Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2544/10.7TDLSB.L1-9
Relator: ANTERO LUÍS
Descritores: DIREITO À HONRA E CONSIDERAÇÃO SOCIAL
OFENSAS À HONRA
DIFAMAÇÃO COM PUBLICIDADE
DOLO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I. Dando o Tribunal como provados os factos objectivos do tipo, o dolo enquanto um acto interno do agente que se materializa pelos demais factos externos anteriores ou contemporâneos do facto criminoso, só pode ser dado como não provado, desde que resultem provados outros factos materiais que permitam afastar a representação e intenção do agente no cometimento do crime, sob pena de violação do princípio de livre apreciação da prova.

II. Imputar a uma figura pública, candidato a Presidente da República, o crime de traição à Pátria é ofensivo da honra e consideração do visado, atingindo a sua dignidade pessoal e o núcleo essencial das suas qualidades morais e éticas ao insinuar que o mesmo é incapaz e inadequado para as funções de Chefe de Estado a que se estava a candidatar o qual é, por inerência, Chefe Supremo das Forças Armadas.

III. O direito à honra e o direito à liberdade de expressão têm igual dignidade constitucional, não podendo, por isso, o direito à liberdade de expressão “esmagar” ou anular tout court o direito à honra e reputação, pois a isso se opõe o artigo 18º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, que limita a restrição dos direitos, liberdades e garantias, as quais não podem “(…) diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.

IV. A jurisprudência do TEDH que confere prevalência quase absoluta ao direito à liberdade de expressão, pode ser violadora da Constituição da República Portuguesa, na medida em que a mesma não permite, no seu artigo 18º, nº 3, a restrição dos direitos, liberdades e garantias, de modo a diminuir o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais que os consagram e por estar, na prática, a hierarquizar, em termos abstractos, os direitos, liberdades e garantias, previstos na Constituição da República Portuguesa e também na Declaração Universal dos Direitos do Homem, (artigos 12º e 19º), as quais os tutelam em termos paritários, não permitindo tal hierarquização por força da sua igual dignidade.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I           Relatório

Na Comarca de Lisboa, Instância Local de Lisboa, Secção Criminal, Juiz 3, por sentença de 12/09/2014, constante de fls. 1539 a 1591 e no que aos presentes autos interessa, foram os arguidos,

JP..., ,

JF..., ,

Absolvidos dos seguintes crimes,


- o arguido JP... da prática de um crime de ofensa à memória de pessoa falecida, p. e p. pelo artº 185º, nº 1, do C. Penal e de um crime de difamação cometido através de meio de comunicação social, p. e p. pelos arts. 180º, nº 1, 182º, 183º, nº 1, al. a) e 184º, com referência ao artº 132º, nº 1, al. j), do C. Penal e 30º e 31º, da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro;
- o arguido JF... da prática de um crime de difamação, p. e p. pelos arts. 180º, nº 1, 182º, 183º, nº 1, als. a) e b) e 184º, com referência ao artº 132º, «nº 1, al. j)», do C. Penal;


- foram ainda os arguidos/demandados JP... e JF... absolvidos  do pagamento da quantia peticionada no pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/demandante MD....

***

Não se conformando o Ministério Público interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 1597 a 1651, com as seguintes conclusões: (transcrição)

1.ª O arguido JF... foi pronunciado pelo cometimento de dois crimes de difamação p. e p. pelo disposto conjugado nos arts. 180º, nº 1, 182º, 183º, nº 1, als. a) e b) e art.º 184º, com referência ao art.º 132º, nº 2, al. j), todos do Código Penal por, em síntese, no dia 09.05.2010 ter publicado na internet no blogue “Acção Monárquica” um texto com o título “MA Combatente por quem?” onde acusa o assistente de traição à Pátria, referindo, para além do mais, que “O cidadão MA quando foi para Argel não se limitou a combater o regime, consubstanciado nos órgãos de Estado, mas a ajudar objectivamente as forças políticas que nos emboscavam as tropas.” (cfr. fls. 64 a 65; 157 a 159), imputando-lhe a prática de tal crime e também por, no dia 21.01.2011, no blogue “Novo Adamastor”, reafirmar tal imputação acerca do assistente:

“(…) Ora o que o cidadão MA fez e disse como membro da FPLN aos microfones da “Rádio Voz da Liberdade”, cabe no conceito de traição à comunidade que lhe deu berço, pois

(1) Deu apoio aos movimentos/partidos políticos que combatiam a presença portuguesa de armas na mão;

(2) Acolhia e dava a voz a membros destacados desses movimentos/partidos;

(3) Incitava à deserção das tropas portuguesas e ao não cumprimento do dever militar;

(4) Regozijava-se com eventuais/pretensos sucessos do inimigo;

(5) Difundia notícias mentirosas;

(6) Tentava abalar o moral dos combatentes portugueses;

(7) Apoiava actos de sabotagem contra o esforço de guerra português” (cfr. fls. 183 a 193; 419 a 436).

2.ª Submetido a julgamento, o arguido viria a ser absolvido do cometimento dos aludidos crimes por, em suma, ter sido considerado que os artigos subscritos pelo arguido JF... se inserem no âmbito do direito à liberdade de expressão, à opinião e crítica, não preenchendo a tipicidade do art.º 180º, nº 1, do Código Penal, considerando o direito à liberdade de expressão, crítica e opinião à luz dos artigos 18º, 25º, 26º e 37º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa e do art.º 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 

3.ª A liberdade de expressão na variante do direito de crítica, mesmo que objectiva, não é um direito ilimitado, absoluto, sem restrições, estabelecendo a lei, ao invés, garantias efectivas contra a sua utilização abusiva e contrária à dignidade humana (art.ºs 37º e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), pois que «Uma coisa é criticar a obra, outra, muito distinta, é agredir pessoalmente o autor, dar expressão a uma desconsideração dirigida à pessoa do seu criador» (cfr. Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Uma perspectiva jurídico-criminal, p. 238 e s.;

4.ª Toda a hermenêutica firmada na esteira jurisprudencial do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem à luz do preceituado no art.º 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (em particular, face ao que dispõe o seu nº 2) reconhece que o exercício da liberdade de expressão está sujeito a restrições, não deixando o Estado Português de poder actuar ao nível do direito interno em matéria de honra e bom nome como decorre do tipo penal em questão (art.º 180º do Código Penal), mas também e, designadamente, através do estatuído no art.º 484º do Código Civil.

5.ª Não obstante o estatuído no art.º 449º, nº 1, al. g) do Código de Processo Penal (tal como o art.º 696º, al. f), do Código de Processo Civil), não se vê – de acordo com a Lei vigente – que haja uma vinculação imperativa, uma obrigatoriedade directa para os Tribunais portugueses na observância da jurisprudência que é produzida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

6.ª No contexto constitucional português, qualquer ponderação jurídica sobre a colisão ou o conflito entre liberdade de expressão, de opinião e crítica e o direito ao bom nome e reputação não pode assumir uma “ideia de supra ou infravaloração abstracta” desligada dos contornos do caso concreto, não existindo, no rigor dos princípios consagrados na nossa Lei Fundamental, razões decisivas que permitam acolher o entendimento de que o direito ao bom nome e reputação é “menos intenso na esfera política do que na esfera pessoal”, atentas as implicações constitucionais que imporia o estabelecimento de uma verdadeira capitis deminutio à protecção da honra no domínio político.

7.ª A concessão de dignidade penal a condutas que ofendem a honra ou a consideração das pessoas visa proteger o direito reconhecido constitucionalmente à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, ao bom-nome e à reputação que constam do art.º 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa pois que, como se refere no seu art.º 1º, Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana.

8.ª Honra é um valor íntimo do homem, o valor pessoal de cada pessoa, radicado na sua dignidade humana, na sua reputação ou consideração exterior (José Ribeiro de Faria, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, Almedina, p. 36 a 39).

9.ª Inclui, portanto, a integridade moral do indivíduo, o conjunto dos seus valores pessoais, inatos à condição de ser humano, mas também as suas qualidades adquiridas ao longo da vida, abrangendo as qualidades do seu carácter, a que corresponderá um sentimento de auto-estima pessoal, mas também as qualidades necessárias para que uma pessoa seja respeitada no meio social em que está inserida, ou seja, a sua reputação, a sua consideração social, o respeito que merece dos outros.

10.ª O legislador optou por consagrar um limite à liberdade de expressão nos casos em que essa liberdade ponha em causa a honra de terceiros, só assim se explicando a necessidade de criminalizar as condutas lesivas deste bem jurídico, admitindo, porém, que o crime de difamação possa não ser punível desde que se verifiquem duas condições cumulativas, a saber:

(a) que a imputação seja feita para realizar interesses legítimos e

(b) que o agente faça a prova da verdade da mesma imputação (“exceptio veritatis”), ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a considerar verdadeira, traduzindo, aqui sim, uma clara prevalência sobre o direito à honra do lesado.

11.ª Prova da verdade que, no entanto, não é admitida quando a imputação de facto se referir à intimidade da vida privada e familiar, sem prejuízo do disposto no nº 2, do art.º 31º do Código Penal, ou seja, salvo quando esteja em causa o exercício de um direito, o cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima de autoridade, ou através do recurso ao consentimento do titular do interesse jurídico lesado.

12.ª À face da ordem jurídica interna (lei ordinária), o direito de expressão deve ceder, em regra, perante o direito à honra, excepcionando-se aquelas situações em que a prossecução de um interesse legítimo e a verdade dos factos justifiquem a imputação, ou em que a gravidade da situação – avaliada caso a caso – mereça a sua denúncia pública.

13.ª Estando em causa o núcleo essencial do direito ao bom-nome e reputação, não há, em bom rigor, um conflito com a liberdade de expressão, no caso da difamação, dado que não está coberto pelo âmbito normativo-constitucional português da liberdade de expressão o “direito à difamação”, o “direito à calúnia” ou o “direito à injúria”.

14.ª No vertente caso, o que podemos constatar é que a autoria das expressões contidas no blogue sempre foi assumida pelo arguido JF..., oficial militar (e aqui o exercício profissional não pode ser despiciendo em termos da importância de que, para um oficial militar, se reveste o significado das palavras “honra”, “Pátria” e “traição à Pátria”), através das quais acusa o assistente de traição à Pátria, imputando-lhe a prática de tal crime, não ignorando, enquanto militar, o sentido axiológico das palavras que utilizou e dirigiu ao assistente, este um ex-militar e (na altura) candidato ao cargo de comandante supremo das Forças Armadas, visando-o pessoalmente e não apenas às suas ideias políticas.

15.ª Tais expressões exprimem juízos de apreciação e valoração pessoais pejorativos que ultrapassam o âmbito da crítica objectiva, visando o núcleo essencial das qualidades morais do assistente, uma vez que, caso fosse verdadeira tal imputação, tornaria o assistente socialmente “inadequado” para o exercício do referido cargo por, nessa linha de raciocínio, carecer das condições de natureza moral consideradas essenciais para o exercício do cargo de comandante supremo das Forças Armadas.

16.ª Tais expressões - na linha propugnada pela decisão de pronúncia - colocam manifesta e objectivamente em causa a dignidade do visado, a honorabilidade pessoal e profissional deste, atingindo-o como pessoa, desde logo, mas também como ex-militar que foi, sendo que, à data dos factos, o assistente era, não apenas Conselheiro de Estado, mas candidato à presidência da República e, por inerência, candidato a comandante supremo das Forças Armadas.

17.ª Não é necessário para o preenchimento do tipo em causa que tais expressões tenham atingido efectivamente a honra e consideração da pessoa visada – como efectivamente se tem por certo que sucedeu – produzindo um dano de resultado.

18.ª Independentemente da intenção do agente, o tipo basta-se com verificação da susceptibilidade das expressões para ofender, porquanto o crime em causa é um crime de perigo, sendo suficiente a idoneidade da ofensa para produzir o dano – como é o caso.

19.ª Não está aqui em causa o incómodo, a ofensa a uma “sensibilidade embotada” por contraposição com uma “sensibilidade tolerante”, ou até o exercício acalorado da crítica política inserida no amplo debate político democrático, ou até, nos limites da jurisprudência do Tribunal Europeu, o conflito de ideias que “melindrem”, “choquem” ou “inquietem” personalidades menos tolerantes, com menos “poder de encaixe”.

20.ª Estas imputações não aparecem isoladas, antes revelam-se contextualizadas no conjunto mais vasto das afirmações igualmente produzidas pelo arguido, designadamente, de que o assistente

“ (…)

(1) Deu apoio aos movimentos/partidos políticos que combatiam a presença portuguesa de armas na mão;

(2) Acolhia e dava a voz a membros destacados desses movimentos/partidos;

(3) Incitava à deserção das tropas portuguesas e ao não cumprimento do dever militar;

(4) Regozijava-se com eventuais/pretensos sucessos do inimigo;

(5) Difundia notícias mentirosas;

(6) Tentava abalar o moral dos combatentes portugueses;

(7) Apoiava actos de sabotagem contra o esforço de guerra português”.

21.ª Trata-se de um contexto discursivo que reforça, num esforço de concretização, a imputação de que aquele foi um traidor à Pátria, à comunidade que o viu nascer e intensifica, assim, o desvalor da conduta do arguido que não se atem à realização ou prestação política do assistente em si mesma, antes dirige-se directamente à pessoa deste e ao seu carácter, ultrapassando a “animosidade”, a “polémica”, a “discordância veemente”, ou os excessos de linguagem enquadrados no debate político, no “livre debate de ideias” sobre a interpretação da intervenção política do assistente num dado período da história de Portugal.

22.ª Mesmo na esteira jurisprudencial do Tribunal Europeu, considerada mais liberal por conferir maior protecção às liberdades de expressão e de imprensa, citando o Senhor Conselheiro Santos Cabral, “A liberdade de expressão não é, não pode ser, a possibilidade de um exercício sem quaisquer limites, alheio à possibilidade de colisão com outros valores de igual ou superior dignidade constitucional. Em Portugal, tal como na Alemanha, existem limites ao exercício do direito de se exprimir, e divulgar, livremente o pensamento, e a sua violação pode conduzir à punição criminal ou administrativa. Esses limites visam salvaguardar os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de protecção inclusive penal.

A liberdade de expressão não pode prevalecer quando o seu exercício violar outros valores aos quais a lei confere tutela adequada. Tais valores tanto podem emanar de uma necessidade de defesa de bens jurídicos radicados na ordem constitucional, e cuja valoração é intuitiva, como podem resultar de uma necessidade de tutela de valores inscritos no espaço jurídico em que o nosso país se inscreve, nomeadamente o comunitário.” – cfr. Acórdão do STJ de 05-07-12 in dgsi.

23.ª Estando em causa juízos de apreciação e valoração, e não estando coberto pelo âmbito normativo – constitucional português da liberdade de expressão o direito a difamar, caluniar ou a injuriar, o que se constata é que a causa de justificação especial constante da previsão do art.º 180º, nº 2, do Código Penal só se aplica à imputação de factos e não a juízos de valor desonrosos.

24.ª Não restaram demonstrados quaisquer factos concretos que sustentem uma adequação material com os juízos de (des)valor emitidos ou que, com base nos mesmos (factos), o arguido tivesse fundamento sério para, em boa fé, os reputar (os juízos desonrosos) como verdadeiros, não existindo nos autos elementos no sentido de que o assistente tivesse sido sequer indiciado e muito menos acusado ou condenado pelo “crime” de traição à Pátria.

25.ª Ficou demonstrado, designadamente pela certidão de fls. 24 que, em matéria de registo militar criminal e disciplinar do assistente “Nada consta”, afirmando-se mesmo na declaração de fls. 36 a demonstração das qualidades de “lealdade e solidariedade e empenho e também um notável espírito de missão” por parte do assistente enquanto militar.

26.ª Do teor da própria motivação de facto é possível verificar que os depoimentos concordantes com o preconizado pelas afirmações produzidas pelo arguido JF..., mormente as contidas no blogue “Novo Adamastor”, datadas de 21-01-11, se revelaram insuficientes para fundamentar a existência de uma base factual sólida, objectiva, capaz de sustentar os juízos de (des)valor formulados ao assistente pelo arguido JF....

27.ª Da leitura do teor da própria fundamentação de facto constata-se que, para além da afirmação genérica de concordância por parte de algumas testemunhas, aquelas que referem terem ouvido – directa e pessoalmente – locuções efectuadas pelo assistente na Rádio “Voz de Liberdade” (conotada, aliás, com a “transmissão de músicas e cantares de índole revolucionária e pacifista” conforme decorre do documento intitulado “Guerra Psicológica contra Portugal” - cfr. fls. 168), quando instadas, nenhuma conseguiu, a nosso ver, concretizar factualmente, no tempo e no espaço, um episódio singular, nos seus contornos circunstanciais, o seu concreto conteúdo, não descrevendo, pois, factualidade, nem isolando factos – i. é, “pedaços” de vida real situados no tempo e no espaço – que permitissem evidenciar uma sustentabilidade factual e objectiva que fundamentasse os juízos de (des)valor em causa.

28.ª No tocante à prova documental é possível verificar que o documento junto aos autos a fls. 786 emitido pelo Ministério da Defesa Nacional a requerimento do arguido JF... e datado de 17 de Janeiro de 2011 (junto aos autos a fls. 160) refere expressamente que no Arquivo Geral do Exército e no Arquivo Histórico Militar não foram encontrados os documentos indicados por aquele, designadamente as gravações relativas às emissões da “Rádio Voz da Liberdade” a partir de Argel entre 1964 e 1974 cuja análise sobre o respectivo teor poderia, em tese, conferir uma base objectiva, minimamente factual (em termos de “adequação material”), à formulação dos juízos valorativos em causa, por forma a que se mostrasse perceptível que o arguido, na génese dos referidos juízos, actuara fundado numa base material objectiva que ultrapassasse o mero convencimento íntimo, subjectivo, de ouvir dizer, até porque, segundo declarou em audiência de julgamento, nunca ouvira o assistente aos microfones da “Rádio Voz da Liberdade”.

29.ª Verificam-se in casu os elementos do tipo relativo aos crimes de difamação, previstos e punidos pelo art.ºs 180º, nº 1, 182º e 183º, nº 1, al. a), todos do Código Penal, por não integrarem causa de justificação especial por impossibilidade legal, uma vez que estão em causa juízos de (des)valor e não factos e, assim, não poderem ser enquadrados no domínio da designada “exceptio veritatis”.

30.ª Tal conduta do arguido não consubstancia o exercício legítimo de um direito de crítica objectiva, porque não está sustentada em base factual sólida que se coadune, de acordo com a nossa Lei Fundamental, com os limites da liberdade de expressão por atentarem objectivamente contra a dignidade do assistente, desde logo como pessoa, no seu carácter, na sua personalidade, mas também como ex-militar e, à data dos factos, candidato ao cargo de supremo comandante das Forças Armadas, atingindo o núcleo das qualidades morais fundamentais exigíveis a tal candidato, não estando coberto pelo âmbito normativo constitucional da liberdade de expressão, mesmo no que se refere a juízos de valor no domínio da política, o “direito à difamação”, o “direito à calúnia” ou o “direito à injúria”.

31.ª A jurisprudência do Tribunal Europeu, que adopta uma posição de grande latitude em termos de intervenção máxima na protecção da liberdade de expressão, sobretudo quando estejam em causa juízos de valor, chegando mesmo a sobrepor os seus critérios aos das instâncias nacionais, não deixa de preconizar que, em matéria de juízos de valor desonrosos, terá de haver sempre uma base factual sólida suficiente, sustentável ou apoiada em factos concretos, sem a qual não podem tais juízos deixar de ser considerados excessivos – como sucede no vertente caso.

32.ª Resulta da prova produzida em julgamento considerada assente que o arguido JF..., oficial-militar de profissão, com consciência do sentido, valor e alcance das palavras e imputações que fez, previu e quis escrever o teor dos escritos em causa no blogue àquele pertencente que, em síntese, afirmam que o assistente é um “traidor à Pátria” e que foi um “traidor à comunidade que o viu nascer”.

33.ª Tais expressões consubstanciam juízos de desvalor objectivamente ofensivos e revelam-se desapoiados de base factual concreta, sólida, objectiva, sabendo o arguido JF... que as mesmas seriam lidas por uma generalidade indefinida de destinatários e ainda que, através da sua publicação na internet através do referido blogue, facilitaria a sua divulgação, pelo que não podia deixar de prever e querer atingir o assistente na sua estima, no respeito social que lhe é devido e na sua idoneidade pessoal, o que fez, ultrapassando a crítica objectiva e os excessos legalmente admissíveis, inexistindo factualidade subsumível ao disposto nos art.ºs 31º, nº 2, al. b) e 180º, nºs 2 e 3, todos do Código Penal.

34.ª Não resultando da prova produzida, pelas razões expostas, o apuramento de quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, impunha-se a condenação do arguido JF... pela prática dos crimes de vem pronunciado nos termos sobreditos.

35.ª Ao não fazê-lo, absolvendo o arguido, incorreu a Mmª Juiz a quo, salvo o devido respeito, em erro na qualificação jurídica dos factos tidos como assentes, porquanto o circunstancialismo provado é, por si, em nosso entender, merecedor de censura penal por integrar os crimes de difamação previstos e punidos pelo disposto conjugado nos art.s 180º, nº 1, 182º e 183º, nº 1, al. a), todos do Código Penal, restando assim, por força da referida decisão de absolvição no segmento decisório ora em causa, violados os acima indicados dispositivos legais.

Pelo exposto, a douta sentença recorrida deverá ser reformada de acordo com o que antecede, condenando-se o arguido JF... pela prática de dois crimes de difamação previstos e punidos pelo disposto conjugado nos art.s 180º, nº 1, 182º e 183º, nº 1, al. a), todos do Código Penal, assim se fazendo JUSTIÇA. (fim de transcrição)

***

O assistente MD... interpôs igualmente recurso nos termos constantes de fls. 1652 a 1985, concluindo nos seguintes termos: (transcrição)

1. Interpretando erradamente o sentido da doutrina, jurisprudência nacional e do TEDH, a sentença recorrida fez errada interpretação do direito aplicável, com violação do princípio constitucional da proibição do excesso, entendendo que a liberdade de expressão não conhece limites quanto ao seu teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas.

2. Ora, na publicação do jornal O DIABO, de 27.4.2010, foi usada linguagem pejorativa e atentatória da dignidade do falecido Manuel Alegre Ribeiro, avô materno do recorrente, no texto publicado com o título "Adesão ao PCP". Tal linguagem é usada para atingir o recorrente, na medida em que se visa dar a entender ao leitor que aquele escolheu o apelido "Alegre" por admirar um avô que, afinal, segundo os responsáveis pela "notícia", mais não era do que um boémio "charanguista" e membro da "choça" carbonária. Ou seja, pretende-se ridicularizar um antepassado do recorrente, para ridicularizar este último.

3. Como é evidente, não se trata, aqui, de actividade jornalística mas, tão-só, de insultar gratuitamente, pessoa falecida.

4. Por outro lado, sob o subtítulo "Golpe em Angola", afirma-se que, em Abril de 1963, enquanto alferes miliciano, durante a guerra colonial em Angola, o recorrente desertou, abandonando o quartel de Roçadas, onde estaria, alegadamente, colocado. A forma como tal fato, absolutamente falso, é noticiado no âmbito de um texto biográfico, em conjunto com fatos verídicos, leva o leitor a acreditar na sua veracidade.

5. A alusão, em letras garrafais, a um "cadastro de desertor do Exército", revela, manifestamente, a intenção dos responsáveis pela notícia em questão: levar o leitor a acreditar que o recorrente desertou, com base na aparência de uma investigação rigorosa sobre determinados períodos da sua vida do recorrente, com o único objectivo de levar o leitor a concluir que o recorrente, por ter desertado, não é um candidato presidencial idóneo.

6. Ora, como se deu como provado, o recorrente nunca desertou e o seu passado militar poderia ter sido consultado em diversas fontes de fácil acesso, em nenhuma das quais consta qualquer alusão a deserção. Em qualquer caso, impunha-se uma consulta prévia ao próprio recorrente, para que este pudesse exercer o contraditório, esclarecendo o que, porventura, tivesse de ser esclarecido. Nada disto foi feito.

7. A par da acusação clara, inequívoca, e infundada, de que o recorrente desertou, a notícia é ainda composta por trechos nos quais são noticiados fatos verdadeiros misturados com imprecisões, considerações subjectivas, afirmações descontextualizadas e meias verdades.

8. De fato, a notícia é ainda composta por dois outros "capítulos": "Ao microfone" e "Reforma dupla».

9. No primeiro, a alusão a divergências políticas entre o Grupo de Argel (apelidado de "bando") e o General Humberto Delgado é descontextualizada e da leitura do texto em questão não se percebe se o intuito de quem o escreve é insinuar a implicação do Grupo de Argel no referido assassinato, pelo qual como resultou do acórdão proferido em 1981, no célebre Proc. 100/74 (do Tribunal Militar da Região de Lisboa), foram julgados e condenados os responsáveis: agentes da PIDE (Casimiro Monteiro, Rosa Casaco e outros). O que é público e notório e, aliás, objecto de confissão pública do agente Rosa Casaco, em diversos meios de comunicação social.

10. Por outro lado, alude-se ainda à actividade deste enquanto locutor da Voz da Liberdade, na Rádio Argel, mas apenas para tecer considerações subjectivas, no sentido de levar o leitor a concluir que o recorrente aí "exaltava as vitórias terroristas", e que tal actividade era, afinal, subversiva e antipatriótica e já não de luta pela democracia em Portugal e pela autodeterminação dos povos colonizados. O que, sem necessidade de grandes considerações, contraria os mais elementares princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Carta das Nações Unidas e da Constituição da República Portuguesa.

11. A finalizar, é ainda noticiado que o recorrente aufere uma "dupla reforma", (numa alusão à acumulação da pensão de reforma com a subvenção vitalícia.

12. Ora, tal matéria foi objecto de acórdão exemplar, proferido pelo STJ, a condenar a proprietária do jornal Correio da Manhã e diversos jornalistas desta publicação, no pagamento ao recorrente de uma indemnização no valor de 40.000,00 €, precisamente por terem noticiado tal fato de forma semelhante ao que agora vem publicado (DOC. 11 com a queixa crime).

13. Ou seja, quanto a esta última questão, noticiam-se fatos verdadeiros, misturados com imprecisões ou meias verdades, sendo, contudo, claro o intuito do responsável pela notícia: completar o retrato do recorrente, passando este a aparecer perante o leitor não apenas como o neto de um charanguista da boémia coimbrã, desertor, e traidor, mas afinal, também, oportunista.

14. A intenção dos responsáveis pela notícia foi, pois, sem qualquer dúvida, difamar o recorrente, ao afirmarem que o mesmo desertou, traiu, e recebe valores imorais, provocando o maior dano possível no seu bom nome e na sua imagem de homem honesto, patriota e corajoso, divulgando deste uma imagem de cobarde e traidor, visando, com tal conduta, impedir que este fosse eleito para a Presidência da República.

15. A notícia em causa constitui, sem margem para dúvidas, uma tentativa de assassinato político. Foram omitidas todas as fontes ao dispor do público em geral e noticiados fatos sem qualquer suporte, criando-se, artificiosamente, a aparência da sua veracidade.

16. Não obstante os esclarecimentos públicos do recorrente, não foi publicado qualquer desmentido no jornal O DIABO, como também se deu como provado.

17. De quanto antecede, resulta que as condutas ora descritas não têm paralelo na história contemporânea da imprensa em Portugal, tratando-se de um ataque pessoal de uma violência extrema, e que tem subjacente uma motivação absolutamente contrária aos princípios fundamentais do próprio Estado de Direito Democrático: o desrespeito pelo pluralismo de expressão e organização política, garantido pelo art.º 2° da Lei Fundamental.

18. Temos, pois, para além da prática de um crime de difamação (imputam-se factos falsos, tecem-se críticas injuriosas, e formula-se um discurso de ódio) por parte do autor dos escritos, claramente, uma violação muito grave da tutela geral da personalidade do recorrente (art.º 70° do Cód. Civil), por meio de intolerável abuso de liberdade imprensa, nos termos do art.º 3° da Lei de Imprensa, e grosseira violação dos deveres de informar com rigor, isenção, e objectividade, de procurar a diversificação das fontes e ouvir as pessoas interessadas, de não discriminação por razões políticas, previstos no art.º 14° do Estatuto do jornalista, com ofensa do crédito e bom nome do recorrente, que exige reparação (art.º 484° do Código Civil).

19. À responsabilidade civil extracontratual pela prática de tais factos ilícitos em que incorre o autor dos textos – o chefe de redacção Miguel Pais Teixeira, declarado contumaz – acresce a do demandado JP..., na qualidade não só de proprietário, mas também de director do jornal.

20. Para tanto, deu-se ainda como provado que:

• O demandado era proprietário de tal jornal;

• - O demandado era formalmente director do jornal O DIABO,

• - O arguido MT... foi o autor dos escritos publicados a págs. 4 e 5, com o título "Manuel Alegre – A História Pouco Divulgada do Camarada Sebastião".

• - O arguido MT... era o chefe de redação à data dos factos (cfr. supra facto 6).

• - Segundo declarações – citadas na fundamentação de facto - do próprio arguido JP... e da testemunha A..., este fazia-se substituir, à data dos factos, pelo chefe de redacção B...;

• - Não foi publicado qualquer desmentido no jornal O DIABO.

• - Contrariamente à conduta do arguido C…, que apresentou desculpas formais em Tribunal por ter chamado desertor ao recorrente, nenhum pedido de desculpas ou retractação foi apresentado pelo demandado JP....

21. Afigura-se relevante sobre esta matéria, pois provém da única testemunha que esteve presente na "feitura" desta publicação de 27.4.2010, o depoimento de D…, (págs. 19 e ss), na medida em que por esta testemunha foi afirmado que a publicação foi determinada pelo chefe de redacção que substituía o demandado, e que este se afastou das funções inerentes ao seu cargo de director, por desinteresse.

22. E, se de tal depoimento, e dos restantes factos provados, resultava já provada a negligência do director, certo é que no segundo depoimento do demandado JP... (págs. 26 e ss.), o mesmo aderiu ao teor dos textos em causa, revelando animosidade contra o recorrente.

23. Pelo que uma correcta interpretação do direito aplicável aos factos que se descrevem impunha a condenação do demandado JP..., à luz do princípio da adesão, e do disposto nos arts. 29°, n° 2, da Lei de Imprensa, e 483º, 484° e 500° do Código Civil, O entendimento diverso, sufragado pelo tribunal recorrido, para além de contrário a tais normas, consagra um intolerável abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprio, beneficiando o infractor.

24. Por outro lado, deu-se também como provado que:

25. Em dia não concretamente apurado, mas posterior a 3.5.2010, e no mesmo mês, o arguido JF... publicou na internet, no seu blogue "Adamastor" - http://novoadamastor.blogspot.pt/2010/09/manuel-alegre-combatente-por-quem.html - o texto intitulado “Manuel Alegre, combatente por quem?”, no qual afirmou que o recorrente foi traidor à pátria e, por tal motivo não era candidato presidencial idóneo, porque:

• Teria sido preso, em 1962, pela Polícia Militar por actividades subversivas e de conluio com o inimigo;

• Enquanto locutor da Rádio Argel, nas Emissões da Voz da Liberdade, dava informações ao inimigo, incitava à deserção, e que, por tal razão não se teria limitado a combater o regime, consubstanciado nos órgãos do Estado, mas a ajudar objectivamente as forças políticas que nos emboscavam as tropas.

26. Posteriormente, e datado de 21.1.2011, o arguido publicou ainda no seu blog (www.novoadamastor.blogspot.com), um texto no qual reitera as afirmações tecidas acerca do assistente: "Ora o que o cidadão MA fez e disse como membro da FPLN aos microfones da “Rádio Voz da Liberdade”, cabe no conceito de traição à comunidade que lhe deu berço, pois

a. Deu apoio aos movimentos/partidos políticos que combatiam a presença portuguesa de armas na mão;

b. Acolhia e dava voz a membros destacados desses movimentos/partidos;

c. Incitava à deserção das tropas portuguesas e ao não cumprimento do dever militar;

d. Regozijava-se com eventuais/pretensos sucessos do inimigo;

e. Difundia notícias mentirosas;

f. Tentava abalar o moral dos combatentes portugueses;

g. Apoiava actos de sabotagem contra o esforço de guerra português.

27. Tal texto foi publicado 2 dias antes das eleições presidenciais realizadas em 23.1.2011, nas quais o assistente participou, como candidato.

28. O arguido JF... agiu livre e conscientemente.

29. O arguido JF... sabia ainda que tais afirmações imputações por si proferidas iriam ser vistas por inúmeras pessoas visitantes do seu blogue.

30. Quis o arguido JF... com as afirmações proferidas nos supra referidos textos impedir que o assistente fosse eleito para a Presidência da República.

31. Inexplicavelmente, num caso de difamação, a sentença recorrida omitiu pronúncia sobre a prova da falsidade ou veracidade dos factos imputados ao recorrente. Tal omissão de pronúncia sobre os factos pertinentes à prova de um elemento do tipo constitutivo do tipo de crime em questão, acarreta, pois, violação do disposto no art.º 368°, n° 2, al. a), do CPP, com a nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto no art.° 379°, n° 1, al. c), do CPP.

32. Por outro lado, como resulta do confronto entre as transcrições dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo arguido JF..., e a fundamentação de facto, resulta que o tribunal, com violação do disposto nos arts. 128°, n° 2, e 129° do CPP, reproduziu, valorou e fundamentação e depoimentos indirectos (com alusão a relatos de terceiros que não foram ouvidos em tribunal e a documentos que não foram juntos aos autos) e opinativos sobre direito e sobre o carácter e personalidade do assistente, ora recorrente.

33. Estão em tais circunstâncias os depoimentos de(…) .

34. Ora, à luz de tais depoimentos, o arguido não provou qualquer das imputações de facto formuladas contra o recorrente, nem provou ter fundamento sério para acreditar na veracidade, não obstante recair sobre si o ónus de tal prova, à luz do disposto no art.° 180º, nº 2, al. b), do Código Penal.

35. Em relação a algumas dessas imputações (prisão por conluio com o inimigo, deu informações ao inimigo) não fez qualquer tentativa de prova e não obstante não as desmentiu nem pediu desculpa.

36. Em relação às demais, apresentou documentos e prova testemunhal invalorável ou sem qualquer objectividade e credibilidade, dos quais não poderia, em seriedade, fundamentar o seu convencimento na veracidade dos factos afirmados.

37. Nenhuma testemunha arrolada pelo arguido revelou, em momento algum, ter transmitido ao arguido que o recorrente tivesse praticado qualquer dos factos que o arguido lhe imputou. Isto é, o arguido não fez prova de que acreditou, com fundamentada seriedade, na verdade das imputações.

38. Pior do que isso, da prova produzida resulta que o arguido conhecia a falsidade de todas aquelas acusações, à excepção dos apelos à deserção, com cuja falsidade eventual, contudo, se conformou, e, a qual, em todo o caso, nunca desmentiu.

39. Tal é o que resulta dos documentos juntos pelo próprio arguido a fls. 161 a 181 e pela sua testemunha de defesa, o falecido comandante Alpoim Calvão, a fls. 353-358, que indubitavelmente comprovam que o arguido conhecia a diferença entre a Rádio Argel e todas as outras (Portugal Livre, Kinshasa, Brazzaville, Conacri), não se coibindo de imputar ao recorrente factos que sabia terem sido praticados por essas outras rádios, com as quais o arguido sabia que o recorrente não estava de modo algum relacionado.

40. Contrariamente ao pretendido pelo tribunal, tais documentos assim como os docs. de fls. 602 a 609 e 1488 a 1492 não permitiam ao arguido fundamentar, com seriedade, a sua convicção na veracidade dos factos imputados ao recorrente.

41. O tribunal recorrido não procedeu a um exame crítico da prova testemunhal, na medida em que nada refere quanto à maior ou menor credibilidade da testemunha, omitindo, também, referências relevantes a excertos essenciais.

42. O recorrente provou a falsidade de todas aquelas imputações, por meio de prova documental (já citada na sentença) e de um rol de testemunhas heterogéneo, composto por figuras de idoneidade a toda a prova e de variados quadrantes (militares, historiadores, artistas, resistentes, políticos, professores universitários e advogados), que depuseram com conhecimento directo dos factos, de modo claro, circunstanciado e objectivo.

43. Tal é o que resulta dos depoimentos do recorrente (págs. 160 e ss.), e das testemunhas (…).

44. PELO QUE SE DEVERIA TER DADO COMO PROVADO QUE O RECORRENTE NÃO FOI PRESO PELA POLÍCIA MILITAR POR CONLUIO COM O INIMIGO, NÃO DAVA INFORMAÇÕES AO INIMIGO, NEM DEU APOIO AOS MOVIMENTOS/PARTIDOS POLÍTICOS QUE COMBATIAM A PRESENÇA PORTUGUESA DE ARMAS NA MÃO; NÃO ACOLHIA E DAVA VOZ A MEMBROS DESTACADOS DESSES MOVIMENTOS/PARTIDOS; NÃO INCITAVA À DESERÇÃO DAS TROPAS PORTUGUESAS E AO NÃO CUMPRIMENTO DO DEVER MILITAR; NÃO SE REGOZIJAVA COM EVENTUAIS/PRETENSOS SUCESSOS DO INIMIGO; NÃO DIFUNDIA NOTÍCIAS MENTIROSAS NEM APOIAVA ACTOS DE SABOTAGEM CONTRA O ESFORÇO DE GUERRA PORTUGUÊS.

45. Em face de tudo o exposto deve considerar-se, também, como provado que:

46. O ARGUIDO JF... AGIU LIVRE E CONSCIENTEMENTE COM A ÚNICA INTENÇÃO DE LEVANTAR DÚVIDAS SOBRE A HONORABILIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL DO RECORRENTE E DE QUESTIONAR A SUA ÉTICA PESSOAL, PROFISSIONAL E POLÍTICA, ATINGINDO-O COMO PESSOA E COMO MILITAR QUE FOI E COMO POLÍTICO;

47. O ARGUIDO JF... TINHA PLENA CONSCIÊNCIA DO CARACTER OFENSIVO DAS EXPOSIÇÕES E EXPRESSÕES UTILIZADAS E DAS INSINUAÇÕES IMPLÍCITAS;

48. O ARGUIDO JF... TINHA A OBRIGAÇÃO DE CONHECER A FALSIDADE DOS FACTOS QUE IMPUTOU AO ASSISTENTE.

49. Por tudo quanto antecede, não se pode considerar como provado que o" arguido JF... escreveu os artigos em causa nos presentes autos convencido de que a intervenção do assistente quando em Argel, enquanto membro da Frente Patriótica de Libertação Nacional e ao microfone da Rádio de Argel e no programa "Voz da Liberdade", alinhava numa guerra psicológica contra Portugal, os interesses portugueses, as populações portuguesas das ex-colónias e as tropas portuguesas que nas mesmas se encontrava a combater, fundamentando tal convicção nos testemunhos que ouviu e documentos que consultou."

49. Para além do conhecimento da falsidade, pelo arguido, das afirmações produzidas contra o recorrente, mostra-se subjacente a tais afirmações, reiteradas no requerimento de abertura de instrução e contestação, todo um discurso de ódio e intolerância, com raízes na propaganda do Estado Novo, como claramente foi apontado por António Arnaut, Manuel Monge, Ramalho Eanes, Jorge Sampaio, Mário Soares, Luís Moita e Fernando Rosas, com grande conhecimento de facto sobre esta matéria. Discurso esse que comporta a negação do direito à autodeterminação de um conjunto de povos, e a obliteração ou rejeição total do pluralismo de ideias, essencial à vida em democracia.

50. À luz de tal discurso, eivado de ódio, é por demais evidente que o menos importante para o arguido era saber se as suas afirmações seriam verdadeiras ou falsas: o que interessou foi "abater", por qualquer meio, incluindo a ( expressão injuriosa e humilhante de "traidor", um adversário político, alguém que representa valores e ideais opostos aos do arguido.

51. Após análise de toda a extensa prova produzida, no sentido da falsidade das afirmações produzidas contra o recorrente, impõe-se notar que se nos afigura, em qualquer caso, público e notório que o recorrente não foi traidor à pátria nem combatente contra Portugal, na medida em que a sua obra e percurso político são leccionados nas escolas e faculdades e, reconhecidamente, pautam-se pela luta patriótica pela liberdade e democracia. Factos dos quais o tribunal deveria ter conhecimento.

52. Interpretando erradamente o sentido da doutrina, jurisprudência nacional e do TEDH, a sentença recorrida fez errada interpretação do direito aplicável, com violação do princípio constitucional da proibição do excesso, entendendo que a liberdade de expressão não conhece limites quanto ao seu teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas.

53. Ora, nos termos do art.° 180º do Código Penal, é entendimento de toda a doutrina, e de toda a jurisprudência, nacional e do TEDH, que a liberdade de expressão não permite a ofensa ao bom nome baseada em factos falsos, em críticas injuriosas ou baseada num discurso de ódio e intolerância.

54. Inexistindo, pois, qualquer interesse legítimo subjacente às acusações falsas proferidas contra o recorrente, é manifesta a ilicitude das mesmas, nos termos do art.º 180º, do Código Penal, não só pela sua falsidade, mas porque comportam crítica injuriosa movida apenas pelo propósito de achincalhar e humilhar, e porque têm subjacente um discurso de ódio e intolerância, que se "pendura" na liberdade de expressão para atacar outras liberdades e valores essenciais, ademais numa tentativa de reescrever a história recente, sem consideração pelo atropelo da paz social que um tal negacionismo e revisionismo comportam.

55. Pelo que deve a sentença ser revogada c o arguido condenado pela prática do crime de difamação previso e punido pelos arts. 180° e 183° do Código Penal.

56. Em relação aos danos sofridos, com relevo para a determinação da medida da pena e do valor do montante indemnizatório, a factualidade dada como provada, quanto a tal matéria, e os excertos de depoimentos que nesse sentido foram citados na fundamentação de facto, impunham que se considerasse como provado que:

57. OS ARTIGOS EM CAUSA TIVERAM CONSEQUÊNCIAS DEVASTADORAS PARA O ASSISTENTE E O TEOR DOS MESMOS GANHOU DIMENSÃO NACIONAL;

58. O TEOR DOS ARTIGOS SUPRA REFERIDOS ENRAIZARAM-SE EM MUITOS CIDADÃOS.

59. Nesse sentido apontava também os documentos ns. 3 e 4 com a acusação particular, assim como o estudo de impacto mediático junto pelo recorrente em 15.3.2012, cujo resultado e força probatória não foram infirmados por qualquer das contrapartes. E bem assim, tal conclusão era imposta pelo depoimento de  (…) (págs. 291 e ss).

60. Por outro lado, quanto à responsabilidade por tais danos, independentemente de se saber se os responsáveis pelas notícias do DIABO e textos do ADAMASTOR agiram em conluio, com conhecimento recíproco das respectivas actuações, concertando-as, certo é que o dano se produziu em resultado desta actuação quando não conjunta, pelo menos coincidente quanto ao teor, motivo, modo e tempo.

61. A este facto, acresce que vendo o "novelo" por si criado, os demandados JP... e JF..., não prestaram qualquer esclarecimento, retractação ou pedido de desculpas, deixando o recorrente à mercê de uma opinião pública confundida e perplexa com a notícia de que o recorrente não só era desertor como ainda era traidor.

62. Assim sendo, entende o recorrente que a responsabilidade civil pelos danos descritos no capítulo anterior, é solidária, nos termos do art.° 497° do Código Civil. Contudo, não se pode deixar de referir, para efeito do disposto no n° 2 de tal artigo, que existe diferença quantitativa e qualitativa entre a publicação do DIABO e a conduta do arguido JF...: este reincidiu. Com tal conduta, não só intensificou os danos produzidos, como revela um dolo ainda mas acentuado.

63. Para a ponderação do valor indemnizatório, há a considerar que o pedido não se destina a reparar um dano, a restituir a situação anterior à prática dos factos. Como se sabe, isso é impossível, pois estamos perante uma ofensa de bens de valor moral, não quantificáveis em dinheiro. O pedido formulado reveste-se, pois, da natureza de uma compensação. Ora, por vezes, o termo "compensação" é entendido de forma algo miserabilista, o que leva, na prática, ao intolerável e antijurídico benefício do infractor. É, precisamente, uma tal situação que se deverá evitar, considerando que se está perante uma campanha de assassinato político, de uma violência e perversidade sem paralelo na história da democracia em Portugal.

64. Porque a impunidade não pode ser a regra, deverá merecer especial relevo, na determinação da indemnização a fixar, a necessidade de prevenção geral e o carácter sancionatório, censurando-se a intenção de aniquilar o bom nome e imagem do demandante, ora recorrente, junto do maior número possível de pessoas, aliás, com o objectivo de o prejudicar no livre exercício de um direito político como é o de se candidatar ao mais alto cardo da República.

65. Tal impõe a ponderação, na fixação da indemnização, da referida necessidade de prevenção geral, associada à ideia de reprovação daquelas condutas, em defesa do próprio Estado de Direito Democrático, que não tem capacidade para sobreviver ao aviltamento dos seus mais altos representantes em nome de visões retrógradas e anti democráticas.

66. Por tudo quanto antecede, julga-se equitativo fixar o valor indemnizatório por valor não inferior ao mais alto de que se tem conhecimento em casos de notícias difamatórias e objecto de acórdão do STJ: 75.000,00 € (cfr. Ac. de 8.3.2007, em www.dgsi.pt).

Termos em que deve o presente recurso merecer o douto provimento com a revogação da sentença recorrida consequentemente:

- Condenado o arguido JF... pela prática do crime de difamação previso e punido pelos arts. 180° e 183° do Código Penal.

- Condenados os demandados JP... e JF... no pagamento ao recorrente de uma indemnização por danos morais no montante de 75.000,00 €. (fim de transcrição).

***

O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo assistente MD..., concluindo:

Nos termos e com os fundamentos constantes da motivação do recurso de fls. 1597 a 1651, a qual se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos, o Ministério Público considera que o arguido JF... deverá ser condenado pela prática de dois crimes de difamação, previstos e punidos pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 1, todos do Código Penal.

Contudo, V. Ex.as farão certamente a já costumada e habitual, Justiça!

O arguido JP... respondeu ao recurso, nos termos constantes de fls. 1997 a 2042, não apresentando conclusões, terminando por requerer que se julgue nulo e improcedente o pedido do recorrente, dele se absolvendo o demandado.

O arguido JF... respondeu igualmente aos recursos, nos termos constantes de fls. 2043 a 2056, não apresentando conclusões, batendo-se pela improcedência dos mesmos.

***

Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer de fls. 2066, aderindo à resposta do Ministério Público da 1ª Instância, manifestando-se pela procedência do recurso do Ministério Público.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº2, do Código de Processo Penal.

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

II          Fundamentação

           1. É pacífica a jurisprudência do STJ[1] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.[2]

1.1 Da leitura dessas conclusões os recorrentes colocam, em termos latos, já que algumas se podem reconduzir à verificação dos elementos dos tipos imputados aos arguidos, a este Tribunal as seguintes questões:

O Ministério Público,


1. A liberdade de expressão na variante do direito de crítica, mesmo que objectiva, não é um direito ilimitado, absoluto, mas antes sujeito a restrições, estabelecendo a lei, garantias efectivas contra a sua utilização abusiva e contrária à dignidade humana;


2. Apesar do estatuído no art.º 449º, nº 1, al. g) do Código de Processo Penal (tal como o art.º 696º, al. f), do Código de Processo Civil), não se vê – de acordo com a Lei vigente – que haja uma vinculação imperativa, uma obrigatoriedade directa para os Tribunais portugueses na observância da jurisprudência que é produzida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem;


3. O direito de expressão deve ceder, em regra, perante o direito à honra, excepcionando-se aquelas situações em que a prossecução de um interesse legítimo e a verdade dos factos justifiquem a imputação, ou em que a gravidade da situação – avaliada caso a caso – mereça a sua denúncia pública;


4. As expressões usadas pelo arguido JF... exprimem juízos de apreciação e valoração pessoais pejorativos que ultrapassam o âmbito da crítica objectiva, visando o núcleo essencial das qualidades morais do assistente, uma vez que, caso fosse verdadeira tal imputação, tornaria o assistente socialmente “inadequado” para o exercício do referido cargo por, nessa linha de raciocínio, carecer das condições de natureza moral consideradas essenciais para o exercício do cargo de comandante supremo das Forças Armadas e colocar em causa a dignidade do visado, a sua honorabilidade pessoal e profissional, atingindo-o como pessoa, desde logo, mas também como ex-militar que foi, sendo que, à data dos factos, o assistente era, não apenas Conselheiro de Estado, mas candidato à presidência da República e, por inerência, candidato a comandante supremo das Forças Armadas;


5. O tipo de difamação basta-se com verificação da susceptibilidade das expressões para ofender, porquanto o crime em causa é um crime de perigo, sendo suficiente a idoneidade da ofensa para produzir o dano – como é o caso;


6. Estando em causa juízos de apreciação e valoração, não se aplica a causa de justificação especial constante da previsão do art.º 180º, nº 2, do Código Penal, a qual só se aplica à imputação de factos e não a juízos de valor desonrosos, não podendo, por isso, ser enquadrados no domínio da “exceptio veritatis”;


7. Não resultaram provados quaisquer factos concretos que sustentem uma adequação material com os juízos de (des)valor emitidos ou que, com base nos mesmos (factos), o arguido tivesse fundamento sério para, em boa fé, os reputar (os juízos desonrosos) como verdadeiros, não existindo nos autos elementos no sentido de que o assistente tivesse sido sequer indiciado e muito menos acusado ou condenado pelo “crime” de traição à Pátria.


8. Mesmo na jurisprudência do Tribunal Europeu, que adopta uma posição de grande latitude em termos de intervenção máxima na protecção da liberdade de expressão, sobretudo quando estejam em causa juízos de valor, chegando mesmo a sobrepor os seus critérios aos das instâncias nacionais, não deixa de preconizar que, em matéria de juízos de valor desonrosos, terá de haver sempre uma base factual sólida suficiente, sustentável ou apoiada em factos concretos, sem a qual não podem tais juízos deixar de ser considerados excessivos – como sucede no vertente caso.

O assistente MD...

 
1. A sentença recorrida fez errada interpretação da doutrina, jurisprudência nacional e do TEDH bem como do direito aplicável, com violação do princípio constitucional da proibição do excesso, entendendo que a liberdade de expressão não conhece limites quanto ao seu teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas;


2. Na publicação do jornal O DIABO, de 27.4.2010, foi usada linguagem pejorativa e atentatória da dignidade do falecido MRo, avô materno do recorrente, no texto publicado com o título "Adesão ao PCP", é usada linguagem para atingir o recorrente, na medida em que se visa dar a entender ao leitor que aquele escolheu o apelido "Alegre" por admirar um avô que, afinal, segundo os responsáveis pela "notícia", mais não era do que um boémio "charanguista" e membro da "choça" carbonária pretendendo-se ridicularizar um antepassado do recorrente, para ridicularizar este último, insultando, gratuitamente, pessoa falecida;


3. Na mesma publicação noticiam-se fatos verdadeiros, misturados com imprecisões ou meias verdades, com o intuito do responsável pela notícia de o recorrente aparecer perante o leitor não apenas como o neto de um charanguista da boémia coimbrã, desertor, e traidor, mas também, oportunista, visando difamar o recorrente, ao afirmarem que o mesmo desertou, traiu, e recebe valores imorais, provocando o maior dano possível no seu bom nome e na sua imagem de homem honesto, patriota e corajoso, divulgando deste uma imagem de cobarde e traidor, visando, com tal conduta, impedir que este fosse eleito para a Presidência da República, numa tentativa de assassinato político;


4. A factualidade dada como provada impunha a condenação do demandado JP..., à luz do princípio da adesão, e do disposto nos arts. 29°, n° 2, da Lei de Imprensa, e 483º, 484° e 500° do Código Civil, O entendimento diverso, sufragado pelo tribunal recorrido, para além de contrário a tais normas, consagra um intolerável abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprio, beneficiando o infractor;


5. No que respeita ao crime de difamação, a sentença recorrida omitiu pronúncia sobre a prova da falsidade ou veracidade dos factos imputados ao recorrente. Tal omissão de pronúncia sobre os factos pertinentes à prova de um elemento do tipo constitutivo do tipo de crime em questão, acarreta, pois, violação do disposto no art.º 368°, n° 2, al. a), do CPP, com a nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto no art.° 379°, n° 1, al. c), do Código de Processo Penal;


6. O Tribunal recorrido com violação do disposto nos arts. 128°, n° 2, e 129° do CPP, reproduziu, valorou e efectuou a fundamentação em depoimentos indirectos (com alusão a relatos de terceiros que não foram ouvidos em tribunal e a documentos que não foram juntos aos autos) e opinativos sobre direito e sobre o carácter e personalidade do assistente, ora recorrente;


7. Os elementos de prova documental e testemunhal apresentados pelo arguido JF..., não poderiam, em seriedade, fundamentar o seu convencimento na veracidade dos factos afirmados, já que nenhuma testemunha arrolada pelo mesmo revelou, em momento algum, ter transmitido ao arguido que o recorrente tivesse praticado qualquer dos factos que o arguido lhe imputou;


8. Da prova produzida, nomeadamente dos documentos de fls. 161 a 181, fls. 602 a 609 e 1488 a 1492 e ainda do depoimento de AG… de fls. 353 a 358, resulta que o arguido JF... conhecia a falsidade de todas aquelas acusações, à excepção dos apelos à deserção, com cuja falsidade eventual, contudo, se conformou, e, a qual, em todo o caso, nunca desmentiu;


9. O Tribunal recorrido não procedeu a um exame crítico da prova testemunhal, na medida em que nada refere quanto à maior ou menor credibilidade da testemunha, omitindo, também, referências relevantes a excertos essenciais;


10. O Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento, quer no que respeita ao crime, quer no que respeita ao pedido de indemnização civil, e devia ter dado como provado que:


a) O RECORRENTE NÃO FOI PRESO PELA POLÍCIA MILITAR POR CONLUIO COM O INIMIGO, NÃO DAVA INFORMAÇÕES AO INIMIGO, NEM DEU APOIO AOS MOVIMENTOS/PARTIDOS POLÍTICOS QUE COMBATIAM A PRESENÇA PORTUGUESA DE ARMAS NA MÃO; NÃO ACOLHIA E DAVA VOZ A MEMBROS DESTACADOS DESSES MOVIMENTOS/PARTIDOS; NÃO INCITAVA À DESERÇÃO DAS TROPAS PORTUGUESAS E AO NÃO CUMPRIMENTO DO DEVER MILITAR; NÃO SE REGOZIJAVA COM EVENTUAIS/PRETENSOS SUCESSOS DO INIMIGO; NÃO DIFUNDIA NOTÍCIAS MENTIROSAS NEM APOIAVA ACTOS DE SABOTAGEM CONTRA O ESFORÇO DE GUERRA PORTUGUÊS;

b) O ARGUIDO JF... AGIU LIVRE E CONSCIENTEMENTE COM A ÚNICA INTENÇÃO DE LEVANTAR DÚVIDAS SOBRE A HONORABILIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL DO RECORRENTE E DE QUESTIONAR A SUA ÉTICA PESSOAL, PROFISSIONAL E POLÍTICA, ATINGINDO-O COMO PESSOA E COMO MILITAR QUE FOI E COMO POLÍTICO;


c) O ARGUIDO JF... TINHA PLENA CONSCIÊNCIA DO CARACTER OFENSIVO DAS EXPOSIÇÕES E EXPRESSÕES UTILIZADAS E DAS INSINUAÇÕES IMPLÍCITAS;


d) O ARGUIDO JF... TINHA A OBRIGAÇÃO DE CONHECER A FALSIDADE DOS FACTOS QUE IMPUTOU AO ASSISTENTE;


e) OS ARTIGOS EM CAUSA TIVERAM CONSEQUÊNCIAS DEVASTADORAS PARA O ASSISTENTE E O TEOR DOS MESMOS GANHOU DIMENSÃO NACIONAL;


f) O  TEOR DOS ARTIGOS SUPRA REFERIDOS ENRAIZARAM-SE EM MUITOS CIDADÃOS;


11. E como não provado que:

“O arguido JF... escreveu os artigos em causa nos presentes autos convencido de que a intervenção do assistente quando em Argel, enquanto membro da Frente Patriótica de Libertação Nacional e ao microfone da Rádio de Argel e no programa "Voz da Liberdade", alinhava numa guerra psicológica contra Portugal, os interesses portugueses, as populações portuguesas das ex-colónias e as tropas portuguesas que nas mesmas se encontrava a combater, fundamentando tal convicção nos testemunhos que ouviu e documentos que consultou.”


12. Para além do conhecimento da falsidade, pelo arguido, das afirmações produzidas contra o recorrente, mostra-se subjacente às mesmas, todo um discurso de ódio e intolerância;


13. Nos termos do art.° 180º do Código Penal, é entendimento de toda a doutrina, e de toda a jurisprudência, nacional e do TEDH, que a liberdade de expressão não permite a ofensa ao bom nome baseada em factos falsos, em críticas injuriosas ou baseada num discurso de ódio e intolerância;


14. A responsabilidade civil pelos danos descritos no capítulo anterior, é solidária, nos termos do art.° 497° do Código Civil, sendo que existe diferença quantitativa e qualitativa entre a publicação do DIABO e a conduta do arguido JF...: este reincidiu;


15. O valor indemnizatório deve fixar-se em montante não inferior a 75.000,00 €, o qual se considera equitativo.

Para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, em primeiro lugar, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados e qual a fundamentação efectuada sobre essa factualidade assente.

2. O Tribunal a quo deu como provados, os seguintes factos, (numerados por nós, ainda que tal não conste da decisão): (transcrição)

1- O assistente é uma figura pública de dimensão incontornável nos panoramas político e cultural nacionais.

2- Como é público é, actualmente, membro do Conselho de Estado, foi candidato à Presidência da República em 2006 e 2011, tendo anunciado a sua recandidatura, em 4.5.2010, para as últimas eleições Presidenciais.

3- Tal dimensão deve-se a um percurso pautado pela luta em nome do ideal democrático e das liberdades que lhe são inerentes, sendo conhecido o seu passado como resistente à ditadura do Estado Novo.

4- Tal anúncio era já antecipado pelo público em geral, sendo públicas e notórias as diversas tomadas de posição do assistente relativas às presidenciais de 2011 e assim conhecido o seu propósito de anunciar a candidatura, pelo menos várias semanas antes de 4.5.2010.

5- O arguido JP... era à data dos factos proprietário e constando como director do jornal semanário “O DIABO”.

6- À dos factos, B... era chefe de redacção do referido jornal.

7- O jornal "O Diabo", tinha à data dos factos sede em Lisboa, era então um jornal com periodicidade semanal e de âmbito nacional, com expansão por todo o País.

8- Na sua edição, do dia 27 de Abril de 2010, aquele Jornal, de que era, à data, do qual constava como director o arguido JP..., publicou um artigo não assinado, com o título em primeira página, "A verdadeira história do candidato presidencial Manuel Alegre “o desertor que quer ser chefe das Forças Armadas".

9- A este título seguem-se nas páginas 4 e 5, o seu desenvolvimento com o título: "Manuel Alegre - A história pouco divulgada do camarada Sebastião" da autoria do arguido Miguel Teixeira.

10- No trecho da notícia intitulado “Adesão ao PCP” o avô materno do assistente, Manuel Ribeiro Alegre, é retratado como "guitarrista e charanguista da boémia coimbrã (. . .) membro da choça carbonária da sua terra natal".

11- Este foi deputado à Assembleia Constituinte em 1911 e Governador Civil de Santarém, sendo, pois, uma figura da I República.

12- Em subtítulo na página 4 conta: "Onze anos como militante comunista, um cadastro de desertor do Exército e uma década em Argel a incitar os militares portugueses a deporem as armas - eis algumas das facetas mais interessantes da biografia de um político que quer ser comandante supremo das Forças Armadas ...”.

13- Por sua vez, na pág. 5, com o título "Golpe em Angola"; ali se diz:

. "Sempre usando a farda do Exército Português, Manuel Alegre retoma de imediato a sua actividade de militante comunista. "Em pouco tempo contactei com mais de 120 oficiais revelou o actual candidato presidencial numa longa entrevista que deu a Freire Antunes, já depois do 25 de Abril. "Pretendia-se fazer um movimento em Angola. Havia gente que queria derrubar o regime, outros que queriam que a guerra fosse feita de outra maneira, outros queriam criar condições para uma auto-determinação gradual", contou. A todos Manuel Alegre, defensor clandestino dos movimentos de guerrilheiros atraiu para uma "intensa actividade de conspiração" que culminaria num ''putsch” em Agosto de 1962, se a inteligência militar não o tivesse neutralizado.

. Alegre parecia ter escapado às investigações oficiais sobre o abortado golpe, tanto que é então integrado em missões no interior do território, em Zala, Quicúa, Quixico, Sá da Bandeira e Sanza Pombo. Mas em Dezembro de 1962 um dos implicados na conjura mencionou o seu nome e depressa a rede de informações do PCP o avisou de que a sua prisão era iminente. Manuel Alegre decide ausentar-se do quartel de Roçadas, onde fora colocado. Ao fim de 10 dias de ausência, era dado como desertor.

. Mas Manuel Alegre não abandonara Angola: limitara-se a demandar Luanda, onde a Policia Militar finalmente o encontrou em 17 de Abril de 1963. Alvo de um processo por deserção, sujeito a condenação a pena disciplinar agravada, foi passado compulsivamente à disponibilidade. Transferiram-no então da fortaleza militar de São Miguel para a cadeia de São Paulo, e daí, em Dezembro de 1963, para Lisboa, onde seria julgada a sua implicação no fracassado "putsch de Agosto de 1962. Mas na prisão aproveitara, entretanto, para manter os seus contactos com camaradas do PCP, entre eles o escritor Luandino Vieira."           

14- O assistente nunca desertou.

15- O assistente nunca foi objecto de qualquer processo disciplinar por deserção ou de qualquer pena disciplinar, nomeadamente agravada.

16- Nunca esteve, sequer, no quartel de Roçadas.

17- Por tal motivo, o assistente não tem qualquer cadastro de desertor.

18- O assistente foi incorporado no Curso de Oficiais Milicianos na Escola Prática de Infantaria, Mafra, em Agosto de 1961, tendo sido mobilizado para Angola em Julho de 1962, e colocado, como alferes miliciano, no Regimento de Infantaria de Luanda.

19- Preso pela polícia militar em 17.4.63, e passado à disponibilidade por despacho do então chefe do Estado Maior do Exército Bettencourt Rodrigues, foi entregue à PIDE no dia seguinte, sob a acusação de participação em tentativa de golpe de Estado contra o Regime.

20- O assistente foi passado à disponibilidade de forma a poder ser entregue, pelo Exército, à PIDE.

21- Após seis meses de cativeiro no estabelecimento prisional para presos políticos de São Paulo, em Luanda, regressou a Portugal, na situação de disponibilidade, sendo-lhe fixado termo de identidade e residência em Coimbra.

22- E, sob a ameaça de nova detenção pela polícia política, saiu do País em Julho de 1964, na altura em situação militar de disponibilidade, logo, na qualidade de civil.

23- Durante a sua comissão, no Norte de Angola, o assistente participou, como comandante de pelotão, em várias missões de combate.

24- A biografia do assistente consta de inúmeros sites, na internet.

25- Pode ser consultada em várias outras fontes.

26- Em nenhuma das biografias do assistente consta a alusão a uma qualquer alegada deserção e muito menos a um processo disciplinar com tal fundamento.

27- O que consta, de forma consistente, é o facto de ter sido detido pela PIDE por participação numa tentativa de golpe militar.

28- Tais factos podiam ter sido confirmados nos arquivos do Estado Maior do Exército, da PIDE na Torre do Tombo e juntos dos próprios oficiais superiores, sob cujo comando o assistente serviu no período em causa.

29- A notícia é ainda composta pelo capítulo do referido artigo com o nome:

- "O microfone":

. “Chegado a Lisboa sob prisão, logo lhe é fixada residência em Coimbra, onde devia aguardar o julgamento do processo. Mas a rede de informações comunista de novo se põe em campo, e Manuel Alegre é prevenido de que as autoridades militares se preparam para levar a tribunal o processo por deserção, o que implicava o seu regresso, debaixo de armas, a Luanda. E decide fugir.

. Em Junho de 1964, Manuel Alegre deixa Coimbra, passa por Lisboa e ruma a Lousada, de onde o aparelho clandestino do PCP o faz escapar, por Chaves, para Espanha e depois para França. Em Julho de 1964 está já em Paris, onde imediatamente é destacado para participar na III Conferência da "Frente Patriótica de Libertação Nacional", agendada para Setembro, em Argel. Nesta cidade do norte de África é eleito membro do directório da FPLN e decide aceitar o convite para ficar. Ao longo dos 10 anos seguintes, será locutor e director da "Rádio Voz da Liberdade", uma emissora da oposição dedicada ao "agit-prop" dirigido aos militares portugueses que combatem nas províncias de Africa. Os elogios à deserção são diários. Alguns dos seus companheiros de eleição, neste penado, serão Agostinho Neto e Mário Pinto de Andrade (do MPLA), Eduardo Mondlane e Samora Machel (da FREUMO) e Amílcar Cabral (do PAIGC).

. Argel fervilhava então com dissensões entre os exilados portugueses, sobretudo depois da chegada de Humberto Delgado. O general fora ali encontrar a oposição comunista portuguesa exercendo uma ditadura férrea sobre os exilados mais moderados e provocara uma cisão no movimento. Alegre alinhou do lado dos anti-delgadistos, e na rádio "notabilizou-¬se em insultos ao general", como recorda Patrícia McGowan Pinheiro, então uma jovem jornalista de esquerda radicada em Argel. Outros autores atribuem-lhe uma participação ainda mais activa na campanha contra Delgado, ao lado de Piteira Santos, Lopes Cardoso, Tito de Morais e Pedro Ramos de Almeida. Num livro que ficou célebre ("Acuse!"), Henrique Cerqueira sustentou que o Partido Comunista e o "bando de Argel" conduziram o general ao desespero que o fez lançar-se na aventura de um encontro-armadilha na fronteira lusa- espanhola, onde encontrou a morte.

. A "Voz da Liberdade" especializara-se na propaganda de desmoralização das tropas portuguesas e emitia constantes exaltações à deserção. Sempre que um desertor chegava a Argel lá foram "algumas dezenas", segundo Alegre), a rádio entrevistava-os e exaltava-os como exemplo a seguir. A campanha derrotista de Manuel Alegre aos microfones da "Voz da Liberdade" incluía um "tratamento político" das informações militares, nomeadamente no que se referia às baixas em combate - exaltando as "vitórias" terroristas e comentando as "derrotas" portuguesas. Na sua entrevista a Freire Antunes, Alegre admite que "os movimentos [separatistas] também exageravam", Mas ressalva: "Estamos a falar de factos que se passaram há 30 anos e que, nessa altura, eram vistos à luz dos nossos sentimentos, das paixões e até dos valores dominantes. Hoje temos outra perspectiva histórica e cultural".

30- Encontramos ainda, um outro capítulo, denominado "Reforma dupla", do qual se transcreve:

. “A repressão da Primavera de Praga, em 1968, determinou o seu afastamento gradual do Partido Comunista, ao fim de onze anos de militância. Mas a sua relação conspirativa com a frente oposicionista manteve-se, continuando a defender a deserção e o abandono da luta nos territórios ultramarinos. Em Janeiro de 1973, o antigo oficial do Exército fazia em Conackry o elogio fúnebre do chefe guerrilheiro Amílcar Cabral, assassinado pouco antes por camaradas do PAIGC.

. O 25 de Abril encontra Manuel Alegre ainda aos microfones de Argel. Mas depressa faz as malas, e em 2 de Maio aterra em Lisboa para iniciar uma nova vida. Começa por ser nomeado director dos Serviços Recreativos e Culturais da Emissora Nacional (hoje Radiodifusão portuguesa), cargo que acumulou com a animação dos "Centros Populares 25 de Abril", que fundou com o ex-colega de exílio Piteira Santos. Mas logo adere ao PS e é eleito para o Secretariado Nacional, em cujas listas será deputado à Assembleia Constituinte.

. Em 1976 integra o Governo Constitucional, de Mário Soares, primeiro como secretário de Estado da Comunicação Social e depois como adjunto do primeiro-ministro para os Assuntos Políticos. A sua permanência no Executivo foi breve, mas suficiente para que tenha decretado, em Fevereiro de 1977, o encerramento compulsivo de um dos mais prestigiados títulos da Imprensa portuguesa: "O Século", fundado em 1880, que se tomara incómodo para o poder socialista.

. Regressado às cadeiras de São Bento, manteve-se como deputado durante 34 anos. Ao reformar-se, passou a juntar os mais de 2.000 euros de subvenção vitalícia como parlamentar aos 3.200 euros de aposentado da RDP: mais de 5.000 euros em duas pensões do Estado. Em 2004 candidatou-se ao cargo de secretário-geral do PS, mas perdeu para José Sócrates. No ano seguinte, foi derrotado por Cavaco Silva nas eleições para Presidente da República. Já este ano, anunciou que concorrerá de novo às eleições presidenciais em 2011. Se ganhasse, transformar-se-ia automaticamente em comandante supremo das Forças Armadas".

31- A pensão de aposentação do assistente reporta-se à vida profissional do assistente, nomeadamente 36 anos de actividade como deputado à A.R. e subvenção vitalícia.

32- A notícia em causa, no que diz respeito ao período da vida do assistente referente à sua passagem por Angola e Argel reproduz o que consta do site com o nome no endereço electrónico "fascismo em rede", mais concretamente, texto anónimo e do qual consta “publicado por "camisa negra", com referência a um contributo de Abílio Augusto Pires.

33- O artigo foi publicado com grande destaque e página inteira com título em letras grandes, e ainda com destaque na primeira página do jornal.

34- O jornal, este tinha uma tiragem média, à data dos fatos, de cerca de 15.000 exemplares.

35- Inúmeras pessoas e cidadãos, comprador ou não do jornal, visionaram citada insinuação nele exposta, ainda pela sua divulgação na Internet, no site do jornal "O Diabo".

36- Não foi publicado qualquer desmentido no jornal O DIABO.

37- O arguido JF..., é Tenente Coronel da Força Aérea e à data dos factos era colaborador do Semanário "O Diabo".

38- Em entrevista publicada nesse mesmo jornal, em 6.11.2009, o arguido expressou o seu inconformismo pelo resultado da Guerra do Ultramar: retirada das tropas portuguesas e independência das Ex-Colónias.

39- Em Abril de 2010, o arguido esteve presente em colóquio realizado na Gulbenkian sobre a Guerra do Ultramar, para qual o assistente foi convidado na qualidade de orador, com intervenção agendada para 03.05.2010.

40- Após a intervenção do assistente e conhecedor da notícia publicada no jornal "O Diabo" em 27 de Abril de 2010, o arguido questionou aquele sobre o que diria se uma hipotética emissora de rádio portuguesa se insurgisse contra a ida de tropas portuguesas para o Afeganistão e apoiasse os talibã, apelando à deserção de soldados portugueses.

41- Posteriormente, em dia não concretamente apurado, mas posterior a 3 de Maio de 2010 e no mesmo mês, o arguido JF... publicou na Internet, no seu blogue "ADAMASTOR” – http://novoadamastor.blogspot.com/2010/09/manuel-alegre-combatente-por-quem- o texto intitulado "Manuel Alegre, combatente por quem?”, com o seguinte teor:

. “Decorreu nos pretéritos dias 3 e 4 de Maio, na Gulbenkian, um colóquio sobre a envolvente externa que condicionou o eclodir das operações de guerrilha no Ultramar português e o ataque a Goa, Damão e Diu e que acompanhou o desenrolar do conflito nos anos 50, 60 e 70 do século xx.

. No primeiro dia constava na lista de oradores o cidadão Manuel Alegre (MA), a que o panfleto que enunciava o programa tinha filantropicamente antecedido de um "Dr", título a que, em abono da verdade, o nosso poeta nunca reivindicou. A sua "oração" não tinha título, era anunciada apenas como "um depoimento". Achei curioso e fui assistir.

. O orador que acompanhava MA na erudição da sessão, era o embaixador Nunes Barata que me merece um comentário. O Sr. embaixador juntou um conjunto de facto; irrefutáveis, fez uma análise bem estruturada mas tirou, creio, um conjunto de ilações erradas. É humano olhar para factos e intenções, cruzá-los e chegar-se a conclusões diferentes.

. Por isso o contraditório e o estudo imparcial das questões é tão importante. Quando a premência das decisões e a incerteza do amanhã, se abatem sobre as personalidades com as responsabilidades do momento, a análise é uma; quanto esta análise pode ser feita décadas depois, com tudo serenado e os arquivos disponíveis, a tarefa toma-se mais fácil. Ora o que o sr. embaixador defendeu, parece-me, foi que a conjuntura internacional era de tal modo adversa a Portugal e os "ventos da História" tão irreversíveis que só restava ao governo português ceder, adaptar-se e ir na onda. Isto é, fazer uma política que fosse ao encontro dos interesses alheios e não dos nossos. É natural que se este sentimento prevalecer, a maioria dos diplomatas vai para o desemprego ...

. Mas o mais perturbador é que todo o discurso do sr. embaixador apontava, algo descaradamente, para a "compreensão" da acção dos nossos inimigos e "amigos"/aliados, como se eles dispusessem do monopólio da verdade e do acerto e ao governo português de então _ que se limitou a defender a sua terra e as suas gentes - tenho destinado o amplexo do erro!

. E gostaria que o sr. embaixador explicasse qual foi a época da nossa História em que tivemos uma conjuntura internacional favorável e que não nos custasse um extenso lençol de trabalhos, crises e perdas. E porque apelidou a posição dos governos portugueses de então, de irrealismo e de meter o país num beco sem saída.

. Creio que não será difícil ao sr. embaixador perceber que se nos quiséssemos sentar à mesa com Nerhu ou com os dirigentes dos movimentos que nos atacavam, tendo as grandes potências por detrás, e transferíssemos calmamente a soberania para eles, isso nos evitaria, a nós, um ror de chatices e a eles o incómodo de montar operações políticas, diplomáticas e militares, sempre desagradáveis.

. Mas a que título e à pala de que princípios é que o faríamos? Se os seus "colegas" que actuaram no tempo da Restauração, pensassem assim talvez não estivéssemos na Fundação do Arménio que gostou da nossa hospitalidade, mas sim no Porque do Retiro, em Madrid, a beber umas "canas". E fico por aqui.

. Agora vamos ao grande defensor da "Ética Republicana".

. MA aproveitou a ocasião para fazer uma breve explicação/branqueamento do seu percurso como militar e defensor dos movimentos nacionalistas (ao serviço da Guerra Fria). E não se coibiu, no fim, de elogiar o comportamento das FAs portuguesas durante o conflito e afirmar que não foram batidas no terreno. Mais, que os territórios se desenvolveram apesar da guerra. Registamos a evolução, que é de monta!

. Explicou que não desertou, pois foi preso pela Polícia Militar (por actividades subversivas e de conluio com o inimigo) e passado à disponibilidade, altura em que lhe foi instaurado um processo pela PIDE, ainda em Luanda. Teve oportunidade de fugir e chegar a Argel. Daí para a frente o seu percurso é conhecido.

. No período de debate coloquei-lhe a seguinte questão: "como sabe as FAs têm várias forças suas a actuar em diferentes teatros de operações no estrangeiro. A última unidade a partir, foi uma companhia de comandos, para Cabul. Vamos supor que eu, cidadão português, me metia num avião e ia para o Cairo, para Tripoli, ou Casablanca que é aqui mais perto, ou talvez Argel. Reunia-me lá com mais uns amigos que não concordassem com esta política, fundava uma rádio e passava a emitir textos de apoio aos talibãs, incitando os militares portugueses à deserção, passando informações ao IN, etc.

. A pergunta é esta: como é que o senhor reagiria a isto, o que é que me chamaria? E acrescentei (pois já adivinhava a resposta): " e não me venha dizer que antigamente era uma ditadura e agora estamos em democracia; porque, mesmo que fosse assim tal facto é marginal à questão".

. Calejado por uma tarimba dialéctica de muitas décadas, o vate não se perturbou e respondeu, incidindo a justificação justamente na dualidade ditadura vs democracia; liberdade vs censura. Acrescentou que defendia a ida das tropas portuguesas para o Afeganistão, pois tudo fora discutido democraticamente e a pedido da NATO, de que fazíamos parte e que se teria invocado o artigo 5° (o ataque a um é um ataque a todos). E, ufano, declarou algures que se fosse hoje faria tudo na mesma.

. Deixando a questão da NATO e a razão do envolvimento português que este longe de ser pelas razões que invocou, e registando a coerência no erro, vamos concentrar-nos na inacreditável argumentação que só pode ter origem numa grande confusão de conceitos, e má consciência. Ou ausência dela.

. Devemos ver, em primeiro lugar, que o crime de traição é considerado em relação à Pátria, não em relação a governos ou regimes. Não há traidores "democráticos" ou traidores a ditaduras, ou outra coisa qualquer. A traição é sempre relativa a uma causa. um juramento, uma crença.

. O cidadão MA quando foi para Argel não se limitou a combater o regime, consubstanciado nos órgãos do Estado, mas a ajudar objectivamente as forças politicas que nos emboscavam as tropas. A não ser que considerassem essas tropas como fiéis apaniguados do regime, coisa que até hoje sempre desmentiu.

. Quando a Legião Portuguesa comandada pelo Marquês de Alorna (um maçónico afrancesado) foi enviada para França combater no Exército de Napoleão, nunca veio incorporada nas invasões francesas justamente para não ter de atacar o seu próprio país. Até os imperialistas napoleónicos perceberam isto!

. E conhecerá MA algum governo de um país em guerra, que permita ou não se oponha a quem queira contestar a legitimidade do conflito em que estejam envolvidos -ou apoie o lado contrário? (lembra-se que na IIGM, os americanos até construíram campos de internamento para os suspeitos.

. Para encurtar razões, que legitimidade tem o senhor para invocar a democracia e a liberdade, para justificar a sua acção em Argel, quando na altura era membro do PCP _ uma das mais fiéis correias de transmissão do Kremlin - e que, corno se sabe, foi sempre um modelo de transparência, liberdade e democracia?

. Traição não tem, assim, que ver com ataques a pessoas, instituições ou sistemas políticos, a não ser que os fins justifiquem os meios. Traição tem mais a ver com carácter, hombridade e ser-se inteiro. O "citoyen" MA continua a querer justificar os maus conceitos que lhe povoam a cabeça, deve ser por isso que adjectiva constantemente a ética de "republicana". A ética é a ciência do Bem, vale por si só, não precisa de adjectivos. Muito menos de adjectivos políticos....

. Por isso, poupe-nos e não fale mais em Pátria. A palavra soa mal na sua boca."

42- Indivíduo cuja identificação não foi possível apurar publicou o supra referido artigo “Manuel Alegre Combatente por quem?” no blog “Acção Monárquica”.

43- Tal texto escrito, continua na presente data publicado no referido blogue.

44- O escrito continua publicado no referido blog.

45- Posteriormente, e datado de 21 de Janeiro de 2011 o arguido publicou ainda no seu blogue (www.novoadamastor.blogspot.com) um texto no qual reitera as afirmações tecidas acerca do assistente e de que se reproduz:

. "Ora o que o cidadão MA fez e disse como membro da FPLN aos microfones da "Rádio Voz da Liberdade", cabe no conceito de traição à comunidade que lhe deu o berço, pois

. (1) Deu apoio aos movimentos/partidos políticos que combatiam a presença portuguesa de armas na mão;

. (2) Acolhia e dava voz a membros destacados desses movimentos/partidos;

. (3) Incitava à deserção das tropas portuguesas e ao não cumprimento do dever militar;

. (4) Regozijava-se com eventuais/pretensos sucessos do inimigo;

. (5) Difundia notícias mentirosas;

. (6) Tentava abalar o moral dos combatentes portugueses;

. (7) Apoiava actos de sabotagem contra o esforço de guerra português."

46- Tal texto foi publicado 2 dias antes das eleições presidenciais realizadas em 23.1.2011, nas quais o assistente participou, como candidato.

47- O blogue do arguido JF… tem 48.222 visitantes.

48- O arguido JF... agiu livre e conscientemente.

49- Inúmeras pessoas e cidadão, visionaram o referido artigo.

50- O arguido JF... sabia ainda que, tais afirmações imputações por si proferidas iriam ser vistas, por inúmeras pessoas, visitantes do seu blog.

51- Quis o arguido JF... com as afirmações proferidas nos supra referidos textos impedir que o assistente fosse eleito para a Presidência da República.

52- O assistente, é reconhecidamente e desde há vários anos, uma figura pública, que tem vindo a exercer diversos cargos a nível político.

53- É reconhecidamente pessoa que tem pautado o exercício da sua actividade profissional pela honestidade, a frontalidade e a prossecução máxima do interesse público e nacional.

54- Razões pelas quais se sentiu profundamente ofendido na sua honra e consideração pelas afirmações constantes dos artigos em causa.

55- O assistente goza de prestígio no meio político nacional.

56- Em consequência dos artigos supra referidos o assistente sentiu-se obrigado a justificar-se perante o público por ter sido um tema reiteradamente abordado.

57- O assistente, com as notícias e textos acima descritos, sentiu-se pessoalmente ferido na sua honra e consideração pessoal e profissional.

58- As expressões em questão causaram sofrimento ao ofendido e perturbação no seu dia a dia.

59- Em 28.7.2010, existiam 9300 resultados para a pesquisa "Manuel Alegre desertor" em motor de busca online.

60- O arguido JF... jurou a bandeira portuguesa.

61- O arguido JF... escreveu os artigos em causa nos presentes autos convencido de que a intervenção do assistente quando em Argel, enquanto membro da Frente Patriótica de Libertação Nacional e ao microfone da Rádio de Argel e na do programa “Voz da Liberdade”, alinhava numa guerra psicológica contra Portugal, os interesses portugueses, as populações portuguesas das ex-colónias e as tropas portuguesas que nas mesmas se encontravam a combater, fundamentando tal convicção nos testemunhos que ouviu documentos que consultou. (fim de transcrição)

3. O Tribunal a quo deu como não provados, os seguintes factos, (numerados por nós, ainda que tal não conste da decisão): (transcrição)

1- O arguido JP... em 27.04.2010 exercia de facto as funções de director do jornal “O Diabo”.

2- O arguido JP... teve conhecimento prévio da publicação na edição do jornal “O Diabo” de 27.04.2010 do artigo em causa nos presentes autos.

3- O arguido JP..., na qualidade de Director do Jornal onde a notícia e os títulos foram publicados, podia opor-se à publicação e não o fez.

4- O artigo publicado no jornal “o Diabo” é da autoria de B....

5- O arguido JP... foi também o responsável pelo mesmo artigo e respectivos títulos inseridos na edição "on line" do referido jornal.

6- Tal pergunta, foi movida por um intuito provocatório, com vista de achincalhar o assistente, numa referência implícita à factualidade descrito na notícia referida no "capítulo" Ao Microfone.

7- Em 09.05.2010 o arguido JF... publicou na Internet, no blogue "Acção Monárquica" o texto intitulado "Manuel Alegre, combatente por quem? que o remeteu para tal blog ou que este blog é da sua autoria.

8- Os arguidos sabiam ainda que as afirmações e imputações por si proferidas iriam ser consideradas como credíveis pelo leitor normal.

9- O arguido JP... podia ter-se oposto à publicação do artigo e dos seus títulos, no entanto, não fez.

10- O arguido JF... agiu livre e conscientemente com a única intenção de levantar dúvidas sobre a honorabilidade pessoal e profissional do queixoso e de questionar a sua ética pessoal, profissional e política, atingindo-o como pessoa e como militar que foi e como político.

11- O arguido JF..., ao utilizar as exposições e expressões que utilizaram tinham plena consciência do carácter ofensivo e de insinuações implícitas em todas elas.

12- O arguido JF... sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

13- O arguido JF... tinha a obrigação de conhecer a falsidade dos factos que imputou ao assistente.

14- AP… foi inspector e director da PIDE.

15- O arguido JP..., na qualidade de diretor do jornal em questão, pelo fato de se tratar de uma publicação semanal, pelo destaque que a notícia mereceu (título de primeira página, e duas páginas dedicadas em desenvolvimento), e pela notoriedade do assistente, não podia deixar de ter conhecimento, e conhecia, efectivamente, tal notícia, e não se opôs.

16- Pelo que a respectiva publicação foi pelo arguido JP... conhecida, e teve, de fato, a sua prévia aprovação.

17- O assistente foi desertor.

18- Os artigos em causa tiveram consequências devastadoras para o assistente e teor dos mesmos ganharam dimensão nacional.

19- Em 2010, o assistente auferia e aufere um rendimento mensal líquido na ordem dos 3.000,00 €.

20- O teor dos artigos supra referidos se enraizaram em muitos cidadãos. (fim transcrição)

4. Em sede de motivação da decisão de facto, escreveu-se na decisão recorrida: (transcrição)

«O tribunal formou a sua convicção quanto à matéria de facto considerada provada na análise crítica e conjugada:

. do teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente os constantes de fls. 21, artigos publicados no Jornal “O Diabo”, 157 a 159 e 419 a 427, artigos subscritos pelo arguido JF... e publicado no blog “novoadamastor”,

. das declarações do arguido JF..., o qual desde logo alegou que com os escritos em causa nos presentes autos apenas pretendeu exercer o que julga ser um dever cívico e um imperativo de consciência, invocando o seu direito a opinião; reafirmou que em seu entender o assistente incorreu num crime de traição à pátria considerando o facto em si, sendo aquele um ex-oficial miliciano do exército português que jurou bandeira que esteve em Argel na década de 1964 a 1974; no seu entender o assistente passou-se para o lado do inimigo que emboscava as tropas portuguesas, o que já não aconteceu em seu entender com aqueles que por consciência eram contra a guerra e desertaram; refere as razões pelas quais julga ser português o território ultramarino invocando razões históricas em seu entender pertinentes, justificando a sua defesa; refere a diferença em seu entender entre combate político e traição à Pátria; em seu entender o assistente não fez apenas combate político, antes se passando para o lado do inimigo quando Portugal estava em guerra; considera que está em causa a pior desastre de toda a história de Portugal da forma como aconteceu, mesmo para os povos envolvidos dadas as sequelas existente até hoje; em seu entender o assistente quando foi para Argel após cumprimento do serviço militar em Angola, ajudou a emboscar os seus ex-camaradas e explica porquê em seu entender; confirma a sua intervenção no colóquio na Gulbenkian, afirmando que a mesma nada tem a ver com o artigo do “Jornal o Diabo”, nem se recordando se então conhecia tal artigo; confrontado com o teor do documento de fls. 64 e 65, reconhecendo como seu o artigo, sendo que nada tem a ver com o blog “Acção Monárquica”, desconhecendo quem o publicou neste blog, reconhecendo sim a autoria do blog o “Nova Adamastor”; reconhece a autoria do texto de fls. 419 e s/s; explica o que entende por guerra psicológica, destinando-se a desmoralizar o moral do inimigo, essencial em seu entender, sendo um dos meios para tal, a rádio; refere que em seu entender a violência pode ser física e psicológica; nunca ouviu o assistente aos microfones da rádio; não imputa ao ofendido qualquer usurpação de funções de soberania; confirma o que vários chefes militares que estiveram então guerra lhe transmitiram no que concerne às emissões da rádio em causa; não concorda com a possibilidade do assistente ser Presidente da República e por inerência Comandante Supremo das Forças Armadas; o arguido entrou na Academia Militar em 1971 até 1974; esteve como adido na Guiné nos anos de 1996/1997;

. das declarações do arguido JP... o qual referiu que aquando da publicação do artigo em causa nos presentes autos no “Jornal o Diabo” por razões de saúde não exercia de facto as funções de director de tal publicação por razões de saúde; não abdicou de imediato de tais funções porque a situação económica/financeira do jornal não permitiria o pagamento de remuneração ao director pelo que continuando formalmente em tais funções evitava o pagamento de tal remuneração; teve conhecimento do artigo publicado posteriormente; esclareceu a forma como funcionava o jornal, referindo não haver um exclusivo exercício de funções, sendo que em termos funcionais era o chefe de redacção quem o substituía sem contudo um rigor absoluto; refere que não foi recebido qualquer pedido de exercício de direito de resposta pelo ofendido relativamente ao artigo e que sabe;  

  . das declarações do assistente MD..., o qual referiu que no seu entender a publicação do artigo no jornal em causas anos presentes visou prejudicar a sua candidatura à Presidência da Republica; referiu as razões pelas quais considera que o artigo publicado consubstancia uma ofensa à pessoa do seu avô; nunca foi desertor, nunca foi objecto de processo disciplinar, nunca esteve preso no Quartel de Roçadas; nunca foi consultado sobre tais alegados factos antes da publicação do artigo; refere que esteve na Guerra, assumindo sempre que discordava da mesma e que o conflito deveria ter uma solução baseada no reconhecimento do direito à autodeterminação dos povos africanos; foi locutor na “Voz da Liberdade”, da Frente Patriótica da Liberdade, presidida pelo General Humberto Delgado, fundada pelo Eng. Tito de Morais; tem uma reforma porque descontou para Caixa Geral de Aposentações; sentiu-se pois ofendido na sua honra, dignidade e no seu carácter; não lhe foi imputado pela P.I.D.E., o que lhe é imputada pelos artigos em causa nos presentes autos; não faz sentido num Estado de Direito pelo qual sempre lutou estar a ser acusado do crime de traição à Pátria, tendo as mais altas condecorações nacionais e internacionais – enumerando algumas - pelo seu contributo para causa da liberdade e da paz na Europa; julga que a luta política não engloba assassinato de carácter e político, o que em seu entender visaram os artigos em causa nos presentes autos; no que concerne ao rádio “Voz da Liberdade” de Argel a mesma era considerada uma rádio revolucionária e pacifista, por contraposição aos movimentos terroristas; era portuguesa e combatia o regime a guerra colonial livre, politicamente, reconhecendo o direito à autodeterminação dos povos de acordo com a declaração universal dos direitos políticos e carta das Nações Unidas; no que se refere ao colóquio que ocorreu na Gulbenkian e na qual estava o arguido JF..., no que concerne à intervenção deste relativamente à guerra no Afeganistão refere que não é comparável porquanto seja qual for a posição política sobre essa guerra, tal intervenção é reconhecida internacionalmente pela Nato, pelo que estão lá legalmente, não estão contra o direito internacional, o que não era o caso da guerra colonial, condenada internacionalmente; todos os que se opunham à guerra eram traidores à Pátria, não se podia discutir, o que ultrapassa o debate político; a “Voz da Liberdade”; nunca deu informações no terreno, nunca o faria por uma questão de princípio e porque não tinham meios para o fazer; não se alegrava com a morte dos portugueses, davam sim notícias; era uma rádio contra o fascismo e contra a guerra colonial; a deserção era considerada legítima, sendo que optou cumprir o serviço militar na guerra colonial ciente de que deveria haver uma solução política; em seu entender o artigo publicado no Jornal teve repercussão na sua campanha eleitoral quando candidato à Presidência da Republica, até por foi espalhado na internet além da própria publicação do jornal; foi membro do partido comunista português, do qual saiu aquando da invasão da Checoslováquia por desacordo da mesma; no que concerne ao arguido JF... refere que o mesmo nunca afirmou que era desertor, mas também não o negou; confrontado com o teor de fls. 158 e 159, esclarece que a PIDE nunca o acusou; confrontado com o teor do apenso na anotação relativa a uma tentativa de rebelião armada, refere que não existiu rebelião armada esclarecendo porquê, tendo sido havido conversas com vista ao derrube do regime em Angola, tendo alguns sido denunciado de presos; em 1970 ou 1971 esteve um ano em Paris por razões de saúde, sendo que conhecia os comunicados de Frente Patriótica de Libertação Nacional à qual estava ligado; confrontado com fls. 353, refere que não o leu nem o escreveu prestando esclarecimentos sobre os mesmos; confirma que estabeleceu relações pessoais com Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Mário de Andrade e Samora Machel e outros, os quais reconhecia como dirigente de movimentos de libertação; não deu apoio político ou militar aos mesmos, considerando que o povo português tinha o direito de ser esclarecido e ouvir a opinião da outra parte; confrontado com fls. 157 a 159, referiu como se sentiu ofendido com o mesmo; era verdade que incentivava à não realização da guerra colonial com intenção de abalar o regime com vista à autodeterminação dos povos

. dos depoimentos escritos das testemunhas (…)

Mais se considerou o teor dos documentos de fls. 23 e 24, certidão do arquivo Geral do Exército relativa ao serviço militar prestado pelo assistente e do qual resulta não ter ocorrido qualquer sanção disciplinar e que o mesmo não foi desertor, de fls. 27 a 35, relativo à biografia do assistente, 36 a 76; fl. 92, caderno militar – 10 do Estado Maior do Exército de fls. 161 a 181, 353 a 358, documentos de fls. 437 a 440, 602 a 609, 630 a 646, 786 a 828, certificados do registo criminal de fls. 1062 e 1063, 1478 a 1483 e 1501 a 1503 e 1506 a 1520.

Após a análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento com o teor dos documento juntos ao autos, logrou o tribunal formar convicção sobre a factualidade considerada provada, inexistindo nesta parte qualquer «dúvida razoável» que obste a tal convicção.

Cumpre referir que o arguido JF... assumiu a autoria dos artigos publicados no blog “ADAMASTOR”, e apenas neste negando qualquer relação com os restantes artigos, afirmando mesmo saber que o assistente não era desertor.

No que concerne à convicção do arguido JF..., o tribunal além das declarações do mesmo, teve em consideração os depoimentos supra referidos das testemunhas por si arroladas,  (…) e cujo teor aqui nos dispensamos de repetir, bem como o teor dos documentos de fls. 161 a 181, 353 a 358, 602 a 609, 1488 a 1492.

As declarações do assistente no que concerne ao seu percurso político são corroboradas pelos depoimentos das testemunhas (…), as quais por sua vez comungam da posição daquele perante os artigos em causa nos presentes autos.

Considerou-se ainda os documentos juntos aos autos e supra referidos, relativos à biografia do assistente e ao serviço militar pelo mesmo prestado, resultando dos mesmos que o assistente não foi desertor.

Quanto à matéria de facto considerada não provada, julgou o tribunal não ter sido produzida prova bastante sobre a mesma, nos termos do artigo 127º, do Código de Processo Penal.

Conforme resulta do teor dos documentos de fls. 23 e 24, bem como do apenso relativo ao processo militar individual do assistente MD..., este cumpriu o serviço militar durante dois anos e cento dias, inexistindo no mesmo qualquer referência a deserção, que não ocorreu, sendo que em 17.04.1963 passou à disponibilidade e foi detido pela P.I.D.E..

Cumpre referir que não logrou provar-se o blog denominado acção monárquica seja da autoria do arguido JF..., o qual negou tal facto, assumindo contudo ser sim da sua autoria o blog denominado “novoadamastor”. A tal acresce que a versão do arguido não foi infirmada.

A tal acresce que do teor das declarações do arguido JF... e testemunhas por si arroladas supra referidas conjugadamente com o teor dos documentos de fls. 161 a 181, 353 a 358, 602 a 609, 1488 a 1492, bem como de toda a restante prova produzida, mormente as posições e visões opostas que se manifestaram ao longo de toda a audiência sobre a guerra colonial, não pode o tribunal formar convicção «objectivável e motivável» de que o arguido aos escrever e publicar no seu blog os artigos em causa nos presentes autos visou atingir a honra e consideração devidas ao assistente, estando antes em causa a visão do arguido sobre o percurso do assistente quando em Argel, com base nos vários testemunhos que lhe foram transmitidos nos termos sobreditos e teor de documentos pelo mesmo consultados visão essa que se apreciará aquando do enquadramento jurídico-penal a efectuar.

A versão do arguido JP... no que concerne ao facto de não exercer à data da publicação em causa as efectivas funções de director de jornal por razões de saúde, encontrando-se de tal publicação afastado nos termos constantes do resumo supra do seu depoimento, além de não ter sido infirmada de qualquer modo, é corroborada pelo depoimento das testemunhas José Alberto Moreira de Morais, Rogério Paulo dos Santos Lopes e A..., bem pelo teor dos documentos de fls. 1478 a 1483.

Do mesmo modo e consequentemente não pode o tribunal formar convicção de que o arguido JP... teve conhecimento do artigo antes da sua publicação ou de que poderia ter tido, opondo-se à mesma.

Também não foi produzida qualquer prova em audiência de discussão e julgamento relativa à concreta autoria do artigo publicado no jornal o “Diabo”.

Conforme acima se deixou dito, o tribunal não se pronunciou relativamente à restante matéria constante das acusações, do pedido de indemnização civil e da contestação por se reputar a mesma conclusiva, exposição de motivos e matéria de direito e não matéria de facto, nomeadamente com relevância para a boa decisão da causa.

A obra literária junta em audiência de discussão e julgamento em nada contribuiu para a descoberta da verdade material e boa decisão, uma vez que não se refere aos concretos factos acusatórios.». (fim de transcrição)

5. Apreciando.

5.1 Como se pode constatar das questões elencadas no ponto 1.1 da Fundamentação as mesmas foram identificadas de uma forma o mais exaustiva possível, talvez até excessiva, de modo a evitar omissão de pronúncia, atenta a dimensão das alegações dos recursos.

Algumas delas são comuns a ambos os recursos e, por isso, em sede de decisão, serão tratadas conjuntamente.

Antes de analisar as questões suscitadas, impõe-se esclarecer que se mostra definitivamente resolvida a questão da absolvição do arguido JP..., no que respeita aos crimes que lhe eram imputados, já que nenhum dos recursos peticiona a sua condenação pelos mesmos. Em relação a este arguido apenas é peticionada, pelo assistente MD..., a sua condenação solidária no pagamento da indemnização civil, sendo pois apenas nesta perspectiva que a sua eventual responsabilidade será analisada, ao momento em que tratarmos da indemnização civil.

5.2 Vejamos assim cada uma das questões colocadas pelos recorrentes, iniciando a análise das mesmas por aquela, suscitada pelo assistente MD..., que se prende com o erro de julgamento, a qual, sendo procedente, se repercute nas demais questões suscitadas e os vícios invocados, deixando para final a apreciação da qualificação jurídica da factualidade dada por assente.

Na verdade, apesar de o recurso do Ministério Público ter sido interposto em primeiro lugar e de o interposto pelo assistente se iniciar pela questão do pedido de indemnização civil, iniciamos a apreciação das questões pelo erro de julgamento, no qual se pretende ver alterada a matéria de facto, pois razões de “(…) método que se comece pelo reexame de mais largo espectro, para que se não tenha eventualmente de entrar na análise mais limitada, o que só sucederá na falência daquele reexame”.[3]

Apesar de o assistente alegar também a omissão de pronúncia, quer na perspectiva de ausência dela sobre a prova da verdade dos factos, seja na perspectiva de análise crítica da prova, as mesmas, ainda que a serem procedentes acarretarem nulidade, serão analisadas em conjunto com a análise do erro de julgamento e também da qualificação jurídica dos factos.


5.3 Do erro de julgamento.

O recorrente e assistente MD... impugna o julgamento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal recorrido, considerando que o mesmo incorreu em erro de julgamento, quer no que respeita ao crime, quer no que respeita ao pedido de indemnização civil, e, nessa medida, devia ter dado como provado que:


g) O RECORRENTE NÃO FOI PRESO PELA POLÍCIA MILITAR POR CONLUIO COM O INIMIGO, NÃO DAVA INFORMAÇÕES AO INIMIGO, NEM DEU APOIO AOS MOVIMENTOS/PARTIDOS POLÍTICOS QUE COMBATIAM A PRESENÇA PORTUGUESA DE ARMAS NA MÃO; NÃO ACOLHIA E DAVA VOZ A MEMBROS DESTACADOS DESSES MOVIMENTOS/PARTIDOS; NÃO INCITAVA À DESERÇÃO DAS TROPAS PORTUGUESAS E AO NÃO CUMPRIMENTO DO DEVER MILITAR; NÃO SE REGOZIJAVA COM EVENTUAIS/PRETENSOS SUCESSOS DO INIMIGO; NÃO DIFUNDIA NOTÍCIAS MENTIROSAS NEM APOIAVA ACTOS DE SABOTAGEM CONTRA O ESFORÇO DE GUERRA PORTUGUÊS;

h) O ARGUIDO JF... AGIU LIVRE E CONSCIENTEMENTE COM A ÚNICA INTENÇÃO DE LEVANTAR DÚVIDAS SOBRE A HONORABILIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL DO RECORRENTE E DE QUESTIONAR A SUA ÉTICA PESSOAL, PROFISSIONAL E POLÍTICA, ATINGINDO-O COMO PESSOA E COMO MILITAR QUE FOI E COMO POLÍTICO;


i) O ARGUIDO JF... TINHA PLENA CONSCIÊNCIA DO CARACTER OFENSIVO DAS EXPOSIÇÕES E EXPRESSÕES UTILIZADAS E DAS INSINUAÇÕES IMPLÍCITAS;


j) O ARGUIDO JF... TINHA A OBRIGAÇÃO DE CONHECER A FALSIDADE DOS FACTOS QUE IMPUTOU AO ASSISTENTE;


k) OS ARTIGOS EM CAUSA TIVERAM CONSEQUÊNCIAS DEVASTADORAS PARA O ASSISTENTE E O TEOR DOS MESMOS GANHOU DIMENSÃO NACIONAL;


l) O TEOR DOS ARTIGOS SUPRA REFERIDOS ENRAIZARAM-SE EM MUITOS CIDADÃOS;

E como não provado que:

“O arguido JF... escreveu os artigos em causa nos presentes autos convencido de que a intervenção do assistente quando em Argel, enquanto membro da Frente Patriótica de Libertação Nacional e ao microfone da Rádio de Argel e no programa "Voz da Liberdade", alinhava numa guerra psicológica contra Portugal, os interesses portugueses, as populações portuguesas das ex-colónias e as tropas portuguesas que nas mesmas se encontrava a combater, fundamentando tal convicção nos testemunhos que ouviu e documentos que consultou.”

O recorrente nas suas conclusões procede à impugnação do julgamento da matéria de facto, de modo a tentar demonstrar erro de julgamento e a modificar a matéria de facto, nos termos do artigo 431º do Código de Processo Penal.

O recorrente para impugnar a matéria de facto, em sede de erro de julgamento, tem de especificar os concretos pontos de facto que considera deficientemente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida nos termos do artigo 412, nºs 1 e 3, als. a), b) e c) do Código Processo Penal e, em função da gravação da audiência, as especificações no caso da als. b) e c) do preceito, fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, nos termos do nº4 do mesmo preceito.

O recorrente MD... cumpre a especificação legalmente exigida, passando-se, por isso, a apreciar a referida impugnação da matéria de facto.

Porém e porque a mesma se prende com a alegada ausência/deficiente análise crítica da prova, a qual acarretaria uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1 al. a) do Código de Processo Penal, impõe-se tecer algumas considerações sobre a matéria.

A sentença recorrida elenca as provas produzidas, começando pelos documentos, seguidos das declarações dos arguidos, assistente, depoimentos escritos das testemunhas que tinham prerrogativa para tal e finalmente os depoimentos prestados pelas testemunhas, fazendo um breve resumo daquilo que cada uma delas disse em audiência e qual a sua razão de ciência. Finalmente, o Tribunal a quo faz uma análise das provas produzidas e daquilo que considerou relevantes em relação a cada uma delas e quais as partes que considerou relevantes para formar a convicção (página 39 a 42 dos autos).

Da análise de tal fundamentação não se pode concluir que estejamos perante qualquer omissão dos requisitos da sentença, ainda que a mesma seja singela nos argumentos e na análise crítica da prova produzida. A mesma é parca mas bastante.

Como já referimos em outros acórdãos em que fomos relator, sobre a matéria de falta de fundamentação, o texto constitucional no seu artigo 205º nº 1 obriga a que as decisões dos tribunais “…que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Na densificação deste princípio constitucional o legislador ordinário, no âmbito do processo penal, estabeleceu no artigo 97º, nº 5 do Código de Processo Penal que na fundamentação devem “…ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. Densificando ainda mais o princípio, no que à sentença respeita, o legislador consagrou, no 374º nº2 do mesmo código, que a sentença deve conter “ uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”

O legislador, em obediência ao referido princípio, cominou com a nulidade a ausência de fundamentação (artigo 379º, nº 1 al. a) do CPP).

Resulta pois que a sentença, tal como os despachos que conheçam de mérito, isto é, que não sejam de mero expediente, só cumprem o dever de fundamentação, quando os sujeitos processuais seus destinatários são esclarecidos sobre a base jurídica e fáctica das decisões sobre eles tomadas.

Porém e como vem sendo entendido pela Jurisprudência, a lei não vai ao ponto de exigir que, numa fastidiosa explanação, transformando o processo oral em escrito, se descreva todo o caminho tomado pelo juiz para decidir, todo o raciocínio lógico seguido. O que a lei diz é que não se pode abdicar de uma enunciação, ainda que sucinta mas suficiente, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão[4].

Na verdade, só há nulidade da sentença, por falta de fundamentação, quando a mesma não seja perceptível e compreensível para o comum dos cidadãos, segundo as regras da experiência comum e da lógica aplicáveis ao caso, não se percebendo como o Tribunal formou a sua convicção, isto é, o que justificou a prova ou não prova dos factos em discussão e qual a fundamentação que efectuou para aferir da culpabilidade ou não culpabilidade do arguido ou havendo omissão de algum dos itens referidos no nº2 do artigo 374º, nº 2 do CPP. [5]

O que importa, no que respeita ao cumprimento do dever de fundamentação, são os factos essenciais à caracterização do ilícito, os relevantes para a medida da pena e não qualquer facto inócuo sejam eles da acusação ou da defesa. O que interessa, em síntese, é que o tribunal aprecie os factos relevantes para a decisão a proferir.[6] 

Ora, tendo em conta estes ensinamentos dúvidas não existem que o Tribunal a quo fez uma análise crítica, ainda que perfunctória, da prova produzida elencando quais as provas produzidas (depoimentos dos arguidos, declarações do assistente e testemunhas e um resumo de tais declarações) e ainda a prova documental constante dos autos. Depois, em relação a cada uma das provas, analisa-a de forma sintética, mas bastante, sendo perfeitamente compreensível, o que valora em cada uma delas e qual o juízo que faz da mesma e quais os motivos de tal juízo.

Ainda que pudesse ser aconselhável, não era exigível uma maior análise crítica.

Admitimos que o assistente recorrente possa não estar de acordo com a valoração que o Tribunal a quo fez da prova produzida. Porém, divergência de convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal formou, por força do princípio da livre apreciação da prova do artigo 127º do Código de Processo Penal, não se confunde com qualquer vício da decisão ou com a sua falta de fundamentação.[7] 

Em resumo, entendemos não se verificar a alegada nulidade decorrente da falta de fundamentação conexa com a análise crítica da prova.

Mas voltemos à impugnação da matéria de facto e ao erro de julgamento invocado.

Como referimos, o assistente cumpre o ónus de impugnação especificada previsto na lei. Vejamos então as provas produzidas e a parte que o recorrente entende que foi incorrectamente julgada.

O assistente para além de entender que devem ser dados como provados, pela positiva e fazendo a prova do contrário dos factos constantes do artigo publicado pelo arguido no seu blog, isto é, demonstrar a inverdade da “exceptio veritatis”, pretende que seja dado como provado o elemento subjectivo (dolo), dos crimes imputados ao arguido JF....

Antes de mais convirá dizer que apesar de a Relação conhecer de facto e de direito, a apreciação da matéria de facto não se traduz num novo julgamento, “ (…) em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.”[8] É esta a razão de ser do ónus de impugnação especificada que impende sobre o recorrente, apenas sendo permitido ao tribunal de recurso apreciar as concretas questões elencadas e as concretas provas que impõem uma diferente decisão de facto.[9]

Daí não se perceber a pretendida análise exaustiva da prova requerida pelo assistente. O assistente, como referimos supra, cumpre o ónus de impugnação especificada no que respeita aos pontos que considera incorrectamente julgados, identificando-os de forma precisa mas, para demonstrar o erro no que respeita à prova que o sustenta, parece querer uma reanálise global da prova, o que não se compadece, na perfeição, com o referido ónus de especificação.

De todo o modo não deixa de cumprir, como ficou dito, o referido ónus e daí a reanálise da matéria de facto por este tribunal ad quem.

Analisada a prova elencada nas prolixas alegações do assistente, diremos que o mesmo tem parcialmente razão.

Vejamos.

Em relação ao primeiro aspecto elencado, no que respeita à prova negativa da “exceptio veritatis”, não se pode concluir pela sua demonstração, como pretende o recorrente.

É verdade, que das declarações das testemunhas elencadas pelo recorrente, não é possível demonstrar que o assistente tenha praticado, na locução da rádio Argel Voz da Liberdade, qualquer dos actos constantes do post colocado pelo arguido no BLOG NOVO ADAMASTOR, em 21 de Janeiro de 2011, porque quase todas elas (excepto João Corte Real e Nuno Vieira Matias) depuseram por forma de, “ouvi dizer”, “contaram-me”, “li nos relatórios das informações”, isto é, são depoimentos indirectos os quais não podem ser valorados por força dos artigos 128º e 129º do Código de Processo Penal.

É exactamente por isso e pela fragilidade da prova, que o Tribunal a quo não dá como provados tais factos, improcedendo a tentativa do arguido de provar a verdade da imputação.

Esta mesma fragilidade existe em sentido oposto (prova do contrário), sendo ainda certo que não é esse o objecto do processo e que uma análise de tal questão se poderia traduzir num verdadeiro novo julgamento que a lei não permite, ainda que possamos admitir ser do interesse do assistente a prova negativa desses mesmos factos.

Em resumo improcede, nesta parte a pretensão do recorrente no que respeita ao erro do julgamento não podendo ser dado como provado o número 44 das conclusões do seu recurso.

O mesmo já não se dirá no que respeita parcialmente ao elemento subjectivo do tipo.

Vejamos.

O Tribunal a quo dá como provado a factualidade resultante dos textos escritos pelo arguido e ainda o seguinte:

O arguido JF... agiu livre e conscientemente;

Sabia que tais afirmações imputações por si proferidas iam ser vistas por inúmeras pessoas, visitantes do seu blog e que com as referidas afirmações quis impedir que o assistente fosse eleito para a presidência da República;

Escreveu os artigos convencido de que a intervenção do assistente quando em Argel, alinhava numa guerra psicológica contra Portugal, os interesses portugueses, as populações portuguesas das ex-colónias e as tropas portuguesas que nas mesmas se encontravam a combater, fundamentando tal convicção nos testemunhos que ouviu documentos que consultou.

Deu como não provado, com interesse para o presente recurso, o seguinte:

O arguido JF... agiu livre e conscientemente com a única intenção de levantar dúvidas sobre a honorabilidade pessoal e profissional do queixoso e de questionar a sua ética pessoal, profissional e política, atingindo-o como pessoa e como militar que foi e como político.

O arguido JF..., ao utilizar as exposições e expressões que utilizaram tinham plena consciência do carácter ofensivo e de insinuações implícitas em todas elas;

O arguido JF... sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

O arguido JF... tinha a obrigação de conhecer a falsidade dos factos que imputou ao assistente.

Os artigos em causa tiveram consequências devastadoras para o assistente e teor dos mesmos ganharam dimensão nacional.

O teor dos artigos supra referidos se enraizaram em muitos cidadãos.

Praticamente todos estes factos dizem respeito ao elemento subjectivo da infracção imputada ao arguido JF....

Desde logo, no que respeita ao facto de o arguido JF... ter agido livre e conscientemente o facto é dado como provado e não provado, ainda que em relação ao não provado, o mesmo esteja conexo com o facto seguinte, “a única intenção de levantar dúvidas sobre a honorabilidade pessoal e profissional do queixoso e de questionar a sua ética pessoal, profissional e política, atingindo-o como pessoa e como militar que foi e como político”. Percebe-se assim que se trata de um lapso e que o mesmo apenas se considerou não provado com a conexão intrínseca ao facto seguinte, ou seja, o que se quis dar como não provado foi o facto seguinte.

Como já referimos no Proc. 390/10.7ECLSB.L1, desta secção, em que fomos relator, o dolo, “(…) pertence à vida interior de cada um, é portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência”.[10]

Como refere o Supremo Tribunal de Justiça, “(…) o ânimo ou intenção, embora seja um acto interno revela-se pelos factos externos que precedem ou acompanham o facto criminoso[11]

Sendo o dolo um acto interno do agente que se materializa pelos demais factos externos anteriores ou contemporâneos do facto criminoso, não pode o mesmo deixar de ser dado como provado, a partir do momento em que são dados como provados os factos imputados e os juízos de valor efectuados pelo arguido em relação ao assistente.

Isto mesmo resulta das declarações do próprio arguido, resumidas na fundamentação da decisão de facto (pág.22 da sentença), quando aí se refere que “reafirmou que em seu entender o assistente incorreu num crime de traição à pátria”; “no seu entender o assistente passou-se para o lado do inimigo que emboscava as tropas portuguesas”; “em seu entender o assistente não fez apenas combate político, antes se passando para o lado do inimigo quando Portugal estava em guerra”; “ajudou a emboscar os seus ex-camaradas”; “nunca ouviu o assistente nos microfones da rádio”; “vários chefes militares que estiveram então guerra lhe transmitiram no que concerne às emissões da rádio em causa” e “não concorda com a possibilidade do assistente ser Presidente da República e por inerência Comandante Supremo das Forças Armadas”.

O artigo 127º do Código de Processo Penal que consagra o princípio de livre apreciação da prova impõe, salvo quando a lei dispuser diferentemente, que a prova seja apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

No processo de formação da convicção do juiz “…desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”.[12] A este propósito, escreveu-se no sumário do acórdão da Relação de Coimbra de 6/12/200 «O Tribunal superior só em casos de excepção poderá afastar o juízo valorativo das provas feito pelo tribunal a quo, pois a análise do valor daquelas depende de atributos (carácter; probidade moral) só verdadeiramente apreensíveis pelo julgador de 1ª instância».[13]

Antunes Varela, Miguel Bezerra e S. Nora, a este propósito, referem que, “(…) existem no julgamento da matéria de facto operações de carácter racional e psicológico, em que se baseia a convicção do julgador, que são, pela sua própria natureza, insindicáveis pelo tribunal de recurso.

E o dito princípio da livre apreciação da prova, que, por isso mesmo, não pode ser, pelo menos na totalidade, posto em crise, pela possibilidade de sindicância do julgamento da matéria de facto, através da gravação dos depoimentos, implica que as provas sejam valoradas livremente pelo julgador (quer sejam testemunhais, periciais, depoimentos de parte, etc.), sem que exista qualquer hierarquização entre elas”.[14]

No mesmo sentido vai a opinião de Germano Marques da Silva o qual refere, sobre tal componente, “ (…) implica a imediação da produção da prova e a decisão pelos próprios juízes que constituíram o tribunal na audiência e essa componente não é, pelo menos em grande parte, sindicável pelo recurso, onde falta a imediação”.[15]

Resulta assim que só em casos excepcionais e situações de arbitrariedade ou juízos puramente subjectivos e imotiváveis, é possível sindicar a valoração efectuada pelo tribunal recorrido. Como muito bem refere o Prof. Germano Marques da Silva,o tribunal superior pode verificar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum”.[16]

É exactamente o que acontece, em nossa opinião, no caso dos autos.

O Tribunal a quo não motivou de forma cabal a não prova do elemento subjectivo do tipo, impondo-se ao mesmo um raciocínio claro e preciso que demonstrasse que, apesar da prova dos factos objectivos do tipo, afastava e não dava como provado, o elemento subjectivo. Este exercício não foi feito, já que apenas na página 40 (parte final) e 41 (1º parágrafo) da sentença, se faz uma referência genérica e insuficiente ao assunto para se perceber na perfeição qual o raciocínio efectuado sobre tal matéria.

Ora, da transcrição efectuada supra e que resulta da própria sentença, no que respeita às declarações do arguido, permitem-nos concluir, conjugadas com os demais meios de prova, sem margem para qualquer dúvida razoável, exactamente o oposto do que concluiu o tribunal recorrido, no que respeita à prova do elemento subjectivo da infracção.

Na verdade, não é crível e contraria as regras de experiência comum, que um ex-oficial Superior das Forças Armadas Portuguesas, como é o arguido, não soubesse que o uso de tais expressões tem carácter ofensivo e que tal conduta era punida por lei.

Será compreensível aos olhos do cidadão médio, que uma pessoa, nomeadamente um ex-oficial Superior das Forças Armadas, possa escrever tais afirmações, reafirmadas nas declarações que prestou em audiência, sem ter consciência de que as mesmas revestem carácter ofensivo e que tal comportamento é proibido por lei?

A resposta só pode ser negativa.

A circunstância de ter sido dito ao arguido, por vários chefes militares, o que era pretensamente dito pelo assistente aos microfones da Rádio Argel, em nada afasta a resposta negativa à pergunta formulada.

Exigia-se ao arguido que, para além dessa informação vinda de chefes militares, admitimos que verbal, já que nenhum documento foi junto aos autos que ateste tal informação, a realização de diligências, nomeadamente consultando os arquivos das próprias Forças Armadas, antes de proferir tais expressões e formular tais juízos de valor, para se poder concluir pela sua boa fé. Da prova produzida em audiência não ficou demonstrado a veracidade de tais afirmações, ou seja, as afirmações vindas dos chefes militares não tinham suporte factual.

Neste contexto, não é possível dar como provado que o arguido escreveu os artigos convencido de que o que escreveu correspondia à verdade, tendo na base os testemunhos que ouviu e documentos que consultou.

Documentos não foram juntos aos autos a atestar tais factos, já que o de fls. 353 a 358 se reporta à Rádio Portugal Livre, datado de 1971, a qual era ligada ao PCP, de onde o assistente se desvinculou após a invasão pela URSS da Checoslováquia em 1968, como confirma o documento de fls. 161. Por sua vez o documento de fls. 1488 a 1492 não prova igualmente a veracidade das imputações efectuadas.

Por sua vez a prova testemunhal produzida nos autos não é bastante para se poder dar como provado tal convencimento, já que apenas duas testemunhas (João Corte Real e Nuno Vieira Matias), ouviram a Rádio Argel, sendo as demais de ouvir dizer e conhecimento indirecto.

No que respeita aos demais factos alegados pelo recorrente onde, no seu entender existe, igualmente, erro de julgamento, não resulta dos autos prova bastante que permita fazer qualquer alteração da matéria de facto.

Perante o que fica dito, procede parcialmente esta conclusão do assistente recorrente, e, nessa medida, consideramos procedente a impugnação da matéria de facto, alterando-se a mesma, nos termos dos artigos 412º, nº 3 e 431º, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

Acrescentar aos Factos provados que, 

O arguido JF... agiu livre e conscientemente com a única intenção de levantar dúvidas sobre a honorabilidade pessoal e profissional do queixoso e de questionar a sua ética pessoal, profissional e política, atingindo-o como pessoa e como militar que foi e como político.

O arguido JF..., ao utilizar as exposições e expressões que utilizaram tinham plena consciência do carácter ofensivo e de insinuações implícitas em todas elas.

O arguido JF... sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

O arguido JF... tinha a obrigação de conhecer a falsidade dos factos que imputou ao assistente.

Retirar dos factos provados e dar como não provado que,

O arguido JF... escreveu os artigos em causa nos presentes autos convencido de que a intervenção do assistente quando em Argel, enquanto membro da Frente Patriótica de Libertação Nacional e ao microfone da Rádio de Argel e na do programa “Voz da Liberdade”, alinhava numa guerra psicológica contra Portugal, os interesses portugueses, as populações portuguesas das ex-colónias e as tropas portuguesas que nas mesmas se encontravam a combater, fundamentando tal convicção nos testemunhos que ouviu documentos que consultou.


5.4 Qualificação jurídica

Chegados aqui, impõe-se analisar agora se a factualidade dada como provada preenche os elementos objectivos do tipo, pelo qual o arguido JF... vinha acusado e pronunciado.

Neste item analisaremos todas as questões suscitadas por ambos os recursos, com excepção do pedido de indemnização civil, que trataremos em item autónomo.

Vejamos em primeiro lugar o tipo legal e as normas conexas.

Dispõe o artigo 180º (Difamação), do Código Penal:

«1. Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

2. A conduta não é punível quando:

a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e

b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.

3. Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 2 do artigo 31º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar de imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.

4. A boa-fé referida na alínea b) do nº 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.»

Nos termos do artigo 182 (Equiparação), do Código Penal:

«À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.»

Estabelece o artigo 183º (Publicidade e calúnia), do Código Penal:

«1. Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180º, 181º e 182º:

a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,

b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação;

as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

2. Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.»

Nos termos do artigo 184º (agravação), do Código Penal:

«As penas previstas nos artigos 180º, 181º e 183º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.»

Convirá antes de mais esclarecer que após a data da prática dos factos, a Lei nº 59/14 de 26 de Agosto, entrada em vigor em 31 de Agosto de 2014, veio alterar, ainda que sem relevância no caso concreto, a alínea l) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal.

Na versão vigente à data dos factos (versão dada pela Lei nº 59/2007, de 4/09), as pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132º, do Código Penal, eram as seguintes:

«Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das Regiões Autónomas, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas».

Na versão hoje em vigor (versão da Lei nº 59/2014, de 26/08) as pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132º, do Código Penal, são as seguintes:

«Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas, Provedor de Justiça, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas».

Verifica-se assim que, em ambas as versões do artigo 184º e alínea l) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, continua a existir a mesma agravação quando o ofendido é um “membro do Conselho de Estado”.

A agravação do artigo 183º, nº 1 alínea a) do Código Penal é feita em função do meio utilizado que facilita a divulgação da difamação, como foi o caso dos autos coma publicação num blogue acessível via Internet.

Com a gravação prevista no artigo 184º do Código Penal, “(…) o legislador, a partir de uma lógica que assenta na ideia de que o estatuto funcional – quer na óptica do sujeito passivo, quer na do sujeito activo – dos cargos de determinadas pessoas acrescenta uma mais-valia à própria honra, passou a considerar que os actos desonrosos que atacassem essa honra acrescida ou densificada mereceriam uma maior punição”.[17] O legislador impõe que a agravação tenha como pressuposto ser, “no exercício das suas funções ou por causa delas” ou ser o agente “funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade”, o que, manifestamente, não se verifica não estando, por isso, reunidos os pressupostos para tal agravação.

Feito o enquadramento jurídico do ilícito em causa, vejamos agora os elementos do mesmo.

O ilícito pelo qual o arguido vem pronunciado visa proteger a honra, enquanto direito pessoal (bom nome e reputação) com dignidade constitucional, tal como resulta do artigo 26º da Constituição da República Portuguesa e posteriormente densificada ao nível da protecção penal e civil.

Como referem os Profs. Gomes Canotilho e Vial Moreira o “direito ao bom nome e reputação consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante a imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e obter a componente reparação”.[18]  

A honra é normalmente encarada numa perspectiva dual (concepção normativa combinada com a concepção fáctica) e entendida, “como bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”.[19]

Tem pois a honra uma dupla dimensão. Uma dimensão interior ou subjectiva “opinião ou sentimento de uma pessoa sobre o seu próprio valor” e também uma dimensão exterior ou objectiva, “a representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, a chamada reputação ou bom nome”, a qual é claramente prevalecente, por se “reconhecer que a honra interior está, por princípio, a coberto da agressão de terceiros”.[20]

A honra enquanto bem jurídico protegido é expressão da personalidade do indivíduo e assenta no conceito matricial de dignidade da pessoa humana, em que assenta a própria República (artigo 1º da Constituição da República Portuguesa).

Jurisprudencialmente a honra tem sido entendida de forma, basicamente uniforme, pelo Supremo Tribunal de Justiça, como, “um bem da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português.”[21]

Como muito bem salienta o Digno Magistrado do Ministério Público nas suas alegações de recurso, “o conceito de honra deve ser avaliado quer de um ponto de vista objectivo e normativo no sentido de a mesma se referir ao valor ético de cada pessoa que lhe advém da sua qualidade de ser humano mas também, por outro lado, à consideração e reputação que cada pessoa merece face à sociedade em que se encontra inserida sendo que a violação da honra deverá ser avaliada do ponto de vista objetivo, i. é, perante o que é considerado “normal” do ponto de vista do homem médio em matéria de suscetibilidade do que pode ser ofensivo para a honra de alguém e não apenas do ponto de vista meramente subjectivo, ou seja, apenas daquele que se sente visado”.  

Como defende ainda Faria Costa na referida análise ao artigo do Código Penal, a difamação assenta numa “ relação tipicamente triangular”, por contraposição à injúria, a noção de “facto” traduz-se “naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência”, tratando-se de “um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência”, enquanto o conceito de “juízo” “deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa mas ao seu valor” (…), “deve ser entendido relativamente ao grau de consecução dessa ideia, coisa ou facto, se valorados em função do fim prosseguido”.[22]

Prossegue o mesmo autor que por vezes é difícil ao intérprete distinguir os conceitos de “facto” e de “juízo” quando imputados a outrem, a verdade é que são diferentes, «sobretudo diferentes de um ponto de vista da ressonância social» apesar de o legislador os ter equiparado já que o elemento comum no tipo legal é sempre a ofensa à honra ou consideração de uma pessoa.

No que ao nosso caso interessa, o tipo legal basta-se, ao nível objectivo, com a imputação, através de terceiros, “mesmo sob a forma de suspeita um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração”, enquanto ao nível subjectivo, se exige apenas o dolo (genérico, que não específico), em qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14º do Código Penal.

No caso dos autos, o arguido formulou sobre o assistente juízos de valor ofensivos da sua honra e consideração, os quais, no que respeita ao escrito publicado a 21 de Janeiro de 2011, foram materializados pela imputação de factos concretos que constam do referido blogue.

De facto, não pode deixar de ser considerado desonroso e ofensivo da honra e consideração de alguém, a imputação ao mesmo de um crime de traição à Pátria. Esta imputação materializada em factos exprime um juízo e uma valoração negativa do assistente que vai muito para lá do direito à crítica. Visa atingir a dignidade pessoal e o núcleo essencial das qualidades morais e éticas do assistente, tornando o mesmo incapaz e inadequado para as funções de Chefe de Estado a que se estava a candidatar e, por inerência, Chefe Supremo das Forças Armadas. Sendo o arguido um ex-oficial Superior das Forças Armadas, não desconhecia o significado e o carácter ofensivo das palavras que utilizava e que as mesmas estavam muito para além do combate de ideias políticas, decorrentes de uma campanha eleitoral que estava em curso. Na política, como na vida, não vale tudo. Não vale, manifestamente, atentar contra a dignidade, honorabilidade pessoal e profissional daqueles de que discordamos, ou são, circunstancialmente, nossos adversários.

O arguido ao ter publicado no dia 9 de Maio de 2010, na Internet no Blogue “Acção Monárquica”, um texto com o título “Manuel Alegre Combatente por quem?” onde acusa o assistente de traição à Pátria, referindo, para além do mais, que “O cidadão MA quando foi para Argel não se limitou a combater o regime, consubstanciado nos órgãos de Estado, mas a ajudar objectivamente as forças políticas que nos emboscavam as tropas”, imputando-lhe a prática de tal crime e também por, no dia 21 de Janeiro de 2011, no blogue “Novo Adamastor”, reafirmar tal imputação acerca do assistente:

“(…) Ora o que o cidadão MA fez e disse como membro da FPLN aos microfones da “Rádio Voz da Liberdade”, cabe no conceito de traição à comunidade que lhe deu berço, pois

(1) Deu apoio aos movimentos/partidos políticos que combatiam a presença portuguesa de armas na mão;

(2) Acolhia e dava a voz a membros destacados desses movimentos/partidos;

(3) Incitava à deserção das tropas portuguesas e ao não cumprimento do dever militar;

(4) Regozijava-se com eventuais/pretensos sucessos do inimigo;

(5) Difundia notícias mentirosas;

(6) Tentava abalar o moral dos combatentes portugueses;

(7) Apoiava actos de sabotagem contra o esforço de guerra português,

ofendeu a honra e consideração do assistente.

Apelidar alguém, que é candidato a Primeiro Magistrado da Nação, de traidor à Pátria, não pode deixar de ser considerado ofensivo da honra e consideração do visado. Sendo essa imputação efectuada por um oficial militar na reserva, o qual conhece, como todos os militares, o especial significado das palavras “traição” e “traição à Pátria”, por maioria de razão se deve considerar a mesma como ofensiva da honra e consideração. Impunha-se ao arguido, atenta, além do mais, a sua condição de oficial militar, uma contenção especial com as palavras e imputações efectuadas, pois sabia que as mesmas ofendiam ou eram susceptíveis de ofender, a honra e consideração do visado.[23]

Mas não estaria o arguido no exercício legítimo do seu direito opinião ou de expressão?

A Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 37º, como direito fundamental, a “liberdade de expressão e informação”, a qual também tem consagração no artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 19º do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos.

A liberdade de expressão consiste, como defende Nuno J. Vasconcelos de Albuquerque, “(…) no direito à livre  comunicação espiritual, no direito de fazer conhecer aos outros o próprio pensamento. Não se trata de proteger o homem isolado, mas as relações interindividuais. Abrange todas as expressões que influenciam a formação de opiniões: não só a própria opinião de carácter mais ou menos crítico, referida ou não a aspectos da verdade, mas também a comunicação de factos (informações)”.[24]

Para o Prof. Costa Andrade a liberdade de expressão consiste no, “direito que a todos assiste de participar e tomar posição (designadamente sob a forma de crítica) na discussão de todas as coisas e de todas as questões de interesse comunitário”.[25]

A liberdade de expressão abrange, “(…) qualquer exteriorização da vida própria das pessoas: crenças, convicções, ideias, ideologias, opiniões, sentimentos, emoções, actos de vontade”. Em sentido amplo, revela-se indissociável das mais diversas liberdades, constituindo o direito à palavra, constitucionalmente previsto também no nº 1 do sobredito artigo 26º, uma sua garantia. “Em sentido restrito, a liberdade de expressão recorta-se por exclusão de partes: vem a ser essencialmente liberdade de expressão de pensamento; e correlaciona-se então com a liberdade de informação e a de comunicação social. (...) A liberdade de informação tem em vista, ao invés, a interiorização de algo externo: consiste em aprender ou dar a apreender factos e notícias e nela prevalece o elemento cognoscitivo. Compreende o direito de informar, de se informar e de ser informado”.[26]

O direito de liberdade de expressão e informação colide, frequentemente, com outros direitos, liberdades e garantias, nomeadamente os direitos pessoais.

Entre estes direitos pessoais o direito ao bom nome e à honra é normalmente entendido como um limite para outros direitos, nomeadamente o de expressão e informação. Como referem os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira “(…) o âmbito do direito ao bom nome e reputação não é menos intenso na esfera política do que na esfera pessoal, devendo ser harmonizado e balanceado com a liberdade do debate político e com a liberdade de crítica política, que são inerentes à democracia. Neste aspecto, o TEDH tem adoptado um critério assaz liberal na protecção da liberdade de expressão e opinião e do direito de crítica política em desfavor do bom nome e reputação política dos titulares de cargos políticos ou dos agentes políticos. No contexto constitucional português, os direitos em colisão devem considerar-se como princípios susceptíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia supra ou infravaloração abstracta”.[27] 

Esta ideia da igual dignidade constitucional de ambos os direitos e de estarmos em presença de uma colisão de direitos constitucionais, é igualmente defendida pelo Prof. Jónatas Machado, o qual entende que a colisão deve ser superada através do princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso, com salvaguarda do conteúdo essencial de cada direito em colisão.[28]

Como refere o Prof. Costa Andrade, “Muitos dos bens jurídicos pessoais que acabam de atrair a tutela penal revelam uma vocação ostensivamente conflitual. Na expressiva formulação de Eser, estes bens jurídico-penais são invariavelmente portadores duma “imanente colisão de valores”.[29]

Esta mesma percepção foi tida pelo legislador constituinte, ao estabelecer no próprio artigo 37º da Constituição da República Portuguesa, por um lado a extensão alargada do exercício de tais direitos (nº 2) e, por outro a possibilidade de serem consagradas infracções cometidas no exercício de tais direitos, as quais ficam submetidas “(…)aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente” (nº 3) e que a todas as pessoas é assegurado “(…) o direito a indemnização pelos danos sofridos” (nº 4).

Verifica-se assim que é o próprio legislador constituinte, a considerar que o direito de expressão e informação tem limites, os quais, sendo ultrapassados, dão lugar a eventual responsabilidade criminal e civil, tal como o legislador ordinário veio depois a densificar nas leis ordinárias.

Tendo em abstracto ambos os direitos igual dignidade constitucional e estando ambos em colisão, a mesma deverá ser resolvida na ponderação concreta do caso, tentando a “(…) sua harmonização, procurando optimizá-las de forma a que cada uma possa produzir os seus máximos efeitos. É o que nos diz o artigo 335º do CC, ao estabelecer que «havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes»”.[30]

No mesmo sentido vai a opinião do Prof. Costa Andrade o qual considera que “(…) a eminente e igual dignidade constitucional dos valores em confronto (honra e liberdade de expressão e de imprensa) cometem a equacionação e superação dos problemas a uma ponderação global de interesse na perspectiva do caso concreto», devendo “reconhecer-se uma presunção de licitude às ofensas típicas que resultem da discussão de questões de interesse comunitário”, havendo sempre de “valorar-se como ilícitas as ofensas exclusivamente motivadas pelo propósito de caluniar, rebaixar e humilhar o ofendido.[31]

A Mestre Iolanda Brito defende como critérios a utilizar em tal ponderação, em matéria de colisão entre o direito à honra e à liberdade de expressão, a prossecução de um interesse público; a verdade/falsidade do facto imputado e a gravidade do juízo de valor. Este mesmo critério de prossecução de interesse público, já foi utilizado, jurisprudencialmente, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 03/03/2005, para ponderação entre ambos os direitos em conflito, tendo decidido que “A liberdade de expressão não pode (e não deve) atentar, contra o direito ao bom nome e reputação, salvo quando estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação dos factos seja feita de forma a não exceder o estritamente necessário a tal salvaguarda[32]

O legislador no artigo 180º, números 2, 3 e 4 do Código Penal, acaba por enunciar os critérios a ter em conta, para ponderação dos direitos em colisão, quando exclui da punibilidade as condutas enquadráveis em tais pressupostos.

Ora, no caso dos autos, nenhuma dessas situações se verifica.

O arguido tentou demonstrar que os factos que constavam do Blogue eram verdadeiros, (exceptio veritatis) a qual não logrou demonstrar e não resultou provada em Tribunal, sendo certo que também não ficou demonstrado que tivesse fundamento sério para, em boa fé, a considerar verdadeira. Na verdade, sendo o arguido um militar na reserva devia ter-se devidamente informado da veracidade do que lhe tinha sido dito por vários chefes militares. Ora, não só o arguido não teve esse cuidado, que lhe era exigido atentas as circunstâncias, como escreveu os artigos em causa movido pela intenção e vontade de o assistente não ser eleito para a Presidência da República (nº 51 dos Factos provados), isto é, imbuído de motivação política e logo numa lógica de parcialidade, inerente a toda a actividade política. Não está em causa o arguido pautar o seu comportamento por motivações políticas. O que está em causa é tais comportamentos ofenderem a honra e dignidade dos demais concidadãos, como aconteceu no caso vertente em relação ao assistente. Assim, ainda que pudesse equacionar-se a boa fé do arguido na publicação de tais artigos, a verdade é que o mesmo não cumpriu o dever de informação a que estava obrigado enquanto militar conhecedor do peso e importância das palavras e das imputações que fez, estando, por isso excluída a referida boa fé, nos termos do nº 4 do artigo 180º do Código Penal. A boa fé não é uma mera convicção subjectiva do agente, tendo, antes, de se materializar numa dimensão objectiva materializada em factos.[33]

Acresce ainda, como resulta dos factos provados (nºs 24 e 25), que a biografia do assistente consta de inúmeros sites na internet e pode ser consultada em várias fontes. Não teria sido, por isso, difícil ao arguido ter averiguado se o assistente tinha sido um traidor à Pátria e se o que lhe foi dito por chefes militares tinha fundamento.

Mas, se por um lado não ficaram demonstrados os pressupostos de que depende a não punibilidade da conduta da alínea b), do número 2 do preceito, do mesmo modo não se pode considerar que a imputação feita o tenha sido para “realizar interesses legítimos”.

Nenhum interesse legítimo resultou demonstrado em audiência e, seguramente não o seria, de per si, a própria eleição presidencial em curso.

Como refere o Prof. Jónatas Machado, a norma que consagra o direito à liberdade de expressão “(…) deve ser correctamente entendida, de acordo com o efeito recíproco de mútuo condicionamento entre normas protectoras de diferentes bens jurídicos, sob pena de invocação do exercício da liberdade de expressão ou de informação acabar por neutralizar pura e simplesmente o ilícito em causa.

Deve lembrar-se que a violação do núcleo essencial do direito ao bom nome e à reputação dificilmente poderá ser legitimada com base no exercício de um outro direito fundamental”.[34]

Não pode pois o direito à liberdade de expressão “esmagar” ou anular tout court o direito à honra e reputação, pois a isso se opõe, desde logo, o artigo 18º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, que limita a restrição dos direitos, liberdades e garantias, as quais não podem “(…) diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.

Se do ponto de vista doutrinal este entendimento é prevalecente, o mesmo parece acontecer do ponto de vista jurisprudencial, ainda que existam posições divergentes, mesmo ao nível do Venerando Supremo Tribunal de Justiça.[35]

 Vejam-se a título de exemplo, ao nível dos sumários, os seguintes acórdãos:

«I - Os direitos de informação e de livre expressão sofrem as restrições necessárias à coexistência, em sociedade democrática, de outros direitos como os da honra e reputação das pessoas. II - Há que procurar, antes do mais, a “concordância prática” desses direitos, de informação e livre expressão, por um lado, e à integridade moral e ao bom nome e reputação, por outro, mediante o sacrifício indispensável de ambos. III - Em último termo, o reconhecimento da dignidade humana como valor supremo da ordenação constitucional democrática impõe que a colisão desses direitos deva, em princípio, resolver-se pela prevalência daquele direito de personalidade (n.º 2 do art.º 335 do CC), só assim não sucedendo quando, em concreto, concorram circunstâncias susceptíveis de, à luz de relevante interesse público, justificar a adequação da solução oposta. IV - Existindo verdadeiro interesse público em que a comunidade seja informada sobre certas matérias, o dever de informação prevalece sobre a discrição imposta pelos interesses pessoais. V - Sempre, no entanto, será de exigir o respeito por um princípio, não apenas de verdade, necessidade e adequação, mas também de proporcionalidade (ou razoabilidade).» 07-03-2002 - Revista n.º 184/02 - 7.ª Secção - Oliveira Barros (Relator), Miranda Gusmão e Sousa Inês

«I - O crime de difamação, tendo como objecto o mesmo bem jurídico do crime de injúria - a honra e consideração -, distingue-se desta por a imputação de factos ou utilização de expressões ser feita por intermediação de um terceiro, com quem o agente comunica por qualquer forma verbal ou escrita, imputando ao ofendido ausente factos ou formulando juízos ofensivos da sua honra e consideração, ao passo que, na injúria, a imputação ou juízo ofensivos da honra são dirigidos directamente ao titular desse bem jurídico (arts. 180.º, n.º 1, e 181.º, n.º 1, do CP). II - Não é necessário que tais expressões atinjam efectivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a susceptibilidade expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano. III - Se as expressões utilizadas pelo demandado no seu escrito constituem um ataque directo à pessoa do demandante, nada têm a ver com uma crítica da sua actuação, pois esta, por muito contundente que seja, exige sempre uma relação com o objecto criticado, e uma relação lógica, racionalmente fundada, o que não exclui a ironia, o humor, mesmo corrosivo, e o tom sarcástico. IV - Criticar é tomar o objecto da crítica e julgá-lo, pois a crítica tem uma vertente judicativa. Não se exigindo que a actividade judicatória seja necessariamente sisuda e circunspecta, sendo compatível com uma multiplicidade de registos, desde o sério ao cómico, o que é certo é que ela tem de manter uma relação lógica com o objecto criticado e não descambar para o ataque pessoal, sobretudo quando tal ataque entre no domínio da ofensa à honra e consideração das pessoas. Se é verdade que o exercício da liberdade de expressão e de comunicação exigem, muitas vezes, um recuo da tutela da honra, esse recuo há-de ser justificado como meio necessário, adequado e proporcional para o exercício eficaz daquele direito. V - O mesmo se diga em relação ao direito de emitir opinião num artigo opinativo. Sendo a opinião de tónica subjectiva, a verdade é que ela tem de partir de um substrato objectivo e manter com ele uma ligação lógica. Podendo expender-se uma opinião, tanto sobre um facto, um acontecimento, como sobre uma pessoa, esta última é sempre mais difícil de aceitar, sobretudo quando se traduz numa opinião desfavorável, porque aí é mais fácil o resvalamento para o domínio do ilícito. VI - Uma tradição longamente firmada no seio das democracias admite com largueza a crítica e a opinião em certos domínios sociais e sobretudo políticos, aqui envolvendo mesmo os protagonistas. Todavia, a crítica e a opinião não podem ter como único sustentáculo, mesmo aí, o ataque pessoal, sobretudo quando esse ataque é imotivado, cego, ditado pela paixão ideológica ou por um espírito de vindicta ou de ajuste de contas. 03-06-2009 - Proc. n.º 617/09 - 5.ª Secção - Rodrigues da Costa (relator) e Arménio Sottomayor.

Em reforço desta diversidade, veja-se ainda o seguinte acórdão: «I - Os direitos (e as liberdades) de expressão e informação, e de imprensa, constitucionalmente consagrados, não são direitos inteiramente absolutos, vivendo por si e para si como se fossem únicos. II - Há outros direitos constitucionalmente assegurados e é no confronto entre todos que tem que definir-se, em concreto, a medida do absoluto de cada qual e a relativização necessária ao respeito pela dimensão essencial de todos e de cada um. III - A liberdade de imprensa não é uma criação pela criação, mas uma exigência em ordem à defesa do interesse público e à consolidação da sociedade democrática. IV - No confronto entre os direitos à liberdade de expressão e informação, exercidos através da imprensa, e outros direitos constitucionalmente consagrados, maxime o direito à integridade pessoal e o direito ao bom nome e reputação, não pode deixar de reflectir-se na verdadeira dimensão do exercício desses direitos - se há um qualquer interesse público a prosseguir, haverá eventualmente que privilegiar o direito à informação e a liberdade de expressão em detrimento de outros direitos individuais; se o interesse de quem informa se situa no puro domínio do privado, sem qualquer dimensão pública, o direito à integridade pessoal e ao bom nome e reputação não pode ser sacrificado para salvaguarda de uma egoística liberdade de expressão e de informação14-01-2010 - Revista n.º 1869/06.0TVPRT.S1 - 7.ª Secção - Pires da Rosa (Relator) *, Custódio Montes e Alberto Sobrinho

Esta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça aponta para uma clara prevalência do direito ao bom nome, à honra e reputação, como componente intrínseca da dignidade humana, apenas cedendo, em contraponto com a liberdade de expressão e informação, perante interesses relevantes, sempre numa perspectiva de necessidade, adequação e proporcionalidade.

Não desconhecemos que esta jurisprudência tem vindo a ser contrariada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, (TEDH) que dá primazia à liberdade de expressão, como o próprio Supremo Tribunal de Justiça reconhece em alguns dos seus acórdãos. No acórdão de 12/03/2009, o Supremo Tribunal de Justiça reconhece que o “(…) TEDH tem vindo a firmar jurisprudência no sentido de, sob reserva do n.º 2 do art. 10.º da CEDH, a liberdade de expressão ser válida não só para as informações consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que contradizem, chocam ou ofendem”.[36]

Porém, como se refere neste mesmo acórdão, o TEDH reconhece à luz do artigo 10º, número 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, (CEDH) que o exercício da liberdade de expressão está sujeito “a restrições e sanções”, podendo o Estado Português, ao nível do direito interno, estabelecer tais restrições e sanções, como acontece com o artigo 180º do Código Penal e também no artigo 484º do Código Civil.

É verdade que existem várias decisões do TEDH que permitem uma crítica e ofensa quase ilimitada do direito à honra, estribando-se no direito à liberdade de expressão. O TEDH considera que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática” a qual é caracterizada ainda pelo “pluralismo, tolerância e espírito de abertura”, sendo uma “das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um”.[37]

O exemplo mais paradigmático de tal jurisprudência é o acórdão do TEDH no processo de Otegi Mondragon contra a Espanha, de 15.3.2011, em que o demandante havia sido condenado pelo Tribunal Supremo Espanhol (depois de absolvição pelo Tribunal Supremo Basco), por se ter referido, em conferência de imprensa, a propósito da visita do rei a Bilbau, nos seguintes termos:

Como é possível que eles se façam fotografar hoje em Bilbau com o rei de Espanha, quando o rei de Espanha é o chefe supremo do exército espanhol, ou seja, o responsável pelos torcionários, o protector da tortura e quem impõe o seu regime monárquico ao nosso povo por meio da tortura e da violência”.

Como se pode ver deste aresto e muitos outros existem, a primazia dada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, à liberdade de expressão, é quase total, particularmente quando associada à liberdade de imprensa. O TEDH entende que a restrição conexa com a honra, também salvaguardada no artigo 10º, nº 2 da CEDH, está sujeita a uma “necessidade social imperiosa” e reivindica para si um poder de supervisão das excepções, restringindo a margem de apreciação dos Estados.[38]

Esta leitura da CEDH por parte do TEDH contraria, em nossa opinião, o direito interno português e a interpretação que a grande maioria da doutrina e jurisprudência fazem da colisão de direitos constitucionais com igual dignidade abstracta.

Mas deverá prevalecer a jurisprudência do TEDH e ser vinculativa para os Tribunais Portugueses?

Em nossa modesta opinião tal jurisprudência não é vinculativa.

Como já referimos os direitos em colisão têm igual dignidade constitucional. O artigo 16º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, impõe uma interpretação dos direitos, liberdades e garantias em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual tutela, em termos paritários, ambos os direitos (artigos 12º e 19º da Declaração).

No plano da hierarquia das normas, as normas constitucionais aparecem no topo da pirâmide, seguidas das normas convencionais internacionais regularmente ratificadas pelo Estado Português, as quais vigoram no direito interno e se sobrepõem a essas mesmas normas na hierarquia.[39] A Constituição da República Portuguesa no artigo 8º, nº 4 estatui que as “disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”. Exige-se assim, o respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, que é exactamente o que está em causa no caso vertente.

  Na verdade, esta jurisprudência do TEDH pode ser violadora, em nossa modesta opinião, da própria Constituição da República Portuguesa, na medida em que a mesma não permite, no seu artigo 18º, nº 3, a restrição dos direitos, liberdades e garantias, como são os direitos pessoais, de modo a diminuir o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais que os consagram. A jurisprudência do TEDH está, verdadeiramente, a hierarquizar, em termos abstractos, os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, o que a mesma não permite por força da sua igual dignidade constitucional.

Para além deste impedimento constitucional existe ainda um outro impedimento legal.

Na verdade, apesar do disposto no artigo 449º, nº 1, al. g) do Código de Processo Penal e 696º, al. f) do Código de Processo Civil, que permite, como fundamento do recurso de revisão, a existência de uma decisão vinculativa do Estado Português, de uma instância internacional, nem por isso se pode considerar que a jurisprudência do TEDH é vinculativa para os Tribunais portugueses. Ainda que a decisão seja vinculativa para o Estado Português, os Tribunais nacionais têm sempre que aferir se essa mesma decisão é inconciliável com a condenação ou suscita graves dúvidas sobre a sua justiça.

Convirá ainda referir que quase toda a jurisprudência do TEDH dando primazia quase absoluta à liberdade de expressão, se refere a casos relacionados com a imprensa e a liberdade de informação, não sendo transposta mutatis mutandis para o caso dos autos no que respeita ao arguido JF....

Chegados aqui impõe-se apenas, antes de concluir a qualificação jurídica, a relevância jurídica de o assistente ser uma figura pública.

A grande maioria, para não dizer a generalidade da doutrina e jurisprudência entende que quando estão em causa figuras públicas, os limites da crítica admissível são mais amplos, admitindo-se, no âmbito de controvérsias políticas e públicas, o uso de linguagem forte, exagerada, violenta e mordaz.[40]

Esta diferente amplitude tem na base um interesse público de maior escrutínio exigido pela sociedade democrática sobre as figuras públicas, as quais devem suportar uma maior tolerância da crítica, levando, como refere o Prof. Faria Costa a uma “erosão externa da honra”.

Mas, como refere Iolanda Brito, “mesmo em relação às figuras públicas há limites que não podem ser ultrapassados, ainda que no domínio da esfera pública. A tolerância à crítica tem que conhecer barreiras, sob pena de se negar, de uma forma intolerável, a protecção da honra das figuras públicas, o que poderia acarretar diversas consequências negativas, nomeadamente afastar as mais dignas da vida pública”. Esta protecção é especialmente exigida, “se uma figura pública pauta o seu comportamento público por padrões de correcção, urbanidade, honestidade e lealdade merece uma maior protecção da sua honra do que a figura pública que assume uma conduta pouco compatível com aqueles padrões”.[41]

É exactamente o que acontece no caso dos autos.

O assistente é uma figura pública que pauta a sua vida pública por padrões de correcção e urbanidade, não lhe sendo conhecida nenhuma conduta contrária a esses padrões de honestidade, urbanidade e correcção.

Na verdade, para além de ser, na data da prática dos factos, membro do Conselho de Estado, foi durante várias décadas deputado à Assembleia da República e, no passado, pautou a sua vida, “(…) pela luta em nome do ideal democrático e das liberdades que lhe são inerentes, sendo conhecido o seu passado como resistente à ditadura do Estado Novo” (nº3 dos factos provados) e “É reconhecidamente pessoa que tem pautado o exercício da sua actividade profissional pela honestidade, a frontalidade e a prossecução máxima do interesse público e nacional”  (nº 53 dos factos provados), gozando  “de prestígio no meio político nacional” (nº 55 dos factos provados).

O assistente no seu recurso chama à colação o “discurso de ódio e intolerância”, trazendo à liça vários exemplos e acórdãos do TEDH, alegando ter sido este discurso que moveu o arguido.

Não nos parece que tal discurso de “ódio” esteja presente nos factos dados como provados e possa ser considerado. Existe sim alguma intolerância e uma maior crispação, quando se discutem questões relacionadas com o designado, “Ultramar Português, a Guerra e a Descolonização”, mas muito longe do discurso de ódio. Essa crispação ainda se enquadra dentro do jogo da de uma sociedade democrática e plural como a nossa, não podendo ser enquadrado naquilo a que o TEDH designa como “discurso do ódio”.

A questão não está no discurso do “ódio”.

A questão está no limite da crítica admissível.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/06/2009, “Criticar é tomar o objecto da crítica e julgá-lo, pois a crítica tem uma vertente judicativa. Não se exigindo que a actividade judicatória seja necessariamente sisuda e circunspecta, sendo compatível com uma multiplicidade de registos, desde o sério ao cómico, o que é certo é que ela tem de manter uma relação lógica com o objecto criticado e não descambar para o ataque pessoal, sobretudo quando tal ataque entre no domínio da ofensa à honra e consideração das pessoas. Se é verdade que o exercício da liberdade de expressão e de comunicação exigem, muitas vezes, um recuo da tutela da honra, esse recuo há-de ser justificado como meio necessário, adequado e proporcional para o exercício eficaz daquele direito”. E acrescenta o aresto também citado pelo recorrente “Uma tradição longamente firmada no seio das democracias admite com largueza a crítica e a opinião em certos domínios sociais e sobretudo políticos, aqui envolvendo mesmo os protagonistas. Todavia, a crítica e a opinião não podem ter como único sustentáculo, mesmo aí, o ataque pessoal, sobretudo quando esse ataque é imotivado, cego, ditado pela paixão ideológica ou por um espírito de vindicta ou de ajuste de contas.”[42]

Este espírito de vindicta que o aresto invoca, não está presente na factualidade provada, ainda que o arguido tivesse sido movido pelo propósito político de impedir a eleição do assistente como Presidente da República, não se podendo, por isso, falar na aplicação da excepção resultante do artigo 17º da CEDH.

As críticas que o arguido produziu sobre o assistente imputando-lhe, por duas vezes, o crime de traição à Pátria e fazendo sobre o mesmo juízos desonrosos, estão muito para lá da razoabilidade e dos limites da crítica traduzindo-se, pelas razões que ficaram ditas ao longo deste acórdão, na prática pelo mesmo dos dois crimes de difamação agravada por que vinha pronunciado.

Em resumo, entendemos ter o arguido JF... cometido dois crimes de difamação agravada, previstos e punidos pelos artigos 180º, nº 1, 182º e 183º, nº 1, alínea a), todos do Código Penal.

5.5 Medida da Pena

O legislador estatui como parâmetros de determinação da pena que a mesma deve ser fixada - “(…) dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” visando a aplicação das penas “(…) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” e levando ainda em conta “(…) todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (…)” considerando, nomeadamente, os factores de determinação da pena a que se referem as várias alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal (artigos 71º, nº1 e nº2 e 40º, nº1 e nº2, ambos do Código Penal.

O legislador dá ainda primazia às penas não detentivas desde que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 70º Código Processo Penal).

A densificação jurisprudencial dos critérios legais tem sido feita, pelos tribunais superiores, de modo a considerar e ponderar o equilíbrio entre “exigências de prevenção geral”, a “tutela dos respectivos bens jurídicos” e a “socialização do agente”.

Da multiplicidade de decisões do nosso Supremo Tribunal permitimo-nos citar, por sintetizar na perfeição a ponderação dos referidos equilíbrios, o sumário do acórdão de 31-01-2012, “Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente[43], ou, como diz o Ac. STJ de 22-09-2004, “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todo exigível”.[44][45]

Como refere a Prof.ª Anabela Rodrigues "A pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada... É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica".[46] 

Como refere o Supremo Tribunal de Justiça, os factores a ponderar na medida da pena, “(…) devem desde logo ser relevantes do ponto de vista da culpa e da prevenção, têm de ser avaliados em função do seu peso especifico e da sua recíproca influência na quantificação da pena. Esta há-de ser o resultado de todos esses factores numa avaliação complexa, tendo em vista, sempre, as necessidades de prevenção e a medida da culpa.”[47]

Ainda neste sentido da ponderação da prevenção geral, especial e da culpa em sede de medida concreta da pena, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2005, As circunstâncias e os critérios do artigo 71° do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.”[48]

No caso em apreço, cada um dos crimes praticados pelo arguido são puníveis com pena de 40 dias a 8 meses de prisão ou com pena de multa de 13 a 320 dias (artigos 180º, nº 1, 182º e 183º, nº 1, alínea a), conjugados com os artigos 41º, nº 1 e 47º, todos do Código Penal).

Na escolha da medida da pena, tendo os critérios anteriormente referidos e a primazia que o legislador dá às penas não detentivas, é indiscutível que a pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A pena deve ser fixada em função da culpa do arguido e de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal. Assim, pondera-se:

- o dolo directo com que o arguido actuou;

- o médio grau de ilicitude;

- o sentimento político que motivou o arguido;

- a persistência do arguido na imputação do facto e juízo ofensivos, que reafirmou em audiência, como resulta da própria sentença, pouco consentâneo com as regras da vivência democrática;

- a ausência de antecedentes criminais, conforme certificado de registo criminal junto aos autos.

Ponderando tudo isto e a culpa do arguido, entendemos adequado condenar o mesmo, por cada um dos crimes, na pena de oitenta (80) dias de multa.

Na fixação do montante diário da multa, tendo em conta a circunstância de o arguido ser um ex-Coronel das Forças Armadas Portuguesas, ainda que se desconheça em pormenor a sua situação pessoal e económica, numa perspectiva prudencial e tendo em conta que a multa é fixada num montante diário entre €5 e €500, decide-se fixar o montante diário da multa em €15.

Como os crimes estão em situação de concurso efectivo, operando o cúmulo jurídico nos termos do artigo 77º do Código Penal e tendo em conta as circunstâncias globais dos factos e a culpa do arguido, entendemos adequado condenar o mesmo na pena única de cento e vinte dias (120) dias de multa, à taxa diária de €15 (quinze euros), o que perfaz o montante global de €1.800,00 (mil e oitocentos euros).

Nos termos do disposto no artigo 49º do Código Penal e para a eventualidade de a multa não ser paga, nem substituída por trabalho, desde já se converte a referida multa em prisão subsidiária que se fixa em 80 (oitenta) dias.

5.6 Pedido de indemnização civil

Nos termos do artigo 129º do Código Penal, “a indemnização de perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil”.

As ofensas à honra merecem a tutela do direito penal como ficou referido, como também do direito civil, como se alcança dos artigos 70º, 483º e 484º, todos do Código Civil.

Perante esta protecção penal e civil e os factos dados como provados no que respeita ao ilícito praticado pelo arguido – fundamento genérico da responsabilidade civil por facto ilícito -  dúvidas não existem que o arguido JF... está obrigado a indemnizar o assistente pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito nos termos do disposto no artigo 496º do Código Civil.[49]

O assistente, apesar da absolvição do arguido JP... dos crimes por que vinha acusado, com a qual se conforma ao não recorrer nessa parte da decisão proferida, entende que o mesmo deve ser condenado solidariamente no pedido de indemnização civil formulado, “(…) à luz do princípio da adesão, e do disposto nos arts. 29°, n° 2, da Lei de Imprensa, e 483º, 484° e 500° do Código Civil,” (conclusão 23).

O assistente nas suas conclusões apresenta como argumentos para tal pedido o seguinte:
-ilicitude das condutas do que foi publicado no Jornal o Diabo, sem qualquer desmentido deste;
-prática de um crime de difamação por parte do autor dos textos, que era também chefe de redacção à data da prática dos factos;

-abuso de liberdade de imprensa;

-autor dos textos declarado contumaz;
-o demandado era proprietário do Jornal o Diabo e seu Director formal e, nessa medida incorre em responsabilidade extracontratual.

Não nos parece que tal argumentação proceda e que se possa concluir pela responsabilidade extracontratual solidária do arguido/demandado JP....

É um facto que resultou provado que o demandado era proprietário do Jornal o Diabo e seu Director formal.

Mas também resultou igualmente não provado que  esse mesmo arguido teve conhecimento prévio da publicação (nº 2 dos factos não provados) e que podia opor-se à publicação e não o fez (nº 3 dos factos não provados).

Foram estes conjuntos de factos que levaram à absolvição do arguido JP... dos crimes que lhe eram imputados, com a qual, como referimos, o assistente se conformou. Por outro lado, não está demonstrado que o ex- co-arguido tenha cometido qualquer crime, já que tal responsabilidade ainda não foi apreciada por força da referida contumácia.

No processo crime, por força do princípio de adesão do artigo 71º do Código de Processo Penal,  apenas se aprecia a responsabilidade civil conexa com o crime que deu origem à obrigação de indemnizar, sendo a demais responsabilidade, eventualmente existente, apreciada no tribunal cível.

Os pressupostos materiais da referida responsabilidade civil são determinadas pela lei civil substantiva (artigo 129º do Código Penal), os quais não se verificam no caso presente.

A este propósito o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 10/07/2008, expendeu o seguinte: I - O art. 71.º do CPP («processo de adesão») consagra a interdependência das acções penal, para aplicação das reacções criminais adequadas, e civil, para a reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais a que a infracção tenha dado causa. II - A interdependência das acções significa que mantêm a independência nos pressupostos e nas finalidades (objecto), sendo a acção penal dependente dos pressupostos que definem um ilícito criminal e que permitem a aplicação de uma sanção, e a acção civil dos pressupostos próprios da responsabilidade civil; a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (art. 129.º do CP) nos respectivos pressupostos, e só processualmente é regulada pela lei processual penal. A interdependência das acções significa, pois, independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível ao processo penal. III - Aderindo ao processo penal, o pedido («a acção») para indemnização civil mantém, no entanto, alguma autonomia funcional, quer por regras procedimentais próprias a que está vinculado (art. 73.º e ss. do CPP), quer pela possibilidade de intervenção dos responsáveis meramente civis que, enquanto tais, seriam extraneus no processo penal. IV - A obrigatoriedade, como regra, da adesão (que só por excepção e nos casos enumerados cede - art. 72.º do CPP, permitindo-se, então, o uso autónomo dos meios processuais civis), determina, porém, para respeitar a finalidade funcional do princípio, que a autonomia qualitativa dos pressupostos se sobreponha e exija a continuidade instrumental do processo para apreciação do pedido de indemnização sempre que, cedendo por circunstâncias próprias a acção penal, se mantenham, ainda assim, em aberto possibilidades de verificação dos pressupostos da reparação civil. V - Os fundamentos da acção que, aderindo ao processo penal, ficam interdependentes, sendo qualitativamente diversos, têm, no entanto, que revelar uma unidade material que constitui a base relevante para a verificação, positiva ou negativa, dos respectivos pressupostos. A reparação fundada na prática de um crime reverte, na base, às correlações factuais e ao complexo de factos que constituem, ou são processualmente identificados como constituindo, um crime: tipicidade dos factos, ilicitude, imputação ao agente, dignidade penal. VI - Consistindo a ilicitude penal numa «ilicitude qualificada», não está excluído que uma base factual, com autonomia e identidade próprias, que não atinja a dimensão «qualificada» do nível de ilicitude, possa suportar ou exigir uma valoração de outro nível segundo uma Sumários de acórdãos das Secções Criminais 68 outra fonte de antinormatividade, nomeadamente no plano dos pressupostos da responsabilidade civil. VII - Deste modo, se o arguido for absolvido de um crime e subsistir, apesar da absolvição, uma base factual com autonomia que suscite, ou permita suscitar, outros níveis de apreciação da normatividade como pressuposto ou fonte de indemnização civil (autonomia qualitativa dos pressupostos), haverá que considerar o pedido de reparação civil (dependência ou adesão especificamente processual) que se possa fundamentar nos mesmos factos - seja responsabilidade por facto ilícito, seja responsabilidade pelo risco. VIII - No que respeita a valores inerentes à personalidade, a lei tutela em geral, no art. 70.º do CC, a personalidade individual, determinado a protecção dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física e moral, e especificamente protege no art. 484.º do CC aspectos particulares da personalidade moral, impondo a reparação dos danos causados por «quem afirmar ou difundir facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa singular ou colectiva» (…)”.[50]

Na verdade, não tendo o arguido/demandado JP... cometido qualquer crime e inexistindo qualquer facto ilicito praticado pelo mesmo nestes autos, não nos parece que se possa apreciar a sua responsabilidade extracontratual desconexa do facto criminoso. Não se verificam assim os pressupostos do artigo da responsabilidade civil por facto ílicito, previstos no artigo 483º do Código Civil, bem como também não se verifica a situação do artigo 484º do mesmo código.

Por sua vez o artigo 500º do Código Civil, relativo à responsabilidade objectiva do comitente, pressupõe sempre a responsabilidade do comissário, isto é, que o mesmo tenha actuado com culpa, que neste caso seria o autor dos textos e chefe de redacção. Ora, mesmo admitindo que tal preceito era aplicável, nunca o mesmo seria aplicável ao caso concreto, por força da declaração de contumácia em relação ao autor dos textos. Não está, nem deixa de estar a culpa do “comissário”, por ausência de juízo sobre a mesma.

Por sua vez o artigo 497º do Código Civil, nada nos acrescenta sobre a responsabilidade solidária, já que apenas regula a forma de efectivação da mesma, desde que exista, o que não é o caso.

A própria Lei de Liberdade de Imprensa (Lei 2/99 de 13 de Janeiro) invocada pelo assistente, exige o conhecimento e a não oposição do Director para efeitos de responsabilidade solidária, ao estatuir no seu artigo 29º, nº 2 que, “No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado”.

Perante estas normas jurídicas não logramos descortinar a responsabilidade do arguido/demandado no pedido civil contra si formulado.

Improcede assim, nesta parte o recurso do assistente, mantendo-se o decidido em relação ao arguido/demandado JP....

Resta-nos assim apreciar o pedido de indemnização civil formulado contra o arguido JF....

 Como já referimos no início deste ponto, o arguido JF..., constituiu-se na obrigação de indemnizar o assistente pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo mesmo.

Quem estiver obrigado a indemnizar deve “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, devendo a “indemnização ser fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível” (artigos 562º e 566º do Código Civil, respectivamente).

No caso dos autos, não sendo possível a indemnização in natura deve a mesma ser fixada em dinheiro.

Ao nível de danos patrimoniais, nenhum se mostra dado como provado.

O artigo 496º, nº1 do Código Civil admite a indemnização dos “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, não merecendo protecção jurídica “os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultem de uma sensibilidade anómala”,[51]confiando o legislador ao Tribunal o encargo de os calcular segundo critérios de equidade, tendo em conta “ (...) todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida”.[52]

Ao nível dos danos não patrimoniais o artigo 496º do Código Civil estatui o seguinte:

1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.”.

É indiscutível, como ficou referido, que o direito à honra e bom nome merece a tutela do direito, cabendo por isso apenas, fixar o montante indemnizatório.

O legislador, como se alcança do nº 3 do artigo 496º do Código Civil, remete-nos para juízos de equidade, tendo em atenção as circunstâncias do artigo 494º. Este preceito limita a indemnização no caso de mera culpa o qual, no caso dos autos, não tem aplicação no que respeita ao limite da indemnização, já que estamos no domínio do dolo como resultou da factualidade dada por assente.

Merecendo os danos não patrimoniais a tutela do direito, a sua avaliação em dinheiro reveste-se de grande dificuldade e exige grande prudência do julgador, tal como reconhece o legislador ao remeter para critérios de equidade.

Como refere o Prof. Antunes Varela os danos patrimoniais, “(…) como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”.[53]

No domínio dos danos não patrimoniais não estarmos perante uma verdadeira indemnização, mas, antes, de uma compensação pecuniária, considerada adequada e justa para compensar o direito à honra, de modo a atenuar ou fazer esquecer a ofensa que foi feita.

A lei, para fixação dessa compensação, apela a juízos de equidade os quais terão de resultar do circunstancialismo fáctico dado como provado, grau de culpa e das condições económicas e sociais do lesante e do lesado.

Como salienta o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, a “equidade é objecto de várias referências dispersas nos textos legais, com significados que, não sendo em todos necessariamente de idêntica dimensão, partilham, todavia, de um critério de valor nuclear que tem de lhes ser comum. Perante as múltiplas menções dos textos, a doutrina tem procurado agrupar a noção de equidade a duas «acepções fundamentais»: uma noção «fraca», que, partindo da lei, permitiria corrigir injustiças ocasionadas pela natureza rígida das normas abstractas quando da aplicação concreta; e uma noção «forte», que prescinde do direito estrito, procurando para cada problema soluções baseadas na justiça do caso concreto. (...) As várias referências na lei, quando manda proceder a julgamento segundo a equidade, acolhem aquele primeiro sentido da noção. A noção de equidade tem, pois, essencialmente que ver com a «vertente individualizadora da justiça».[54]

 Esta vertente individualizador da justiça, para a qual a doutrina apela a, “ (…) todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.[55]

Resulta daqui que o juiz, ao decidir à luz de juízos de equidade, deve olhar, basicamente, às particularidades do caso concreto para poder aferir o montante indemnizatório.

Seguindo estes critérios legais e olhando para o caso dos autos, pondera-se o elevado grau de culpa do demandado, o dolo com que actuou e ainda o seguinte:

-o facto de o blogue do arguido ter 48.222 visitantes;

-Inúmeras pessoas e cidadãos terem visionado o artigo;

-o assistente enquanto figura pública, ter um comportamento público de honestidade, urbanidade e elevada correcção;

-o assistente ter-se sentido profundamente ofendido e gozar de prestígio, tendo-se visto obrigado a justificar-se o público;

-o assistente ter-se pessoalmente ferido na sua honra e as expressões lhe terem causado sofrimento e perturbação no seu dia a dia;

No processo nº 1667/10.7TDLSB.L1, desta 9ª Secção, em que foi relator o Desembargador João Abrunhosa, por acórdão de 22/11/2012, foi efectuado um levantamento sobre os acórdãos proferidos por tribunais superiores em matéria de montantes indemnizatórios, que, com a devida vénia, transcrevemos:

- do STJ de 10/07/2008[56], que fixou uma indemnização de €10.000,00, por ofensa à honra de pessoa colectiva, praticada através de um jornal, em que, apesar do conteúdo da notícia ser verdadeiro, os respectivos títulos eram desvaliosos;

- do STJ de 18/11/2008[57], que confirmou uma indemnização de €10.000,00, por ofensa à honra, praticada por pessoa singular contra pessoa singular, por imputação de factos criminosos;

- da RC de 11/02/2009[58], que fixou uma indemnização de €10.000,00, por ofensa à honra, praticada por pessoa singular contra pessoa singular, através da denúncia de que estaria a ser perseguida no seu emprego;

- do STJ de 18/06/2009[59], que fixou uma indemnização de €40.000,00, por ofensa à honra, praticada por empresa de comunicação social contra pessoa singular, através de notícia que afirmava que a vítima beneficiava de pensões milionárias;

- do STJ de 14/01/2010[60], que confirmou indemnizações de €30.000,00, €15.000,00 e €5.000,00, por ofensa à honra, praticada por empresa de comunicação social contra pessoas singulares, através de notícia que associava as vítimas as tentativa de apropriação indevida de bens no contexto de partilhas de uma herança;

- do STJ de 04/05/2010[61], que confirmou uma indemnização de €10.000,00, por ofensa à honra, praticada por pessoa singular contra pessoa singular, por insultos e imputação de factos a uma professora numa reunião escolar;

- do STJ de 09/09/2010[62], que confirmou uma indemnização de €20.000,00, por ofensa à honra, praticada por empresa de comunicação social contra pessoa singular, através de notícia que associava a vítima ao tráfico de droga;

- do STJ de 26/01/2011[63], que fixou uma indemnização de €5.000,00, por ofensa à honra, praticada por pessoa singular contra pessoa singular (ambas magistradas), através de associação da vítima a suspeitas de corrupção;

- do STJ de 06/07/2011[64], que fixou uma indemnização de €10.000,00, por ofensa à honra, praticada por empresa de comunicação social contra pessoa singular, através de notícia que associava a vítima a “negócios obscuros na Expo 98”;

- do STJ de 14/02/2012[65], que fixou uma indemnização de €30.000,00, por ofensa à honra, praticada por empresa de comunicação social contra pessoa singular pública, através de artigo de opinião sobre uma tentativa de interferir com os comentários de um comentador televisivo;

- do STJ de 15/03/2012[66], que fixou uma indemnização de €15.000,00, por ofensa à honra, praticada por empresa de comunicação social contra pessoa singular pública, através de notícia que associava a vítima, treinador de futebol, ao uso de “doping”,

- e do STJ de 23/10/2012[67], que fixou uma indemnização de €50.000,00, por ofensa à honra, praticada por empresa de comunicação social (televisão) contra pessoa singular pública, através de notícia que associava a vítima a um conhecido caso de pedofilia.

O assistente invoca ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/03/2007 o qual fixou uma indemnização de €75.000, por ofensa à honra, praticado por uma empresa de comunicação social contra um clube de futebol, através de uma falsa notícia de dívidas ao fisco.[68]

Ao nível doutrinal Iolanda Brito considera ainda que a indemnização deve ser superior quando se verifiquem, entre outros, os seguintes pressupostos: tratar-se de difamação por contraponto à injúria; se o texto for escrito; ofensa reiterada; repercussão mediática e os factos constituírem crime.[69]

Tendo em conta todos estes elementos e parâmetros, entendemos que a indemnização justa e equitativa deve ser fixada em €25.000 (vinte e cinco mil euros).

Sobre o montante indemnizatório ora fixado acrescem, nos termos do disposto nos artigos 805.º e 806.º do Código Civil, juros de mora à taxa legal, desde a data da prolação da sentença, até efectivo e integral pagamento.

Procede também nesta parte parcialmente o recurso do assistente.

5.7 Rectificação da sentença

Decorre da acusação pública e da pronúncia, que ao arguido JF... foi imputada a prática de dois crimes de difamação e não, como consta da sentença recorrida, de um crime de difamação.

Cumpre proceder à correcção dos lapsos cometidos, cuja eliminação não importa modificação do julgado (artigo 380º, nºs 1, al. b) e 2, do Código de Processo Penal).

Assim a fls. 2, 42 e 52 da sentença, onde consta:

“arguido JF... (…) de um crime de difamação…”;

passará a constar:

“arguido JF... (…) de dois crimes de difamação…”.

Assim, sem mais considerandos, por desnecessários, procede na totalidade o recurso do Ministério Público e parcialmente o recurso do assistente MD....

III         Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso do Ministério Público e parcialmente ao recurso do assistente e, em consequência:


I. Proceder à alteração da matéria de facto provada e não provada, nos termos do disposto nos artigos 412º, nº 3 e 431º, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

A. Acrescentar aos Factos provados
1. O arguido JF... agiu livre e conscientemente com a única intenção de levantar dúvidas sobre a honorabilidade pessoal e profissional do queixoso e de questionar a sua ética pessoal, profissional e política, atingindo-o como pessoa e como militar que foi e como político.
2. O arguido JF..., ao utilizar as exposições e expressões que utilizaram tinham plena consciência do carácter ofensivo e de insinuações implícitas em todas elas.
3. O arguido JF... sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
4. O arguido JF... tinha a obrigação de conhecer a falsidade dos factos que imputou ao assistente.
B. Retirar dos factos provados e dar como não provado,
1. O arguido JF... escreveu os artigos em causa nos presentes autos convencido de que a intervenção do assistente quando em Argel, enquanto membro da Frente Patriótica de Libertação Nacional e ao microfone da Rádio de Argel e na do programa “Voz da Liberdade”, alinhava numa guerra psicológica contra Portugal, os interesses portugueses, as populações portuguesas das ex-colónias e as tropas portuguesas que nas mesmas se encontravam a combater, fundamentando tal convicção nos testemunhos que ouviu documentos que consultou.


II. Como autor material de dois crimes de difamação agravada, previstos e punidos pelos artigos 180º, nº 1, 182º e 183º, nº 1, alínea a), todos do Código Penal, condenar o arguido JF..., por cada um deles, na pena de oitenta (80) dias de multa à taxa diária de €15;

III. Operando o cúmulo jurídico das referidas penas condenar o arguido JF... na pena única de cento e vinte dias (120) dias de multa, à taxa diária de €15 (quinze euros), o que perfaz o montante global de €1.800,00 (mil e oitocentos euros).

IV. Nos termos do disposto no artigo 49º do Código Penal e para a eventualidade de a multa não ser paga, nem substituída por trabalho, desde já se converte a referida multa em prisão subsidiária que se fixa em 80 (oitenta) dias.

V. Julgar procedente e provado parcialmente o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente e, em consequência, condenar o arguido JF... a pagar ao assistente a quantia de € 25.000 (vinte e cinco mil euros), acrescidos de juros à taxa legal desde a presente decisão, tudo até efectivo e integral pagamento;

VI. Manter a absolvição do arguido JP..., nos exactos termos constantes da sentença recorrida;

VII. Determinar a correcção da sentença recorrida, nos precisos termos referidos a II. 5.7, do presente acórdão.

***

Condena-se o arguido JF..., nas custas do processo crime, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s - artigo 513 do CPP.

***
Condenar o arguido JF... e o assistente nas custas cíveis, na proporção do decaimento.

***

Notifique nos termos legais.

(o presente acórdão, integrado por cento e duas páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmo. Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)

Lisboa, 12 de Maio de 2016

Antero Luís

João Abrunhosa

_______________________________________________________


[1]   Neste sentido e por todo, ac. do STJ de 20/09/2006 Proferido no Proc. Nº O6P2267.
[2]  Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995

[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-07-2007, processo n.º 07P2279, relatado pelo Conselheiro Simas Santos in www.dgsi.pt
[4]  No que respeita à sentença, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2007 [Cons. Armindo Monteiro], processo 3193/06 – 3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
[5] Neste sentido e por todos veja-se acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/06/2006 proferido no Proc. Nº 389/06-1 I - Com a fundamentação da sentença, referida no artº 374° nº 2 do CPP, há-de ser possível perceber, como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.
II – Na verdade, a sentença, para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova, há-de conter, também, «os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico, sobre provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido» - Ac. STJ de 13.02.92, CJ, Tomo I, pág. 36 e Ac. TC de 2.12.98, DR na Série de 5.03.99.
Ac. STJ de 23-04-2008, CJ (STJ), 2008, T2, pág.205: O cumprimento do dever de fundamentação deve ser claro e transparente, permitindo acompanhar de forma linear o raciocínio sentenciado, não sendo exigível que o mesmo explane todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenvolveu a dinâmica dos factos em determinada situação e muito menos que equacione todas complexidades suscitadas pelos sujeitos processuais.
[6] Neste sentido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/03/2014, proferido no Proc. Nº 811/12.4JACBR.C1 in www.dgsi.pt

[7]   Veja-se, neste sentido, acs. do STJ de 17/03/2004 Proc. 03P2612 e 13/07/2005 no Proc. 05P2122, em que foi relator o Conselheiro Henriques Gaspar.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Prof. Germano Marques da Silva, in Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999] e Damião Cunha, in “O caso Julgado Parcial…”, 2002, pág. 37,
[9] Neste sentido vejam-se os Acs. do STJ, de 14-03-2007, Proc. nº 07P21 e de 23-05-2007, Proc. nº 07P1498, in www.dgsi.pt

[10] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/02/1993, in, BMJ, 324º-620.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/1988, citado pelo Prof. Carlos Lopes, in, Guia de Perícias Médico-Legais, pág. 294.
[12] Veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 29 de Setembro de 2004, in C.J., ano XXIX, tomo 4, pág. 210 e ss.
[13]  Proc. 733/2000. (www.dgsi.pt).
[14]  Manual do Processo Civil, 2ª ed., pág. 471
[15]  Registo da Prova em Processo Penal – Estudos de Homenagem a Cunha Rodrigues”, pág. 817
[16] In Curso de Processo Penal”, III, pág. 294

[17] Prof. José de Faria Costa, em “anotação ao artº 184º ,ob. cit., pág. 652.

[18] In Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol I, pág. 466.
[19] Prof. José de Faria Costa, em anotação aos artigos 180º e 181º in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 607 e 629.
[20] Prof. Costa Andrade in Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Uma perspectiva jurídico-criminal, pág. 79.
[21] Acórdão de 12/03/2009, Proc. 08B2972, in www.dgsi.pt.
[22] Ob. Cit. pág. 609-610.
[23] O crime de difamação é um crime de perigo e não de dano, bastando-se com a idoneidade da ofensa para produzir o dano. Neste sentido e por todos acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/07/2009,  Proc. n.º 617/09, in www.dgsi.pt.
[24] In a Liberdade de Imprensa, Separata do Vol. XXVI do Suplemento do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 1984, pág. 137, cit. Por Tânia Alexandra Arrais Pacheco Lopes in Revista do Ministério Público, 129, de 2012, pág. 174.   
[25] In Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Uma perspectiva Jurídico-Criminal, pág. 269.
[26] Prof. Jorge Miranda Manual de Direito Constitucional”, Tomo IV, 3ª Edição, págs. 453 e seg, citado no acórdão do Tribunal de Relação de Évora de 09/11/2004, Proc. 1135/04-1, in, www.dgsi.pt.
[27] Ob. Cit. Pág. 466.
[28] In Liberdade de Expressão, Boletim da Faculdade de Direito, STVDIA IVRIDICA 65, pág 709 e segs.
[29] In Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Uma perspectiva Jurídico-Criminal, pág. 28.
[30] Mestre Iolanda A.S. Rodrigues de Brito, in Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, Coimbra Editora, pág. 182.
[31] Ob. Cit. pág. 299.
[32] Proc. 04B4789, in www.dgsi.pt.
[33] Neste sentido Prof. Faria Costa comentário ao artigo 180, ob. cit. pág. 623.
[34] Ob. Cit. Pág. 768.
[35] Todos os acórdãos citados são da Colecção Temática do Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria na página na Internet daquele Tribunal com o endereço: http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/cadernoliberdadeexpresso
InformaodireitosPersonalidadejurisprudncia.
[36] In Proc. 2972/08 - 2.ª Secção, in www.dgsi.pt.
[37] Veja-se, entre outros, o acórdão do TEDH de 28-09-2000, no caso Lopes Gomes da Silva c. Portugal, consultável na RMP nº 84, Out/Dez 2000, págs. 179-191.
[38] Iolanda Brito, ob. Cit. pág. 73.
[39] Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, vol. I, Coimbra Editora, 2005, págs. 91 a 96; Ireneu Cabral Barreto, in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada”, Coimbra Editora, 2005, págs. 31 e 32; Iolanda A.S. Rodrigues de Brito, in “Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas”, Coimbra Editora, 2010, págs. 103 a 109, nestes dois últimos casos especificamente para a CEDH.

[40] Neste sentido Iolanda Brito. Ob. Cit. Pág. 91 e 92 e no mesmo sentido os acórdãos citados pela mesma de vários tribunais de Relação.
[41] Ob. Cit. págs. 258 e 259.
[42] Proc. 09P0617, in www.dgsi.pt
[43]   Proc. Nº 8/11.0PBRGR.L1.S1
[44]   Proc. n.º 1636/04 - 3.ª:
[45]   No mesmo sentido Prof. Figueiredo Dias (“O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Fasc. 2-4, Dezembro de 1993, págs. 186-187).
[46]   In A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570-571.
[47]  Acórdão de 26.09.2013, Proc. nº 641/11.0JDLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt
[48]  Proferido no Proc. 04P4107, in www.dgsi.pt

[49] Almeida Costa, Direito ..., cit., pág. 496

[50] Proc. n.º 1410/08 - 3.ª Secção, in www.dgsi.pt
[51]  Almeida Costa, ob. cit., pág. 503
[52]  Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, I, 4ª Edição, 1987, pág. 501

[53] In Das Obrigações , 5ª ed., Vol I, pág. 561.

[54] Ac. do STJ de 10/09/2009, Proc.341/04.8GTTVD.S1 in www.dgsi.pt.
No mesmo sentido e citado no acórdão, Prof.  António Menezes Cordeiro, "A Decisão Segundo a Equidade", in, O Direito, Ano 122º, 1990, II (Abril-Junho), pág. 261 segs.).
[55] Pires de Lima e Antunes Varela, “Cóigo Civil Anotado”, Volume I, pág. 501.
[56] Relatado por Henriques Gaspar, in www.gde.mj.pt, processo 08P1410.
[57] Relatado por João Bernardo, in www.gde.mj.pt, processo 08B3227.
[58] Relatado por Ribeiro Martins, in JusNet 1158/2009.
[59] Relatado por Alberto Sobrinho, in www.gde.mj.pt, processo 159/09.1YFLSB.

[60] Relatado por Pires da Rosa, in JusNet 203/2010,

[61] Relatado por Urbano Lopes Dias, in JusNet 2168/2010,

[62] Relatado por Gonçalo Xavier Silvano, in JusNet 4278/2010,
[63] Relatado por Armindo Monteiro, in www.gde.mj.pt, processo 417/09.5YRPTR.

[64] Já antes citado, a propósito da honra das pessoas colectivas, relatado por Gabriel Catarino, in www.gde.mj.pt, processo 2619/05.4TVLSB.L1.S1.

[65] Relatado por Hélder Roque, in www.gde.mj.pt, processo 5817/07.2TBOER.L1.S1.

[66] Relatado por Hélder Roque, in www.gde.mj.pt, processo 3976/06.0TBCSC.L1.S1.
[67] Relatado por Mário Mendes, in www.gde.mj.pt, processo 2398/06.8TBPDL.L1.S1,
[68] Proc. Nº 07B566 in www.dgsi.pt.
[69] Ob. Cit. Págs. 228 e 229.