Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
160/16.9GEACB.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: PODER DE CORREÇÃO DE PAIS E EDUCADORES
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Em determinados contextos, muito específicos e verificados determinados pressupostos, o poder de correção dos pais sobre os filhos poderá constituir uma causa de exclusão da ilicitude do crime de violência doméstica, ou pode até ser penalmente atípico, se exercido dentro dos limites da chamada teoria da adequação social.
Mas não pode ser desligado do dever de educação dos filhos, a que os pais estão vinculados, por efeito desse vínculo familiar e, por essa razão, inserido no conjunto de poderes-deveres que integram o exercício das responsabilidades parentais, logo, o seu exercício deve assumir carácter excecional.
Os pais são os primeiros responsáveis pela promoção e desenvolvimento físico, intelectual e moral dos seus filhos e as crianças são titulares, além de outros direitos, do de serem defendidas contra o exercício abusivo de autoridade na família, sem qualquer ressalva ao direito de correção, nos termos do art. 69º da Constituição da República.
Para prossecução do dever de educação dos filhos não são aptos, muito menos admissíveis, pseudo direitos à agressão física, à ameaça, à intimidação ou a qualquer outro tipo de agressão psicológica, que são totalmente incompatíveis com os princípios da tutela da integridade pessoal e dignidade humana anunciados nos artigos 1º, 25º e 26º da CRP e, além disso, integram o conceito de maus tratos físicos e psicológicos típicos da incriminação da violência doméstica contida no art. 152º A nº 2 do Código Penal.
O poder de correção não é, pois, uma espécie de cheque em branco que legitime os pais a punirem os filhos, praticando a pretexto do seu exercício, todas as espécies de ofensas corporais e outras violações da liberdade pessoal, da honra ou da reserva da vida privada dos filhos, sempre que estes não se comportem segundo as suas expectativas ou padrões de exigência ou, simplesmente, para neles descarregarem as suas frustrações.
Está funcionalmente concebido para servir as finalidades de educação e preparação do filho para a vida adulta, de acordo com o seu superior interesse e assim deverá ser exercido, sem qualquer intuito punitivo ou de retaliação, com critério, com respeito pela dignidade do filho, com moderação, proporcionalidade e com finalidades estritamente pedagógicas.
( sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 16 de Novembro de 2020, no processo comum singular nº 160/16.9GEACB do Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o arguido AG___ foi condenado como autor material, em concurso real, de:
Um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152° n° l, al. a) e n°2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; 
Dois crimes de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152°, n° 1 al. d) e n°2 do Código Penal, nas penas de 2 (dois) anos de prisão por cada um dos crimes.
Em cúmulo jurídico destas três penas parcelares, o arguido AG____  foi condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova e na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida ENG_____ e com ANG_____ , por 3 (três) anos incluindo afastamento da residência e local de trabalho, devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do artigo 152°, n°4 e n°5 do Código Penal;
Na mesma sentença, o pedido de indemnização civil foi julgado provado e procedente e, em consequência, condenado o arguido/demandado a pagar à assistente ENG_____ por si e na qualidade de representante legal do seu filho menor ANG_____ a quantia de €2.815,00 (dois mil oitocentos e quinze euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização por danos morais no total de € 7.815,00 (sete mil oitocentos e quinze euros) acrescida dos respectivos juros de mora calculados à taxa legal desde a prática dos factos ilícitos até ao efectivo e integral pagamento.
O arguido interpôs recurso desta decisão, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
1- O tribunal “a quo” andou mal ao proferir sentença condenatória do arguido, pelos seguintes motivos: 1°) porque deu como provados factos cuja ocorrência não foi demonstrada em sede de julgamento; 2°) e como não provados factos sobre os quais foi produzida prova.
2 - Nesta medida, o arguido impugna não só a matéria de facto, mas também a orientação jurídica seguida pelo tribunal a quo na sentença de que se recorre.
3 - A impugnação da matéria de facto dirige-se aos factos considerados provados sob os números 6, 7, 8, 13, 14, 17, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30, 60 e 71 dos factos provados e ao não provado sob o número 8, que devia e deve ser considerado provado.
4 - Em relação ao facto provados sob o n.°6, 7 e 8, estes assim foram considerados apenas com base nas declarações da assistente. A versão do arguido contraria a versão da assistente no que diz respeito a estes factos, sendo apenas a palavra daquela, sem qualquer outra contextualização ou fundamento, que serviu para dar como provado aqueles factos, o que se entende como insuficiente.
5 - As declarações do arguido, que se encontram gravadas sob a referência 20199091652959, no tocante ao facto ocorrido em Abril de 2013 e descrito na acusação sob o ponto seis, encontram-se gravadas ao minuto 15:50 até ao minuto 18:46., negando este que no decurso de uma discussão tenha deitado a ofendida ao chão, que se tenha colocado em cima dela e embatido com a cabeça deste 3 vezes contra o chão.
6 - Vem ainda dizer-se na sentença sob recurso que com a conduta descrita no facto 6° o arguido provocou na ofendida um traumatismo craniano e que a mesma, na sequência deste, recebeu tratamento hospitalar na CUF descobertas.
7 - Para fundamentação da matéria descrita nos factos assentes por provados sob os n°s 6 7 e 8, designadamente no que se reporta ao traumatismo craniano e tratamento hospitalar na CUF Descobertas, é invocado uma informação clínica de fls. 262 dos autos.
8 - Ora, dessa informação clínica, resulta que é a assistente que relata à médica que a assistiu, ter cefaleia occipital, tonturas, náuseas desde há 5 dias depois de traumatismo craniano no domicílio na casa de banho.
9 - Sendo que da TAC a que a assistente foi sujeita, não resulta que esta tenha sofrido um traumatismo craniano, como vem mencionado na sentença.
10 - Contudo houve um evento ocorrido em Abril de 2013 que poderá ter dado causa às queixas que levaram a assistente ao hospital. Com efeito, esta sofreu um acidente de viação em abril de 2013, em Belas, tendo embatido com o veículo automóvel por si conduzido contra um pinheiro, ocorrência esta que foi relatada pelo arguido, entre o minuto 18:46 e 19:50,
10 -Tendo este acidente sido confirmado pela assistente, bem como o mês e ano em que teve lugar no seu depoimento gravado sob a referência 20191014155432 entre 1h:09:54 até 1h:11:30,
11- Por sua vez, pretendeu a defesa do arguido confrontar a assistente com o documento “relatório de informação clínica” de fls 262, o qual constituía meio de prova documental da acusação, e no qual a sentença sob recurso se estribou quanto ao traumatismo craniano e consequentemente quanto aos factos ocorridos em Abril de 2013 e descritos no ponto 6 da sentença sob recurso e disso foi impedida pelo douto tribunal, veja-se a gravação do depoimento da assistente sob a referência 2019101155432 de 1h:06:07 a 1h:07:01
12 - Ao arguido foi, assim, vedado pelo Tribunal a quo o direito ao contraditório.
13 - Este documento impunha um esclarecimento em relação ao que a assistente relatou à médica que a assistiu e que aí consta como tendo sido relatado pela assistente, designadamente que tinha sofrido um traumatismo craniano no domicílio, na casa de banho, face á divergência do que relatou em audiência de julgamento quanto á causa do suposto traumatismo.
14 - Se por um lado esse esclarecimento não pode ser feito pela defesa do arguido, mas o Tribunal a quo usa o documento para dar como provado o traumatismo craniano, valorando-o, incorreu o tribunal “a quo” em violação do princípio do contraditório e da igualdade de armas, que aqui se invoca.
16 - Em relação ao facto provado sob o número 14, entende o recorrente que deve dar-se como provado o seguinte: “Pegou o seu filho pelos ombros e deitou-o na areia, com a barriga para baixo, colocando-lhe o seu joelho no rabo, o qual após isto, levantou-se”.
17 - Os concretos meios de prova em que se funda a impugnação da matéria de facto sob o artigo 14 são os seguintes: as declarações do arguido sob a referência 2019 9091652959, minuto 21:50 até minuto 28:00 - “eu pus o meu filho ANG  no chão, mas nada nos termos do que está na acusação, pus no chão pelos ombros e pus o joelho no rabo e depois levantou-se, isto surgiu por razões que não estou a ter a oportunidade de explicar, tudo por causa das toalhas e de uma bola, já tinha feito 15Km na areia, era sempre eu que tratava das coisas, os meus filhos cheios de frio e de fome, a minha ex-mulher a conversar com as amigas, eu começo a sacudir e a dobrar as toalhas, o Z__ de um lado e o A__ do outro lado, a bola caiu uma vez, duas vezes e à 3a vez, coloquei-o no chão, foi aí que disse “meninos parem com isso”. Quando o pus no chão e ele levantou-se eu disse, tem de saber quem manda, quando o pai pede para fazer uma coisa e estamos todos cansados.”
18 - As declarações da assistente quanto a este facto, não contradizem as do arguido, tendo esta referido que o arguido pegou no miúdo, pô-lo para baixo, com a cabeça no chão, “pensei que fosse uma brincadeira”, tinha a perna imobilizada e o miúdo com a cabeça na areia, chorava, e disse-lhe afinal quem é que manda aqui - declaração gravada sob a referência 201991014155432, minuto 17:40 a 18:40.
19 - A testemunha   cujas declarações encontram-se sob a referência 20191120095552, quanto a este episódio não assistiu ao que aconteceu no areal, referindo que quando voltou à paria estava tudo muito nervoso, a ENG nervosa, a … nervosa o ANG  nervoso e eu disse vão comigo para o hotel - minuto 2:55.
20 - Quanto à testemunha   foi patente que existe animosidade desta testemunha relativamente ao arguido, basta ouvir-se o tom com que esta presta as suas declarações em audiência de julgamento, as expressões que utiliza na descrição que faz, o tom agressivo que utiliza, sempre que fala do arguido,
21 - Todo o seu depoimento patenteia a existência de uma relação de inimizade entre ela e o arguido. Tal circunstância pode constituir fundamento para considerar que o depoimento da testemunha não foi imparcial, o seu depoimento a respeito dos concretos factos do dia 18 de Agosto de 2016 não deverá merecer credibilidade, pois a circunstância da inimizade que manifesta relativamente á pessoa do arguido, só por si, diminui a fé que possa merecer.
22 - Quer as testemunhas  , cujas declarações estão gravadas sob a referência 20200212115220, quer a testemunha, cujas declarações estão gravadas sob as referência20201007112007, os quais encontravam-se na Praia de S. Martinho na data e hora em que ocorreram os factos do dia 18/08/2016, afastam a ocorrência de qualquer comportamento “anormal” do arguido relativamente ao seu filho, com uso de violência, quanto à 1ª testemunha - do minuto 5:27 a 6:30, 6:48 a 7:29, 7:39 a8:45 e 9:01 a 9:55 e quanto à 2ª testemunha - do minuto 4:32 ao minuto 6:10
23 - Foi no contexto dos factos dados por assentes na sentença sob recurso sob os n°s 81 a 91 que à data o arguido se determinou, tendo em vista dissuadir o seu filho ANG  de continuar com aquele comportamento desobediente, após lhe ter pedido por três vezes que parasse de jogar à bola e se vestisse, sendo ainda secundado pelo seu irmão mais novo.
24 - Ora o menor ANG__, que há data tinha 13 anos de idade, bem entendeu e percebeu o alcance das instruções que o seu pai lhe estava dando, no sentido de parar de jogar à bola de se vestir para irem para casa, não obedecendo persistindo na sua conduta, após o pai o ter já advertido por três vezes.
25 - O arguido com a sua atitude não quis provocar um mal no corpo do seu filho, quis apenas que aquela situação terminasse e os menores se vestissem e fossem para casa, a sua atitude obedeceu a um propósito sincero de educação do menor ANG .
26 - A sentença deu como provados os factos n.° 22 a 23, que referem que o arguido e a assistente encontraram-se no dia 1 de Junho de 2017, na dependência da Caixa Geral de Depósitos, na avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa.
27 - Factos estes apenas fundamentados no testemunho da assistente, já que ninguém mais viu ou ouviu o arguido fazer o quer que fosse contra a ofendida, prestando o arguido um depoimento quanto aos factos bastante concreto, ao contrário da ofendida, conforme depoimento do arguido gravado sob a referência 2199091652959 do minuto 33:13 a 39:026min.
28 - Aliás a esta data o arguido e assistente já se encontravam separados, não se percebendo porque razão se desloca a assistente desacompanhada, eventualmente, da sua advogada, ou de uma das suas irmãs ao cofre na CGD, uma vez que essa deslocação tinha por objectivo retirar os bens em ouro que aí se encontravam guardados e reparti-los entre o arguido e a assistente.
29 - Com efeito a assistente não foi surpreendida pelo arguido naquele dia nas instalações da CGD, pelo contrário tratou-se de um encontro marcado e organizado por acordo entre ambos, com vista á divisão dos objectos em ouro que se encontravam no cofre.
30 - Há notoriamente, também aqui, uma sobrevalorização do depoimento da ofendida quanto a estes factos, depoimento que é tido como sério e credível, mas que não é corroborado por nenhuma outra prova documental ou testemunhal, sequer pelas testemunhas da acusação.
31 - A palavra de um ofendido, sem mais, não pode bastar para se considerar sem margem para duvida que a realidade que aquele relata foi a que realmente aconteceu, tanto mais que os factos aí relatados, ocorreram num local público e não no seio e na intimidade da casa de família.
32 - Pelo contrário, quando a palavra do ofendido existe isolada num processo, sem suporte da tese apresentada por qualquer outro meio, deverão ser tais imputações apreciadas à luz do princípio in dubio pro reo.
33 - Foi dado como provado que no dia 22 de outubro de 2017, na Avenida Duque de Ávila, em Lisboa, quando a assistente foi recolher os dois filhos ANG  e JM____  , que haviam jantado com o pai, o arguido disse-lhe "tu não sais daqui enquanto eu não deixar” ao mesmo tempo que se colocou em cima do capot do carro da ofendida.
34 - Porém da prova testemunhal IC____ cujo depoimento encontra-se gravado sob a referência 20200116111800,ao minuto 5:13 a 5:38 e 5:49 a 6:03, impunha que fosse dado como não provado o facto sob o artigo 29 dos factos provados, uma vez que esta testemunha, a pergunta feita pela Exma. Sra Procuradora disse - não vi o senhor em cima do capot”, apenas as mãos sobre o capot.
35 - Por sua vez, o facto dado como não provados sob os artigo 8 deveria ser dado como provado, excepto no que se reporta à ofendia ter começado a gritar, pois que a testemunha IC____, referiu que efectivamente pediu ao arguido para se afastar, o arguido disse-lhe para não se meter “não se ponha neste assunto, não tem nada a ver com ele”, mais reportou “quando a senhora começou a tirar o carro tocou ao de leve na perna do senhor”.
36 - Já quanto ao artigo 69 dos factos assentes por provados não tem sustentação probatória, não só o menor não foi ouvido pelo tribunal, como do relatório do dr. PS____, não é possível extrair o que consta daquele artigo;
37 - Em primeiro lugar, não é possível extrair do relatório que o menor assistiu a várias situações de violência protagonizadas pelo arguido no seio da família e em segundo lugar, por consequência, que essa assistência lhe tenha causado muito sofrimento e perturbação.
38 - A problemática protagonizada pelo pai e reportada no relatório como afectando este menor é o facto de aquele ter um abuso com ingestão de bebidas alcoólicas e não outro.
39 - Também o facto assente por provado sob o artigo 71 não tem qualquer meio de prova que o sustente, designadamente, que as condutas violentas, o arguido privou o filho ANG  do conforto e estabilidade emocional essenciais ao seu crescimento e amadurecimento.
40 - Do relatório do Dr. PS____ consta que: “deparamo-nos com um adolescente de 14 anos, com bom nível cognitivo e de maturidade emocional”, ou seja, resulta exactamente o contrário do dado como provado - o menor apresentava um bom nível de maturidade emocional, com bom desempenho escolar e boa integração social.
41 - O sofrimento que o menor ANG  manifestava à data, segundo o relatório, resulta da separação dos pais e pelo facto de considerar que o pai tem mesmo uma doença, “ele não consegue parar de beber, fica muito alterado”, mais uma vez o sofrimento que o menor então manifestava decorria do facto de o pai beber.
42 - É certo que o tribunal se deve orientar pelo princípio da livre apreciação da prova, conforme artigo 127° do C.P.P., e o julgador não está sujeito às regras rígidas da prova tarifada, mas antes à busca da verdade, limitando-se pelas regras da experiência comum e restrições legais. Esse princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valorização, contudo deverá encontrar sempre um fundamento lógico e racional.
43 - Porém na douta sentença foram valorados depoimentos indiretos, pois as testemunhas, todas elas nunca presenciaram qualquer facto relativamente à assistente, muitas delas não conviviam com o casal e aquelas que com ele conviviam foram ignoradas, designadamente, a testemunha TL____, que durante os 12/13 anos manteve contacto regular com o casal - arguido e assistente - encontrando-se com estes mensalmente nas reuniões de “equipes de Nossa Senhora”, em casa dos casais que compunham essa equipe, nas quais compartilhavam a vida dos casais que compõem a equipe, nunca lhe dado a observar qualquer tratamento ou comportamento que pudesse lavar a suspeitar de maus tratos ou abusos do arguido para com a assistente.
45 - Também merece censura o enquadramento jurídico que foi realizado dos factos no que se reporta ao crime de violência doméstica sobre o menor ANG , relativo à ocorrência do dia 18/08/2016 em S. Martinho do Porto
46 - Vem o arguido acusado da prática de um crime de Violência Doméstica agravado, p.p. pelo art. 151° n°s 1 al. d), e n°2 do Cód. Penal, relativamente aqueles factos.
47 - Ora, a ratio deste tipo de crime radica no propósito de protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, pelo que o seu alcance abrange os comportamentos que, de forma reiterada ou não, lesem esta dignidade.
48 - Mais do que a integridade física, que bem estaria já protegida com a previsão contida noutras normas, com este tipo legal pretende proteger-se a saúde, ou seja, o bem jurídico que comporta naturalmente o aspecto psíquico e o bem-estar com ela relacionado.
49 - O crime em apreço apenas pode ser cometido de forma dolosa. Isto é, só o pratica o agente que aja com conhecimento da relação que o liga à vítima e do alcance da sua conduta na saúde e bem-estar da mesma, e com vontade de agredir tais bens, seja qual for o propósito.
50 - Pelo que o preenchimento do tipo legal deste crime supõe a infição de sofrimento cruel, bem como o aproveitamento simultâneo de uma determinada dimensão de fragilidade do outro.
51 - In casu, provou-se, no essencial e com relevo, que, nas circunstâncias de tempo e lugar em apreço, o arguido pegando o seu filho pelos ombros deitou-o no areal de barriga para baixo e colocou-lhe o joelho sobre o rabo.
52 - Ora, por ofensa no corpo, pode entender-se todo o mau trato “através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante”. Logo, integram este conceito lesões da substância corporal, como nódoas negras, feridas ou inchaços.
53 - O elemento objectivo do tipo, consiste, pois, em provocar um mal no corpo ou na saúde de outra pessoa, não se afigurando que a conduta do arguido sobre o seu filho tenha prejudicado o seu bem-estar de modo significativo. Tratou-se de uma correção moderada.
54 - Sendo que os pais estarão em princípio legitimados ao castigo por força do” poder paternal”.
55 - Como refere Taipa de Carvalho: - “Na educação do ser humano justifica-se uma correcção moderada que pode incluir alguns castigos corporais ou outros. Será utópico pensar o contrário e cremos bem que estão postas de parte, no plano científico, as teorias que defendem a abstenção total deste tipo de castigos moderados”. Refere ainda que a: " finalidade educativa pode justificar uma ou outra leve ofensa corporal simples
56 - Estando assim afastado um dos elementos objectivos do tipo legal de crime, é patente que a conduta do arguido não tem enquadramento no tipo criminal que lhe foi imputado.
57 - Por sua vez, quanto ao elemento subjectivo do tipo legal deste crime, tendo em consideração a situação concreta em que o arguido agiu, afigura-se também não estar preenchido, pois o arguido não agiu com o propósito de agredir o seu pág. 29 filho no seu bem-estar, de lhe infligir sofrimento com a sua actuação, teve apenas um propósito sincero de educação e preocupação pelo filho, corrigindo o comportamento desobediente em que o menor persistia.
58 - O menor ANG  à data tinha 13 anos de idade, eram cerca das 19:45, e os menores, ANG  e o seu irmão JM____  , mais novo, tinham estado todo o dia na praia. O arguido, seu pai, pediu-lhe que parassem de jogar à bola e se vestissem para irem para casa, o arguido começou de imediato a arrumar as tolhas de paria, sacudindo-as e guardando-as no cesto da praia, pelo que o menor ANG  percebeu bem que a ordem do pai era séria, que este tinha o propósito de sair da praia com eles e irem para casa.
59 - O menor não obedeceu continuando a jogar à bola com o irmão, o pai advertiu-os de que parassem de jogar á bola, se vestissem para deixarem a praia, porém, continuaram a não ligar ao que o pai lhes pedia, continuando a jogar á bola por decima do saco da praia onde o pai já tinha arrumado as toalhas, a bola com areia caí no saco, o arguido retira as toalhas do saco que tinha acabo de arrumar para as sacudir de novo, manda de novo o menor ANG  e o irmão de pararem de jogar á bola, mas estes continuam a jogar ignorando e desobedecendo á ordem dada pelo pai, o que acontecia já pela terceira vez.
60 - Ou seja, apenas mediante reiteração do comportamento do seu filho ANG  e em ultimo recurso o arguido lançou mão ao seu direito de correção através do castigo acima referido, o que fez logo no momento, entendo o menor ANG  que aquele comportamento correctivo aplicado pelo seu pai se reportava à sua conduta desobediente e por causa dela.
61 - Pelo que deverá o arguido ser absolvido da prática dos dois crimes de violência doméstica agravado p. e. p. pelo artigo 152, n° 1, al d) e n°2 do C. Penal do CP, relativamente aos seus filhos ANG  e JM_____   e relativamente ao seu filho ANG  quanto aos factos ocorridos em 18 de Agosto de 2016, por não estarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito em causa.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.as Exas doutamente suprirão, deverá ser revogada a sentença recorrida.
Admitido o recurso, tanto a assistente, como o Mº. Pº. apresentaram respostas.
Assim, a assistente concluiu, que os argumentos esgrimidos pelo Recorrente carecem de fundamento legal e devem, por isso, ser rejeitados, requerendo seja negado provimento ao presente recurso, mantendo a decisão recorrida.
Por seu turno, o Mº.Pº. concluiu que, contrariamente ao que o recorrente alega, a Mma. Juíza não valorizou somente as declarações da assistente, mas apreciou e valorizou igualmente quer as declarações do arguido, quer os depoimentos de todos as testemunhas que foram ouvidas em julgamento, tendo apreciado criticamente todos os depoimentos e explicitado de modo vastamente fundamentado as razões para a credibilização ou não dos depoimentos.
Conforme resulta da análise crítica da prova, o Tribunal a quo não teve qualquer dúvida quanto à prática dos factos pelo arguido e pelos quais o condenou, não sendo pois de aplicar o princípio "in dubio pro reo”, conforme alega o recorrente.
No que respeita ao alegado pelo recorrente relativamente ao ocorrido na praia envolvendo o seu filho ANG  considerou e, bem a Mma Juíza que o comportamento do arguido não é integrável no direito de correcção, como alega o recorrente, pelo que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada integralmente a sentença recorrida.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto emitiu parecer, secundando os argumentos e conclusões da resposta do Mº. Pº., no sentido da improcedência do recurso e da manutenção integral da decisão recorrida.
Cumprido o preceituado no art. 417º nº 2 do CPP, não houve qualquer resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, nos termos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Do âmbito do recurso e das questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito.
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061 e Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes:
Erro de julgamento da matéria de facto ao dar como provados os factos constantes dos pontos 6, 7, 8, 13, 14, 17, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30, 60 e 71 dos factos provados e ao não dar como provado o artigo 8 dos factos não provados.
Violação do princípio in dubio pro reo, ao dar como provados os referidos factos;
Erro de direito, na subsunção dos factos ao direito no que se reporta aos dois crimes de violência doméstica agravada, por parte do arguido sobre os seus filhos ANG   e JM_____   e quanto ao seu filho ANG  , no tocante ao episódio do dia 18 de Agosto de 2016 em S. Martinho do Porto.
2.2. Da Fundamentação de Facto
A sentença condenatória sob recurso fixou os factos e fundamentou a sua convicção, quanto à prova produzida, nos seguintes termos (transcrição parcial):
1 - O arguido e a ofendida ENG_____  contraíram casamento entre si no dia 7 de Setembro de 1996, passando a viver, desde essa data, como se de marido e mulher se tratassem, em comunhão de mesa, leito e habitação, também na Rua ..., Belas;
2 - Desse casamento possuem dois filhos: ANG  , nascido em 21 de Novembro de 2002 e JM_____   , nascido em 20 de Abril de 2006;
3 - Desde a data do casamento que o arguido, por um número indeterminado de vezes, em datas não determinadas, no decurso de discussões que mantinha com a ofendida, com frequência diária, dirigia-lhe expressões como “gorda”, “estúpida”, “não prestas para nada”, “não serias nada sem mim”, “és uma incapaz” e “vivem à minha conta”;
4 - Em data não determinada, mas que se situa no mês de Novembro de 2003, o arguido chegou à residência após ter ingerido bebidas alcoólicas e, no decurso de uma discussão com a ofendida, desferiu-lhe uma bofetada na face, atingindo-a na zona do nariz;
5 - Com a conduta descrita, para além de dor e sofrimento, o arguido provocou-lhe uma hemorragia nasal;
6 - Em data não determinada, mas que se situa em Abril de 2013, no decurso de uma discussão no interior do quarto do casal, o arguido, de modo não apurado, deitou a ofendida no chão, colocou-se em cima da ofendida, agarrou a cara dela com as duas mãos e embateu-lhe com a cabeça três vezes contra o chão do quarto; 
7 - Com a conduta descrita, o arguido provocou na ofendida dor e sofrimento, bem como um traumatismo craniano;
8 - Tendo a mesma recebido tratamento hospitalar na CUF das Descobertas;
9 - No dia 23 de Julho de 2016, o arguido e a ofendida deslocaram-se ao Gavião, Portalegre, para um casamento;
10 - O arguido, durante o casamento, ingeriu bebidas alcoólicas;
11 - Nessa noite, cerca das 3 horas, no Gavião, local onde pernoitaram, o arguido acordou a ofendida desferindo-lhe safanões;
12 - No dia 5 de Agosto de 2016, o arguido, quando se encontrava a passar férias em São Martinho juntamente com a ofendida e os filhos comuns, no decurso de uma discussão que mantinha com a ofendida dirigiu-lhe as expressões referidas em 3;
13 - No dia 18 de Agosto de 2016, cerca das 19 horas e 45 minutos, quando se encontravam na praia, em São Martinho do Porto, o arguido deu uma ordem ao filho ANG ;
14 - Como o mesmo não acatou, o arguido pegou no filho pela zona dos ombros, deitou-o no areal, com a barriga para baixo, prendeu-lhe as pernas e os braços e colocou-lhe os joelhos nas costas, fazendo força;
15 - Com a conduta descrita, o arguido provocou-lhe dor e sofrimento;
16 - Entretanto, sem razão aparente, o arguido cessou a sua conduta; 
17 - Sucede que, quando o arguido se levantou e o filho ANG  também, o arguido colocou a sua mão na parte de trás do pescoço do filho ANG , apertou-o e disse-lhe “então já sabe quem manda?
18 - Nessa data o arguido ficou em São Martinho do Porto, tendo a ofendida e os filhos regressado à residência;
19 - O arguido regressou no dia 29 de Agosto de 2016;
20 - Desde essa data, por um número indeterminado de vezes, o arguido dirigiu à ofendida as expressões referidas em 3;
21 - No dia 12 de Novembro de 2016, a ofendida encontrava-se sentada no sofá da residência quando o arguido, pretendendo sentar-se no sofá, desferiu um empurrão e dois safanões no corpo da ofendida, visando ganhar espaço para se sentar;
22 - No dia 1 de Junho de 2017, o arguido e a ofendida encontraram-se na dependência da Caixa Geral de Depósitos, na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa e, sem que nada o fizesse prever, o arguido desferiu um empurrão na ofendida, fazendo-a cair no chão;
23 - Seguidamente, o arguido dirigiu-lhe a seguinte expressão “já me tiraste os meus filhos, mas não me tiras isto”, referindo-se aos bens que se encontravam no interior do cofre da Caixa Geral de Depósitos;
24 - Acresce que, ao mesmo tempo que lhe dirigia a expressão mencionada o arguido desferiu-lhe duas cotoveladas, uma na zona da testa e outra na zona do nariz;
25 - Com esta conduta descrita, o arguido, para além de dor e sofrimento, provocou na ofendida uma hemorragia na zona do nariz; 
26 - Para além das condutas já descritas, o arguido por um número indeterminado de vezes, em datas não determinadas, dirigiu à ofendida a seguinte expressão “sua estúpida
27 - No dia 25 de Outubro de 2017, os menores foram jantar com o arguido tendo ficado combinado que a assistente os fosse recolher após o jantar à porta da casa do arguido na Avenida Duque D'Ávila;
28 - Nesse dia, cerca das 22 horas, o arguido, na Avenida Duque D’Ávila, em Lisboa, dirigiu à ofendida a expressão referida em 26, bem como “tu não sais daqui enquanto eu não deixar”',
29 - Ao mesmo tempo que se colocou em cima do capot do carro da ofendida;
30 - O arguido apenas cessou a sua conduta devido à intervenção de terceiras pessoas que ali se encontravam e que o agarraram;
31 - Após esta data, por um número indeterminado de vezes, em datas não determinadas, o arguido efectuou chamadas à ofendida, a qualquer hora do dia ou da noite;
32 - Com as condutas descritas, o arguido quis, e conseguiu, molestar física e psicologicamente a ofendida ENG_____ , bem como provocar-lhe medo e receio, intimidando-a e ofendendo-a na sua saúde física e psíquica, perturbando-lhe a paz e o sossego, bem sabendo que a ofendida era sua mulher e mãe dos seus filhos, agindo sempre a coberto de um sentimento de impunidade, no interior da residência comum e na presença dos filhos;
33 - Ao actuar do modo descrito o arguido quis, e conseguiu, molestar física e psicologicamente o seu filho ANG , agindo a cobro de um sentimento de impunidade, escudado no poder de educação que a relação de parentesco existente lhe proporcionava e aproveitando-se do ascendente que exercia sobre ele devido à dependência económica e tenra idade, tendo consciência de que esses factores tomavam ANG  uma pessoa especialmente vulnerável;
34 - O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento;
35 - Desde a data do casamento que a assistente ouve, diariamente, no decurso de discussões comentários injuriosos e humilhantes (cfr. n° 3, 12, 20 e 26 dos factos provados);
36 - Para mais, foi vítima de episódios graves de violência física tais como o ocorrido em Novembro de 2003 em que o arguido chegou a casa alcoolizado e, na sequencia de uma discussão, desferiu uma forte bofetada na face da assistente causando-lhe uma hemorragia nasal (cfr. n° 4 e 5 dos factos provados);
37 - E também o ocorrido em Abril de 2013, em que o arguido deitou a assistente no chão, colocou-se em cima dela, agarrando-lhe a cara com as duas mãos e embateu a cabeça da mesma três vezes contra o chão do quarto, provocando-lhe dor e sofrimento, bem como um traumatismo craniano que mereceu tratamento hospitalar (cfr. n° 6, 7 e 8 dos factos provados);
38 - Também o ocorrido no dia 1 de Junho de 2017, na dependência da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa, em que o arguido, inesperadamente, empurrou a assistente, fazendo-a cair desamparada e desferindo-lhe depois duas cotoveladas na zona da testa e do nariz que lhe causaram uma hemorragia nasal (cfr. n° 22 a 25 dos factos provados);
39 - Ao longo do casamento, o arguido maltratou a assistente, desferindo-lhe empurrões e safanões como aconteceu no dia 23 de Julho de 2016 (cfr. n° 9 a 11 dos factos provados);
40 - Ainda na situação de 1 de Junho de 2017, na dependência da Caixa Geral de Depósitos em Lisboa, o arguido, inesperadamente, empurrou a assistente, fazendo-a cair desamparada e desferiu depois duas cotoveladas na zona da testa e do nariz (cfr. n° 24 e 25 dos factos provados);
41 - Ao longo do casamento, o arguido maltratou a assistente, desferindo-lhe empurrões e safanões como aconteceu nos dias 23 de Julho e 12 de Novembro de 2016 (cfr. n° 21 dos factos provados);
42 - Também no dia 18 de Agosto de 2016, na praia de São Martinho do Porto, o arguido pegou no filho ANG  pelos ombros, deitou-o de costas no areal, prendendo-lhe as pernas e os braços enquanto colocava com força os joelhos nas costas do filho, tendo-lhe ainda apertado a parte detrás do pescoço depois deste se levantar (cfr. n° 13 a 17 dos factos provados);
43 - Já depois de separados, o arguido continuou a ofender e molestar a assistente como aconteceu no dia 25 de Outubro de 2017 quando se pôs em cima do capot do carro da assistente ao mesmo tempo que lhe dirigia expressões injuriosas e ameaças, só cessando a sua conduta devido à intervenção de terceiros (cfr. n° 28 a 30 dos factos provados); 
44 - O arguido sabia que os seus comportamentos eram contrários aos mais básicos valores da digna convivência humana e que causariam grande sofrimento aos lesados, sua mulher e filho, sem que tal o impedisse de adoptar as suas condutas;
45 - E que ao agir dessa forma, resultariam para os lesados não só lesões físicas como também sentimentos de desconsideração, desonra e humilhação;
46 - O arguido agiu com total indiferença aos deveres de respeito e cooperação para com a sua companheira e para com o filho, sem motivo justificativo e com o fim exclusivo de fazer valer a sua vontade pelo recurso à violência física e psíquica;
47 - Os episódios de violência, não só psicológica mas também física, causaram aos lesados grande sofrimento e angústia;
48 - O arguido aproveitou-se para o efeito da sua superioridade física e da proximidade que potenciava a sua relação com os lesados;
49 - Através dos seus actos, o arguido foi responsável pela quebra irreparável da relação de respeito, confiança e partilha de afectos que deve nortear a comunidade familiar;
50 - Afectando definitivamente a interdependência emocional que caracteriza tanto a relação conjugal como a relação de parentalidade;
51 - Quanto à assistente, durante o tempo em que permaneceu em convivência diária com o arguido, sentiu-se humilhada e diminuída com os seus constantes comentários vexatórios e ofensivos;
52 - Sentiu-se desconsiderada na sua honra e fragilizada pelas condutas opressivas e violentas do arguido; 
53 - Desde a data do casamento - durante 22 anos - a assistente sofreu maus tratos;
54 - Ouvindo diariamente comentários destrutivos como “gorda”, “estúpida”, “és uma incapaz”, “não prestas para nada”, “não serias nada sem mim” e “vivem à minha custa”;
55 - Acresce a isto que a assistente foi vítima de agressões físicas, que para além de lhe provocarem ferimentos corporais, a atingiram na sua honra e dignidade;
56 - Sendo que todo este ambiente lhe causava grande ansiedade, nunca sabendo quando e como aconteceria o próximo episódio de violência;
57 - Vivia em receio constante, ainda para mais sabendo que tudo se passava no núcleo doméstico onde cresciam dois menores, filhos do casal;
58 - Ademais, a assistente foi-se apercebendo de que as condutas agressivas do arguido estavam progressiva e gradualmente a agravar-se, sendo dirigidas já não só contra si, sua mulher, mas também contra o filho ANG_____ , filho menor de ambos;
59 - Isto perturbava diariamente a assistente, afectando a sua paz e sossego, criando instabilidade emocional - cfr. relatório da Dra. MG____ junto como Documento n° 1 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
60 - No relatório da Dra. MG____ consta:
“(...) Por ser verdade e me ter sido solicitado, informo que ENG_____ Nogueira  se encontra a realizar acompanhamento psicológico semanal, pela instabilidade emocional causada pela violência doméstica a que esteve exposta durante um longo período de tempo.
Informo ainda que a paciente se encontra com a plenitude das suas capacidades intelectuais e de julgamento, embora manifeste sequelas emocionais pelos acontecimentos de vida mencionados. (...)
61 - Em resultado de toda esta angústia e sofrimento acumulados, a assistente desenvolveu “um quadro angodepressivo, com ansiedade e somatização, reactivo a eventos de vida, nomeadamente conflitos conjugais” - cfr. relatório da Dra. BL____junto como Documento n° 2 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
62 - Quanto a ANG_____ , o episódio de violência de que foi vítima a 18 de Agosto de 2016, na praia em São Martinho do Porto, causou-lhe grande ansiedade e sofrimento;
63 - O menor foi surpreendido pela brutalidade como o pai o agarrou pelos ombros, o deitou de costas no areal e prendeu as pernas e braços ao mesmo tempo em que colocava, com força, os seus joelhos nas costas do menor;
64 - Isto não bastando, depois de o menor se levantar, o arguido ainda lhe apertou a parte detrás do pescoço, ao mesmo tempo que dizia “então já sabes quem manda?”;
65 - Daqui resultou que o menor ficou a chorar compulsivamente e muito assustado;
66 - Sentiu-se extremamente nervoso, com medo do arguido, e revoltado com aquela reação violenta e inesperada;
67 - Sentiu-se maltratado, desamparado, perturbado e ferido na sua dignidade;
68 - Este episódio marcante precipitou a separação do casal, e o menor viu-se assim a perder a unidade do núcleo afectivo base que é a família;
69 - O menor assistiu durante o seu crescimento a várias situações de violência protagonizadas pelo arguido no seio familiar que lhe causaram muito sofrimento e perturbação emocional - cfr. relatório do Dr. PS____ junto como Documento n°3 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
70 - No relatório do Dr. PS____ consta:
“(...) 1. Observou em consultas distintas os irmãos ANG  e JMN_ , respectivamente de 10 e 14 anos de idade (...) a pedido da mãe e por preocupação expressa por esta sobre o estado emocional de ambos, na sequência de separação recente do casal.
2. Contudo, já em Julho de 2014 a mãe nos contactara em consulta, revelando a sua inquietação sobre o impacto de alguns comportamentos secundários a questões de personalidade do Pai sobre o bem-estar e equilíbrio emocional dos filhos e a melhor forma de poder intervir, minimizando-os e/ou contendo-os de maneira mais adequada a simultaneamente os proteger não os privando do contacto com o progenitor.
Por essa altura foi também observado o ANG , então com 11 anos de idade, por ser aquele que, segundo a opinião da Mãe, já apresentava uma percepção mais autónoma e consciente sobre o nível de perturbação emocional induzida no seio familiar pela problemática reportada ao Pai.
3. De facto, a Mãe confidenciou a sua preocupação sobre os hábitos alcoólicos do Pai, nomeadamente o seu comportamento aditivo em relação a este problema, a dificuldade em assumir a questão e as tentativas já realizadas mas até então goradas de resolução da situação. 
4. Era já aí evidente, tal como actualmente, a opinião clara da Mãe de que o Pai tinha igualmente momentos de boa relação afectiva com os filhos, que estes precisavam de manter com ele um contacto regular mas saudável, protegendo-os de situaçãoes que considerava como de risco efectivo.
Sobre este ponto, era bastante claro o medo ainda vivenciado pela Mãe, tornando-a cativa não só da impulsividade e imprevisibilidade do até agora marido, exemplificando com situações concretas de agressividade verbal e física a ela dirigida que, na sua opinião, não só se foram mantendo, como até se agravando até um episódio extremo, decorrido durante este Verão, em que ao sentir o filho ANG  em perigo efectivo apresentou queixa às autoridades policiais competentes, num movimento que se sentiu como inevitável assumir.
5. Que a partir de então, e sentindo como goradas todas as suas tentativas de preservar a relação com o marido e manter uma certa harmonia familiar, decidiu efectivar um processo de separação, sobre o qual agora também sobre eventuais represálias directas a si própria (incluindo as físicas que não menospreza) como aos seus dois filhos, sobre os quais é seu óbvio dever continuar a preservar de maiores danos actuais e/ou futuros.
6. A data da (re)observação actual do ANG , deparamo-nos com um adolescente de 14 anos, com bom nível cognitivo e de maturidade emocional. Frequenta com bom desempenho escolar e boa integração social o 9o ano de escolaridade.
É bem visível no ANG  todo o sofrimento que a situação actual lhe provoca. E claro o seu humor de tonalidade depressiva, que mantém com choro repetido durante momentos da sessão, em que revela o nível de conflitos do qual teve e tem percepção activa entre os Pais, destacando de forma inequívoca o que observa e tanto o preocupa no Pai e citamos, evocando quebra de sigilo profissional no sentido do superior interesse e protecção efectiva do Menor:
“Acho que o meu Pai tem mesmo uma doença ... Ele não consegue parar de beber, fica sempre muito alterado ... Sei que não é de agora, já todos reparamos e sabíamos há muito tempo ... ”
E acrescenta:
“Mesmo agora estamos mesmo com ele ... Mas, por exemplo, ele pode ir buscar-nos, diz que vai comprar cigarros, mas eu vejo que vai beber mais uma cerveja ou outra coisa ... Vem logo todo alterado ... Noto pelos olhos, fica meio a dormir, começa a repetir coisas, conduz super depressa e isso deixa-me com medo ” Sobre a sua capacidade de defesa emocional é evidente que o ANG  faz, mesmo perante uma situação de tensão, um esforço muito grande para a sua protecção, bem como do irmão:
“Vejo que ele está assim e depois, por exemplo, invento uma desculpa para ele nos ir pôr logo a casa da Mãe ... que tenho que estudar ... e insisto, insisto que é para desistir de andar assim connosco ... Tenho de fazer isso, porque não sei se o JM____  (irmão) percebe tudo ...”
O ANG  é ainda de forma autónoma, e sempre em consulta individual, isto é, fora da presença da Mãe, de descrever com precisão factos que se reportam à sua percepção da violência emocional e física que o Pai exercia e vem exercendo sobre a Mãe e os filhos, quando em situação de descompensação alcoólica. 
Contudo, é também perceptível o afecto que ainda une este adolescente ao seu Pai e o seu desejo absolutamente claro que “o Pai devia tratar-se”, como esperança eventual de recuperar uma relação de contornos complexos com o progenitor. Contudo, parece crente das dificuldades do mesmo e diz:
“O problema é que ele acha que não tem problema nenhum e se falamos nisto é sempre pior! ”
Perante a separação dos Pais, o ANG  demonstra ainda vontade de mudar de casa, conforme parece ser desejo da Mãe: “gostava de vir para Lisboa, queria ir fazer o secundário ao (Liceu) Pedro Nunes.
Foram sugeridas à Mãe consultas de vigilância do ANG , em pedopsiquiatria, dado o estado de sofrimento emocional clinicamente detectado.
7. O JM_, foi observado no mesmo registo, em data posterior. Frequenta o 5o ano de escolaridade do Colégio Vasco da Gama, onde se escreve bem integrado escolarmente e socialmente.
É um rapaz com um bom desenvolvimento global, e apresenta maturidade afectiva compatível com a sua idade real.
Quando abordada directamente a temática familiar, o JM_____  expressa uma tensão emocional evidente, ficando por vezes à beira do choro quando fala do Pai.
E nítido o enorme esforço emocional que faz inconscientemente para não se envolver em conflito e, sobretudo, revela um esforço efectivo de denegação das problemáticas já reportadas.
Tem, contudo, uma percepção já concreta de algumas questões de personalidade do Pai, quando afirma “ele tem um problema com a bebida ”, embora seja num contexto diferente do irmão, em que obviamente também pesa a diferença entre faixas etárias.
Aquando da data da consulta, parece dar como certa mudança de residência no final do ano lectivo, descrevendo-a numa tonalidade afectiva positiva: “a Mãe diz que vamos para a casa ao pé dos primos (as) ”.
8. A Mãe descreve ainda, no final destas duas consultas que realizamos individualmente com os filhos, as suas preocupações concretas em relação à dificuldade do ex-marido assumir resta problemática, mesmo quando anteriormente tentada. Define muito bem o receio que tem de represálias físicas e emocionais no contexto de separação actual, reportando-as à corecta imprevisibilidade comportamental de um estado de alcoolismo.
Deseja activamente proteger os filhos de riscos emocionais e/ou físicos com o Pai, embora não pretenda de modo algum aliená-los da sua presença.
9. A Mãe revela ainda que judicialmente irá proceder a pedido de guarda total dos seus dois filhos menores, não estando obviamente excluída a possibilidade de visitas do Pai, desde que as mesmas não constituam risco ou perigo para os filhos e, sobretudo, não ajudem a denegrir mais a imagem que estes mesmos têm ou podem vir a desenvolver sobre aspectos da personalidade do Pai.
Do nosso ponto de vista clínico, e face ao exposto, somos levados a achar justa esta pretensão. Pessoalmente, é impossível não apelar ainda à máxima compreensão do Pai para que, perante a real existência da problemática descrita, seu impacto anterior e riscos de manutenção de danos futuros (sobretudo sobre os filhos de que não duvidamos ter uma forte relação de afecto), assuma com inteira responsabilidade e verdadeira eficácia a melhor intervenção terapêutica que vise a sua resolução rápida e total controlo futuro. (...)
71 - Como consequência das condutas violentas, o arguido privou o filho ANG  do conforto e estabilidade emocional essenciais ao seu crescimento e amadurecimento;
72 - A conduta do arguido causou também danos patrimoniais aos lesados decorrentes do acompanhamento médico de que ambos necessitaram em virtude dos episódios a que foram submetidos;
73 - Relativamente à assistente destacam-se as despesas incorridas em consultas de Psicologia no valor de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros) - cfr. documento junto como Documento n°4 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
74 - E em consulta de Psiquiatria no valor de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros) - cfr. Documento n°5 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
75 - No que se reporta a ANG   destacam-se as consultas de Psicologia no valor de € 995,00 (novecentos e noventa e cinco euros) - cfr. Documento n° 6 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
76 - Após a abertura do cofre, o arguido apercebe-se que a ofendida, em data anterior, já havia daí retirado os objectos que lhe pertenciam bem como os do arguido, excepto algumas libras e outras moedas deste e encontrava-se no interior do cofre os objectos dos filhos do casal;
77- 0 arguido ligou para a mãe da ofendida relatando-lhe que a filha tinha furtado os seus objectos e que ia tomar medidas; 
78 - No dia seguinte, o arguido deslocou-se a Belas tendo a ofendida lhe entregue objectos do próprio arguido e parte dos filhos, tendo-os colocado num saco do lixo;
79 - 0 arguido jantou com os seus filhos num restaurante nas imediações da sua residência e terminado o jantar o menor ANG  saiu do restaurante para ir ao encontro da ofendida que já aí se encontrava para os recolher, enquanto o arguido ficou com o JM_____   a pagar a conta, saindo pouco depois;
80 - Chegado junto à viatura automóvel onde a ofendida se fazia transportar, o filho JM_____   entrou no carro;
81 - No dia 18 de agosto de 2016, o arguido passou o dia na companhia de GC____, seu amigo, tendo ido ao encontro deste no hotel onde se encontrava hospedado, o que fez pelas 10 horas da manhã, com este almoçou e permaneceu junto, até cerca das 20 horas;
82 - Nesse dia deram três passeios pela baía de São Martinho, equivalente a 12 km;
83 - Regressado do último passeio por volta das 20 horas, o arguido foi ao encontro dos seus dois filhos menores, ANG  e JM_____   e da ofendida;
84 - Os menores encontravam-se na praia a jogar à bola;
85 - 0 arguido dirigindo-se aos seus filhos, disse-lhes para pararem de jogar e prepararem-se para irem embora da praia pois já era tarde, estava frio e quase noite;
86 - 0 arguido começou, então, a arrumar o saco da praia, sacudiu as toalhas e disse aos filhos para se vestirem; 
87 - Os menores continuaram a brincar com a bola, e encontrando-se o saco de praia entre eles, cada vez que atiravam a bola a areia caía dentro deste saco, ignorando os menores o que o pai lhes havia dito e pedido;
88 - Como estes continuavam a brincar o arguido disse-lhes novamente para pararem de atirarem a bola e vestirem-se, mas o menor ANG continuou a ignorar o pedido do seu pai, permanecendo a brincar com a bola, continuando a encher o saco com areia;
89 - Sendo que a dada altura a bola caiu dentro do saco que o arguido tinha acabado de arrumar de novo;
90 - As toalhas de praia ficaram cheias de areia, o arguido teve de retirá-las do saco, voltar a sacudi-las, o que já acontecia pela terceira vez;
91 - À quarta vez, como o menor ANG  continuasse a não ligar ao que o pai lhe dizia, e com as toalhas e saco cheios de areia, o arguido dirigiu-se junto do filho;
92 - O arguido tem assumido toda a sustentabilidade económica da vida familiar, tendo assumido ao longo da sua vida cargos de director financeiro e administrador de vários grupos empresariais de referência, na área da navegação, defesa e operação portuária em Portugal e no estrangeiro;
93 - A assistente exerce actividade remunerada enquanto educadora de infância no Centro Paroquial de São Sebastião da Pedreira, tendo ao longo do casamento, a gestão autónoma do seu vencimento;
94 - Além do mais, a assistente tinha acesso a todas as contas bancárias do então casal, utilizando-as como queria e quando queria, tanto assim é que, ainda no Verão de 2016 esta procedeu de imediato ao levantamento de mais de 50% de todas as importâncias depositadas, em instituições bancárias em nome do então casal;
95 - O arguido e assistente tinham uma empregada interna de nome Anka, que cuidava do todos os afazeres de casa, designadamente era quem tratava das refeições, da então família, cuidava e tratava da roupa, da limpeza da casa, etc.;
96 - A assistente sofre de fibromialgia, o que lhe causou sempre fadiga, dores de cabeça e distúrbios do sono, tomando, por essa razão, medicação;
97 - O arguido acompanhava os filhos em actividades desportivas e extracurriculares, durante o fim de semana, designadamente a torneios, acompanhava-os à catequese e durante a semana fazia um esforço para conseguir chegar a horas para jantar na companhia dos filhos, pois muitas das vezes a assistente, por força de medicação, deitava-se muito cedo, deixando os menores entregues ao cuidado da Anka;
98- O arguido por sua iniciativa internou-se na casa de Saúde do Telhal durante dois períodos, o primeiro deles, com entrada no dia 26.09.2016 e alta no dia 24.10.2016 e o segundo com entrada no dia 07.12.2016 e alta no dia 18.12.2016 - documentos n°s 1 e 2 - cumprindo aí um programa de reabilitação;
99 - Frequenta, ainda, as reuniões dos Alcoólicos Anónimos (AA);
100 - 0 arguido é casado e tem dois filhos de 13 (treze) e 16 (dezasseis) anos de idade que dependem economicamente dele;
101 - O arguido é gestor, trabalhando por projectos e estes não estão concluídos pelo que não aufere dinheiro;
102 - 0 arguido vive usando poupanças e “agenda de património”; 
103 - 0 arguido tem a Licenciatura em Gestão de Empresas;
104 - No relatório social de fls. 581 a 584 dos autos consta que:
“(...) Natural de Lisboa, ANG   é o único filho dos progenitores, sendo que o seu desenvolvimento terá decorrido num contexto privilegiado em termos sociais e económicos, tendo usufruído de estímulos intelectuais e relações de vinculação seguras.
O progenitor, diretor bancário, e a progenitora, decoradora de interiores, divorciaram-se quando o arguido se encontrava a frequentar o 12° ano de escolaridade nos E.U.A., acontecimento cujo próprio avalia como impactante dentro do expectável.
Em termos académicos, ANG   concluiu uma licenciatura em Gestão de Empresas na Universidade Católica de Lisboa, tendo posteriormente frequentado uma pós-graduação em Finanças, que não terá concluído por uma disciplina, em virtude de à época já se encontrar a trabalhar o que se constituiu como um obstáculo à sua conclusão.
As suas primeiras experiências profissionais ocorreram aos vinte e dois anos de idade, quando ainda se encontrava a frequentar o ensino superior, numa sociedade de investimentos. Posteriormente foi selecionado para o cargo de diretor comercial europeu de uma entidade bancária, que o levou a residir em Espanha e no Reino Unido por um período superior a um ano, experiência que enaltece no que tange as suas competências e resultados profissionais. Em Portugal manteve o seu vínculo com a referida entidade durante dois anos, findos os quais optou por se desvincular em virtude de não se identificar com algumas filosofias institucionais. A sua experiência mais duradoura iniciou-se aos vinte e oito anos de idade, como diretor financeiro de um grande grupo empresarial no setor marítimo, portuário e fluvial, onde se manteve por dezanove anos, acumulando outras áreas de negócio, nomeadamente, como administrador.
No que tange ao percurso aditivo de ANG  , este apresenta um discurso pouco consistente, verbalizando ter realizado um tratamento há três anos, através de um internamento na Casa de Saúde do Telhal durante um mês, reportando a sua história aditiva aos últimos quatro anos da relação afetiva que subjaz a emergência do presente processo. Contudo, menciona, à posteriori, ter estado abstinente durante um período de doze anos, afirmando considerar tratar-se de uma doença crónica que motiva a sua integração e permanência nos Alcoólicos Anónimos, mas desvalorizando os consumos etílicos por intermédio da sua generalização. ENG_____ , alegada vítima, reporta um extenso historial de adição ao álcool por parte do arguido, referindo um período de abstinência de cinco anos e dois internamentos de curta duração (quinze dias em outubro de 2017 e quatro dias, por decisão judicial, em dezembro de 2017).
ANG   jogou ténis durante vários anos o que motivou problemas num joelho, não salientando outras problemáticas de saúde.
Em termos afetivos, ANG   manteve uma relação de vinte anos com o cônjuge, alegada ofendida, de quem tem dois filhos, atualmente com 16 e 13 anos de idade.
Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, pese embora a narrativa de minimização e desvalorização da adição etílica, é o próprio a verbaliza que a totalidade de problemas que teve com a Justiça se relacionam direta ou indiretamente com o consumo de álcool. Segundo informação do próprio, terá sido sancionado com penas de multa por crimes de condução sob o efeito do álcool.
ANG   encontra-se identificado junto dos OPC por Crimes Contra a Autoridade Pública (NUIPC 82/10.7PTSNT, 113/16.7PTSNT) e por Crimes Contra a Integridade Física (NUIPC 254/16PKSNT). O arguido reconhece a existência de desentendimentos com figuras de autoridade, ações que também desvaloriza. (...)
À data dos alegados factos do presente processo, ANG   residia com o cônjuge e os filhos do casal, numa habitação arrendada em Lisboa e posteriormente em casa própria em Belas. A relação dissolveu-se no ano de 2016 sendo que o arguido presentemente, não obstante o facto de ter refeito a sua vida afetiva há dois anos, reside sozinho em habitação arrendada no centro de Lisboa, pelo valor de 950€ mensais.
ANG   afirma viver de rendimentos, ainda que mencione estar envolvido na realização de projetos de vários âmbitos, numa lógica de success fee, paralelamente à função não executiva de administrador de uma empresa de cafés, sem especificar eventuais rendimentos associados, não mencionando, contudo, especiais dificuldades económicas. O arguido afirma ter uma prestação de alimentos de 10006 mensais.
ANG   enquadra a presente situação como uma retaliação do cônjuge, ENG_____ , avaliando que na sua perspetiva se deveria ter separado há mais tempo, de forma a evitar o desgaste de um relacionamento pautado pela ausência de intimidade e pelos problemas de saúde que a alegada vítima apresentava.
ANG   nega a prática de abusos físicos, embora reconheça ter proferido ofensas verbais pontuais no contexto de conflitos entre o casal. Alega, contudo, ter sido vítima de agressões físicas e ofensas relativas à sua orientação sexual por parte do cônjuge.
No que concerne ao relacionamento com o filho do arguido, também ofendido no processo, ANG   imputa novamente responsabilidades ao cônjuge, referindo recorrer a práticas educativas menos rígidas que ENG_____ , negando em absoluto, comportamentos de violência relativamente aos filhos.
No que tange a narrativa da alegada vítima, ENG_____ , caracteriza o arguido como detentor de uma personalidade agressiva, mesmo na ausência de consultos etílicos, motivando conflitos recorrentes com terceiros. Relata comportamentos violentos verbais, físicos (mesmo após a separação) e uma tentativa de violência sexual, frustrada pelo estado de alcoolismo do arguido, desconfiando adicionalmente da possibilidade de existirem consumos múltiplos de outras substâncias.
ENG_____  refere ter-se separado motivada pela necessidade de proteger os filhos, dos comportamentos de descontrolo de ANG  , nomeadamente enfrentando figuras de autoridade de forma prazerosa. 
Atualmente os filhos do casal são acompanhados em consultas de psiquiatria, encontrando-se pendente a decisão relativa às responsabilidades parentais, o que se constitui como um foco de particular apreensão para a alegada vítima.
ENG____ afirma que o arguido nunca expressou atitudes/comportamentos de ciúme, considerando que o mesmo não é capaz de se conectar emocionalmente às pessoas, colocando as questões em perspetiva em termos de poder, movendo-se por interesses. Salienta que nos acessos de cólera ANG   não partia objetos, canalizando a sua frustração na família.
Atualmente ENG_____  é acompanhada em termos psicológicos, receando a reação do arguido após o desfecho do presente processo-crime e do processo referente às responsabilidades parentais, avaliando um risco médio-alto de adoção por parte do arguido de outros comportamentos violentos.
No domínio pessoal, em contexto de entrevista, a postura do arguido foi colaborante mas defensiva, evidenciando vulnerabilidade, uma baixa tolerância à frustração, impulsividade e um locus de controlo externo, tendendo a atribuir responsabilidades das circunstâncias em que se encontra a fatores extrínsecos.
A atual namorada do arguido descreve-o de forma muito positiva, salientando o seu bom carácter e o sofrimento vivido perante a ausência de contactos com os descendentes. Reconhece, no entanto, a sua vulnerabilidade aos consumos de álcool que avalia como sanados. (...)
ANG   elenca repercussões da situação jurídico-penal na esfera pessoal, na medida em que avalia a presente situação como ignóbil, tendo suscitado num primeiro momento a privação do contacto com os filhos, entretanto retomado, o que é avaliado como injusto pelo próprio.
O arguido não se revê em absoluto nas circunstâncias em que surge retratado nos autos, demarcando-se de todas as acusações, transferindo a responsabilidade dos problemas conjugais e familiares para a alegada vítima/ ex-companheira.
Ainda que expectante na sua absolvição, ANG   verbaliza motivação para cumprir o que vier a ser determinado em caso de condenação. (...)
O desenvolvimento de ANG   decorreu num contexto estimulante e estruturado que aparentemente potenciou ao máximo a aquisição de competências académicas e profissionais do arguido, permitindo-lhe no presente um enquadramento económico estável.
Contudo, a problemática aditiva associada a uma baixa tolerância à frustração/dificuldade ao nível da gestão dos impulsos, concomitantemente à instabilidade decorrente da indefinição da atribuição das responsabilidades parentais podem constituir-se como fatores de risco.
O término da relação afetiva com a alegada ofendida e ausência de contacto com a mesma, a par do investimento num relacionamento distinto e do receio perante consequências mais gravosas em termos judiciais, poderão ser encarados como fatores de contenção de comportamentos de risco no presente momento.
No que diz respeito à relação com os filhos consideramos que, caso venha a ser condenado numa medida na comunidade, e salvaguardada a proteção da vítima ex-cônjuge por intermédio de uma proibição de contactos, deve o arguido cumprir com o que for determinado pelas instâncias indicadas no sentido de regular uma eventual aproximação dos filhos. (...)
Em caso de condenação, afigura-se ainda como imprescindível a sujeição do arguido a avaliação psiquiátrica/psicológica e eventual acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, com o intuito de uma maior regulação emocional e realização de despiste relativamente aos consumos aditivos e eventuais necessidades de tratamento em entidade competente para o efeito. (...);
105 - Por sentença de 19.09.2006, transitada em julgado a 29.06.2009, proferida no âmbito do processo comum singular n° 798/04.7 SILSB do 2o Juízo e 3a Secção Criminal de Lisboa, foi o arguido condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €40,00 (quarenta euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por 6 (seis) meses pela prática em 24.10.2003 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez - por despacho de 12.05.2011 foi declarada extinta a pena acessória;
- Por sentença de 21.05.2010, transitada em julgado a 11.06.2010, proferida no âmbito do processo sumário n° 82/10.7 PTSNT do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa - Noroeste - Sintra - Juízo de Pequena Instância Criminal - Juiz 1, foi o arguido condenado na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €40,00 (quarenta euros) pela prática em 23.02.2010 de um crime de violação de proibições - por despacho de 31.10.2011 foi declarada extinta a pena;
- Por sentença de 12.09.2016, transitada em julgado a 12.10.2016, proferida no âmbito do processo abreviado n° 67/16.0 GDSNT do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Sintra - Juízo de Pequena Criminalidade - Juiz 1, foi o 
arguido condenado na pena de 3 (três) meses de prisão substituída por 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €25,00 (vinte e cinco euros) pela prática em 20.02.2016 de um crime de ofensa à integridade física qualificada - por despacho de 28.11.2016 foi declarada extinta a pena;
- Por sentença de 07.06.2017, transitada em julgado a 11.12.2017, proferida no âmbito do processo comum singular n° 113/16.7 PTSNT do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Sintra - Juízo Criminal - Juiz 3, foi o arguido condenado na pena de 4 (quatro) meses de prisão suspensa na sua execução por 1 (um) ano e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por 7 (sete) meses pela prática em 15.07.2016 de um crime de desobediência -por despacho de 26.07.2018 foi declarada extinta a pena acessória e por despacho de 11.12.2018 foi declarada extinta a pena de prisão.
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2 - FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
1- O arguido e a assistente viveram desde a data do casamento na Rua …, Belas;
2 - No dia 13 de Novembro de 2016, a ofendida abandonou a residência comum;
3 - No decurso das chamadas que faz à assistente, o arguido dirige-lhe as expressões já supra referidas; 
4 - Quando os montes estavam feitos e se preparava para dividir os objectos dos filhos entre os dois, a assistente empurrou o arguido e saltou para cima de si, partindo os óculos do arguido que se encontravam no bolso da camisa;
5 - Perante isto o arguido ligou para a mãe da ofendida;
6 - O arguido disse que queria despedir-se do seu filho ANG , tendo a assistente feito menção de arrancar com o carro, de modo de impedi-lo de despedir- se do seu filho ANG ;
7 - O arguido colocou-se em frente do carro dizendo-lhe que queria despedir- se do filho e que não lhe permitia que lhe chamasse bêbado diante dos filhos;
8 - Entretanto aproximou-se uma senhora, tendo a ofendida começado a gritar enquanto dizia que o arguido não a deixava sair dali, a dita senhora pediu-lhe para ele se afastar, ao que o arguido lhe disse para não se meter, momento em que a ofendida deu um arranque com o carro batendo-lhe na perna e saindo dali;
9 - Os factos atinentes ao dia 18 de Agosto configuram uma situação enquadrada no poder correctivo do arguido enquanto pai;
10 - Os menores foram de imediato ao encontro do pai;
11- O arguido actuou com finalidade educativa e não para dar vazão a uma qualquer irritação e sem o propósito de magoar ou causar humilhação ao seu filho;
12 - O arguido é pessoa de vincadas qualidades morais, de intensos hábitos de trabalho, com sentido de respeito por terceiros e familiares, que ao invés de agressor, antes vem e foi ao longo dos anos, vítima fundamentalmente de danos morais, e físicos, por parte da assistente, que perante si sempre adoptou comportamentos que o menosprezam e humilharam;
13 - A fibromialgia que a assistente padece causou-lhe depressão;
14 - O arguido sempre foi um pai presente e cuidadoso com os seus filhos, sempre priorizou os interesses dos seus filhos;
15 - Ao longo dos 19 anos de casamento era o arguido quem auxiliava a assistente a preparar os programas curriculares que tinha de apresentar à direcção do Centro Paroquial no início de cada período escolar;
16 - A assistente, há alguns anos, vem apoucando, dirigindo-se directamente ao arguido, referindo-se àquele como bêbado;
17 - Também por diversas vezes o apelidou de “maricas”, dizendo-lhe que “não prestava para nada”, dizendo ainda que os pais deste não tinham berço;
18 - Tendo inclusivamente, no âmbito de uma discussão em que o arguido lhe disse que se ia embora de casa e deslocando-se ao quarto para recolher alguns dos seus pertences, se colocando à sua frente impedindo de se movimentar;
19 - Noutra ocasião quando o arguido se encontrava deitado no chão para aliviar dores de que padece nas costas, a assistente tropeçou sobre o corpo do arguido e fazendo força sobre o joelho deste causou-lhe uma lesão consubstanciada na rutura do ligamento cruzado do joelho direito, tendo o arguido sido submetido a intervenção cirúrgica em Novembro de 2014 no Hospital da CUF;
20- O relacionamento sexual do então casal, arguido e assistente, era insatisfatório e deficitário, o que condicionou a relação entre ambos;
21- O arguido mantém-se sóbrio conforme até atesta exame pericial realizado pelo serviço de clínica e patologia forenses do INML junto.
3 - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Para formar a convicção do Tribunal, quanto à matéria dada como provada, foram determinantes as declarações da assistente ENG_____ e das testemunhas AC____, ML____, IC____ e JM____ que explicaram os factos de forma que se afigurou credível.
O arguido negou a prática dos factos de que vinha pronunciado, explicando que não agiu nas circunstâncias de tempo, lugar e modo quer perante a assistente quer perante o seu filho como é descrito na acusação, mas explicou a sua situação económica e familiar.
ANG_____ , filho do arguido e da assistente, não prestou declarações.
A assistente ENG_____ explicou a vivência com o arguido com quem é casada nomeadamente as palavras que ele lhe dirigia desde o início do casamento até à separação em Agosto de 2016 e as agressões físicas que lhe fez que constam da acusação/pronuncia assim como explicou a actuação do arguido para com o filho ANG  na praia como consta da acusação e a actuação do arguido quando a empurrou no sofá e ainda a actuação do arguido para com ela na agência do banco quando aí se encontraram para divisão de lembranças de baptismo dos filhos em que foi por ele agredida de modo a que foi ao chão duas vezes tendo ainda explicado a actuação do arguido quando o filho ANG  lhe telefonou para o ir buscar porque já não aguentava mais o pai tendo encontrado este menor a chorar na escadaria do prédio e o outro filho a jantar com o arguido vendo depois o arguido sentar-se em cima do capot do carro dirigindo palavras e ela fechou-se e pôs a música alto mas ouviu o arguido dizer-lhe que ela não saia dali enquanto ele não deixasse tendo aparecido pessoas que lhe perguntaram se ela precisava de ajuda acabando por agarrar o arguido, que estava aos gritos exaltado, retiraram-no e disseram-lhe para ela então aproveitar para sair e ela fê-lo assim como também explicou que o arguido lhe telefonou várias vezes por dia e à noite “á hora em que calhava” e também explicou as consequências da actuação do arguido nela e no filho ANG .
A primeira testemunha explicou que em 2011/2012 após jantar em casa de amiga dela e da assistente, sua amiga de pequenas, no Bairro azul, em Lisboa, viu a assistente muito nervosa e com medo de ir para casa mas não lhe disse o porquê desse receio assim como explicou que tendo ido passar um fim-de-semana a São Martinho do Porto em data que agora não sabe indicar após vir do hotel para a praia viu a assistente muito nervosa e uma amiga de nome ML____ também muito nervosa tendo-lhe sido contado que o arguido teria posto a cabeça do filho ANG  na arreia (e ela viu o menino com arreia na cara) e tendo ouvido o arguido dizer à assistente “vamos para casa que lá conversamos” percebendo o tom ameaçador destas palavras não deixou a assistente e os filhos irem, levou-os para o hotel vendo o menino ANG  muito nervoso - “basicamente estava em choque” - tendo no hotel visto o menino muito triste, “em baixo”, muito nervoso e a assistente muito revoltada, muito envergonhada e muito preocupada com os filhos tal como, em conversas de amigas e desabafos, tinha sabido pela assistente da dificuldade da relação dela com o arguido e do excesso de consumo de bebidas alcoólicas pelo arguido percebendo que este era o alicerce financeiro do nível de vida que a assistente tinha e que se saísse de casa não o poderia continuar a ter com a remuneração de educadora de infância e não tendo apoio familiar tanto que só depois é que foi viver para uma casa emprestada pela mãe que está cheia de móveis da mãe e ela não tem espaço para pôr as suas coisas.
A testemunha ML____ explicou que presenciou duas situações relativas ao arguido sendo a primeira em meados de Agosto em São Martinho do Porto vindo de casa parou no café e viu o arguido bêbado com três crianças a seu cuidado (os dois filhos e o filho de um amigo) que estavam perturbadas e como perguntou ao arguido pela assistente e tendo do mesmo obtido resposta de que se ela se tinha ido “encharcar em compridos” e passados momentos ela veio e levou os miúdos. Três dias depois na praia, da parte da tarde depois das 4 horas - 4/5 horas - estavam a arrumar as coisas e os miúdos queriam ficar mais tempo mas o arguido teve uma atitude bruta: agarrou no braço do filho ANG , prende-o atrás das costas, torcendo atrás das costas e fê-lo ir ao chão “como a polícia faz a um criminoso”, com a cara do jovem na arreia, pôs um joelho em cima, e disse- lhe agressivamente que quem mandava era ele.
Mais explicou a testemunha que viu a assistente ficar em estado de choque e não conseguiu ter grande acção tendo ela própria e a amiga AC____ gritado com o arguido tal como disse à assistente que iam as duas para a GNR pois a assistente aguentou em silêncio anos de pressão por educação e contexto familiar muito católico, de submissão e tradicional e naquele momento a assistente não podia esconder o óbvio tendo ainda explicado aos filhos da assistente que ião com a mãe para Lisboa tendo visto que os menores estavam com medo.
Ainda explicou esta testemunha que a assistente tinha fibromialgia e um problema no joelho que era mais incapacitante tendo feito operações.
A testemunha IC____ explicou que num dia de Outubro de 2017, de noite cerca das 9 horas e 30 minutos/10 horas, na Avenida Duque D'Ávila, em Lisboa, viu um homem a falar um pouco alto e uma senhora dentro de um carro a falar e tentava sair mão não conseguia porque o homem não deixava estando à frente do capot do carro pelo que aproximou-se do local e perguntou à senhora se precisava de ajuda tendo-lhe ela dito que queria sair mas o ex-marido não deixava pelo que ela foi até ao local onde estava o arguido e falou com ele mas o arguido disse-lhe: “a Senhora é da Liga de Protecção dos Animais para estar aqui?” pelo que ela lhe perguntou se ele estava a chamar animais aos filhos não tendo obtido resposta do arguido e falou com ele tendo visto chegar ao local outras pessoas que tentaram que o arguido saísse e a assistente aproveitou e saiu um pouco com o carro tendo tocado no arguido que se imediato desatou a gritar “ai a minha perna, ai a minha perna” e chamou o 112 e os senhores afastaram-no dali dizendo para a assistente tirar o carro tendo esta testemunha dado o contacto à assistente que se foi embora.
Mais explicou a testemunha que viu no carro uma rapariga ao lado da assistente e duas crianças atrás tal como explicou que a assistente estava nervosa e com um pouco de receio e ao mesmo tempo calma no sentido de que aqui era algo habitual e não conseguia fazer nada enquanto que o arguido estava exaltado e embriagado - achando em relação à embriaguez pelo cheiro e pelo modo como falava com “palavras arrastadas” tal como viu que o arguido teve um comportamento agressivo por palavras e gesticulação bloqueando com o corpo a saída da assistente.
A testemunha JM____ explicou como tio da assistente viu o casamento dela com o arguido “vendo o que estava a acontecer no casamento disse-lhe divorcia-te” pois para além de a avisar quando soube antes do casamento de que o arguido tinha um problema de bebida viu que nas festas e casamentos ele embebedava-se como aconteceu no casamento da sobrinha no Verão de 2016 que o viu “completamente bêbado” mas queria sair de carro tendo-lhe sido escondidas as chaves do carro para que não o fizesse assim como uma vez viu a assistente com um olho vermelho tendo-lhe dito que fora agredida pelo arguido mas tendo esta testemunha lhe dito que ia falar com o arguido ela pediu-lhe para não se meter porque era ela é que teria as consequências em casa e ele não estava lá para a defender assim como explicou a família tradicional e muito católica da assistente nomeadamente a mãe dela que não admitia o divórcio e a assistente tinha medo de ser posta fora da família e “ela toda a vida foi uma sofredora” tendo pelo arguido até ido viver para Belas isolada da família assim como tendo ela fortuna pessoal foi destruída na casa de Belas ficando ela apenas com o seu pequeno ordenado de educadora de infância mas agora esta testemunha vê que a assistente “anda muito mais senhora de si” e já toma decisões bem como explicou o impacto nos filhos nomeadamente no mais velho que é sensível.
A testemunha GC____ explicou que convivia em eventos sociais com o casal assistente-arguido e que a 18 de Agosto em São Martinho do Porto esteve com o arguido a almoçar e passear acabando por chegar à zona da praia por volta das 18 horas e 30 minutos/18 horas e 45 minutos onde viu a assistente e os filhos tendo visto o arguido arrumar as coisas porque era o fim de dia de praia mas ficou de costas a observar o filho que tomava banho e quando este saiu da água virou-se vendo a assistente agarrada a uma amiga a chorar mas não ouviu conversas entre elas e não saiu do local onde estava para ir ter com ela mas não se recorda que o filho ANG  estivesse a chorar porque senão recordar-se-ia disso assim como não ouviu qualquer discussão nem ouviu gritos e ao jantar em casa de amigos alguém falou com a mulher o que tinha acontecido (que a assistente saiu com os filhos para ir para Lisboa) e então saiu do jantar, foi ter com o arguido que lhe contou estar a arrumar e não o conseguir fazer tendo manietado o filho para o vestir mas houve alguém com quem falou que lhe disse que o arguido foi violento com o filho assim como outra pessoa de nome SG____ lhe disse que o arguido foi bruto e ele próprio viu que o arguido estava transtornado, nervoso, quase destroçado com toda a situação assim como pensa que depois do jantar o filho L____ foi encontrar-se com os filhos do arguido mas não sabe se tal aconteceu assim como ainda explicou o percurso profissional do arguido na área bancária financeira e que o arguido “tem um problema de álcool do conhecimento dos amigos e da família” tendo estado duas vezes internado mas continua com consumo excessivo de álcool em situações stressantes assim como nunca viu nenhum tratamento do arguido à assistente que não observasse na generalidade dos amigos e que falando em conversas com o arguido vê-o preocupado com os filhos. 
A testemunha MS____, actual namorada do arguido, explicou que o arguido adora os filhos e é preocupado com eles assim como explicou que o arguido tem hábitos de trabalho tentando gerir os seus negócios de projectos a desenvolver em Braga, na área da defesa e mais recente na energia sendo uma pessoa querida pelas pessoas, extremamente comunicativo, afável e social.
A testemunha PC____ explicou que como amigo do arguido presenciou uma situação normal de praia durante as férias de Agosto de 2016 na praia de São Martinho do Porto com o arguido a ralhar com um dos filhos, acha que era com o mais velho, porque não queriam vestir-se, foi uma situação banal, mas há noite no grupo de amigos falou-se que por causa desse episódio a assistente foi-se embora da praia com os filhos mas não assistiu a “nada que me tivesse chamado a atenção a não ser o que foi comentado à noite” assim como explicou que nunca viu qualquer agressão do arguido aos filhos.
A testemunha TL____ explicou que há 12/13 anos que conhece o casal arguido-assistente do grupo de casais denominado “Equipas de Nossa Senhora” a que pertencem e que reúne uma vez por mês em casa de cada casal sendo a reunião na casa de Belas do então casal arguido-assistente até à separação sendo que a assistente ENG_____ continua a ir às reuniões tendo explicado que era um casal e não sentiu que houvesse qualquer problema que levasse a uma separação assim como ainda explicou que via o arguido muitas vezes ao telemóvel com os filhos.
A testemunha LC____ explicou que conhecendo o arguido desde que foram colegas da Universidade há 36 anos e era visita de casa do casal arguido-assistente - fazia-o num ano três vezes - vendo grande preocupação do arguido em relação à esposa e aos filhos assim como explicou que o arguido é um bom profissional, é dedicado.
Em relação às testemunhas de defesa do arguido, três delas – MS____, TL____ e LC____ - não presenciaram os factos de que o arguido vem pronunciado e sendo a primeira a actual namorada do arguido é de esperar que nada lhe encontre de desagradável enquanto que a segunda teve contacto há 12/13 anos com o casal quando reunia em casa deles uma vez por mês pelo que é de esperar que nessas reuniões o arguido não praticasse actos como os que vem pronunciado numa reunião de casais ou que fosse visível em qualquer uma dessas reuniões algum problema entre o casal.
Também a terceira testemunha teve um contacto longo pois é amigo do arguido há 36 anos desde que ambos entraram na universidade e depois frequentou escassas vezes, num ano três vezes, a casa do casal pelo que não assistiu a nada de estranho na relação do casal e no comportamento do arguido que até se mostrava preocupado “aos seus olhos” com a esposa e com os filhos, com a vida escolar e actividades extraescolares dos seus descendentes.
A testemunha PC____ explicou que apenas viu o arguido “ralhar” com um dos filhos porque não se queria vestir.
Ponderando as declarações claras, precisas e coerentes da assistente conjugadas com as das testemunhas AC____, ML____, IC____ e JM____ que igualmente claras e precisas se afiguraram credíveis conjugadas ainda com os documentos que constam dos autos, o Tribunal ficou convencido da actuação do arguido em relação à assistente, sua mulher, e ao filho ANG  de que vinha pronunciado.
A assistente de forma clara, precisa e coerente, e algumas vezes emotiva, explicou de forma que se afigurou credível a vivência que teve com o arguido enquanto casal com a troca de palavras, não lhe chamando discussões porque ela “ouvia e calava” por medo, assim como descreveu as agressões físicas do arguido a ela, precisou que ele batia, gritava, dizia as maiores barbaridades estando alcoolizado e não o estando, ouvindo-o dizer-lhe desde a data do casamento, por um número indeterminado de vezes em datas que não consegue determinar no decurso “das discussões” com frequência diária até à separação, palavras que a magoavam profundamente como que “não prestava para nada”, “gorda”, que “vivia à custa dele”, “estúpida”, “não serias nada sem mim”, “és uma incapaz” e “vivem à minha conta”.
De modo que se afigurou sincero, a assistente explicou que no primeiro ano do filho, o arguido, que chegou a casa após ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, quis acordar o menino e quis descer as escadas com o bebé, ela quis proteger o seu menino, discutiram, e o arguido, no decurso da discussão, deu-lhe uma bofetada na face, atingindo-a na zona do nariz, ficando a sangrar do nariz devido à hemorragia nasal que lhe fez provocando-lhe também dor e sofrimento assim como explicou de forma clara e precisa que noutra vez o arguido queria a chave do carro mas estando alcoolizado ela não lha deu, houve uma discussão no interior do quarto do casal com o arguido a atirá-la ao chão, sentou-se em cima dela de modo que estando em cima do tórax ela não conseguia respirar, agarrou a cara dela com as duas mãos, ela deu-lhe uma dentada na mão, e ele levantou-se, tendo então ela fugido mas noutra vez nesse mesmo dia, o arguido atirou-a ao chão, colocou-se em cima dela, agarrou a cara com as mãos e embateu-lhe com a cabeça três vezes contra o chão do quarto tendo-lhe provocado dor e sofrimento tendo tido necessidade de assistência médica com ida ao Hospital da CUF Descobertas onde aí mentiu quanto ao que acontecera tendo-o feito por vergonha mas a conduta do arguido provocou-lhe um traumatismo craniano como documento de fls. 262 dos autos de consulta de urgência geral no Hospital CUF Descobertas em que consta “(…) refere cefaleia oxipital, tonturas, nauceas desde há 5 dias depois de traumatismo craniano no domicílio na casa de banho sem PC, sem vómitos, nega febre (...) TAC CE: características densitométricas regulares da substância branca e cinzenta do parênquima encefálico. Sistema ventricular normal. Sulcos e cisternas permeáveis; observa-se uma calcificação bastante espessa na foice cerebral frontal sem efeito de massa. Não há sinais hemorrágicos. Normal densidade óssea crânio-facial. (...) Diagnóstico 95901 - (Diagnóstico) Traumatismo Craneano não Especificado (26-04-2013 - 19:32h) - Confirmado, Dr. Vadym Fasiy, VAFASIY (...)”- sublinhado nosso.
Igualmente foi precisa e clara quando explicou que ela e o arguido se deslocaram ao Gavião, em Portalegre, para um casamento de uma prima a 23 de Julho de 2016 tendo o arguido durante o casamento ingerido bebidas alcoólicas em excesso e nessa noite, tendo pernoitado no Gavião, o arguido acordou-a aos safanões para que ela lhe desse as chaves do carro - o que ela não fez atento o estado de embriaguez dele mas teve que fugir para outro quarto fazendo-o de modo que ninguém que estivesse também no local se apercebesse da conduta e estado alcoolizado.
Em relação ao que aconteceu na praia de São Martinho do Porto, a assistente foi clara e precisa na descrição que deu por isso foi credível para o Tribunal que conjugou as suas declarações com a da testemunha ML____ ficando assim convencido de que o que aconteceu foi como a assistente e a testemunha explicaram quanto ao que ocorreu com o filho.
O Tribunal ouviu as declarações da assistente e como as mesmas lhe pareceram sinceras ficou convencido de que a 5 de Agosto de 2016, quando passava férias em São Martinho do Porto, o arguido, no decurso de uma discussão que mantinha com a assistente dirigiu-lhe as palavras de “gorda”, “estúpida”, “não prestas para nada”, “não serias nada sem mim”, “és uma incapaz”, “não prestas para nada” e “vivem à minha conta”.
Em relação ao que aconteceu na praia entre o arguido e o filho ANG , a assistente explicou que estando a conversar com a sua amiga ML____ perto dos filhos o arguido deu uma ordem ao filho ANG  mas a criança não acatou e então o arguido pegou no filho pela zona dos ombros, deitou-o no areal, com a barriga para baixo, prendeu-lhe as pernas e os braços e colocou-lhe os joelhos nas costas, fazendo força, provocando-lhe, com esta descrita conduta, dor e sofrimento até que, sem razão aparente, o arguido cessou a sua conduta, levantou-se tal como o filho também, o arguido colocou a sua mão na parte de trás do pescoço do filho ANG , apertou- o e disse-lhe “então já sabe quem manda?”. 
De forma credível, a assistente explicou que ao princípio vendo o filho ANG  pareceu-lhe uma brincadeira mas quando viu o menino com os braços e pernas imobilizados e a tremer que nem varas verdes, a chorar, e ouviu o arguido dizer à criança “então já sabe quem manda?” então percebeu que não era brincadeira e foi o que a fez ir fazer queixa do arguido, deixando os filhos em segurança com a amiga MA____, percebendo que o que se passara fora muito grave e ainda ouviu o arguido dizer-lhe a ela “falamos em casa”.
A assistente explicou que desde essa data o arguido lhe disse a ela as palavras “não prestava para nada”, “gorda”, que “vivia à custa dele”, “estúpida”, “não serias nada sem mim”, “és uma incapaz” e “vivem à minha conta”.
A testemunha ML____ explicou que presenciou em meados de Agosto na praia em São Martinho do Porto, da parte da tarde depois das 4 horas - 4/5 horas - quando estavam a arrumar as coisas e os miúdos queriam ficar mais tempo na praia viu que o arguido teve uma atitude bruta para com o filho ANG  tendo-a descrito “como a polícia faz a um criminoso” e disse-lhe agressivamente que quem mandava era ele.
Mais explicou esta testemunha que viu a assistente ficar em estado de choque com o que viu o arguido fazer ao seu filho e não conseguiu ter grande reacção tendo ela própria e a amiga AC____ gritado com o arguido assim como explicou que disse à assistente que iam as duas para a GNR para apresentar queixa contra o arguido pois se a assistente aguentou em silêncio anos de agressão por educação e pelo contexto familiar muito católico em que nasceu, cresceu e viveu, de submissão e tradicional, naquele momento com a agressão a um filho e estando os filhos com medo, a assistente não podia esconder o óbvio nem podia continuar como tinha feito até então.
A testemunha JM____ explicou que uma vez a assistente com um olho vermelho tendo-lhe ela dito que fora agredida pelo arguido mas tendo ele lhe dito que ia falar com o arguido ela pediu-lhe para não se meter porque era ela é que teria as consequências em casa e em casa ele não estava lá para a defender.
A testemunha GC____ não mereceu credibilidade.
Esta testemunha explicou que em São Martinho do Porto esteve com o arguido a almoçar e a passear acabando por chegar à zona da praia por volta das 18 horas e 30 minutos/18 horas e 45 minutos onde viu a assistente e os filhos tendo visto o arguido arrumar as coisas porque era o fim de dia de praia mas explicou que voltou-se, ficou de costas a observar o filho que tomava banho e quando o seu filho saiu da água virou-se vendo então a assistente agarrada a uma amiga a chorar mas não ouviu conversas entre elas assim como não saiu do local onde estava para ir ter com ela mas disse não se recorda de que o filho do arguido estivesse a chorar porque se estivesse recordar-se-ia disso assim como explicou que não ouviu qualquer discussão nem ouviu gritos mas ao jantar em casa de amigos alguém falou com a mulher contando-lhe o que tinha acontecido e que a assistente saiu com os filhos para ir para Lisboa pelo que então ele saiu do jantar e foi ter com o arguido que lhe deu a sua explicação para o que acontecera na praia tendo-lhe explicado que estando a arrumar as coisas para deixar a praia não o conseguir fazer tendo manietado o filho para o vestir. 
Esta testemunha explicou ainda que houve alguém com quem falou que lhe disse que o arguido foi violento com o filho assim como outra pessoa de nome SG____ lhe disse que o arguido foi bruto mas ele próprio viu quando falaram que o arguido estava transtornado, nervoso, quase destroçado, com toda a situação.
Ora se esta testemunha estava na praia viu quem estava no local e virou-se para ver o filho mas voltou a virar-se tendo então visto a assistente agarrada a uma amiga a chorar, o Tribunal não acredita que não ouviu conversas entre elas e que não se recorda de ver o menino ANG  a chorar quando quem estava no local ouviu e viu como o menino estava.
É possível que no início esta testemunha não se apercebesse de nada grave entre o arguido e o filho ANG  pois a própria assistente explicou que também ela no princípio pareceu-lhe uma brincadeira mas quando viu o filho com os braços e pernas imobilizados e a tremer que nem varas verdes, a chorar, e quando ouviu o arguido dizer à criança “então já sabe quem manda?” percebeu logo que não era uma brincadeira.
Acresce que a testemunha ML____ qualificou a atitude do arguido de bruta para com o filho ANG , descrevendo-a “como a que polícia faz a um criminoso”, precisando ter visto o arguido pôr a cara do jovem na arreia, pôr um joelho em cima, e dizer-lhe agressivamente que quem mandava era ele.
Mais explicou esta testemunha que viu a assistente ficar em estado de choque e não conseguiu ter grande acção devido ao choque mas ela própria e a amiga AC____ gritaram com o arguido pelo que esses gritos tinham que ser ouvidos pela testemunha GC____ que estava no local e ainda que estivesse de costas ao ouvir os gritos instintivamente se voltaria para ver o que se passava.
O Tribunal entende que atento o local onde a testemunha disse que estava tinha que ouvir, e ouviu, os gritos das duas senhoras tal como viu a assistente a chorar agarrada à amiga - a testemunha não podia não ouvir a gritaria mas se vê a assistente a chorar agarrada à amiga e vendo a assistente, uma senhora que conhece porque é mulher do seu amigo, e o arguido é amigo desde longa data com a amizade que os une desde que foram colegas na universidade, não é credível que não fosse vai lá ter com elas para procurar saber o que acontecera e para saber o motivo desse choro tanto mais que também viu como o menino ANG  estava pelo que conjugando o facto de ver a mãe a chorar agarrada a uma amiga e ver o estado da criança que não era visivelmente o normal esta testemunha não podia ficar quieta como disse que ficou.
A testemunha AC____ explicou que tendo ido passar um fim-de-semana a São Martinho do Porto em data que agora não sabe indicar e após vir do hotel para a praia viu a assistente muito nervosa e uma amiga de nome ML____ também muito nervosa tendo-lhe sido contado que o arguido teria posto a cabeça do filho ANG  na arreia (e ela viu o menino com arreia na cara) e tendo ouvido o arguido dizer à assistente “vamos para casa que lá conversamos” percebendo o tom ameaçador destas palavras não deixou a assistente e os filhos irem, levou-os para o hotel vendo o menino ANG  muito nervoso - “basicamente estava em choque” - tendo visto o menino muito triste, “em baixo”, muito nervoso. 
O arguido alega que os factos atinentes ao dia 18 de Agosto configuram uma situação enquadrada no seu poder correctivo enquanto pai.
Explica que nesse dia, passou o dia na companhia do amigo GC____, tendo ido ao encontro deste no hotel onde se encontrava hospedado, o que fez pelas 10 horas da manhã, com ele almoçou e com ele permaneceu até cerca das 20 horas.
Nesse dia deram três passeios pela baía de São Martinho, equivalente a 12 km e regressado do último passeio por volta das 20 horas, o arguido foi ao encontro dos seus dois filhos menores, ANG  e JM_____  , e da ofendida.
Os menores encontravam-se na praia a jogar à bola, tendo ido de imediato ao encontro do pai e a ofendida encontrava-se a conversar com as suas amigas tendo ele lhes dito para pararem de jogar e prepararem-se para irem embora da praia pois já era tarde, estava frio e quase noite.
O arguido começou, então, a arrumar o saco da praia, sacudiu as toalhas e disse aos filhos para se vestirem.
Os menores continuaram a brincar com a bola, e encontrando-se o saco de praia entre eles, cada vez que atiravam a bola a areia caía dentro deste saco, ignorando os menores o que o pai lhes havia dito e pedido.
Como estes continuavam a brincar o arguido disse-lhes novamente para pararem de atirarem a bola e se vestirem, mas o menor ANG  continuou a ignorar o pedido do seu pai, permanecendo a brincar com a bola, continuando a encher o saco com areia até que a dada altura a bola caiu dentro do saco que o arguido tinha acabado de arrumar de novo. 
As toalhas de praia ficaram cheias de areia, o arguido teve de retirá-las do saco, voltar a sacudi-las, o que já acontecia pela terceira vez.
À quarta vez, como o menor ANG  continuasse a não ligar ao que o pai lhe dizia, e com as toalhas e saco cheios de areia, o arguido dirigiu-se junto do filho e envolvendo-o com os dois braços pela cintura colocou-o na areia e pondo um joelho sobre o calção do menor disse-lhe que tinha de lhe obedecer.
A atitude do menor, desobedecendo ao seu pai, que por diversas vezes lhe disse para parar de jogar e se vestir para se irem embora da praia, necessitava de correcção imediata, pois estava a ter um comportamento incorrecto.
Mas, atento o comportamento descrito pela assistente e pela testemunha ML____, o arguido não actuou com finalidade educativa.
O ordenamento jurídico não se compõe apenas de proibições, prevendo também normas permissivas que autorizam a prática de factos que, em princípio, seriam proibidos porque se atenderam a relevantes razões de cariz político, social e jurídico.
Nestes casos, o indício de anti-juridicidade que é pressuposto pela tipicidade da norma é desvirtuado pela presença de uma causa de justificação, melhor dizendo, por uma causa de exclusão dessa mesma anti-juridicidade que vem a converter um facto, em si, típico, num facto perfeitamente lícito e admitido pelo ordenamento jurídico.
Entre tais causas de justificação inclui-se o exercício de um direito, designadamente do direito de correcção. 
Em determinados preceitos do Código Civil (cfr. artigos 1878° e 1885°), estabelece-se a favor dos pais a respeito dos seus filhos ainda menores e não emancipados, um direito de correcção para o cumprimento de finalidades educativas. Este direito permite aos pais corrigir, ainda que moderadamente, os seus filhos.
Para tanto, porém, o exercício desta faculdade está condicionado à necessidade, adequação e proporcionalidade de tal correctivo e deverá estar animado por uma finalidade educativa, tendo em vista o bem do menor.
Ou seja, admite-se que os pais inflijam penas educativas, as quais serão, necessariamente, sentidas como um mal (dor corporal e reprovação enérgica) mas destinam-se a influir na conduta futura dos menores que, deste modo, interiorizarão o desvalor da conduta que suscitou tal reacção correctiva, não a voltando a repetir.
Nesta medida, este direito correccional é ainda direito educativo.
A correcção corporal será, assim, admissível quando, havendo motivo bastante para o seu uso, seja imposta objectivamente para o alcance do fim educativo e dominada subjectivamente pela intenção de educação, desde que, para além disso, a sua espécie e medida se situem em relação de adequação e proporcionalidade para com a falta dada e a idade do jovem.
Como assim, e a contrario, toda a correcção torturante, prejudicial à saúde, desnecessariamente humilhante ou grosseiramente lesiva do sentimento de decência é inadmissível e anti-jurídica. 
O limite que não pode ser ultrapassado, sob pena de não ser já admitido pelo ordenamento jurídico, não é tanto a gravidade das lesões decorrentes da conduta correctiva mas, sobretudo, a moderação dessa mesma conduta.
O que corresponda a tal conceito de moderação deve ser procurado nas circunstâncias culturais e do meio social, para além da consideração da idade do próprio.
Na actualidade, perspectiva-se uma evolução no sentido de restringir, cada vez mais, as faculdades correctivas.
Longe vão os tempos em que castigar um filho que falta à escola, batendo-lhe com correias, era aceite como boa prática de educação.
O que era, então, aceite como acto moderado, à luz de tal evolução, deixou de, claramente, o ser.
Porém, alguns castigos corporais, como sejam alguns açoites, apesar de constituírem uma conduta típica são legalmente justificados (desde que não causem danos à saúde ou não sejam infligidos de modo degradante ou humilhante), sendo ainda socialmente adequados e aceites - é o que sucede com o estalo na cara ou a palmada no “rabo”.
Tratam-se, pois, de condutas que, constituindo um castigo e, por conseguinte, infligirem dor (física ou emocional) estão autorizadas justamente em face do fim a que se destinam.
Seria, efectivamente, pedagogicamente desejável, que se renunciasse ao castigo corporal como meio de educação familiar mas fazê-lo seria desconhecer a realidade da vida e supor que nas condições sociais e psicológicas actualmente existentes todos os pais conseguissem prescindir completamente de se socorrerem das mãos como método educativo.
São, assim, três as condições para a justificação dos actos relativos ao exercício daquele direito de correcção:
1- o agente deverá actuar como finalidade educativa e não dar vazão à sua irritação, para descarregar a tensão nervosa ou, ainda menos, pelo prazer de infligir sofrimento ao jovem ou para lograr aquilo que apeteceria chamar um efeito de prevenção geral ou especial de intimidação;
2- o castigo deverá ser criterioso e proporcional no sentido de que ele deve ser o mais leve possível e não no que ele possa (que não pode) assumir um peso equiparado ao da falta cometida pelo educando quando esta for grave ou muito grave;
3- o castigo deverá ser, sempre e em todos os casos, moderado, nunca atingindo pois o limite de uma qualquer ofensa qualificada ou, e todo o modo, atentatória da dignidade do menor.
Atentos os factos provados, verifica-se que o arguido fez ao filho, como disse a testemunha ML____, “como a polícia faz a um criminoso” pois deu uma ordem ao filho ANG  e como o mesmo não acatou, o arguido pegou no filho pela zona dos ombros, deitou-o no areal, com a barriga para baixo, prendeu-lhe as pernas e os braços e colocou-lhe os joelhos nas costas, fazendo força.
Cessou a sua conduta mas quando o arguido se levantou e o filho ANG  também, o arguido colocou a sua mão na parte de trás do pescoço do filho ANG , apertou-o e disse-lhe “então já sabe quem manda? 
Com esta conduta descrita, o arguido provocou dor e sofrimento ao filho.
Ao actuar do modo descrito o arguido quis, e conseguiu, molestar física e psicologicamente o seu filho ANG , agindo a cobro de um sentimento de impunidade, escudado no poder de educação que a relação de parentesco pai-filho existente lhe proporcionava e aproveitando-se do ascendente que exercia sobre ele devido à dependência económica e tenra idade, tendo consciência de que esses factores tomavam ANG uma pessoa especialmente vulnerável.
O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
O Tribunal entende que não se verificam as condições supra referidas e que a actuação do arguido não foi objectivamente com fim educativo nem subjectivamente com a intenção de educação.
Como a assistente explicou de forma clara e precisa que se afigurou credível, quando se encontrava sentada no sofá da residência em Belas em Novembro de 2016, o arguido pretendendo sentar-se no sofá, desferiu-lhe um empurrão e dos safanões no corpo, visando ganhar espaço para se sentar.
Mas como explicou, a assistente não saiu de casa tendo passado a dormir no sofá noutra sala da casa.
Quanto ao que aconteceu na dependência da Caixa Geral de Depósitos na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, o Tribunal teve a explicação do arguido e a da assistente, os únicos presentes no local, mas a explicação da assistente sendo clara e precisa afigurou-se a credível. 
O arguido explicou que a deslocação ao banco foi para recolha de objectos de ouro que estavam no cofre tendo sido feitos três montes de peças: da assistente, do arguido e dos filhos.
A assistente apanhou-as e fez menção de os levar com ela, houve uma discussão porque o arguido não aceitou e disse-lhe a ela que “vai contra ele, partiu-lhe os óculos” que estavam no bolso do casaco ou da blusa, ele afasta-a, ela saiu com os objectos.
O arguido nega que a assistente estivesse a sangrar ou a chorar.
A assistente deu outra explicação dizendo que quando foram proceder à divisão de lembranças de baptismo dos filhos e também do arguido, ele ficou furioso quando viu que ela tinha tirado as coisas dela e, sem que nada o fizesse prever, desferiu-lhe um empurrão, fazendo-a cair no chão por duas vezes.
Seguidamente, o arguido dirigiu-lhe a seguinte expressão “já me tiraste os meus filhos, mas não me tiras isto”, referindo-se aos bens que se encontravam no interior do cofre da Caixa Geral de Depósitos.
Ao mesmo tempo que lhe dirigia aquela expressão, o arguido desferiu-lhe duas cotoveladas, uma na zona da testa e outra na zona do nariz tendo-lhe provocado, para além de dor e sofrimento, uma hemorragia na zona do nariz.
No local estiveram apenas o arguido e a assistente mas a explicação do arguido não é credível.
Se, como disse o arguido, a assistente, depois de fazerem três montes de bens, apanhou os bens e fez menção de os levar com ela, tendo havido uma discussão porque o arguido não aceitou e disse-lho, não se compreende porque é que a assistente “vai contra ele”, partiu-lhe os óculos que estavam no bolso do casaco ou da blusa, ele afasta-a, e ela a seguir saiu com os objectos.
Com efeito, se a assistente tivesse os bens e fizesse menção de sair levando os bens e ouvisse o arguido dizer-lhe que não aceitava o que ela estava a fazer seria expectável que ela continuasse com o seu propósito e saísse mesmo dali mas sem tocar no arguido para sair com os bens pois tinha espaço para sair sem lhe tocar.
Ir contra o arguido para sair não é uma atitude lógica pois ir contra ele que não queria que ela saísse e iria fazer-lhe frente seria ir contra uma barreira que não podia derrubar para o chão.
A assistente já teria os bens que lhe interessavam então não precisava de se atirar contra o arguido para sair.
A descrição da actuação da assistente feita pelo arguido não faz qualquer sentido.
Mas, a explicação da assistente tem sentido pois se o arguido foi à dependência bancária para dividir os bens e se chegasse lá e visse que a assistente já havia levado bens via que os seus planos tinham sido alterados e tinham sido alterados pela assistente contra a sua vontade e é de esperar que perante o fracasso do que planeava fazer fosse ele a “atirar-se”, como ele disse, a ela, que sem lhe dizer nada previamente havia ido à dependência bancária, sem ele, e tivesse levado bens do cofre sem lhe dizer nada e que ainda aceitasse depois ir à dependência bancária dividir bens.
A explicação da assistente faz sentido e é realista face ao comportamento violento do arguido que já se manifestara inúmeras vezes anteriormente quando estavam nas quatro paredes do lar e também na praia pelo que o Tribunal acreditou nela.
Não se entende o alegado de que se a assistente estivesse a sangrar do nariz e/ou a chorar seria de esperar que fosse abordada por alguém como por exemplo o segurança que estava à porta.
Em primeiro lugar, não se provou que o segurança estivesse à porta e ainda que se admitisse que estivesse não é certo que iria ver a assistente a chorar e a sangrar do nariz.
Estando a sangrar do nariz a assistente estava isso mesmo a sangrar e não estava a sangrar de tal modo abundantemente que o sangue escorresse do nariz em fio para a roupa e para o chão de modo visível para o segurança.
A assistente sangrou do nariz mas limpou o sangue antes de sair tal como limpou as lágrimas antes de sair pois é uma mulher e é uma pessoa educada, tem “berço”, como disse o arguido, e antes de sair do local como qualquer mulher no lugar dela faria, limpou o sangue e as lágrimas para que ninguém a visse a sangrar e a chorar.
Após declarações da assistente, o Tribunal ouviu o arguido explicar de modo visivelmente irritado e indignado que depois do que aconteceu na dependência bancária telefonou à mãe da assistente e dias depois recebeu bens num saco do lixo.
Não se entende as palavras do arguido quando ao modo como lhe foram entregues os bens pois tendo em conta as dimensões dos sacos usados para o lixo e se eram alguns bens portanto com algum tamanho e peso e se o arguido não entregou nenhum saco ou mala para aí serem colocados é compreensível que a assistente face à quantidade e peso dos bens a entregar ao arguido optasse por um dos sacos do lixo com capacidade para os carregar.
Em relação ao que aconteceu na Avenida Duque D'Ávila, o Tribunal ouviu o arguido, a assistente e a testemunha IC____.
O arguido deu uma explicação sem qualquer lógica ao explicar que de facto se pôs à frente do carro e houve um toque do carro nas suas pernas dando a explicação de que o filho ANG  saiu do restaurante para o carro da assistente e enquanto o outro filho e ele ficaram no restaurante ficando ele a pagar, sai do restaurante e quer-se despedir do filho ANG , que estava já dentro do carro, mas a assistente não o deixa, ele fica exaltado não se conformando com a situação e disse-o à assistente que avança com o carro, toca nele, ele diz que vai chamar o INEM ou a polícia, criou-se uma discussão, chega a testemunha IC____ que vê apenas a parte final mas não sabe o que deu causa à situação e ele dirige-lhe as palavras que ela disse.
A assistente explicou de forma clara e precisa que tendo-lhe os filhos ligado a chorar para os ir buscar tendo o filho ANG  lhe dito para ir porque já não aguentava mais o pai, ela pôs-se a caminho, quando chegou viu o filho ANG  a chorar na escadaria do prédio e o outro filho com o arguido no restaurante, o filho entrou no carro, chega o arguido que se sentou em cima do capot do carro e ela dentro do carro vê que ele fala, mas não o ouve, não o ouviu falar em despedir-se, ela fecha-se no carro com medo do que o arguido fosse fazer e pudesse sair de cima do capot e entrasse no carro, põe a música alto, aparecem pessoas que lhe perguntam se ela queria ajuda e agarram o arguido, que continua aos gritos exaltado, são três homens que retiram o arguido pondo-o de lado e dizem-lhe a ela para sair - o que ela fez.
Mais pormenorizando, a assistente explicou que uma das pessoas que falou com ela era uma advogada que lhe deu o contacto para ser testemunha dela assim como também explicou que o arguido lhe dirigiu a expressão “sua estúpida” e “tu não sais daqui enquanto eu não deixar”.
A testemunha IC____ explicou que num dia de Outubro de 2017, de noite cerca das 9 horas e 30 minutos/10 horas, na Avenida Duque D'Ávila, em Lisboa, viu um homem a falar um pouco alto e uma senhora dentro de um carro a falar e tentava sair mas não conseguia porque o homem não deixava estando à frente do capot do carro pelo que aproximou-se do local e perguntou à senhora se precisava de ajuda tendo-lhe ela dito que queria sair mas o ex-marido não deixava então ela foi até ao local onde estava o arguido e falou com ele mas o arguido disse-lhe: “a Senhora é da Liga de Protecção dos Animais para estar aqui?” ao que ela lhe perguntou se ele estava a chamar animais aos filhos mas não obteve resposta do arguido, falou com ele tendo visto chegar ao local outras pessoas que tentaram que o arguido saísse então a assistente aproveitou e saiu um pouco com o carro mas tocou no arguido que se imediato desatou a gritar “ai a minha perna, ai a minha perna” e chamou o 112, os senhores afastaram-no dali dizendo para a assistente tirar o carro tendo ela ido falar e dar o seu contacto à assistente que só então se foi embora.
Mais explicou a testemunha que viu no carro uma rapariga ao lado da assistente e duas crianças atrás tal como explicou que a assistente estava nervosa e com um pouco de receio mas ao mesmo tempo estava calma no sentido de que aquilo era algo habitual e não conseguia fazer nada enquanto que o arguido estava exaltado e embriagado chegando a esta conclusão pelo cheiro e pelo modo como falava com “palavras arrastadas”.
Ponderando as declarações coincidentes da assistente e da testemunha IC____ que são claras, precisas e coerentes, o Tribunal ficou convencido de que o que aconteceu foi o que as duas explicaram de que a assistente foi buscar os filhos porque eles lhe pediram para o fazer quando lhe telefonaram tendo o filho ANG  lhe dito ainda que não aguentava mais o pai tendo visto o filho ANG  a chorar na escadaria do prédio e o outro filho com o arguido, o filho ANG  entrou no carro, chegou o arguido que se sentou em cima do capot do carro, ela, dentro do carro, vê que ele fala, mas não o ouve falar em despedir-se, ela fecha-se no carro, põe a música alto, aparecem pessoas que lhe perguntam se ela quer ajuda e agarram o arguido, que continua aos gritos exaltado, três homens retiram o arguido pondo-o de lado e dizem-lhe a ela para sair.
Uma das pessoas que falou com ela é uma advogada, a testemunha IC____, que lhe deu o contacto para ser testemunha dela.
O arguido dirigiu à assistente as expressões “sua estúpida” e “tu não sais daqui enquanto eu não deixar”, bloqueando com o corpo a saída da assistente impedindo-a de sair, obrigando-a a ficar no local contra a sua vontade, e com os filhos, dentro do carro, a verem todo o comportamento do pai pelo que foi ouvir o que ouviu e ter medo do que o arguido pudesse fazer até temendo que ele entrasse no carro, a assistente fechou-se dentro do carro para se proteger e proteger os filhos do que o arguido pudesse fazer e ainda pôs música para que os filhos não ouvissem o que o arguido dizia.
Atento o comportamento da assistente e o depoimento da testemunha, o Tribunal não acreditou na explicação do arguido de que pôs-se em frente do carro dizendo à assistente que queria despedir-se do filho e que não lhe permitia que lhe chamasse bêbado diante dos filhos.
Mas em relação às alegadas palavras da assistente de chamar bêbado diante dos filhos, a assistente negou tê-las proferido e a testemunha presente no local disse que não as ouviu pelo que o Tribunal ficou convencido de que a assistente não as disse.
Mais ficou convencido o Tribunal com as declarações da testemunha IC____ que o arguido lhe terá dirigido as palavras que a testemunha disse e que o arguido admitiu ter dito mas ele deu uma explicação que não é credível.
Com efeito, a testemunha explicou que falou com o arguido que lhe disse: “a Senhora é da Liga de Protecção dos Animais para estar aqui?” ao que ela lhe perguntou se ele estava a chamar animais aos filhos mas não obteve resposta do arguido.
O arguido deu uma explicação para ter dirigido aquelas palavras à testemunha que é totalmente descabida e ilógica.
De facto, o arguido explicou que quis ter um gato e chegou a ir à liga para buscar um gato e que tem ideia que a associação se localiza perto do local onde estava na ocasião assim como a cara da testemunha lhe parecia familiar colocando a hipótese de ser uma das pessoas da associação protectora dos animais.
Mas, esta explicação não coincide com a da testemunha que disse que o arguido lhe fez a pergunta se ela era da Liga de Protecção dos Animais “para estar aqui?”.
Qualquer pessoa a quem a pergunta fosse feita no lugar da testemunha teria tido a mesma reacção dela de perguntar ao arguido se ele estava com aquela pergunta a chamar animais aos filhos.
Com a pergunta que fez, o arguido não se estava a interrogar a si próprio se a testemunha não seria uma das pessoas da liga de Protecção dos Animais dali perto com quem antes falou quando se dirigiu à associação para ir ver um gatinho.
O arguido, embriagado, perguntou à testemunha se ela era da Liga de Protecção dos Animais para estar ali a defender tanto os filhos dele contra ele, a defender os animais.
Foi isto que a testemunha entendeu e foi por esse entendimento das palavras do arguido que a testemunha o confrontou com as suas declarações e lhe perguntou se ele estava a chamar animais aos filhos.
Perante esta pergunta da testemunha, o arguido percebeu o que disse dos filhos e que os tinha chamado animais que estando em risco com o seu comportamento tinham que ser protegidos por alguém da liga de Protecção dos Animais.
E como popularmente se diz “caiu-lhe a ficha” e calou-se, não respondeu à pergunta da testemunha. 
Após esta data, por um número indeterminado de vezes, em datas não determinadas, o arguido efectuou chamadas à ofendida, a qualquer hora do dia ou da noite como a própria explicou mas a assistente disse que não lhe dirigiu as expressões que constam no despacho de pronuncia pelo que o Tribunal considerou-as não provadas.
Como a assistente explicou e também as testemunhas AC____, ML____ e JM____, a assistente é uma família tradicional e religiosa, em que o casamento é para toda a vida, não há divórcio, como ela disse “ouve-se e aguenta-se”, e ela aguentou toda a actuação do arguido durante longos anos, sofrendo sozinha e em silêncio porque não queria mostrar à família que não fizera a opção certa para a vida toda como aliás fora alertada pela testemunha JM____ que a avisou quanto ao arguido antes do casamento mas que ela não considerou.
Sofreu sozinha e em silêncio até que aconteceu a situação da praia do arguido ao filho e que foi a gota de água que fez transbordar o copo fazendo com que fosse fazer queixa do arguido e alterasse o seu comportamento.
Como disse a testemunha AC____, o arguido era o alicerce financeiro do nível de vida que a assistente tinha e que era visível para a família e para os amigos como também o arguido explicou e como consta no relatório social.
Mas se a assistente saísse de casa não podia continuar com aquele nível de vida que tinha pois contava com o seu ordenado de educadora de infância e não era com ele que podia pagar prestação mensal de casa se optasse por comprar um imóvel ou pagar renda de casa, pagar as despesas normais do lar como água, luz, gás, telefone e alimentação, pagar as suas despesas pessoais, pagar as despesas dos filhos, pagar as despesas de educação dos filhos - ambos frequentavam colégios privados, e pagar a uma empregada doméstica para a auxiliar nas lides domésticas que teria que conjugar com a vida profissional a que acresce as despesas de saúde por ter fibromialgia que como se sabe implica despesas de saúde consideráveis, mas não provoca depressão como o arguido alegou.
O arguido alegou que a assistente tinha uma empregada doméstica que a auxiliava nas lides domésticas mas não se lembrou que a empregada doméstica tem que receber orientações da dona de casa sobre as tarefas a realizar no dia a dia para que o seu trabalho seja produtivo e que não eram dadas pelo arguido.
O Tribunal ficou convencido de que com as condutas descritas, o arguido quis, e conseguiu, molestar física e psicologicamente a ofendida ENG_____ , bem como provocar-lhe medo e receio, intimidando-a e ofendendo-a na sua saúde física e psíquica, perturbando-lhe a paz e o sossego, bem sabendo que ela era sua mulher e mãe dos seus filhos, agindo sempre a coberto de um sentimento de impunidade, no interior da residência comum e na presença dos filhos.
Há relatórios médicos que o indicam nomeadamente o relatório da Dra. MG____ onde consta:
“(....) informo que ENG_____ Nogueira  se encontra a realizar acompanhamento psicológico semanal, pela instabilidade emocional causada pela violência doméstica a que esteve exposta durante um longo período de tempo. 
Informo ainda que a paciente se encontra com a plenitude das suas capacidades intelectuais e de julgamento, embora manifeste sequelas emocionais pelos acontecimentos de vida mencionados. (...) ”.
Ao actuar do modo descrito o arguido quis, e conseguiu, molestar física e psicologicamente o seu filho ANG , agindo a cobro de um sentimento de impunidade, escudado no poder de educação que a relação de parentesco existente lhe proporcionava e aproveitando-se do ascendente que exercia sobre elas devido à dependência económica e tenra idade, tendo consciência de que esses factores tomavam ANG  pessoas especialmente vulneráveis.
O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Através dos seus actos, o arguido foi responsável pela quebra irreparável da relação de respeito, confiança e partilha de afectos que deve nortear a comunidade familiar, afectando definitivamente a interdependência emocional que caracteriza tanto a relação conjugal como a relação de parentalidade.
Quanto à assistente, durante o tempo em que permaneceu em convivência diária com o arguido, sentiu-se humilhada e diminuída com os seus constantes comentários vexatórios e ofensivos assim como se sentiu desconsiderada na sua honra e fragilizada pelas condutas opressivas e violentas do arguido.
Desde a data do casamento - durante 22 anos - a assistente sofreu maus tratos como a própria disse de forma emotiva, ouvindo diariamente comentários destrutivos como “gorda”, “estúpida”, “és uma incapaz”, “não prestas para nada”, “não serias nada sem mim” e “vivem à minha custa”.
Acresce a isto que a assistente foi vítima de agressões físicas, que para além de lhe provocarem ferimentos corporais, a atingiram na sua honra e dignidade num ambiente que lhe causava grande ansiedade, nunca sabendo quando e como aconteceria o próximo episódio de violência pois nunca sabia como estava o arguido.
A assistente vivia em receio constante, ainda para mais sabendo que tudo se passava no núcleo doméstico onde cresciam dois menores, filhos do casal.
Ademais, a assistente foi-se apercebendo de que as condutas agressivas do arguido estavam progressiva e gradualmente a agravar-se, sendo dirigidas já não só contra si, sua mulher, mas também contra o filho ANG_____ , filho menor de ambos, o que a perturbava diariamente, afectando a sua paz e sossego, criando instabilidade emocional como consta do relatório da Dra. MG____.
Em resultado de toda esta angústia e sofrimento acumulados, a assistente desenvolveu “um quadro angodepressivo, com ansiedade e somatização, reactivo a eventos de vida, nomeadamente conflitos conjugais” como consta do relatório da Dra. BL____ junto como Documento n°2 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Quanto ao menino ANG_____ , o episódio de violência de que foi vítima a 18 de Agosto de 2016, na praia em São Martinho do Porto, causou-lhe grande ansiedade e sofrimento. 
O menor foi surpreendido pela brutalidade como o pai o agarrou pelos ombros, o deitou de costas no areal e prendeu as pernas e braços ao mesmo tempo em que colocava, com força, os seus joelhos nas costas do menor.
E isto não bastando, depois de o menor se levantar, o arguido ainda lhe apertou a parte detrás do pescoço, ao mesmo tempo que dizia “então já sabes quem manda?” daqui resultou que o menor ficou a chorar compulsivamente e muito assustado, sentiu-se extremamente nervoso, com medo do arguido, e revoltado com aquela reação violenta e inesperada.
Sentiu-se maltratado, desamparado, perturbado e ferido na sua dignidade.
Este episódio marcante precipitou a separação do casal, como a assistente o explicou, e o menor viu-se assim a perder a unidade do núcleo afectivo base que é a família.
O menor assistiu durante o seu crescimento a várias situações de violência protagonizadas pelo arguido no seio familiar que lhe causaram muito sofrimento e perturbação emocional como consta do relatório do Dr. PS____.
Neste relatório consta:
“(...) já em Julho de 2014 (...) o ANG , então com 11 anos de idade, (...) já apresentava uma percepção mais autónoma e consciente sobre o nível de perturbação emocional induzida no seio familiar pela problemática reportada ao Pai.(...)
À data da (re)observação actual do ANG , deparamo-nos com um adolescente de 14 anos, (...) É bem visível no ANG  todo o sofrimento que a situação actual lhe provoca. E claro o seu humor de tonalidade depressiva, que mantém com choro repetido durante momentos da sessão, em que revela o nível de conflitos do qual teve e tem percepção activa entre os Pais, destacando de forma inequívoca o que observa e tanto o preocupa no Pai e citamos, (...):
“Acho que o meu Pai tem mesmo uma doença ... Ele não consegue parar de beber, fica sempre muito alterado ... Sei que não é de agora, já todos reparamos e sabíamos há muito tempo ...”
E acrescenta:
“Mesmo agora estamos mesmo com ele ... Mas, por exemplo, ele pode ir buscar-nos, diz que vai comprar cigarros, mas eu vejo que vai beber mais uma cerveja ou outra coisa ... Vem logo todo alterado ... Noto pelos olhos, fica meio a dormir, começa a repetir coisas, conduz super depressa e isso deixa-me com medo ” Sobre a sua capacidade de defesa emocional é evidente que o ANG  faz, mesmo perante uma situação de tensão, um esforço muito grande para a sua protecção, bem como do irmão:
“Vejo que ele está assim e depois, por exemplo, invento uma desculpa para ele nos ir pôr logo a casa da Mãe ... que tenho que estudar ... e insisto, insisto que é para desistir de andar assim connosco ... Tenho de fazer isso, porque não sei se o JM____  (irmão) percebe tudo ...”
O ANG  é ainda de forma autónoma, e sempre em consulta individual, isto é, fora da presença da Mãe, de descrever com precisão factos que se reportam à sua percepção da violência emocional e física que o Pai exercia e vem exercendo sobre a Mãe e os filhos, quando em situação de descompensação alcoólica. 
Contudo, é também perceptível o afecto que ainda une este adolescente ao seu Pai e o seu desejo absolutamente claro que "o Pai devia tratar-se”, como esperança eventual de recuperar uma relação de contornos complexos com o progenitor. Contudo, parece crente das dificuldades do mesmo e diz:
“O problema é que ele acha que não tem problema nenhum e se falamos nisto é sempre pior! ”(...)
Do nosso ponto de vista clínico, e face ao exposto, (...) Pessoalmente, é impossível não apelar ainda à máxima compreensão do Pai para que, perante a real existência da problemática descrita, seu impacto anterior e riscos de manutenção de danos futuros (sobretudo sobre os filhos de que não duvidamos ter uma forte relação de afecto), assuma com inteira responsabilidade e verdadeira eficácia a melhor intervenção terapêutica que vise a sua resolução rápida e total controlo futuro. (...)”.
Como consequência das condutas violentas, o arguido privou o filho do conforto e estabilidade emocional essenciais ao seu crescimento e amadurecimento.
A conduta do arguido causou também danos patrimoniais aos lesados decorrentes do acompanhamento médico de que ambos necessitaram em virtude dos episódios a que foram submetidos.
Relativamente à assistente destacam-se as despesas incorridas em consultas de Psicologia no valor de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros) - cfr. documento junto como Documento n°4 de fls. 432 - e em consulta de Psiquiatria no valor de €420,00 (quatrocentos e vinte euros) - cfr. Documento n°5 de fls. 433 a 438. 
No que se reporta a ANG   destacam-se as consultas de Psicologia no valor de € 995,00 (novecentos e noventa e cinco euros) - cfr. Documento n° 6 de fls. 439 a 447 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Quanto à dependência de álcool, o Tribunal teve em conta as declarações do arguido, da assistente e das testemunhas conjugadas com os documentos que constam dos autos nomeadamente o relatório do Dr. PS____ e o relatório social.
O arguido alega que se mantém sóbrio conforme atesta exame pericial que juntou aos autos.
O arguido refere-se ao documento de fls. 501 a 504 dos autos em que consta:
“(…) Este exame foi realizado na sequência de pedido do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Família e Menores de Sintra - Juiz 5, para “despiste de consumo de álcool” nesta Delegação, no dia 16/01/2018. O examinando tem actualmente 52 anos (...)
Dos 30 aos 35/36 anos, refere ter passado a consumir, 1 a 2 cervejas cerca de 3 a 4 vezes durante a semana e 5/6 cervejas durante o fim-de-semana, consumindo pontualmente, ao fim-de-semana, cerca de meia garrafa de vinho.
Após este período informa ter estado cerca de 12 anos sem qualquer consumo de álcool, tendo frequentado as reuniões dos Alcoólicos Anónimos (AA) em Lisboa. 
Aos 47/48 anos iniciou de novo consumos de bebidas alcoólicas - cerca de 4 cervejas diariamente, até setembro de 2017, altura em que cessou, retomando reuniões dos AA. (...)
Efectuaram-se os seguintes exames complementares de diagnóstico:
Colheita de amostra de urina no dia 16/01/2018 para estudos toxicológicos, que se revelou negativo para substâncias voláteis (dentre as quais inclui-se etanol) e drogas de abuso. (...). ”
Neste exame de 29 de Agosto de 2018 não consta que o arguido se mantém sóbrio como alega.
Acresce que no relatório social consta que “no que tange ao percurso aditivo de ANG  , este apresenta um discurso pouco consistente (...) afirmando considerar tratar-se de uma doença crónica que motiva a sua integração e permanência nos Alcoólicos Anónimos, mas desvalorizando os consumos etílicos por intermédio da sua generalização.
ENG_____ , alegada vítima, reporta um extenso historial de adição ao álcool por parte do arguido, referindo um período de abstinência de cinco anos e dois internamentos de curta duração (...) ” assim como ainda consta que o arguido tem uma “ narrativa de minimização e desvalorização da adição etílica
Acresce que o Tribunal tem ainda que considerar o comportamento do arguido após o jantar com os filhos em que pôs em cima do capot do carro e tendo um toque na perna do carro da assistente de imediato desatou a gritar “ai a minha perna, ai a minha perna” tendo chamado o 112 como explicou a testemunha. 
Em relação a agressões, o arguido alegou que sofreu danos físicos por parte da assistente designadamente que estando deitado no chão para aliviar dores nas costas, a assistente tropeçou sobre o corpo dele e fez força sobre o joelho causando-lhe uma lesão consubstanciada na rutura do ligamento cruzado do joelho direito, tendo que ser submetido a intervenção cirúrgica.
O Tribunal não acredita que assistente tenha tropeçado sobre o corpo do arguido, portanto se tropeçou não foi uma acção intencional pois se alguém tropeça é porque não viu ou não contou com o corpo no chão e bateu involuntariamente nele, e tropeçando ainda faz força sobre o joelho causando uma lesão.
Se o arguido alega que tropeçou é porque a assistente involuntariamente e sem o ver bateu no corpo dele quando estava no chão e batendo instintivamente afasta-se do corpo, não vai depois de tropeçar fazer força sobre o joelho.
Acresce que tropeçando e tocando no joelho não provoca a rutura do ligamento cruzado do joelho direito.
O Tribunal ponderando esta explicação do arguido com o que consta no relatório social em que se menciona que o arguido “jogou ténis durante vários anos o que motivou problemas num joelho'” pelo que ficou convencido de que a assistente não fez o que o arguido alegou nem lhe provocou a lesão que ele disse.
Aliás, o arguido não juntou nenhum documento que provasse o que alegou designadamente relatório médico.
Foram tidos em consideração os documentos de fls. 5 a 8, 26 a 27 (auto de notícia), 89 a 93 (certidões), 247 a 282, 352 a 354 (elementos clínicos), 320 a 325 (certidão), 330 a 332, 333 a 335 (informações), 418 (informação clínica), 486 (relatório), 422 a 430 (informação médica), 432 a 447 (factura-recibo), 501 a 504 (fotocópia de relatório da perícia médico-legal), 504 (relatório final), 573 (declarações 581 a 584 (relatório social), 693 a 697 (certificado de Registo Criminal do arguido quanto aos seus antecedentes criminais).
Quanto aos factos não provados, tal deve-se à ausência de prova.
2.3. Apreciação do Mérito do Recurso
A matéria de facto pode ser sindicada em recurso através de duas formas: uma, de âmbito mais estrito, a que se convencionou designar de «revista alargada», implica a apreciação dos vícios enumerados nas als. a) a c) do art. 410º nº 2 do CPP; outra, denominada de impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma.
Assim, se no primeiro caso, o recurso visa uma sindicância centrada exclusivamente no texto da sentença, dirigida a aferir da capacidade do juiz em expressar de forma adequada e suficiente as razões pelas quais se convenceu e o sentido da decisão que tomou, já no segundo, o que o recurso visa é o reexame da matéria de facto, através da fiscalização das provas e da forma como o Tribunal recorrido formou a sua convicção, a partir delas.
O erro do julgamento verifica-se sempre que o Tribunal tenha dado como provado um facto acerca do qual não foi produzida prova e, portanto, deveria ter sido considerado não provado, ou inversamente, quando o Tribunal considerou não provado um facto e a prova é clara e inequívoca, no sentido da sua comprovação.
O mecanismo por via do qual deverá ser invocado - impugnação ampla da matéria de facto – encontra-se previsto e regulado no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP e envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante.
No entanto, essa reapreciação não é livre, nem abrangente, antes tem vários limites, porque está condicionada ao cumprimento de deveres muito específicos de motivação e formulação de conclusões do recurso ( João Antunes, in RPCC – Ano 4 Fasc.1 – pág. 120; Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012 Acs. da Relação de Guimarães de 6.11.2017, proc. 3671/13.4TDLSB.G1; da Relação de Évora de 09.01.2018 proc. 31/14.3GBFTR.E1; da Relação de Coimbra de 08.05.2018, proc. 30/16.0GANZR.C1; da Relação de Lisboa de 12.06.2019, processo 473/16.0JAPDL.L1, in http://www.dgsi.pt). 
Assim, nos termos do nº 3 do art. 412º do CPP, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e c) as provas que devem ser renovadas».
O nº 4 do mesmo artigo acrescenta que, tratando-se de prova gravada, as indicações a que se referem as alíneas b) e c) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, segundo o estabelecido no nº 6.
O ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, apresenta uma configuração alternativa, conforme a acta da audiência de julgamento contenha ou não a referência do início e do termo de cada uma das declarações e depoimentos gravados.
Assim, se a acta contiver essa referência, a indicação dos excertos em que se funda a impugnação faz-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º (n.º 4 do artigo 412.º do C.P.P.).
Mas, se a acta não contiver essa referência, basta a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens/excertos” dos meios de prova oral gravados (Acs. da Relação de Évora, de 28.05.2013, proc. 94/08.0GGODM.E1 e da Relação de Lisboa de 22.09.2020, proc. 3773/12.4TDLSB.L1-5, in http://www.dgsi.pt).
Em qualquer das duas hipóteses, o recorrente terá de indicar, com toda a clareza e precisão, o que é que, na matéria de facto, concretamente, quer ver modificado, apresentando a sua versão probatória e factual alternativa à decisão de facto exarada na sentença que impugna, e quais os motivos exactos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo que propõe, o que exige que o recorrente apresente o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida e o correlacione comparativamente com o facto individualizado que considera erradamente julgado.
Assim, quanto à especificação dos concretos pontos de facto, a mesma «só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e se considera incorrectamente julgado» (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 7 ao art. 412º., pág. 1144).
Portanto, só os factos controvertidos por efeito das provas cujo conteúdo seja adequado à conclusão de que se impõe uma decisão diferente da recorrida, segundo a motivação do recorrente, é que são objecto de sindicância pelo Tribunal da Relação.
Já a especificação das concretas provas, «só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação (…) das passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento» (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 8 ao art. 412º., pág. 1144).
Quando se trate de depoimentos de testemunhas, de declarações de arguidos, assistentes, partes civis, peritos ou consultores técnicos, o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares passagens, nas quais ficaram gravadas as frases que se referem ao facto impugnado.
Essa modificação será, ainda, assim, tão só a que resultar do filtro da documentação da prova, segundo a especificação do recorrente, por referência ao conteúdo da acta, com indicação expressa e precisa dos trechos dos depoimentos ou declarações em que alicerça a sua divergência (art. 412º nº4 do CPP), ou, pelo menos, mediante «a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente» (Ac. do STJ nº 3/2012, de fixação de jurisprudência de 08.03.2012, in D.R. 1.ª série,  nº 77 de 18 de abril de 2012).
«É em face dessa prova que, em sede de recurso se vai aferir da observância dos juízos de racionalidade, de lógica e de experiência e se estes confirmam, ou não, o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos, cuja veracidade cumpria demonstrar. Caso esteja demonstrado que o juízo constante da decisão recorrida é compatível com aqueles critérios não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não estiver, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância» (Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253).
Caso se limite a indicar a totalidade de um documento ou de uma perícia, ou de uma escuta telefónica, por reporte a um determinado período, ou as declarações prestadas por um certo número de testemunhas, na sua globalidade, não pode considerar-se cumprido o ónus, nem viabilizada a possibilidade de reapreciação da matéria de facto, pelo Tribunal de recurso.
Tal forma genérica de impugnação, além de permitir converter em regra uma excepção, desvirtuando completamente o regime do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, que se traduz num reexame pontual e parcial da prova, porque restrito aos precisos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, prejudica e pode mesmo inviabilizar o exercício legítimo do princípio do contraditório pelos demais sujeitos processuais com interesse juridicamente relevante no desfecho do recurso.
Além disso, transferiria para o tribunal de recurso a incumbência de encontrar e selecionar, segundo o seu próprio critério, as específicas passagens das gravações que melhor se adequassem aos interesses do recorrente, ou seja, de fazer conjecturas sobre quais seriam os fundamentos do recurso, o que não é aceitável, porque o tribunal não pode, nem deve substituir-se ao recorrente, no exercício de direitos processuais que só a este incumbem, nos termos da lei, nem deve tentar perscrutar ou interpretar a sua vontade, interferindo, por essa via, com a própria inteligibilidade e concludência das motivações do recurso, logo, com a definição do seu objecto.
É, igualmente, inadmissível, à luz dos princípios da imediação e oralidade da audiência de discussão e julgamento, da livre apreciação da prova e da segurança jurídica, partindo da constatação de que o contacto que o Tribunal de recurso tem com as provas é, por regra e quase exclusivamente, feito através da gravação, sem a força da imediação e do exercício sistemático do contraditório que são característicos da prova produzida no julgamento.
«(…) Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório». ( Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012).
A forma minuciosa e exigente como está previsto e regulado este tríplice ónus de especificação ilustra como o duplo grau de jurisdição da matéria de facto não implica a formulação de uma nova convicção por parte do tribunal de recurso, em substituição integral da formada pelo tribunal da primeira instância, nem equivale a um sistema de duplo julgamento, antes se cingindo a pontos concretos e determinados da matéria de facto já fixada e que, de acordo com a prova já produzida ou a renovar, devem necessariamente ser julgados noutro sentido, justamente, de harmonia com os referidos princípios que postulam a excepcionalidade das alterações ao julgamento da matéria de facto, feito na primeira instância e a concepção do recurso como um remédio.
Trata-se, em suma, de colocar à apreciação do tribunal de recurso a aferição da conformidade ou desconformidade da decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados com a prova efetivamente produzida no processo, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com os conhecimentos científicos, bem como com as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, com os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, assim como, com as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos. Se dessa comparação resultar que o Tribunal não podia ter concluído, como concluiu na consideração daqueles factos como provados ou como não provados, haverá erro de julgamento.
«(…) Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância (…)» (Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012. No mesmo sentido, Acs. do Tribunal Constitucional nºs 124/90; 322/93; 59/2006 e 312/2012, in www.tribunalconstitucional.pt e AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07-12-2005).
«É em face dessa prova que, em sede de recurso se vai aferir da observância dos juízos de racionalidade, de lógica e de experiência e se estes confirmam, ou não, o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos, cuja veracidade cumpria demonstrar. Caso esteja demonstrado que o juízo constante da decisão recorrida é compatível com aqueles critérios não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não estiver, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância» (Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253).
«O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Daí que também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e, sobretudo, o recorrente tenha que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida» (Prof. Germano Marques da Silva, Registo da Prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001. No mesmo sentido, Ana  Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393).
A reapreciação da matéria de facto em sede de recurso só pode determinar a sua alteração, se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa, ou seja, quando, perante o conteúdo dos meios probatórios pertinentes, se constatar que o Tribunal não podia ter concluído, como concluiu quanto ao modo como decidiu a matéria de facto.
Se o Tribunal de recurso verificar que dos meios probatórios indicados pelo recorrente, apenas seria possível uma decisão diferente, já não haverá, nem erro de julgamento, nem possibilidade de alteração factual.
Assim, a convicção do julgador, no tribunal do julgamento, só poderá ser modificada se, depois de cabal e eficazmente cumprido o triplo ónus de impugnação previsto no citado art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se constatar que decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados quando comparada com a prova efetivamente produzida no processo, deveria necessariamente ter sido a oposta, seja porque aquela convicção se encontra alicerçada em provas ilegais ou proibidas, seja porque se mostram violadas as regras da experiência comum e da lógica, ou, ainda, porque foram ignorados os conhecimentos científicos, ou inobservadas as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, assim como, as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos (autênticos e autenticados).
Porém, se a convicção ainda puder ser objectivável de acordo com essas mesmas regras e a versão que o recorrente apresentar for meramente alternativa e igualmente possível, então, deverá manter-se a opção do julgador, porquanto tem o respaldo dos princípios da oralidade e da imediação da prova, da qual já não beneficia o Tribunal de recurso.
«A censura dirigida à decisão de facto proferida deverá assentar “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção(…)”.
«A reapreciação da prova, dentro daqueles parâmetros, só determinará uma alteração da matéria de facto quando do respectivo reexame se concluir que as provas impõem uma decisão diversa, excluindo-se a hipótese de tal alteração ter lugar quando aquela reapreciação apenas permita uma decisão diferente da proferida, porquanto, se a decisão de facto impugnada se mostrar devidamente fundamentada e se apresenta como uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, deve a mesma prevalecer, não ocorrendo, nesse caso, violação das regras e princípios de direito probatório» (Ac. da Relação de Lisboa de 10.09.2019 proc. 150/18.7PCRGR.L1-5. No mesmo sentido, por todos, Acs. do STJ de 12.09.2013, proc. 150/09.8PBSXL.L1.S1 e de 11.06.2014, proc. 14/07.0TRLSB.S1; Acs. da Relação de Coimbra de 16.11.2016, proc. 208/14.1JACBR.C1; de 13.06.2018, proc. 771/15.0PAMGR.C1 e de 08.05.2019, proc. 62/17.1GBCNF.C1; Acs. da Relação do Porto de 15.11.2018, proc. 291/17.8JAAVR.P1,  de 25.09.2019, processo 1146/16.9PBMTS.P1 e de 29.04.2020, proc. 1164/18.2T9OVR.P1; da Relação de Lisboa de 24.10.2018, proc. 6744/16.8L1T9LSB-3; de 13.11.2019, proc. 103/15.7PHSNT.L1, de 09.07.2020, proc. 135/16.8GELSB.L1-9, da Relação de Guimarães de 08.06.2020, proc. 729/17.4GBVVD.G1 in http://www.dgsi.pt).
No caso vertente, o recorrente fez a indicação precisa dos pontos de facto de entende terem sido julgados incorrectamente: os factos constantes dos pontos 6, 7, 8, 13, 14, 17, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30, 60 e 71 dos factos provados e o artigo 8 dos factos não provados.
Porém, o recorrente não indicou em que consiste a falha de percepção, a omissão ou excesso no exame da prova produzida conducente à insustentabilidade lógica ou à arbitrariedade da decisão de facto.
Em primeiro lugar, o recorrente insurge-se contra a importância, em seu entender, excessiva, que foi atribuída à versão dos factos apresentada pela assistente e à circunstância de as declarações da mesma, por serem o único meio de prova produzido acerca de vários dos factos e de não terem sido produzidos outros que as corroborem, não poder servir de meio de prova válido, quando, para mais, o próprio arguido até apresentou uma versão diametralmente oposta sobre eles, como foi o caso dos descritos sob os pontos 6, 7, 8.
Em primeiro lugar, cumpre referir que a prova resultante de declarações sejam ela prestadas pelo arguido ou pelo assistente está sujeita à livre convicção do julgador.
O princípio da livre apreciação da prova genericamente consagrado no artigo 127º do CPP, assenta na inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas e na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral, desde que não incluídos nas proibições contidas no art. 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição.
Este sistema de livre apreciação da prova tem várias implicações, entre elas, a de que o juiz não se encontra sujeito a regras, prévia e legalmente fixadas sobre o modo como deve valorar a prova, não prevendo o CPP qualquer regra de corroboração necessária da convicção e, ainda, a de que, por força da ausência de eficácia jurídica do eficácia jurídica do aforismo “testis unus testis nullus”, um único depoimento, mesmo sendo o da própria vítima, pode ilidir a presunção de inocência e fundamentar uma condenação, do mesmo modo que as declarações do arguido por si só, isoladamente consideradas, podem fundamentar a sua absolvição.
«É hoje consensual que um único testemunho, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram: a) ausência de incredibilidade subjectiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança – o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objectivo que o dotem de aptidão probatória; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições (Nesse sentido, cfr., entre outros, António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, Pamplona, 1996, pp.181-187)» (Ac. da Relação de Guimarães de 07.12.2018, processo 40/17.0PBCHV.G1. No mesmo sentido, Ac. da Relação de Lisboa de 11.09.2019, processo 1365/12.7PBFUN.L3-3, in http://www.dgsi.pt).
Por conseguinte, da circunstância de o Tribunal ter credibilizado a versão da assistente e não ter feito o mesmo no que se refere à versão apresentada pelo arguido, não pode retirar-se qualquer conclusão sobre se houve uma incorrecta apreciação da prova quando, como sucedeu, no caso vertente, o Tribunal do julgamento explicou quais as razões pelas quais fundamentou a sua convicção no relato da assistente e não acreditou no arguido, recorrendo, inclusivamente, a excertos das declarações de ambos para esse efeito.
Essa explicação é lógica, assenta em critérios de razoabilidade humana e de senso comum e, além do mais, está respaldada pelos princípios da imediação e da oralidade, não merecendo qualquer reparo a este Tribunal.
De resto, nem sequer é correcta a conclusão do recorrente de que as declarações prestadas pela assistente foram o único meio de prova considerado, na fixação daqueles factos, porque, como resulta da exposição dos motivos da convicção, foi também valorada a informação clínica contendo o relatório da consulta de urgência no Hospital CUF Descobertas de fls. 262.
Acerca deste meio de prova ainda veio o arguido invocar não lhe ter sido dada a oportunidade de exercer o contraditório sem que se perceba em que é que tal violação se terá materializado, considerando que se trata de um meio de prova que já vinha indicado na acusação, portanto, estava disponível para consulta e análise pelo arguido desde a fase do inquérito, não lhe tendo faltado, nem tempo, nem oportunidade para trazer outros meios de prova, designadamente testemunhal, ou outros relatórios clínicos, ou até mesmo a participação e «croquis» do tal acidente de viação que o arguido pretende ter estado na origem do traumatismo craniano sofrido pela assistente, em resultado das agressões que o arguido lhe infligiu e que consistiram em agarrar-lhe a cabeça com as mãos e fazê-la embater contra o chão, como descrito em 6 da matéria de facto provada.
Além de estas lesões serem perfeitamente compatíveis, de acordo com conhecimentos elementares de medicina acessíveis ao comum dos cidadãos, com a existência do traumatismo craniano mencionado no ponto 7 dos factos provados, relembra-se que daquele relatório clínico de fls. 262 consta o seguinte relatório de exame de TAC CE: características densitométricas regulares da substância branca e cinzenta do parênquima encefálico. Sistema ventricular normal. Sulcos e cisternas permeáveis; observa-se uma calcificação bastante espessa na foice cerebral frontal sem efeito de massa. Não há sinais hemorrágicos. Normal densidade óssea crânio-facial. (...) Diagnóstico 95901 - (Diagnóstico) Traumatismo Craneano não Especificado (26-04-2013 - 19:32h) - Confirmado, Dr. Vadym Fasiy, VAFASIY (...) ".
Por conseguinte, a existência desta lesão está documentada em informações clínicas cuja autenticidade não foi posta em causa, sendo certo que a origem da lesão e as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foi produzida têm total correspondência com as declarações da assistente e estas foram credibilizadas pelo Tribunal, dentro dos limites do princípio da livre apreciação da prova, pelo que não há erro algum de julgamento.  
O mesmo tem de dizer-se quanto a toda a restante matéria de facto impugnada pelo recorrente.
Quanto a ela, o Tribunal alicerçou a sua convicção, não só nas as declarações da assistente ENG_____   , mas nestas conjugadas com outros relatos feitos por outras testemunhas, especialmente, os que foram prestados pelas testemunhas  , que presenciaram alguns dos factos, que o Tribunal identificou e a propósito dos quais invocou tais depoimentos, recorrendo à menção expressa quer da fonte de conhecimento desses factos por parte de cada uma das testemunhas em questão, bem como a apreciações acerca da forma como esclareceram os factos e porque razões e em que medida, se afigurou ao Tribunal que estavam a falar com verdade e tinham conhecimento directo do que relataram ter visto e ter ouvido, reproduzindo excertos desses depoimentos que o Tribunal considerou mais expressivos para ilustrar o seu exame crítico da prova, assim como aos relatórios de avaliação psicológica realizados à assistente e aos filhos ANG  e JM_____  , transcrevendo excertos dos mesmos, que constam da matéria de facto provado sob os pontos 60, 61, 69 e 70 sendo certo que o que todos estes meios de prova revelam, segundo máximas de experiência comum, critérios de razoabilidade lógica e o princípio da livre apreciação da prova, de forma absolutamente evidente e inequívoca que o problema do arguido não é, contrariamente ao que afirmou no recurso, apenas a adição alcoólica. É a violência, a agressividade e a total falta de respeito e formas de tratamento humilhantes e degradantes que sem qualquer rebate de consciência ou constrangimento tem dispensado à mulher e com os filhos, humilhando-os e maltratando-os física e psicologicamente, ao longo de anos e anos consecutivos.
Em contrapartida, o tribunal explicou com detalhe, indicando as razões de falta ciência e/ou de credibilidade de cada uma das testemunhas cujos depoimentos nem sequer valorou.
«(...) o testemunho não é a exacta reprodução de um fenómeno objectivo, porque é modificado pela subjectividade da testemunha, e se, por isso, duas testemunhas dificilmente podem prestar depoimentos idênticos, deduzir da diversidade que se nota na sua acareação, que uma delas deva, necessariamente, estar de má fé, é um erro».
«Efectivamente, às vezes, um depoimento sem lógica, contraditório, é considerado pouco fiel, porque se julga que a testemunha não se recorda bem, ou então insincero, ao passo que os testemunhos correntes dão uma impressão de fidelidade e de veracidade, e pode ser o contrário, provindo o primeiro de uma dificuldade em se exprimir, ou de um fenómeno de timidez, ao passo que a naturalidade do segundo pode derivar de uma hábil preparação (...)».
«Há, portanto, um certo coeficiente pessoal na percepção e na evocação mnemónica, que torna, necessariamente, incompleta a recordação, de forma que não há maior erro que considerar a testemunha como uma chapa fotográfica, deduzindo de não ser completo o seu depoimento que ela é reticente.» (Enrico Altavilla, em “Psicologia Judiciária, Personagens do Processo Penal”, 4° vol., Arménio Amado, Editor, Sucessor-Coimbra, 1959, pág. 112).
E, como já referido, por efeito do princípio da livre apreciação da prova, consagrado nos arts. 125º a 127º do CPP, um único meio de prova, seja um depoimento, mesmo sendo o da própria vítima, ou umas declarações de arguido, tanto pode, no primeiro caso, conduzir à condenação, como, no segundo caso, fundamentar a sua absolvição.
Acresce que contrariamente ao que o recorrente argumentou no recurso, as declarações da assistente não foram o único meio de prova em que o Tribunal alicerçou a sua convicção.
Por isso, se por um lado, o recorrente não desenvolveu qualquer esforço argumentativo para ilustrar alguma deficiência no processo de formação de convicção do Tribunal, resultante de ter dado como provado algo que a assistente ou algumas das testemunhas não disseram, ou ter credibilizado os depoimentos sem que as testemunhas tivessem conhecimento directo dos factos ou razão de ciência bastante para proferir o depoimento com aquele conteúdo, ou por algum outro motivo, ter inobservado alguma regra de experiência, de lógica ou razoabilidade humana, considerando provados os factos contra o conteúdo da prova produzida, por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal até poderia ter alicerçado a sua convicção exclusivamente nas declarações da assistente, sem que tal constitua erro de julgamento.
É que para ilustrar a violação de alguma regra de experiência comum, ou critério de razoabilidade humana, que são os critérios de livre apreciação da prova a que, nos termos do art. 127º do CPP, estão sujeitos as declarações do arguido e da assistente e os depoimentos testemunhais, era indispensável que o recorrente tivesse explicado em que teria consistido essa violação. Só haveria erro de julgamento se, tendo tais depoimentos sido invocados pelo tribunal do julgamento, como motivos da convicção, as testemunhas não tivessem referido os factos dados como provados com base nesses depoimentos, ou tendo-os referido, se resultasse da prova produzida que afinal, não os presenciaram ou por algum outro motivo, não falaram com verdade.
Mas o que o recorrente impugna é apenas o peso relativo dado pelo Tribunal, às declarações da assistente, no confronto com as suas e a circunstância de ter acreditado nos depoimentos das e JM_____ que igualmente claras e precisas se afiguraram credíveis conjugadas ainda com os documentos que constam dos autos», as quais conjugadas com «as declarações claras, precisas e coerentes da assistente», convenceram  o Tribunal «da actuação do arguido em relação à assistente, sua mulher, e ao filho ANG  de que vinha pronunciado» e não ter atribuído valor probatório algum, no que se refere aos factos descritos na acusação e na pronúncia, às testemunhas que o arguido arrolou,   indicadas pelo arguido, em virtude de não terem presenciado qualquer dos factos objecto do processo, nem da testemunha  , já que este apenas «viu o arguido “ralhar” com um dos filhos porque não se queria vestir» e, quanto à testemunha, por não ter prestado um depoimento credível.
E, assim sendo, tudo redunda numa diferente interpretação sobre o conteúdo ou o peso relativo a atribuir a tais meios de prova não assente na inobservância dos princípios da livre convicção do tribunal, que pode, quanto muito, alicerçar uma versão dos factos alternativa, mas não impõe solução de facto diversa, que é a condição sem a qual não pode dar-se por verificado o erro de julgamento.
A convicção do Tribunal do julgamento terá, pois, de prevalecer sobre a do recorrente, porque alicerçada nos princípios da livre apreciação da prova, da imediação, da oralidade e do contraditório que são característicos do julgamento em primeira instância e que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não pretende postergar.
Em suma, toda esta argumentação nem cumpre o tríplice ónus de impugnação apto à alteração da matéria de facto, por via da impugnação ampla e também não se reconduz a qualquer vício decisório (eventualmente, o de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º nº 2 al. c) do CPP) porque não se insurge contra o teor literal da decisão.
Diga-se, a propósito, desde já, que facilmente se observa não ser possível surpreender na sentença qualquer insuficiência da matéria de facto provada, qualquer falta de fundamentação, contradição de fundamentação ou entre esta e a decisão ou, ainda, qualquer asserção contrária às regras da experiência comum ou qualquer juízo ilógico, arbitrário ou contraditório, pelo que é manifesta a inexistência de qualquer daqueles vícios decisórios previstos no art. 410º do CPP.
O recurso improcede, pois, nesta parte.
Quanto à violação do princípio in dubio pro reo.
A violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser conhecida como vício do texto da decisão, na modalidade de erro notório na apreciação da prova, como previsto no art. 410º nº 2 al. b) do CPP assumindo, nesta vertente, uma natureza subjectiva de dúvida histórica que o tribunal do julgamento, deveria ter tido e não teve.
Assim, se é o estado de dúvida subjectivamente sentida pelo julgador aquando da valoração e exame crítico dos meios de prova que constitui o pressuposto específico do princípio in dubio pro reo, o mesmo não se mostrará violado quando o tribunal de julgamento não se confrontou com dúvida séria sobre a demonstração do facto desfavorável ao arguido e a aferição da sua existência é feita, como é próprio dos vícios decisórios previstos no citado art. 410º, exclusivamente, através da análise do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, mas sem qualquer recurso à prova produzida, ou a qualquer outro elemento exterior.
«A violação do princípio in dubio pro reo pressupõe que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de incerteza, de dúvida, quanto aos factos dados como provados e não provados, o que não sucede se não se detecta na leitura da decisão recorrida, nomeadamente, da fundamentação da matéria de facto, qualquer dúvida quanto aos factos que se devia dar por provados ou não provados» (Ac. do STJ de 27.04.2017, proc. 452/15.4JAPDL.L1.S1, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido e na mesma base de dados, v.g., Acs. da Relação de Coimbra de 25.02.2015, proc. 28/13.0GAAGD.C1 e de 18.03.2020, proc. 93/18.4T9CLB.C1 e Ac. da Relação de Lisboa de 04.02.2020, proc. 478/19.9PBPDL.L1).
Mas o princípio in dubio pro reo também pode e deve ser entendido objectivamente, ou seja, desgarrado da dúvida subjectiva ou histórica, postulando uma análise da sua violação já não como vício decisório, mas como erro de julgamento.
Nos termos do art. 428º do CPP, os poderes de cognição do tribunal da Relação incluem os factos fixados na primeira instância e, na medida em que o in dubio pro reo é uma vertente processual do princípio nulla poena sine culpa, a sua inobservância também pode e deve ser apreciada como um erro de julgamento, nos termos regulados pelo art. 412º do CPP.
Com efeito, a impugnação ampla da matéria de facto, visando os chamados erros de julgamento, habilita o Tribunal da Relação, fora dos limites apertados dos vícios decisórios previstos no art. 410º do CPP a aferir da conformidade ou desconformidade da decisão sobre os factos impugnados com a prova efectivamente produzida no processo, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com os conhecimentos científicos, bem como, com as regras específicas e os princípios vigentes em matéria probatória, entre os quais se incluem, naturalmente, os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.
Nesta perspectiva, o enquadramento da violação do in dubio pro reo como erro de julgamento, postula uma concepção objectiva da dúvida quanto aos factos desfavoráveis ao arguido, que é, de resto, a que melhor se coaduna com os princípios da culpa e da livre apreciação da prova, perante as dúvidas sobre os factos desfavoráveis ao arguido, no sentido em que, se o Tribunal tem a máxima liberdade, mas também a máxima responsabilidade na forma como deve, com objectividade, efectuar o exame crítico e global das provas, adquirir a sua convicção quanto aos factos provados e fundamentar a sua decisão, também a dúvida relevante para a aplicação do princípio in dubio pro reo terá de ser motivada, segundo critérios de razoabilidade e de lógica, igualmente sindicáveis e passíveis de impugnação em via de recurso.
«Só a uma convicção objectivável e motivável terá de corresponder uma dúvida também ela objectivável e motivável (…) ao pedir-se ao juiz, para a prova dos factos, uma convicção objectivável e motivável, está-se a impedi-lo de decidir quando não tenha chegado a esse convencimento; ou seja: quando possa objetivar e motivar uma dúvida. (…). Não importa tanto saber se aquela concreta pessoa teve ou não dúvida sobre o facto – do que para a ciência e discernimento que deve possuir em comum com qualquer outro julgador e o há-de levar, portanto, a uma avaliação da prova admissível por todos (ao menos no seu conteúdo essencial). Um “juiz” médio (neste sentido) ter-se-ia convencido da veracidade daquele testemunho, da autenticidade daquele documento, da espontaneidade daquela confissão? Ou, pelo contrário, não poderia deixar de duvidar, com razoabilidade, da ocorrência de determinado facto perante a prova produzida?
«O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objectividade, encontra assim no “in dubio pro reo” o seu limite normativo, ao mesmo tempo que transmite o carácter objectivo à dúvida que acciona este último.
«Livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» (Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», Coimbra Editora, 1997, pp. 51-53).
Assim sendo, também haverá violação do princípio in dubio pro reo, sempre que o tribunal do julgamento tenha julgado provado facto desfavorável ao arguido, não obstante a prova disponível não permitir, de forma racional e objectiva, à luz das máximas de experiência comum, das regras da lógica, dos conhecimentos científicos aplicáveis, ou das normas e princípios legais vigentes em matéria de direito probatório, com o grau de certeza ou convencimento «para além de toda a dúvida razoável», dar por verificada a realidade desse facto, mesmo que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras do senso comum, não resulte que o Tribunal se tenha confrontado, subjetivamente, com qualquer dúvida insuprível, no momento da decisão (cfr. nesse sentido, Acs. da Relação de Évora de 19.08.2016, processo 36/14.4GBLLE.E1 e da Relação de Lisboa de 29.11.2016, processo 18/14.6PFLRS.L1-5; de 07.05.2019, processo 485/15.0GABRR.L2 e de 22.09.2020, proc. 3773/12.4TDLSB.L1 in http://www.dgsi.pt).
No entanto, para que o Tribunal da Relação possa detectar a violação do in dubio pro reo, como erro de julgamento e segundo a concepção objectiva da dúvida, nos termos acima expostos, é preciso que o recorrente cumpra cabalmente os ónus primário e secundário de impugnação especificada de que o art. 412º faz depender o êxito da pretensão de reavaliação da prova produzida e de subsequente sindicância da convicção do Tribunal do julgamento sobre essa prova produzida em primeira instância.
Acontece, que nem do texto, nem do processo cognoscitivo de avaliação da prova e da fixação da matéria de facto provada e não provada, resulta minimamente que o Tribunal se tivesse debatido com alguma lacuna ou incerteza e que apesar dela, considerou provados factos desfavoráveis ao arguido, do mesmo modo que a sua convicção se alicerçou, para além de toda a dúvida razoável, com explanação detalhada e convincente dos meios de prova avaliados, dos motivos da credibilização das diferentes versões apresentadas pelos arguidos, com uso correcto das regras de experiência e de senso comum, por isso merecedora da total concordância deste Tribunal.
Veio, ainda o recorrente invocar a existência de um poder de correcção, para tentar legitimar o seu comportamento em relação ao seu filho ANG , no dia 18 de Agosto de 2016, na praia de São Martinho do Porto e justificar a sua absolvição do crime de violência doméstica, por que foi condenado com base nesses factos.
Em determinados contextos, muito específicos e verificados determinados pressupostos, o poder de correcção dos pais sobre os filhos poderá constituir uma causa de exclusão da ilicitude do crime de violência doméstica (ou de ofensa à integridade física, ou coacção ou ameaça, ou qualquer outro tipo de crime que proteja bens jurídicos de que o filho seja titular), se exercido com finalidade exclusivamente educativa, na justa medida em que se mostre ter sido necessário, adequado e proporcional (cfr. Taipa de Carvalho, Comentário do artigo 152º do Código Penal, in Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, Tomo I, dirigido por Figueiredo Dias, 2ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 520 e 521; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa: Universidade Católica editora, 2008, p.142; Plácido Conde Fernandes, “Violência Doméstica – Novo Quadro Penal e Processual Penal”, in Revista do CEJ, n.º 8 (Especial – Jornadas sobre a revisão do Código Penal), Coimbra: Almedina, 2008), ou pode até ser penalmente atípico se exercido dentro dos limites da chamada teoria da adequação social (Paula Ribeiro de Faria, Acerca da fronteira entre o castigo legítimo de um menor e o crime de maus tratos do art. 152º do Código Penal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, nº 2, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p.336-341 e em A Adequação Social da Conduta no Direito Penal – Ou o Valor dos Sentidos Sociais na Interpretação da Lei Penal, Universidade Católica Editora, Porto, 2005, p.607 a 609).
Seja como for, o poder de correcção não pode ser desligado do dever de educação dos filhos, a que os pais estão vinculados, por efeito desse vínculo familiar e, por essa razão, inserido no conjunto de poderes-deveres que integram o exercício das responsabilidades parentais, logo, o seu exercício deve assumir carácter excepcional.
Sob a epígrafe “responsabilidades parentais” o art. 1878º do CC refere que as relações entre pais e filhos não deverão ser relações de autoridade e subordinação, mas de respeito mútuo.
Por seu turno, o artigo 36º nº 5 da Constituição da República Portuguesa estabelece que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e, no seu nº 6, reconhece à criança o direito de desenvolver a sua personalidade na companhia e com a assistência de seus pais, excepto nos casos em que, por decisão judicial, fique demonstrado que não têm aptidão ou possibilidade de assegurar o bem-estar físico, psíquico e material do filho.
Em concretização destes princípios constitucionais, os arts. 1874º nº 1 e 1878º nº 2 do CC do CC dizem que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens, sempre com respeito pela personalidade dos filhos.
A promoção do desenvolvimento físico, moral e intelectual da criança (art. 1885º do CC), a protecção da segurança, da saúde da formação moral e da educação da criança (art. 1918º do CC) e todas as normas que consideram a vontade da criança como um factor decisivo na resolução de questões que dizem respeito à sua vida (art. 1878º nº 2 e 1901º nº 2 ambos do CC) integram o conteúdo do poder paternal e do poder dever de educação.
Os pais são, por conseguinte, os primeiros responsáveis pela promoção e desenvolvimento físico, intelectual e moral dos seus filhos.
A lei atribui os mesmos direitos e deveres contidos nas responsabilidades parentais (1878º) aos pais (1878º e 1901º e ss) ou a terceiros que as exerçam (1907º) ou ainda a qualquer tutor (1935º).
O processo de educação de uma criança (na acepção de ser humano com idade inferior a 18 anos, usada na Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a 20 de Novembro de 1989) envolve muitos constrangimentos: dizer não, quando é necessário para evitar que os filhos cometam erros que lhes trarão certamente prejuízos ou a terceiros, ensinar e impor regras, introduzir certas restrições e até aplicar castigos (v.g., a privação temporária de uma determinada actividade lúdica) que tenham a virtualidade de lhes fazer compreender certos princípios e valores de actuação e de lhes permitir, no futuro, adequarem o seu comportamento, com essas regras de conduta, quer em relação a si próprios, quer na sua interacção com os outros e com o ambiente exterior em que se inserem, é um processo longo, com diferentes níveis de aprendizagem, que envolve uma certa economia de esforço, com diferentes graus de assertividade ou obediência coerciva, ajustados à idade, ao grau de maturidade e às características de personalidade da criança.
O que, em qualquer que seja a hipótese, não está garantidamente incluído no poder de correcção dos pais sobre os filhos, são castigos corporais ou de qualquer outra natureza que não sejam absolutamente necessários, adequados, proporcionais e razoáveis à gravidade da conduta praticada pelo filho, sendo essa gravidade medida pela necessidade de o fazer entender o significado e repercussões negativas do seu modo de proceder ou de pensar e de lhe dar as necessárias competências pessoais para não repetir.
Acontece que para prossecução deste desígnio, não são aptos, muito menos admissíveis, pseudo direitos à agressão física, à ameaça, à intimidação ou a qualquer outro tipo de agressão psicológica, que são totalmente incompatíveis com os princípios da tutela da integridade pessoal e dignidade humana anunciados nos artigos 1º, 25º e 26º da CRP e, além disso, integram o conceito de maus tratos físicos e psicológicos típicos da incriminação da violência doméstica contida no art. 152º A nº 2 do Código Penal.
Em sintonia, com estes princípios, o art. 69º nº 2 da Constituição consagrou expressamente o direito das crianças a serem defendidas contra o exercício abusivo de autoridade na família, sem qualquer ressalva ao direito de correcção.
O poder de correcção não é, pois, uma espécie de cheque em branco que legitime os pais a punirem os filhos, praticando a pretexto do seu exercício, todas as espécies de ofensas corporais e outras violações da liberdade pessoal, da honra ou da reserva da vida privada dos filhos, sempre que estes não se comportem segundo as suas expectativas ou padrões de exigência ou, simplesmente, para neles descarregarem as suas frustrações. Está funcionalmente concebido para servir as finalidades de educação e preparação do filho para a vida adulta, de acordo com o seu superior interesse e assim deverá ser exercido, sem qualquer intuito punitivo ou de retaliação, com critério, com respeito pela dignidade do filho, com moderação, proporcionalidade e com finalidades estritamente pedagógicas.
«O poder de correcção dos pais mantém-se, embora não autonomizado do poder-dever de protecção e orientação, a encarar sem carácter punitivo, dentro dos limites da autoridade amiga e responsável que a lei atribui aos pais, que só pode ser exercida sem abusos, no interesse dos filhos e com respeito pela sua saúde, segurança, formação moral, grau de maturidade e autonomia (Armando Leandro, “Poder paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária”, in AAVV, Temas de Direito da Família, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Coimbra, Almedina, 1986, pp. 126 e 127).
«De acordo com o art. 1878º n.º 1, os pais têm o poder de guarda e educação, de velar pela segurança e saúde do filho, o dever de prover ao sustento, o poder de representação e o poder de administração dos bens do filho.
«O poder de correcção deixa de ser o poder dos pais castigarem e baterem nos filhos para passar a ser o poder-dever dos pais de educar e proteger a criança, de respeitar a sua autonomia e a sua diferença em relação aos pais. O dever de educação dos pais deve substituir a correcção com carácter punitivo. O que não nos parece que afaste a correcção com carácter educativo e é esta que deve admitir-se. O direito dos pais educarem os filhos não abrange o direito de os agredir, de ofender a sua integridade física e psíquica. Nem o dever de obediência dos filhos, previsto no art. 1878.º, n.º 2, implica que o seu incumprimento acarrete violência por parte dos pais.
«Educação não significa punição mas implica ensinar e corrigir sem violência (física ou psíquica)» (Cristina Dias, A criança como sujeito de direitos e o poder de correcção, Revista JULGAR - N.º 4 – 2008, p.15).
No mesmo sentido,  de Fátima Abrantes Duarte, O Poder Paternal — Contributo para o Estudo do seu Actual Regime, Lisboa, AAFDL, 1994, pp.71-72; a Recomendação 1666 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 2004, sobre a proibição dos castigos corporais às crianças na Europa, as Recomendações do Comité de Ministros do Conselho da Europa 19 de 2006, relativa às políticas de apoio à parentalidade positiva e 1778 de 2007 sobre as crianças vítimas: erradicar todas as formas de violência, exploração e abuso; a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, em especial o seu artigo 19º, que impõe aos Estados a obrigação clara de proteger as crianças contra todas as formas de violência, em qualquer circunstância e em qualquer lugar, o Comentário Geral nº 8 da CDC da ONU, de 2006, o Relatório do Conselho da Europa A abolição dos castigos corporais infligidos às crianças Perguntas e respostas de 2008, no âmbito do programa “Construir uma Europa para e com as crianças”, in www.coe.int/children e o Relatório do Conselho da Europa, «Uma Estratégia Nacional Integrada, Directrizes do Conselho da Europa sobre as estratégias nacionais integradas de protecção das crianças contra a violência», in https://rm.coe.int/168046eb83).
Feito este ponto de ordem, mostra-se evidente que o comportamento do arguido, naquele dia 18 de Agosto de 2016, foi tudo menos contido, necessário ou proporcional para reagir a uma pequena e minudente atitude de uma criança, que, por estar a brincar com o irmão, não obedeceu imediata e prontamente à indicação do pai, no sentido de arrumar os seus pertences para sair da praia.
Aquilo que poderia ter sido facilmente resolvido com uma simples chamada de atenção verbal, ainda que um pouco mais assertiva, ou num tom de voz um pouco mais firme, no sentido de os meninos arrumarem os seus objectos pessoais, pararem de brincar, para regressarem a casa, redundou num tratamento dado a uma criança com apenas treze anos, em tudo semelhante ao que em certas situações extremas de perseguição e intervenção policial (elas próprias, não raramente abusivas), os órgãos de polícia criminal dispensam a delinquentes particularmente perigosos e violentos, para evitarem a sua fuga ou alguma reacção mais agressiva.
Com efeito, tal como resulta da matéria de facto provada em 13 a 18, naquele dia 18 de Agosto de 2016, cerca das 19 horas e 45 minutos, quando se encontravam na praia, em São Martinho do Porto, o arguido deu uma ordem ao filho ANG  e, como o mesmo não acatou, o arguido pegou no filho pela zona dos ombros, deitou-o no areal, com a barriga para baixo, prendeu-lhe as pernas e os braços e colocou-lhe os joelhos nas costas, fazendo força e, após ter cessado esta forma de contenção física, quando o arguido se levantou e o filho ANG  também, o arguido colocou a sua mão na parte de trás do pescoço do filho ANG , apertou-o e disse-lhe “então já sabe quem manda”?
Esta forma de agir não é educativa, não é pedagógica, nem socialmente adequada.
É, isso sim, penalmente típica, pois constitui um mau trato físico e psicológico manietar fisicamente a criança desta forma completamente violenta, abusiva e na presença de todos quantos se encontravam na praia, humilhando e diminuindo o próprio filho, a quem devia especialmente proteger e cuidar, de forma absolutamente intolerável para Direito Penal, pelo que o Tribunal do julgamento, não só avaliou a prova e fixou os factos de forma correcta, como não cometeu qualquer erro de direito, no respectivo enquadramento jurídico-penal.
Curiosamente, a única vertente da decisão recorrida que mereceria reparo e correcção, é precisamente aquela que está vedada a este Tribunal apreciar e conhecer, em virtude de nem o Mº. Pº., nem a assistente terem interposto recurso pertinente para esse efeito: a duração das penas parcelares e da pena única e a decisão de a suspender na respectiva execução.
Pelo menos no que se refere ao crime de violência doméstica que vitimizou a assistente, a matéria de facto provada especialmente nos pontos 3, 4, 6, 9 a 12, 20 a 24, 28 a 30, 32, 35 a 57, 59 a 61 ilustra de forma notória, duas dezenas de anos de maus tratos psicológicos e físicos a que a mesma foi sujeita pelo marido, com injúrias e impropérios vários, agressões físicas, ameaças e intimidação constantes de que resultou grave sofrimento emocional e psicológico para a mesma, que teriam justificado, de acordo com a severidade deste tipo abusos variados e sistemáticos, a sua reiteração prolongada, as consequências deles resultantes para a vítima, a intensidade dolosa e as exigências de prevenção geral, pena de prisão com uma duração que reflectisse, com adequação e proporcionalidade, a gravidade dos factos e o grau de culpa do agente.
Não é caso das penas aplicadas, neste processo.
O arguido praticou três crimes de violência doméstica, dois dos quais - os que vitimizaram os seus dois filhos – puníveis, cada um com pena de prisão, cujo limite mínimo são dois anos e, em cúmulo jurídico, a pena única aplicada aos três crimes foi de três anos, o que só por si, revela a brandura extrema da pena fixada na sentença recorrida.       
A violência doméstica é um fenómeno social muito grave que afronta o desenvolvimento democrático de uma sociedade, com evidente violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no art. 13º da CRP e dos direitos humanos das vítimas, a começar pela dignidade inerente à condição humana, e que deve merecer uma reposta veemente e eficaz do Direito Penal, na prevenção, combate e repressão deste tipo de criminalidade.
Nas suas formas mais violentas e/ou prolongadas, estão-lhe associadas consequências trágicas que se traduzem, no pior dos cenários, no homicídio da vítima, no seu suicídio, ou mesmo no homicídio do agressor e, em geral, na incapacitação irreversível ou quase irreversível da generalidade das vítimas, por efeito dos gravíssimos danos físicos e emocionais que muitas vezes degeneram em hipertensão arterial, doenças cardíacas, transtornos da ansiedade, distúrbios do sono e alimentação, acidente vascular cerebral, paralisia facial, depressões crónicas, síndrome de stress pós traumático e outros efeitos semelhantes que lhes degradam ou retiram a saúde e as competências pessoais, profissionais e de relacionamento social o que, reflexamente, envolve, portanto,  elevados custos sociais.
Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de 2019 ( https://www.portugal.gov.pt), o número de ocorrências de violência doméstica registado em 2019 foi de 29.498, mais 3.015 casos do que em 2018 e o maior número registado desde 2010, com uma variação de 11,4%, sendo que em 84% dos casos, as vítimas são cônjuges ou parceiros íntimos, 76% das vítimas são mulheres e 82% dos agressores são do sexo masculino.
E as estatísticas realizadas pelo Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA), da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), apontavam para a morte de 31 mulheres e 30 tentativas de homicídio em contextos de violência doméstica, no decurso do ano de 2019.
De acordo com a mesma organização, nos últimos quinze anos, a violência doméstica vitimizou mortalmente 531 mulheres e outras 618 foram vítimas de tentativas de homicídio, também em contexto de violência doméstica ( http://www.umarfeminismos.org/images/OMA_Relatorio_Final_2019_FINAL.pdf).
A constatação da extrema gravidade da violência doméstica e dos elevadíssimos custos pessoais e sociais que lhe estão associados, quer enquanto crime, quer enquanto fenómeno social, inspirou um claro desígnio do legislador, no sentido da especial protecção da vítima e da tutela reforçada do bem jurídico traduzida em diversas medidas legislativas, de que se destaca a Lei 112/2009 de 16 de Setembro, a sua qualificação como crime grave, no art. 1º al. f) e, consequentemente, as suas vítimas como especialmente vulneráveis, nos termos do art. 67º A nº 1 al. b) e nº 3 do CPP.
Porém, do total de decisões penais transitadas em julgado em Portugal, durante o ano de 2019, de que resultaram condenações por crimes de violência doméstica, 58% aplicaram pena de prisão suspensa na execução com regime de prova; 12% pena de prisão suspensa na execução condicionada a deveres e regras de conduta e 10% pena de prisão suspensa na execução sem qualquer condição (dados do Relatório Anual de Monitorização da Violência Doméstica referente ao ano 2019, in https://www.sg.mai.gov.pt/Documents/vd/RelVD_2019.pdf).
É, por conseguinte, neste contexto de disseminação deste grave fenómeno social e das suas trágicas consequências para as vítimas que se impõe que as penas de prisão tenham duração consentânea com a gravidade dos factos e o grau de culpa do agente e que as fortíssimas exigências de prevenção geral desaconselham a utilização como regra do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, ao contrário do que vem sendo feito em Portugal, mas à revelia jurisprudência do TEDH que tem até equiparado à tortura, proibida pelo art. 3º da Convenção Europeia dos direitos humanos determinadas formas mais severas de maus tratos físicos e psicológicos típicos do crime de violência doméstica (v.g., Nikolova and Velichkova v. Bulgaria, no. 7888/03, § 62, 20 December 2007, and Atalay v. Turkey, no. 1249/03, § 40, 18 September 2008, Opuz v. Turkey, Application no. 33401/02, § 161, ECHR 2009; Milanović v. Serbia, Application no. 44614/07, § 87, 14 December 2010; Valiulienė v. Lithuania, Application no. 33234/07, 26 March 2013 e Bălșan v. Romania, Application no. 49645/09, ECHR 23 May 2017 https://hudoc.echr.coe.int/eng), ignorando ainda a necessidade de interpretar a lei penal portuguesa de acordo com os valores daquela Convenção e da Convenção de Istambul (cfr. arts. 45º a 49º desta Convenção e as recomendações do Grevio ao Estado português, a propósito da compreensão da violência doméstica como uma questão de direitos humanos e de violência de género e da necessidade de as penas serem compatíveis com a gravidade dos factos, exaradas sob os nºs 191 e 200, no Relatório Grevio Baseline Evaluation Report Portugal GREVIO, Inf(2018)16, publicado em 21 de Janeiro de 2019, in https://rm.coe.int/grevio-reprt-on-portugal/168091f16f).
De qualquer modo, esta não é questão que possa ser decidida no presente recurso, apenas trazida ao texto, para a deixar como tema de reflexão e para assinalar como o presente recurso não pode deixar de causar estranheza e perplexidade perante a excessiva benevolência com que o Tribunal do julgamento decidiu a punição dos crimes cometidos pelo arguido.
A improcedência do recurso é, por conseguinte, total.
III – DISPOSITIVO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas pelo arguido, que se fixam em 5 UCs – art. 513º do CPP.
Notifique.
                                                           *
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Mma. Juíza Adjunta.

Tribunal da Relação de Lisboa, 7 de Abril de 2021
Cristina Almeida e Sousa
Florbela Sebastião e Silva