Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
403/12.8TTFUN.L2-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CADUCIDADE
EXAME MÉDICO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: SUMÁRIO:
I. Para cessar por caducidade o contrato de trabalho por tempo indeterminado, sem ser por reforma do trabalhador, por razões ligadas ao prestador da atividade, importa que a impossibilidade do trabalhador de prestar a sua atividade seja, além de superveniente, absoluta (não podendo desempenhar de todo as suas funções) e definitiva e não meramente temporária.
II. O exame do médico do trabalho que visa suportar a declaração de caducidade é um mero parecer que tem de ser fundamentado e que está sujeito à produção de prova contrária.
III. A declaração de caducidade é da responsabilidade do empregador.
IV. Não tem a natureza de indemnização aceite em lugar da reintegração uma verba paga pelo empregador no acerto de contas que se propôs fazer com a trabalhadora ilicitamente despedida por não se demonstrar impossibilidade superveniente que fundamente a caducidade, nada constando nessa verba no sentido de visar indemnizar a antiguidade daquela.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Autora (A.) e recorrida: AA
Ré (R.) e recorrente:  BB, S.A..
Tendo a A. intentado a ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, notificada da motivação veio alegar que houve despedimento, que a suposta existência de uma doença crónica só por si não é impeditiva de uma normal prestação de trabalho, que a R. entregou à A. a quantia de €2.246,76, tendo apelidado esse valor de “indemnização” sem que esteja legalmente prevista essa figura para o tipo de situação que é invocada pela R.
Concluiu, pedindo que seja reconhecida a ilicitude do despedimento da ora contestante, tendo esta, em consequência, direito à reintegração no seu posto de trabalho e consequente pagamento de salários vencidos e vincendos até esse momento, reservando-se para a contestante o direito de opção pela indemnização prevista no art.º 391º do CPT.
A R., além de arguir a exceção dilatória de erro na forma do processo, considerando que a forma adequada é a de processo comum, alegou que só necessitava da prestação da A. para o exercício das funções próprias da categoria profissional de vigilante, mas que devido às conclusões da ficha de aptidão, segundo a qual a A. não está apta para o exercício das funções de vigilante, por ser portadora de doença crónica, a R. viu-se obrigada a operar a caducidade do contrato de trabalho da A., tendo pago todos os créditos devidos à A. até à data em que caducidade operou os seus efeitos. Findou pedindo, na parte relevante, que se considere que a caducidade do contrato de trabalho que vinculava A. e R. foi correta e legalmente efetuada, não havendo despedimento ilegal ou irregular da A., julgando-se improcedente a pretensão da A. improcedente, absolvendo-se a R. do pedido.
Na sequência de acórdão desta Relação que determinou a prossecução da ação na forma comum foi efetuado julgamento, tendo o Tribunal decidido nestes termos:
(…) Julgo procedente por provada a presente ação, declaro ilícito o despedimento do A. e em consequência:
a) Condeno a R. a reintegrar a A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
b) Condeno a R. a pagar à A. as retribuições que se vencerem desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão.
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Não se conformando veio a R. BB apelar, concluindo:
(…)
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Contra-alegou a A., sintetizando:
         (…)
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O MºPº teve vista, pronunciando-se em sentido desfavorável à recorrente.
A recorrente respondeu ao parecer.
Foram colhidos os vistos legais.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, artigos 636 e 639, ambos do Novo Código de Processo Civil –, se o contrato cessou por caducidade ou por resolução e com que consequências. No caso de ter sido por despedimento importa verificar se ao receber € 2.246,76 da R., a A. aceitou a indemnização em lugar da reintegração.
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São estes os factos apurados nos autos:
1. A R. dedica-se à atividade comercial de segurança privada.
2. Entre A. e R. existia até 30 de junho de 2012 um vínculo laboral, em que a primeira figurava como trabalhadora, e a segunda como entidade empregadora.
3. Por vias de tal vínculo laboral a A. prestava à R., sob as ordens, instruções, direção e fiscalização desta, as funções próprias da categoria profissional de vigilante.
[1]6. A A. exercia as suas funções de vigilante nas instalações da Cliente da R. FM.
7. E fez com que a R. impusesse à A. inspeção médica para aferir da sua aptidão para o exercício das funções de vigilante.
8. Tal inspeção médica foi efetuada pela ERGORAM – Segurança, Saúde e Higiene Lda.
9. Tendo sido analisada pelo Médico do Trabalho Dr. RS, nos termos do doc. de fls. 20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. As conclusões da análise à A. constam da respetiva ficha de aptidão.
11. Pela qual conclui que a A. é portadora de doença crónica que requer poli medicação continuada, situação insuscetível com as responsabilidade da profissão de vigilante.
12. Alvitrando como possibilidade de outra função para a A., desempenhar o “Trabalho Administrativo”.
13. A R. contratou a A. para o exercício das funções próprias da categoria profissional de vigilante. Face ao supra referido a R. considerou operar a caducidade[2].
14. A ré pagou todos os créditos salariais devidos à autora até 30 de Junho de 2012.
15. E pagou-lhe a quantia de € 2.246,76.
16. A A. recebeu e aceitou, não a devolvendo á R.
17. A R. não tem qualquer outro posto ou função, muito menos administrativo que possibilite receber a prestação de trabalho da A.
18. Em data não apurada a A. começou a ter desmaios frequentes no seu local de posto de trabalho, e sinais de elevado stress.
19. O que levou o cliente FM a pedir a substituição da A.
20. A R. não dispõe de qualquer outra função para a A.
21. A R. enviou à R. com a data de 21.06.2012, uma comunicação em que declarava a caducidade do trabalho com efeitos a partir do dia 30.06.2012.
22. À data da cessação do vínculo a A. recebia a remuneração base de € 641,93[3].
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De Direito
Nos termos do artigo 53º da Lei Fundamental são proibidos os despedimentos sem justa causa. No direito ordinário artigo 396, n.º 1, do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27.8, densifica aquela norma, apenas permitindo a resolução por iniciativa do empregador nos casos em que haja justa causa subjetiva (a que acrescem ainda os casos de despedimento coletivo, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação), um comportamento do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a relação de trabalho.
Além do despedimento existem outras formas de cessação do vínculo laboral, como resulta da enunciação aberta do art.º 384: caducidade, revogação, resolução ou denúncia. A caducidade ocorre quando se verificam certos pressupostos legais (art. 387º e ss); a revogação quando ambas as partes, no exercício da liberdade negocial, acordam em pôr fim ao vínculo que criaram[4]; a resolução e a denúncia assentam numa decisão unilateral: na primeira, uma parte invoca e demonstra um motivo que é em si mesmo causa justificativa (subjectiva ou não) da morte do vínculo; na segunda, a parte que põe fim não carece de se estribar em qualquer motivo: declara oportunamente não o querer renovar[5] no contrato a termo, ou manifesta-se no período experimental, ou a qualquer tempo tratando-se de uma comissão de serviço.
Releva especialmente no caso a caducidade.
O art.º 343 prescreve que o contrato de trabalho caduca nos termos gerais de direito, nomeadamente:
a) Verificando-se o seu termo;
b) Em caso de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.
Verifica-se o seu termo quando, nos contratos celebrados com um determinado prazo de vigência (art.º 139 e ss.), é atingido esse limite e haja sido comunicado oportunamente pela parte que não deseja renovar a sua vontade (art.º 149, n.º 1[6])
A impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho existe quando deixa de ser viável a sua prestação em face de um impedimento inultrapassável, uma impossibilidade física (caso fortuito ou de força maior) ou legal[7].
Assim, se o trabalhador sofre um acidente e fica ferido de incapacidade permanente absoluta, o contrato caduca.
E caduca também se a empresa empregadora encerra (art.º 346, n.º 1), a menos que exista um sucessor e prossiga a actividade.
Importa para isso, além da impossibilidade absoluta (e não mera dificuldade acrescida), a sua superveniência, ou seja, a sua ocorrência após a celebração do contrato de trabalho, e o seu carácter definitivo, previsivelmente irreversível[8].
Conforme tem entendido a nossa jurisprudência[9], o trabalhador, incapacitado definitivamente para a sua profissão, tem de ocupar outro posto de trabalho na empresa compatível com a sua nova capacidade cabendo à R. provar que não tem outras funções compatíveis[10]
A demonstração da verificação dos requisitos da impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho incumbe ao Réu, nos termos do art.º 342.º do C. Civil.
Foi muito discutido, mesmo socialmente, o conhecido caso do cozinheiro com HIV (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-09-2008, processo n.º 07S3793, em que este colendo Tribunal decidiu:
II - Resultando dos factos apurados pelas instâncias – sobre os quais o Supremo não pode exercer censura –, em síntese, que o A. é portador de HIV positivo, que esta é uma doença infecto-contagiosa crónica que o torna inapto para o exercício das funções de cozinheiro, dado ter de manipular alimentos e de utilizar objectos cortantes e que o vírus respectivo existe no sangue, saliva, suor e nas lágrimas e pode ser transmitido no caso de haver derrame dos mesmos sobre alimentos servidos em cru consumidos por quem tenha na boca uma ferida mucosa de qualquer espécie, é de entender que se verifica uma impossibilidade superveniente (porque surgida posteriormente à contratação do A.) e definitiva de o A. prestar à R. as suas funções de cozinheiro.
“III - O art. 151.º do Código do Trabalho consagra um direito (faculdade) do empregador de impor ao trabalhador o exercício de funções afins ou funcionalmente ligadas à actividade contratada, não se vislumbrando possível extrair dele a consagração do dever do empregador de atribuir tais funções afins ou funcionalmente ligadas às contratadas, nem a obrigação de o empregador criar um posto de trabalho que não tenha a ver com a actividade contratada ou de que não precise – v.g., por ter trabalhador a exercer as respectivas funções – para ocupar o trabalhador que se incapacitou, em termos supervenientes e definitivos e por facto totalmente alheio à sua actividade profissional.”
IV - Neste quadro, é de considerar que o contrato de trabalho que vinculava as partes, e no contexto do qual o autor exercia as funções de cozinheiro, caducou nos termos do artigo 387º, alínea b) do CT, por se verificar a “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho”.
VIII - Não afronta o princípio constitucional da igualdade a decisão que apreciou a factualidade provada (sem a poder alterar), enquadrando-a na previsão da al. b) do artigo 387º do CT, e concluiu pela verificação de uma situação de caducidade do contrato de trabalho, sem a mínima manifestação de discriminação em relação ao A. pelo facto de ser portador de HIV, apenas assim concluindo por se ter entendido que, no caso concreto e de acordo com a factualidade provada, tal afecção ditava a referida impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho.
IX - Nenhuma discriminação desfavorável se fez aí ao A., em função da sua doença, em relação a outros trabalhadores, portadores ou não de igual ou diferente doença, e também eles impossibilitados, nos termos da citada alínea b), de prestar o trabalho aos respectivos empregadores[11].
Que impossibilidade é essa, porém, que acarreta a extinção do contrato?
Afirmam Morais Antunes e Ribeiro Guerra (“Despedimentos e Outros Formas da Cessação do Contrato de Trabalho” págs. 48-49), que “relativamente às incapacidades permanentes entendemos que a incapacidade permanente parcial e a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual não determinam, igualmente, a caducidade do contrato uma vez que a impossibilidade não tem carácter absoluto (…) desde que, nas situações de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, se verifique a integração do trabalhador em actividade compatível com a sua capacidade residual”.
 Abílio Neto (“Despedimento e Contratação a Termo, Notas e Comentários”, 1997, pág. 676) menciona que a impossibilidade é “superveniente, quando a causa determinante só se verificar depois da constituição do vínculo laboral e não quando já existisse à data em que o mesmo se constituiu; absoluta, quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou a entidade empregadora não estejam em condições de, respectivamente, prestar ou receber sequer parte do trabalho; definitiva, quando, face a uma evolução normal e previsível, nunca mais seja viável a prestação ou o recebimento do trabalho”.
Menezes Cordeiro (“Manual de Direito do Trabalho”, 1991, pág. 793) a propósito da jurisprudência, refere que “uma simples diminuição das qualidades do trabalhador, quando lhe possam ainda ser atribuídas outras tarefas, não conduz à caducidade”.
Pedro Furtado Martins defende uma perspectiva mais lata para o empregador (“Cessação do Contrato de Trabalho”, 3ª ed., 2102, pág. 77 e ss.), considerando que “não está em causa saber se o trabalhador tem capacidade para desempenhar uma qualquer actividade profissional por conta de outrem, mas sim determinar se lhe é possível realizar a prestação contratual a que se obrigou. A impossibilidade de execução da prestação laboral reporta-se à actividade contratualmente devida, àquele conjunto de tarefas ou género de trabalho que é delimitado através da categoria profissional. Releva saber se o trabalhador se encontra em condições de executar a prestação a que se obrigou, tal como ela é definida através da categoria profissional e não outra que se encontra fora do programa contratual e cuja execução pressupõe a alteração desse programa, ou seja, uma modificação do contrato de trabalho”.
Na jurisprudência o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a impossibilidade do trabalhador prestar o seu trabalho opera a caducidade do contrato quando essa impossibilidade for superveniente, definitiva e total e não apenas parcial e daí que a cessação do contrato de trabalho por caducidade só ocorra quando o trabalhador, por doença ou acidente, ficar definitivamente impossibilitado de prestar o seu trabalho habitual ou qualquer outro, e não se a doença ou acidente importar simples diminuição das qualidades do trabalhador, por forma a que lhe possam ser atribuídas outras tarefas compatíveis com a sua capacidade residual (cfr. Acórdãos do STJ de 02.11.85, “Acórdãos Doutrinais”, nº 318, pág. 821; 23.05.01 (“quando o trabalhador, em consequência de doença ou acidente vê diminuída a sua capacidade para o exercício da sua profissão a ponto de não poder continuar a desempenhá-la, mas podendo ainda ser-lhe distribuídas outras tarefas, não se está perante uma impossibilidade absoluta e definitiva, porque esta se tem de aferir em relação a todas as actividades existentes na empresa empregadora, não se verifica a caducidade do contrato”), entendendo-se hoje que “a impossibilidade de o trabalhador prestar o trabalho, ou de o empregador o receber, para determinar a caducidade do contrato de trabalho deve ser superveniente (no sentido de que não se verificava, não tinha sido prevista, nem era previsível na data da celebração do contrato), absoluta (o que se traduzia numa efectiva inviabilidade, à luz dos critérios normais de valorização da prestação) e definitiva (no sentido de que face a uma evolução normal e previsível, não seria mais viável a respectiva prestação)” – ac. de 10-07-2013; “quer no âmbito da LCCT, quer no âmbito do Código do Trabalho de 2003, a jurisprudência do STJ tem entendido, de modo uniforme, que a impossibilidade de o trabalhador prestar o trabalho, ou de o empregador o receber, para determinar a caducidade do contrato de trabalho deve ser superveniente (no sentido de que não se verificava, não tinha sido prevista, nem era previsível na data da celebração do contrato), absoluta (o que se traduzia numa efectiva inviabilidade, à luz dos critérios normais de valorização da prestação) e definitiva (no sentido de que face a uma evolução normal e previsível, não seria mais viável a respectiva prestação) – ac. de 20.05.2009.
Trata-se, pois, de uma impossibilidade superveniente (a originária acarreta a nulidade do contrato e não a sua caducidade) que, não tendo de ser puramente física (podendo ser portanto também jurídica), é ainda assim total e permanente (a transitória gera a mera suspensão do contrato), só desse modo se constituindo em impedimento “absoluto e definitivo”, como pretende a lei (de contrário qualquer mero impedimento temporário ou parcial produziria a extinção do vínculo, o que atentaria, numa certa dimensão, contra o principio da estabilidade do emprego).
São situações típicas de caducidade decorrentes de impossibilidade do trabalhador prestar a atividade a sua morte e a perda de carteira profissional ou de autorização de residência, no caso de estrangeiros que dela carecem para laborar no país.
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No caso, porém, o problema não se põe tão-somente em termos substantivos. Há que ver se ficou demonstrada e como a dita impossibilidade.
Com efeito, refere a sentença recorrida no que toca à demonstração da caducidade:

Ensina Pedro Furtado Martins, in “Cessação do Contrato”, 2ª edição, Principia, páginas 82-83 que “salvo nos casos de impossibilidade para trabalhar derivado de acidentes de trabalho ou doenças profissionais, a lei nada prevê quanto ao modo como deve ser demonstrada a situação de impossibilidade que determina a caducidade do contrato. Esta omissão tem como consequência que, nos casos em que o empregador entende que o trabalhador está efetivamente impedido de prestar o trabalho contratado (e não requerendo o trabalhador à Segurança Social a sua reforma por invalidez) terá de ser aquele a promover a declaração da caducidade do contrato. Se o trabalhador não se conforma com a situação, configura a declaração da caducidade como uma declaração de despedimento ilícito e impugna judicialmente a cessação do contrato, cabendo ao tribunal decidir da efetiva ocorrência da impossibilita apta a gerar a cessação do contrato de trabalho por caducidade. Sendo que a demonstração dessa impossibilidade pressupõe a maior parte das vezes, a realização de exames e peritagens que atestem que o trabalhador está impossibilitado para prestar a atividade objeto do contrato. Obviamente, antes de declarar a caducidade, o empregador deve procurar assegurar-se de que tem meios que permitam demonstrar a impossibilidade para trabalhar. Trata-se, porém, de tarefa especialmente complexa. Desde logo, porque os tribunais tendem a não aceitar que a demonstração seja efetuada com base nos exames realizados pelos serviços de medicina do trabalho. Ver Acórdão do STJ, de 7 de março de 2007 (4277/06, Fernandes Cadilha), onde se decidiu que os exames médicos realizados no âmbito das atividades de segurança, higiene e saúde no trabalho não podem, em princípio, ser utilizados para declarar a caducidade do contrato por inaptidão para o exercício profissional. Em consequência, não se aceitou constituir fundamento da caducidade do contrato de trabalho a simples menção, na ficha de aptidão elaborada pelo serviço de medicina do trabalho, de que o trabalhador é “inapto” e não preenche o critério médico para o exercício da profissão (neste domínio, ver também Acórdão do STJ, de 25.02.2009, 08S2460, Pinto Hespanhol).
Em suma, salvo casos em que a impossibilidade seja patente e facilmente contestável (como por exemplo, na situação do motorista que ficou invisual), a declaração de caducidade originada pela impossibilidade de prestar o risco envolve riscos significativos para o empregador”.
No caso vertente a R. remeteu á A. uma comunicação datada de 21.06.2012, pela qual declarava a caducidade do contrato de trabalho por ter sido considerada inapta definitivamente para a prestação do trabalho para a qual foi contratada (vigilante). A A. foi analisada pelo médico do trabalho Dr. Rui Silva, constando as conclusões da análise à A. da ficha de aptidão que constitui o doc. de fls 20. Nesta ficha, conclui-se que a A. é portadora de uma doença crónica que requerer polimedicação continuada, situação insuscetível com a responsabilidade da profissão de vigilante, alvitrando com possibilidade de outra função para a A. desempenhar o “trabalhado administrativo”
Como bem se vê, a declaração de caducidade do contrato de trabalho teve por base um juízo médico meramente conclusivo, que não se encontra apoiado em qualquer observação ou exame médico que explicite os motivos concretos que possam justificar a declarada inaptidão para o exercício da atividade profissional.
É a ré que declarou a caducidade do contrato de trabalho que teria de demonstrar a existência de uma situação de impossibilidade absoluta e definitiva, por parte do trabalhador, para prestar o seu trabalho. A entidade empregadora tinha de invocar quais os motivos concretos relacionados com o estado de saúde do trabalhador que o torna incapaz para a função, não bastando a simples referência genérica de que é “inapto”.
A R. não provou quais as razões que constituem o fundamento da caducidade, pelo que tem de se considerar ilícito o despedimento da A, sendo certo que não foi instaurado procedimento disciplinar contra a R., nem se verifica outra causa objetiva de despedimento.
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Invoca a R. contra isto, nomeadamente que face ao disposto no art.º 8º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 35/2005, que regula a atividade de segurança privada, que determina que “são requisitos específicos de admissão e permanência na profissão do pessoal de vigilância: a) Possuir a robustez física e o perfil psicológico necessários para o exercício das suas funções, comprovados por ficha de aptidão, acompanhada de exame psicológico obrigatório, emitida por médico do trabalho, nos termos da legislação em vigor, ou comprovados por ficha de aptidão ou exame equivalente efectuado noutro Estado membro da União Europeia”, robustez física que a A. não tem atenta a sua doença crónica, conforme verificado por médico do trabalho, entendendo a R. que o referido art.º 8º dá poder decisório à ficha do médico do trabalho de aptidão, para a admissão e permanência na profissão de vigilante, tudo factos que a R. invocou, além de não dispor de outro posto de trabalho para a mesma.
Estas razões não se nos afiguram, porém, convincentes.
Em primeiro lugar é claro que a ficha de aptidão do médico do trabalho não tem poder decisório quanto ao vínculo laboral, que respeita às partes. Tal norma, aliás revogada após os factos dos autos pela Lei n.º 34/2013, de 16.05, reporta-se apenas a um mero pressuposto para o exercício da atividade de vigilância; o exame médico não isenta o empregador de responsabilidades. Como afirmou o Supremo Tribunal de Justiça, na fundamentação do acórdão de 7.3.2007 (todos os acórdãos citados sem menção da fonte estão disponíveis em www.dgsi.pt):

A cessação do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente do trabalhador prestar a sua actividade não é automática mas depende de uma declaração negocial do empregador que de algum modo exteriorize a sua posição. Só o empregador pode esclarecer, por exemplo, se em caso de incapacidade do trabalhador para o exercício da sua função habitual não existe outro posto de trabalho compatível com a sua capacidade residual, que possa evitar a caducidade do contrato.
E para além de tudo isso as avaliações clínicas feitas pelos serviços de medicina do trabalho não são vinculativas para o empregador. A ficha de aptidão em que o médico do trabalho deve inscrever o resultado do exame de saúde não tem sequer o efeito que a ré lhe atribui.
Basta notar que os exames periódicos de saúde são uma imposição da lei que se insere no dever que decorre para a entidade patronal de assegurar aos trabalhadores a possibilidade de realizarem a sua prestação laboral em condições de saúde. O Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, faz impender sobre as entidades empregadoras a obrigação de organizar as actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho, remetendo para legislação própria aspectos atinentes ao regime de organização e funcionamento dos serviços e às qualificações dos técnicos que asseguram tais funções. Essa regulamentação foi efectuada pelo Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, e, como se depreende do disposto no seu artigo 3º, a organização da segurança, higiene e saúde no trabalho tem em vista a prevenção dos riscos profissionais e a promoção da saúde dos trabalhadores.
O empregador está vinculado a garantir aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, e entre as suas obrigações conta-se a de “assegurar a vigilância adequada da saúde dos trabalhadores em função dos riscos a que se encontram expostos no local de trabalho” (artigo 8º, n.º 1, e n.º 2, alínea h), do Decreto-Lei n.º 441/91). É em execução desse princípio geral que se enquadram os exames de saúde que o empregador deverá promover, e que se destinam a verificar não só a aptidão física e psicológica do trabalhador para exercer a sua profissão, como também a repercussão do trabalho e das condições em que ele é exercido na saúde do trabalhador (artigo 19º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 26/94).
A lógica do regime de protecção sanitária, no âmbito mais geral da organização e funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde na empresa, como logo se intui, não é a de sujeitar os trabalhadores a exames médicos para os expulsar dos postos de trabalhos quando estes revelem alguma doença ou situação incapacitante, mas antes a de vigiar as condições em que o trabalhador presta o seu trabalho, e tem como única consequência que a entidade patronal deva encaminhar o trabalhador, de acordo com o resultado do exame, para uma outra função quando ele se encontre condicionado por razões de saúde para a sua actividade habitual, para os serviços públicos de saúde, com suspensão da prestação laboral, quando ele se encontre temporariamente incapacitado para o trabalho, ou para a reforma por invalidez, no quadro da protecção concedida pelo sistema de segurança social, quando se conclua que o trabalhador está incapacitado, por razões de saúde, para o todo e qualquer trabalho.
Para além de que a circunstância de o exame médico em causa ter sido realizado por uma entidade externa, a quem a ré contratou os serviços de saúde no trabalho, não isenta o empregador das responsabilidades que lhe são atribuídas por aqueles referidos diplomas legais, nem pela legislação geral do trabalho, mormente no tocante ao regime jurídico da cessação do contrato de trabalho. A contratação de serviços externos destina-se unicamente a assegurar o cumprimento das obrigações que impendem sobre as entidades patronais no domínio da segurança, higiene e saúde no trabalho, e constitui apenas uma das modalidades de organização dos serviços, que poderiam, aliás, ser executados por estruturas internas da empresa (artigos 4º, 5º e 9º do Decreto-Lei n.º 26/94).
Pois bem. Efetuado o exame em 11.6.2012, nele consignou o médico do trabalho, simplesmente, que (n.º 11 dos factos provados) a A. “é portadora de doença crónica que requer poli-medicação continuada, situação incompativel com as responsabilidade desta profissão” (de vigilante – cfr. cópia de fls. 126, também a fls. 20).
Nem a mais pequena fundamentação sobre tão severa conclusão (de que a doença é insuscetivel com as responsabilidades profissionais), e nem porque é que a terapia não lhe permite laborar. Aliás, nem se entende o diagnóstico: qual é a doença da A. a final?
É, obviamente, incontornável a observação da sentença recorrida de que o juízo médico efetuado é meramente conclusivo. Insindicável, por isso, acrescentar-se-á, e, consequentemente, inadequado para estribar a decisão da R..
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Mas a decisão da própria também não se afigura isenta de reparos.
Com efeito, notificada do exame (como vimos datado de 11.6.2011), a empregadora emite a carta de caducidade à A. logo em 21.6.2011, segundo a data nela aposta (cfr. n.º 21 e documento de fls. 21), o que significa que a A. nem teve oportunidade de contraditar sobre o seu conteúdo, prestando os esclarecimentos, formulando as interrogações ou solicitando as diligencias que considerasse pertinentes.
Procedimento que era fundamental para legitimar a decisão.
Não podemos esquecer que o médico do trabalho limita-se a dar o seu parecer técnico sobre a situação clínica do trabalhador. Parecer esse que, como todos, não é vinculativo e está sujeito a contra-prova. Convergindo, escreveu esta Relação de Lisboa, em 30-05-2012, em parte da fundamentação, a propósito da insuficiência do parecer médico, que

Embora o parecer da Médica do Trabalho da empresa fosse no sentido de que se verificava uma inaptidão definitiva e absoluta do A. para o exercício das funções profissionais contratadas ou para quaisquer outras correspondentes aos postos de trabalho existentes na estrutura da empresa, não podemos ignorar que se trata apenas de um parecer, nada na lei nos indiciando que tal parecer tenha carácter vinculativo.
Se bem que tenhamos de reconhecer também que a lei, designadamente o RCT, na subsecção relativa ao funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, não preveja que, nos casos em que o médico do trabalho conclua pela inaptidão definitiva do trabalhador para o desempenho de quaisquer funções na empresa, essa questão possa ser reapreciada por um órgão colegial, uma junta médica, face às gravosas consequências que para o trabalhador podem decorrer de tal parecer, atento o princípio constitucional de segurança no emprego, impõe-se um cuidado redobrado na avaliação dos pressupostos da caducidade do contrato de trabalho, mormente quanto à verificação da inaptidão absoluta e definitiva do trabalhador para qualquer posto de trabalho
”.
Impõe-se, pois, concluir, como faz a sentença recorrida, que a R. não provou, como se lhe impunha, as razões que constituem o fundamento da caducidade, o que torna a cessação unilateral num despedimento ilícito.
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Quanto à Reintegração.
Defende a R., invocando o art.º 391/1 do Código do Trabalho, que ao receber € 2.246,76 a A. aceitou a indemnização em lugar da reintegração.
Responde esta que nada permite concluir que essa quantia era uma indemnização pelo despedimento.
Apreciando e decidindo se dirá que a consequência típica da ilicitude do despedimento é a reintegração do trabalhador, consequência lógica da invalidade da resolução unilateral (cfr. art.º 389/1/b, do Código do Trabalho), tudo se passando, pois, como se a cessação ilicita nunca tivesse ocorrido.
Por razões pragmáticas – em especial o caráter pessoal do vinculo laboral - se permite que, em lugar da reintegração, o trabalhador, vg por entender, na sequencia do conflito, já não ter condições para prestar com normalidade a sua atividade, opte por uma indemnização de antiguidade (art.º 391/1).
Consequentemente, só a opção do trabalhador nesse sentido, ou seja, uma conduta sua que demonstre claramente ser essa a sua escolha, pode fazer com que, em lugar de reintegrado, seja meramente indemnizado.
Tal não resulta do recebimento dessa quantia, que nem sequer foi entregue visando ressarcir qualquer perda de antiguidade.
O que acarreta, sem mais, a improcedência da pretensão da R..
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Deste modo conclui-se pela improcedência do recurso.
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DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela R. SOV – Serviços de Operação e Vigilância, SA.
Lisboa, 18 de junho de 2014

Sérgio Almeida
Jerónimo Freitas
Francisca Mendes

[1] Elimina-se, por se tratar de lapso do Tribunal a quo, enraizado nas repetições da lista de factos admitidos por acordo, o n.º 4, cujo teor é precisamente igual ao do n.º 2; e o n.º 5, cópia do n.º 3.
[2] Retifica-se a redação da segunda parte, que envolvia uma conclusão e uma solução de direito (“Desta forma, e face a tudo o supra referido, a R. viu-se obrigada a operar a caducidade”).
[3] Substitui-se a expressão “à data do despedimento”, indevidamente utilizada uma vez que se discute precisamente a forma da cessação, pela expressão neutra “à data da cessação do vínculo”.
[4] Cfr. art.º 406, n.º 1, Código Civil.
[5] A declaração constitui denúncia; todavia, decorrido o prazo do contrato a termo, temos na realidade uma extinção por caducidade.
[6] A menos que as partes acordem que o contrato a termo certo não está sujeito a renovação, o contrato renova-se se não for atempadamente denunciado, podendo mesmo, se ultrapassar os limites máximos de duração, transformar-se num contrato por tempo indeterminado.
[7] Neste sentido cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 4ª edição,  1990 - 2º Vol., 65 e 66 "A prestação torna-se impossível quando, por qualquer circunstância, (legal, natural ou humana) o comportamento exigível do devedor, segundo o conteúdo da obrigação, se torna inviável" (…) "Para que a obrigação se extinga é necessário, segundo a letra e o espírito da lei, que a prestação se tenha tornado verdadeiramente impossível, seja por força da lei, seja por força da natureza (caso fortuito ou de força maior) ou por acção do homem. (....). "Causa de extinção da obrigação é a impossibilidade (física ou legal) da prestação (a que pleonasticamente se poderia chamar impossibilidade absoluta), não a simples difficultas praestandi, a impossibilidade relativa."
[8] Ac. RL de 24.11.99, in www.dgsi.pt.: “verifica-se a caducidade do contrato de trabalho se o trabalhador, por doença natural ou por qualquer outra razão, ficar total e definitivamente impossibilitado de prestar o serviço para que foi contratado ou outro, ou quando os elementos clínicos existentes ou outros permitam prever e concluir, com segurança, que essa impossibilidade absoluta e definitiva se tornou física e juridicamente irreversível”.
[9] V. o Ac. da Relação de Lisboa de 9.11.94 e do Supremo Tribunal de Justiça de 28.06.95 proferidos no processo nº77/90 do 2º Juizo-3ª Secção do TT de Lisboa
[10] Ver ainda processo n.º 4140 de 25.1.95 e Ac. 5.5.93 CJ ano I/1993/II/274 e 276
[11] Outras situações podem perspetivar-se. Se uma educadora de infância é vista em situação que leva a crer, muito seriamente, que estava a consumir estupefacientes no estabelecimento escolar, poderá haver motivo para a caducidade do contrato, mesmo que não tenha sido possível analisar os vestígios do produto em causa, e, portanto, afirmar com toda a certeza sua natureza

Decisão Texto Integral: