Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1444/16.1T8LSB.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CRÉDITOS LABORAIS
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: O trânsito em julgado da decisão que homologou o plano de recuperação da ré num processo especial de revitalização não consubstancia uma dilatória inominada e o consequente indeferimento liminar da petição inicial.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


AA, patrocinado pelo Ministério Público, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra BB, S. A. pedindo que fosse declarado que a cessação do contrato de trabalho entre o ambos ocorreu em 31-01-2015, em consequência da resolução do contrato, com justa causa, por parte do autor, por falta culposa da ré de pagamento da retribuição e, em consequência, a mesma condenada a pagar-lhe uma indemnização pela resolução do contrato no montante de € 94.080,00, a título de férias não gozadas subsidio de férias de 2014 e proporcionais de subsidio férias e de subsidio de Natal, referentes a 2015, a quantia total de € 7.875,00 e juros de mora, à taxa de 4, vencidos e vincendos até integral pagamento, alegando, em síntese, que foi admitido ao seu serviço em 01-12-1994 e que a mesma deixou de pagar salários a partir de Novembro de 2014, razão pela qual primeiro suspendeu e depois rescindiu o contrato de trabalho, com justa causa, em 31-01-2015, não lhe tendo pago aqueles créditos em dívida e a indemnização por antiguidade.

Concluso o processo, o Mm.º Juiz proferiu despacho liminar pelo qual indeferiu liminarmente a petição inicial.

Inconformado, o autor interpôs recurso, pedindo que seja concedido provimento, com as necessárias consequências, culminando as alegações com as seguintes conclusões:

1.ª-Nos presentes autos o Tribunal a quo veio decidir pela absolvição da instância com fundamento que à data da propositura da acção já havia sido homologado o plano especial de revitalização da Recorrida, o que impedia a propositura da presente acção de cobrança de dívida nos termos do artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE.
2.º-Acontece que os créditos que o Recorrente pretende ver reconhecidos no âmbito da presente acção nunca poderiam ter sido reclamados no âmbito do PER, e portanto não estão abrangidos pelo citado preceito legal, na medida em que não se encontravam reconhecidos e vencidos à data da sua homologação.
3.º-Na verdade que o que releva no âmbito do PER e vincula os credores são os créditos existentes à data e não quaisquer outros créditos futuros, ou seja, os créditos futuros não estão, nem poderiam estar, incluídos no âmbito do referido preceito legal, porquanto levaria a que os credores cujos créditos se vencessem posteriormente àquela data ficassem impossibilitados de ver reconhecido judicialmente o seu direito o que, iria colidir frontalmente com o princípio fundamental de acesso ao direito e aos tribunais.
4.º-Inexiste, assim, fundamento para julgar extinta a instância na presente acção declarativa uma vez que os créditos que o Recorrente pretende fazer valer foram constituídos posteriormente à reclamação de créditos no PER e, por outro lado, do disposto no artigo 17.º - E, n.º 1 do CIRE não se pode extrair que um credor cujos créditos se venceram posteriormente à reclamação de créditos no PER se encontra impedido de fazer valer os seus direitos num qualquer processo.
           
Citada, tanto para os termos da acção como do recurso, nos termos do art.º 641.º, n.º 7 do Código de Processo Civil, a recorrida não contra-alegou.

Colhidos os vistos,[1] cumpre agora apreciar e decidir do mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente é considerado, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, sem prejuízo das questões que o tribunal conhece ex officio.[2] Assim, porque nenhuma destas se coloca, importa saber se:
O trânsito em julgado da decisão que homologou o plano de recuperação da ré num processo especial de revitalização consubstancia uma excepção dilatória inominada e o consequente indeferimento liminar da petição inicial.
***

II-Fundamentos.

1.O despacho recorrido:
(…)

2.O direito.

Vejamos então se o trânsito em julgado da decisão que homologou o plano de recuperação da ré num processo especial de revitalização tem como efeito a extinção da acção declarativa de condenação por créditos laborais.

De acordo com o art.º 17.º-E, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas «a decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação».

É, pois, por causa do sentido a dar à expressão «acções para cobrança de dívidas» ali utilizada que a autora traz o recurso ao desembargo desta Relação de Lisboa. Sabendo-se que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores se mostra cindida na resposta a dar a essa questão, alinhando uns no sentido de ali verem todas as acções, sejam elas declarativas de condenação no pagamento de quantia certa, quer as executivas para o mesmo fim,[3] e outros por se limitarem às acções executivas.[4]

Por nós, alinhamos nesta última corrente, pela seguinte ordem de razões:

Em primeiro lugar, por força do elemento literal: é verdade que a lei ali não distinguiu, apertis verbis, entre acções de cariz declarativo e acções de reporte executivo e recomenda a hermenêutica que, em princípio, ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus. Porém, neste particular sempre teremos que relevar que, pese embora isso, a lei se refere a «quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor» e não tão-só a «acções». Ora, é sabido que apenas nas executivas e não também nas acções declarativas se cobram dívidas; nestas, apenas se afirma, no que aqui interessa, a existência de direitos de crédito. E a questão não é de somenos, pois que para uma dívida poder ser coercivamente cobrada tem que por qualquer forma ter sido declarada por sentença transitada em julgado[5] ou para isso estar suficientemente documentada[6] e, em qualquer dos casos, tem que ser certa, exigível e líquida em face do título ou assim preliminarmente tornada no processo próprio executivo.[7] Ou seja, só as executivas são verdadeiramente «acções para cobrança de dívidas contra o devedor», desde logo por suporem o direito já declarado por qualquer das formas previstas na lei ─ e isso não acontece quando o trabalhador impugna judicialmente o despedimento ou afirma a existência de outros créditos laborais. Pelo que e em conclusão diremos que afinal se a lei não usou expressa ou literalmente a expressão acções executivas sempre deixou suficiente rasto para se perceber que comporta apenas aquela e não também as declarativas.

Em segundo lugar, sabemos que o processo especial de revitalização tem uma finalidade própria, assim assinalada na lei: «destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização». Ora, se o prosseguimento de acção executiva se mostra incompatível com o assinalado fim, já o mesmo não ocorre com a acção declarativa. É que só naquela se procede à reparação coactiva do direito do credor e, portanto, à efectiva excussão do património do devedor, desde a penhora dos bens deste ao pagamento do crédito daquele,[8] enquanto nesta o tribunal apenas se limita a declarar o direito.

Por fim, convém não esquecer que o plano judicialmente homologado não garante de modo algum o sucesso do seu desfecho final e, portanto, não coloca o devedor à margem de uma futura declaração de insolvência, caso em que o credor tem interesse em já ter visto declarado o direito, tornando-o, por conseguinte, juridicamente inatacável. Entretanto não o pode executar, é certo, mas não retira, em absoluto, interesse à prossecução da acção declarativa.
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III-Decisão.

Termos em que se acorda julgar o recurso procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que determine a normal tramitação do processo.
Custas pela recorrida (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).
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Lisboa, 01-06-2016.


António José Alves Duarte
Eduardo José Oliveira Azevedo
Maria Celina de Jesus de Nóbrega



[1]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[2]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[3]Alinharam neste sentido, por exemplo, os acórdãos da Relação de Évora, de 16-01-2014, no processo n.º 358/13.1TTPTM.E1, publicado em http://www.dgsi.pt, sugerindo que «se o legislador tivesse pretendido referir-se apenas a acções executivas, seguramente não teria deixado de o fazer ao invés de ter empregado as expressões que, concretamente, utilizou no mencionado dispositivo legal, com a abrangência que das mesmas se pode inferir e tendo em conta o propósito que lhe esteve subjacente» e da Relação de Lisboa, de 18-06-2014, no processo n.º 899/12.8TTVFX.L1-4, também publicado em http://www.dgsi.pt, argumentando que «sendo indesmentível que, em última análise, o que com a presente acção se pretende é o reconhecimento dos créditos peticionados (portanto, da concomitante dívida) e consequentemente o pagamento/cobrança desses créditos / dívida»).
[4]Foi o caso, por exemplo, dos acórdãos da Relação de Lisboa, de 11-07-2013, 1190/12.5TTLSB.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt, referindo que «uma acção para cobrança de dívida não equivale, nem é sinónimo, de uma acção para cumprimento de obrigações pecuniárias. na realidade, o Autor de acção declarativa em que invoque a verificação de um crédito sobre outrem só é, efectivamente, declarado credor caso a acção proceda». Por outro lado, continua o aresto citado, «a existência e decurso de uma acção declarativa de condenação, como é o caso, em nada prejudica as negociações referidas na lei». E por fim, refere a ilogicidade de, em face do art.º 17.º, n.º 3, a possibilidade de, se assim não fosse, caso contestasse o crédito que o autor pretende ver declarado o devedor teria então que chamar ao PER quem nem reconhece como credor) e de 21-04-2015, no processo n.º 172724/12.6YIPRT.L1-7, também publicado em http://www.dgsi.pt, o qual considerou que «o legislador não aludiu a acções judiciais contra o devedor; especificou "quaisquer acções para cobrança de dívidas". Ora, em termos técnico-jurídicos, o acto cobrança de dívida pressupõe a certeza, liquidez e a exigibilidade do crédito a satisfazer, delimitando-o da titularidade de um direito controvertido, a reclamar ponderada e definitiva dilucidação, o que só pode realizar-se em momento logicamente prévio ao da respectiva efectivação coerciva. E onde o legislador especificou, discriminando, não deverá o intérprete generalizar, ampliando a mens legislatoris» e que «não se descortina de que modo a pendência de uma acção declarativa poderá contender com as negociações entabuladas entre o candidato a revitalizado e os seus credores participantes nesse processo. Tendo estes a absoluta segurança de que nenhuma acção de cobrança poderá correr contra o requerente da revitalização, assegurada se encontra a estabilidade necessária – e mais do que suficiente – para a concretização de um acordo satisfatório para os envolvidos».
[5]Ou no caso de ter sido objecto de recurso, este tiver sido admitido com efeito devolutivo, como se vê do art.º 704.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[6]Como, por exemplo, no caso da obrigação estar titulada por escritura pública, nos termos do art.º 707.º do Código de Processo Civil.
[7]Art.º 713.º do Código de Processo Civil.
[8]Art.os 735.º, n.º 1 e 795.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral: