de 2012;
- 19/10: 350,00 €, respeitantes à renda de Novembro de 2012;
- 30/10: 350,00 €, respeitantes à renda de Dezembro de 2012;
- 03/12: 350,00 €, respeitantes à renda de Janeiro de 2013.
Pelo que não existem rendas em dívida do ano de 2012.

II–No ano de 2013:

- 21/01: 350,00 €, respeitantes à renda de Fevereiro de 2013;
- 02/05: 700,00 €, que pagam as rendas de Março e Abril de 2013;
- 07/06: 700,00 €, que pagam as rendas de Maio e Junho de 2013;
- 07/07: 350,00 €, respeitantes à renda de Julho de 2013;
Não foram pagos cinco meses de renda de 2013, que correspondem a 1.750,00 € (350,00 € x 5).
8/49

III–No ano de 2014:

- 13/01: 350,00 €, relativos à renda de Fevereiro de 2014;
- 06/02: 400,00 €, que pagam as rendas de Março/2014 e o remanescente (50,00 €) por conta de parte da renda de Abril de 2014;
- 04/04: 400,00 €, que respeitam ao remanescente da renda de Abril/2014 (300,00 €) e o resto (100,00 €) por conta da renda de Maio/2014;
- 11/05: 400,00 €, a título de remanescente da renda de Maio/2014 (250,00 €) e o remanescente (150,00 €) fica por conta de parte da renda de Junho de 2014;
- 19/06: 200,00 €, remanescente da renda de Junho de 2014;
- 07/07: 400,00 €, referentes à renda de Junho de 2014, mais 50,00 € por conta da renda de Agosto/2014;
- Agosto: 400,00 €, remanescente da renda de Agosto/2014 (300,00 €) mais 100,00 € por conta da renda de Setembro/2014;
- Setembro: 400,00 €, remanescente da renda de Set/2014 (250,00 €) mais 150,00 € de parte da renda de Outubro/2014;
- Novembro: em falta.
Não foi paga parte da renda de Outubro (200,00 €) e a renda de Novembro, totalizando 550,00 € em falta do ano de 2014.
(cf. extracto bancário que se junta como Doc.31)
Decorre do exposto que não foram liquidadas as seguintes Quantias:
- 1.750,00 € de rendas de 2013;
- 550,00 €, de rendas de 2014;
- Total: 2.300,00 €.
- E não o valor que a requerente vem reclamar: 5.750,00 €

Relativamente à renda de Dezembro de 2014, assim como as rendas de Janeiro a Março de 2015, também peticionadas pela requerente, a requerida entende que as mesmas não são devidas, porquanto desde o final do mês de Novembro de 2014 que a mesma não reside no locado (junta-se contrato de arrendamento outorgado pela requerida com início em 01-12-2014, como Doc.4).
Tendo comunicado telefonicamente à requerente durante o mês de Outubro de 2014, em dia que não consegue neste momento precisar, que queria entregar-lhe o locado por não estar em condições de continuar a liquidar a renda convencionada, e por não terem sido resolvidos alguns problemas previamente comunicados à senhoria, como por exemplo uma fuga detetada no autoclismo do wc que se repercutia mensalmente no valor da conta da água e a infiltração de água no esquentador e no fogão da cozinha.

Tendo a requerida, assim que informou a senhoria de que não pretendia continuar a fazer uso do locado, disponibilizado para lhe entregar as respetivas chaves.

Tendo-o feito diversas vezes através de telefonemas para a requerente, tendo esta dito sucessivas vezes que não lhe dava jeito receber as chaves nos dias propostos pela ora requerida e que voltaria a contactá-la para marcarem um encontro para esse fim.

Tendo a Requerida confiado na palavra da requerente.

Sendo agora surpreendida com o pedido de pagamento das rendas dos meses em que já não habitava a casa.

O pedido de pagamento das faturas de gás, eletricidade e água não fazem sentido sem a indicação, no requerimento injuntivo, do período a que respeitam.

Tendo a requerida assegurado o pagamento de todas as faturas até ao termo do período em que residiu no imóvel.

Remetidos os autos à distribuição foi a Autora convidada a pronunciar-se sobre as exceções invocadas na oposição.

E as duas partes foram convidadas a pronunciar-se sobre o eventual erro na forma do processo.

A Autora veio pronunciar-se, defendendo a improcedência das exceções invocadas e a inexistência de erro na forma do processo.
Por seu turno a Ré veio manifestar a sua adesão aos fundamentos do acórdão do TRP de 31-05-2010, disponível em www.dgsi.pt, transcrevendo o respetivo sumário, do seguinte teor:
«I-A forma de procedimento simplificado prevista no DL nº 269/98 de 1 de Setembro não foi concebida para as questões surgidas no âmbito do contrato de arrendamento e não se lhe aplica.
II-Nos casos em que o autor faça uso indevido e inadequado de tal providência, verifica-se uma excepção dilatória inominada que conduz à absolvição dos réus da instância.
»

No seguimento foi proferido despacho, onde foi julgada verificada a exceção de erro na forma do processo, com a seguinte fundamentação:
«A Requerente apresentou requerimento de injunção contra os Requeridos requerendo que seja conferida força executiva à quantia de e 6.419,20 euros, porquanto os mesmos não satisfizeram a obrigação pecuniária de pagamento de várias rendas vencidas e não pagaram várias despesas decorrentes de consumos de água, gás e electricidade referentes ao período de tempo em que habitaram o locado.
Os Requeridos apresentam oposição onde excepcionaram a ilegitimidade activa do Requerente, ademais da inexigibilidade das rendas peticionadas decorrente da falta de entrega dos recibos de rendas anteriores, mais impugnando a matéria do requerimento de injunção.
A Requerente pronunciou-se sobre as excepções apresentadas.
O Decreto-Lei n.º 269/98, visou criar um procedimento especial para cobrança de obrigações pecuniárias assentes em contrato, com vista a permitir um meio mais célere de cumprimento das obrigações puras de pagamento, em execução de contrato, que não implicassem qualquer juízo complexo de culpa ou incumprimento contratual.
Neste conspecto, o Decreto-Lei n.º 32/2002, de 17 de Fevereiro, veio clarificar ainda mais o âmbito do procedimento especial de injunção, quando no seu art. 2.º, alínea c) excluiu do seu âmbito os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, onde se inclui a responsabilidade civil contratual e extracontratual.
A razão de ser de tais diplomas foi reservar os litígios sobre a interpretação e execução dos contratos para a acção comum, e reservar as obrigações pecuniárias para o procedimento de injunção ou acção declarativa especial, cuja sentença é preferencialmente verbal.
Ora, atento a forma como as partes tomaram posição nos articulados, nomeadamente, na questão referente à falta de entrega de recibos, imputação de rendas, ou denúncia com entrega material das chaves, extravasa manifestamente o âmbito do procedimento de injunção, sendo matérias que carecem de ser dirimidas em acção comum, para apreciar os vários argumentos das partes, a qual não se compadece com a simplicidade do presente procedimento.
A jurisprudência citada pela Requerida é disso exemplo, na medida em que a validade da denúncia efectuada alegada em sede de excepção pode condicionar o número e valor das rendas exigidas, ainda que formalmente a Requerente não tenha pedido a apreciação da validade da resolução.
As partes carecem assim, rodeadas de garantias mais solenes, tendo em conta que a acção tem valor superior a € 5.000 euros, ser reencaminhadas para a acção comum, não sendo os articulados da injunção, pela sua simplicidade, susceptíveis de ser aproveitados para essa forma.
Pelo supra exposto, nos termos do art. 193.º CPC, julgo verificada a excepção de erro na forma do processo, e em consequência, anulo todo o processo de determino a absolvição dos Requeridos da instância.
Custas pela Requerente.»

Inconformada, a Autora apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:

1–O Tribunal a quo efectuou errada interpretação e aplicação do disposto no artº 193º do CPC e no regime previsto no artº 269/98 de 01/09, bem como do Dec. Lei 32/2003 de 17/02, em especial da alínea c) do artº 2º, sendo que este ultimo diploma não tem aplicação no caso dos autos.
2–O procedimento de injunção é adequado ao caso dos autos, na medida em que se peticiona o cumprimento de uma obrigação pecuniária, emergente de contrato (arrendamento) e de valor não superior a € 15.000,00 – cfra. artº 1º do diploma preambular citado e artº 7º do Regime Anexo ao Dec. Lei 269/98.
3–Acresce que, da análise das disposições legais contidas no Dec. Lei 269/98, nomeadamente do disposto no nº3 do artº 17º (convite ao aperfeiçoamento), nº1 do artº 3º (gravação de prova quando a decisão final admita recurso ordinário) e nº 5º do artº 4º (realização de diligencia probatória por decisão do Tribunal), e sem prejuízo também da aplicação das normas do CPC, como seja a possibilidade de declarações de parte (artº 466º), não resulta qualquer limitação de garantias das partes.
4–Não se verifica assim a excepção de erro na forma de processo.

Termos em que deve o presente recurso ser recebido e, a final, ser considerado procedente por provado.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir.

Sendo o objeto dos recursos delimitado, em regra, pelas respetivas conclusões, está em causa no presente recurso saber se não existe erro na forma de processo utilizado. No fundo, está em causa saber se um senhorio pode socorrer-se do procedimento de injunção para peticionar o pagamento de rendas e de algumas despesas de consumos de água, eletricidade e gás, alegadamente respeitantes ao período de vigência do contrato de arrendamento.

Não vindo questionado, nem se afigurando questionável, que estamos perante um pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, de valor inferior a € 15.000,00.

Assentando a decisão recorrida na complexidade das questões que podem ser suscitadas no âmbito de uma ação fundada em contrato de arrendamento, como seria confirmado pela oposição deduzida, com a invocação da falta de entrega de recibos, do pagamento de rendas, e da denúncia do contrato de arrendamento.

Assim está efetivamente em causa saber se o procedimento de injunção não é adequado para peticionar o cumprimento de obrigações pecuniárias fundadas em contrato de arrendamento, tendo em consideração a complexidade das questões que poderão ser suscitadas pela parte requerida.

Sendo esta a questão a resolver, julga-se, antecipando a conclusão, que deve ser reconhecida razão à recorrente, não devendo subsistir a decisão recorrida.

Esta mesma questão foi decidida no acórdão do TRP de 11-03-2014, proc. n.º 103296/12.5YIPRT.P1, citado pela ora recorrente nas suas alegações, nos seguintes termos que, por merecerem a nossa adesão, se transcrevem: 

«O procedimento de injunção é regulado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1.09, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 16-A/98, de 30.09, que aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância. As alterações introduzidas, principalmente, pelo DL n.º107/2005, de 1.07, com a redacção que lhe foi conferida pela Declaração de Rectificação n.º 63/2005, de 19.08 e pelo DL n.º303/2007 de 24.08, que veio alterar o âmbito de aplicação do DL n.º 269/98, mantendo o objectivo de descongestionar os tribunais de processos destinados ao cumprimento de obrigações pecuniárias, pois alargou o seu âmbito de aplicação para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00.

Resultava já do preâmbulo do DL 269/98, e foi reafirmado no preâmbulo do DL 107/2005, que este diploma teve em vista o grande número de “acções de baixa densidade que tem crescentemente ocupado os tribunais, erigidos em órgãos para reconhecimento e cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores” resultantes dos “serviços prestados por empresas que negoceiam com milhares de consumidores”, “a necessidade de encontrar alternativas para a litigância de massa e a crescente instauração de acções de baixo valor (…) motivou a criação de mecanismos céleres e simplificados, adequados à rápida obtenção de um título executivo”, tendo “a resolução do problema do aumento explosivo da litigiosidade cível de baixo valor” e, por isso, “preconiza-se o alargamento do âmbito de aplicação da acção declarativa especial (…) às obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação, o que se justifica pelo facto de, atendendo ao respectivo objecto, e independentemente do valor da causa, se tratar de acções geralmente simples. O aumento do valor das causas abrangidas pela presente acção especial implicou, no entanto, a introdução de algumas alterações ao regime processual, nomeadamente o alargamento do prazo para contestar, o aumento do número de testemunhas a apresentar e a possibilidade de ser requerida a gravação da audiência, em qualquer dos casos, apenas quando se trate de acção de valor superior à alçada da 1.ª instância. Procurou-se, desta forma, encontrar uma solução de compromisso entre a necessidade de preservação da simplicidade do processo e a de conferir especiais garantias processuais às partes, em razão do valor da acção”.

Portanto, actualmente a injunção constitui a providência que tem por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00 ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17.02.

Ora, e no que respeita ao pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias, uma vez que ao caso em apreço não revela a situação das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, a verdade é que a lei não faz qualquer limitação do seu campo de aplicação. Ou seja, a lei não especifica nem restringe a sua aplicação a um específico tipo de contratos, nem faz quaisquer exigências quanto à forma de fixação, por acordo ou unilateralmente, das obrigações pecuniárias.

Donde se conclui que este procedimento se mostra adequado e é aplicável a todas as situações em que se pretenda exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e desde que o valor dessas obrigações não exceda, como é o caso, o valor de €15.000,00.

E se o regime em causa parece ter tido em vista acções de baixa densidade para reconhecimento e cobrança de dívidas a empresas que negoceiam com milhares de consumidores, conforme decorre do respectivo preâmbulo, a verdade é que a redacção do referido art.º 1.º não consente uma interpretação restritiva, apenas se exigindo que se trate de obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a €15.000,00. Não se estabelece, nem se sugere, qualquer limitação quanto à forma de fixação dessa obrigação.
(…)

Ademais, no caso dos autos, o autor deu cumprimento ao disposto no art.º 10.º, n.º 2 al d), do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 1.09, na redacção do DL 107/2005 de 1.07, que estipula que este deve expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão, sendo certo que os réus/apelantes contestaram a pretensão em causa, verificando-se, pelo teor da contestação, que interpretaram convenientemente a petição inicial. Quanto ao inconveniente de a acção declarativa especial que se seguiu à dedução de oposição à execução por parte dos ora apelantes, não comportar mais do que dois articulados (petição e contestação), e consequentemente não ser processualmente possível a dedução de qualquer incidente de intervenção de terceiros, tal decorre da simplificação processual e suas consequências, bem ponderadas pelo legislador, tendo, no dizer do mesmo, se procurado “uma solução de compromisso entre a necessidade de preservação da simplicidade do processo e a de conferir especiais garantias processuais às partes, em razão do valor da acção”. Doutra forma, e como se escreveu na decisão recorrida citando o Ac. da Relação de Coimbra de 18.05.2004, in www.dgsi.pt “frustravam-se a desburocratização, simplicidade, singeleza e celeridade que estão associadas a este tipo de procedimentos, pensados tendo em vista o descongestionamento dos tribunais no que concerne à efectivação de pretensões pecuniárias de reduzido montante”.

Pelo que e em conclusão não se verifica a excepção de erro na forma do processo.


Improcedem, pois, as conclusões dos apelantes, confirmando-se a decisão recorrida.»


Nos termos já referidos, acompanha-se este entendimento. Ou seja, não se acompanha o entendimento, em que parece assentar a decisão ora recorrida, de que o recurso ao procedimento de injunção está reservado para situações que não comportem relevante discussão de facto. Uma vez que essa limitação não resulta da lei.

Sendo, antes, seguro que qualquer procedimento de injunção comporta oposição, de facto e de direito, sem limites decorrentes da eventual complexidade da defesa a apresentar. Nem se afigura possível prever, em cada caso concreto, a medida da complexidade da oposição que poderá ser apresentada, nem se vendo como poderia ser determinado um limite de complexidade, a partir do qual não seria admissível o recurso ao procedimento de injunção.

E, se fosse possível enunciar um conceito operativo de complexidade, julga-se que a situação controvertida nos presentes autos não poderia ser integrada nele. Não se vendo que a escassa matéria de facto controvertida não possa ser adequadamente esclarecida no âmbito do julgamento a realizar no prosseguimento da presente ação.

De resto, tem sido relativamente comum o recurso ao procedimento de injunção para obter o pagamento de rendas, com fundamento em contratos de arrendamento. E, ao menos maioritariamente, a questão da propriedade do meio processual nem chega a ser suscitada. Foi o que sucedeu nos acórdãos proferidos neste TRL, no dia 04-12-2012, no proc. n.º 177997/10-6YIPRT.L1-7, e no dia 21-02-2013, no proc. n.º 52506/12-2YIPRT.L1-2, também disponíveis em www.dgsi.pt.

E, como também observa a recorrente, o acórdão do TRP de 31-05-2010, cujo sumário acima se deixou transcrito, foi proferido num processo em que também vinha pedida a resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas e a consequente entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens.

Ou seja, não estava ali apenas em causa o pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes do contrato de arrendamento, mas a própria resolução deste contrato e o despejo do locado. Sendo seguro que o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para peticionar a resolução do contrato de arrendamento e o despejo do locado.

Ora, no caso dos autos apenas está em caus o cumprimento de obrigações pecuniárias – respeitantes a rendas e a valores de consumos domésticos pretensamente realizados pela ré – pelo que o recurso ao procedimento de injunção, transmudado, por efeito da oposição deduzida, em ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, deve ser considerado processualmente adequado, não se verificando a existência de erro na forma do processo.

Assim se concluindo, acordam em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos.

Custas pela parte vencida a final, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a ora apelada.



Lisboa, 22-09-2016


(Farinha Alves)
(Tibério Silva)
(Ezaguy Martins)