Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
62/20.4GCTND-A.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
EXAME DAS PROVAS PRODUZIDAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I-Requerido o arresto preventivo, o tribunal deve examinar as provas admissíveis oferecidas e produzidas, decidindo depois em conformidade com a factualidade apurada e devendo esta constar da decisão;
II-A omissão da factualidade na decisão sobre o arresto requerido constitui uma irregularidade que afecta a validade o despacho recorrido e é de conhecimento oficioso (art.º 123º/2 do CPP).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

No Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, nos autos principais, em que são Denunciados JJ e CC, por despacho de 10/03/2020, constante de fls. 64/66, foi decidido o seguinte:
“… O denunciante AA veio solicitar o arresto preventivo dos bens dos denunciados JJ e CC identificados a fls. 12 a 14, alegando em suma que estes se apropriaram da quantia de €129.950 que lhe pertencia, existindo o fundado receio de que esta quantia seja dissipada.
O Ministério Público deduziu oposição ao requerido, alegando que não foram ainda realizadas diligências que possam fundamentar a existência de indícios suficientes do crime denunciado.
Efetivamente e compulsados os autos, constata-se que a investigação se encontra num estado incipiente, não sendo possível considerar neste momento, ainda que indiciariamente, provados quaisquer dos factos descritos na petição de arresto.
Quanto ao fundado receio de se tornar inviável a recuperação da quantia identificada pelo requerente, aparenta resultar da petição de arresto, que este se funda essencialmente no facto de os requeridos terem sido vistos na posse de uma viatura nova.
O arresto preventivo é uma medida de garantia patrimonial descrita no art. 228.º do Código de Processo Penal, o qual dispõe o seguinte :
“ A requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil (…) “. Tal norma é completada pelo disposto no 391.º, n.º 1 do CPC, o qual dispõe que “ O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor “.
O arresto preventivo enquanto medida de garantia patrimonial tem como finalidade processual garantir o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou do pagamento de qualquer dívida, indemnização ou obrigação civil derivadas do crime, sendo aplicável no decurso do processo pelo juiz desde que se verifiquem os pressupostos gerais de aplicação das medidas de coacção e de garantia patrimonial, e os pressupostos materiais que estão subjacentes á aplicação de tais medidas em concreto, ou seja, a probabilidade de um crédito sobre o requerido e fundado receio que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento[1].
Em suma, os requisitos do arresto preventivo são acrescidos e algo diversos do arresto regulado pela Lei Processual Civil, correspondendo a :
1) seja provável a existência do crédito;
2) esteja comprovado um justificado receio de perda de garantia patrimonial;
3) sejam observados os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade;
4) haja prévia constituição de arguido (embora se admita que este requisito é controvertido) e
5) inexistam causas de isenção ou extinção da responsabilidade criminal[2].
Na verdade, não basta o preenchimento dos pressupostos da Lei Civil para que seja decretado o arresto, exigindo-se ainda no âmbito do art. 228.º do CPP que o requerido alegue e demonstre a existência de fortes indícios da prática de um crime pelo requerido, gerador de responsabilidade civil, cuja efetivação através do procedimento de pedido cível importa assegurar, porquanto apenas esta conclusão é compatível com a finalidade processual penal do arresto preventivo.
No caso vertente e como já se referiu, os autos encontram-se numa fase inicial, não tendo sido recolhidos quaisquer elementos probatórios da prática dos crimes de burla ou furto qualificada, p.p. nos arts. 203.º, 204.º, 217.º e 218.º do CP.
Quanto ao fundado receio de perda da garantia patrimonial de um eventual crédito por parte do requerente, a mera análise da petição apresentada não permite sequer concluir pela sua existência, face à titularidade por parte dos requeridos de pelo menos dois bens imóveis que o requerente identifica.
Pelo exposto, neste momento, é manifesto que não se encontram preenchidos os requisitos legais do arresto preventivo descritos no art. 228.º do CPP, concordando-se inteiramente com o referido pelo Ministério Público.
Por todo o exposto, indefere-se o arresto preventivo requerido pelo denunciante.
Custas do incidente a cargo do requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC. …”.
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Não se conformando, o Requerente AA interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 3/19 com as seguintes conclusões:
“… 1ª.- Vem o presente recurso instaurado da decisão que indeferiu o arresto dos bens de um dos denunciados JJ, considerando que entendeu a Meritíssima Juiz que “Autos encontram-se numa fase inicial, não tendo sido recolhidos quaisquer elementos probatórios da prática dos crimes de burla ou furto qualificado, p.p. 203, 204, 217 e 218 do CP”.
“Quanto ao fundado receio de perda da garantia patrimonial de um eventual crédito por parte do requerente, a mera análise da petição apresentada não permite sequer concluir pela sua existência, face à titularidade por parte dos requeridos de pelo menos dois bens imóveis que o requerente identifica”.
2º.- Contudo entende o recorrente que foi efetuada uma errónea interpretação dos pressupostos do preceituado quer no artigo 228 do CPP e 391 e ss do CPC, desde logo porque:
3ª.- Os autos de arresto correm autonomamente relativamente à queixa-crime, designadamente no que se refere à produção e valoração da prova (artigo 364.º, n.º 4, e 365 do CPC); Tal como expressamente resulta do artigo 393.º, n.º 1, do CPC, o arresto apenas deve ser decretado depois “examinadas as provas produzidas”, sendo que, no caso em apreço, como acima referido, não foi produzida prova antes de proferida a douta decisão recorrida, não obstante a apresentação de várias documentos e testemunhas por parte da ora recorrente (conforme documentado nos autos a fls.);
4ª.- Por outro lado, não se pode deixar de salientar que resulta da fundamentação da douta decisão recorrida a ideia de que o decretamento ou 
não do arresto em causa poderá (ou poderia) vir a depender de eventuais desenvolvimentos da investigação em curso nos autos principais;
5ª.- Ora, tal entendimento é, salvo o devido respeito e melhor opinião, desprovido de qualquer cabimento legal, em virtude de estar em causa um processo urgente – arresto – que, como é natural, corre autonomamente, e com necessidades de celeridade processual (cfr. artigo 363.º, n.º 2 do CPC) que a tramitação normal dos autos principais não satisfaz;
6ª.- Considera a Requerente que, ao contrário do entendimento plasmado na decisão ora em crise, e atendendo ao exposto na petição inicial apresentada no âmbito do arresto preventivo artigos 1º. a 40º. do requerimento inicial encontram-se preenchidos os pressupostos necessários para decretação da providência cautelar em apreço, como resulta do teor do requerimento inicial de arresto aqui em causa, documentado nos autos a fls.;
7ª.- Ademais, foi pelo recorrente junto aos presentes autos, já após proferida a decisão de que ora se recorre, declaração assinada pela denunciada CC na qual a mesma afirma que: As transferências objeto dos presentes autos foram realizadas pelos denunciados com o cartão multibanco do assistente. Obrigaram-se ainda a transferir a quantia de 129.950€ até ao dia 29 de Janeiro de 2020, o que não fizeram.
8ª.- Na verdade, tal declaração foi enviada pela Mandatária – Advogada dos denunciados à Mandatária do assistente, ora subscritora. Por mera cautela foi solicitado ao Conselho Regional da Ordem dos Advogados de Coimbra o levantamento do sigilo profissional. Contudo, entendeu o Exmo. Senhor Relator que tal declaração não está sujeita ao sigilo profissional, podendo por tal facto ser junta aos presentes autos. Aliás de acordo com tal entendimento invocamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09-03-1995, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo l, pág. 67,
9ª.- Assim, duvidas não restam que há indícios mais do que suficientes da prática dos crimes quer seja de burla, de furto, mas ainda que abuso de confiança, considerando que a denunciada CC assinou a referida declaração onde se compromete a restituir o dinheiro ao denunciante mas até hoje não o devolveu.
10ª.- Mas mais, foi ainda indeferido o arresto com fundamento:
“Quanto ao fundado receio de perda da garantia patrimonial de um eventual crédito por parte do requerente, a mera análise da petição apresentada não permite sequer concluir pela sua existência, face à titularidade por parte dos requeridos de pelo menos dois bens imóveis que o requerente identifica”.
11ª.- Salvo o devido respeito tal interpretação nos presentes autos é manifestamente infundada, desde logo face à factologia alegada nos artigos 42º. e seguintes. Pois que, o valor dissipado do património do recorrente foi como resulta do requerimento inicial e respetiva queixa-crime corresponde ao montante de 129.950,00€ (cento e vinte e nove mil novecentos e cinquenta euros) existente em depósitos bancários da conta do recorrente.
12º. - Face à facilidade das transacções bancárias constata-se o fundado receio de extravio e dissipação de tal quantia. Havendo, pois, o receio de que os requeridos titulares das contas bancárias para onde foram transferidas as poupanças do recorrente ocasionem o extravio/dissipação da quantia de 129.950,00€, assim impedindo a sua devolução. Dai que, estando em causa transferências efetuadas pelos denunciados e reconhecendo que os depósitos pertenciam aos recorrentes tais valores devem ser rapidamente arrestados.
13ª.- Quanto ao fundado receio de perda da garantia patrimonial de um eventual crédito o mesmo existe desde logo porque como alegado a denunciada CC já não tem qualquer bem em seu nome e o denunciado JJ tem dois imóveis contudo o valor dos mesmos são inferiores ao valor do crédito do recorrente.
14ª. - Tanto mais que,
No preenchimento dos pressupostos, mormente no fundado receio da perda de garantia patrimonial do seu crédito cabem todos os casos como os de receio de fuga do devedor, da sonegação ou ocultação de bens, da situação patrimonial deficitária do devedor, ou qualquer outra conduta relativamente ao seu património, que, objectivamente, faça antever e temer o perigo de se tornar impossível ou difícil a cobrança do crédito. Veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-03-2018, publicado em www.dgsi.pt
15ª.- Quanto à viatura SUV da mercedes a mesma cifra-se em quantia superior a 100.000,00€, pelo que facilmente se constata que nenhum dos requerentes tivesse património para aquisição de tal viatura e se os mesmos adquiriram tal viatura já que era transportada apenas e só pelos denunciados a verdade é que não a registaram em seu nome, já com intuito de ocultar bens suscetíveis de garantir o crédito do recorrente.
16ª.- Assim, dúvidas não restam que quer a denunciada quer o denunciante estão a dissipar o património por forma a não restituir o dinheiro que retiraram da conta do recorrente sem autorização do mesmo, o que se demonstra facilmente porque a denunciada CC já não tem quaisquer bens em seu nome e o denunciado JJ tem apenas dois imóveis que são de valor muito inferior ao crédito do recorrente.
17ª.- Ademais não se ignora nos presentes autos a idade do recorrente e o facto da falta das poupanças de uma vida estarem a causar-lhe um grave prejuízo. Com o indeferimento da providência cautelar o requerente corre o risco de não conseguir prover ao seu sustento na sua já velhice, fundado receio que se deve ser fundamento nas decisões cautelares como no arresto, sem o que o procedimento não cumpriria a sua essencial função conservatória.
18ª- No entender do recorrente a decisão proferida violou o disposto nos artigos 228 do CPP, 228 do CPP e 363, 391 e ss do CPC.
Termos em que,
Salvo o devido respeito encontram-se preenchidos todos os pressupostos para o decretamento da providência cautelar de arresto preventivo nos termos do artigo 228 do CPP, devendo por isso ser deferido o presente recurso. …”.
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A Exm.ª Magistrada do MP respondeu ao recurso a fls. 103/107, em suma, pugnando pela procedência do recurso.
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Neste tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer com, para além do mais, o seguinte teor:
“... Pressuposto essencial da aplicação da medida de garantia patrimonial prevista no art. 228º do CPP é a existência de processo de natureza criminal.
No caso, tal pressuposto está preenchido.
Nos casos em que o património e a respectiva titularidade é posta em causa pela prática de crime, para o decretamento da medida requerida, importa, contudo, avaliar se os autos originais - o processo de Inquérito criminal - contém matéria indiciária relativamente à prática de crime e, só depois importará apurar da suficiência dos indícios de que, nessa conjuntura, existe o perigo de o património visado pela incriminação ser dissipado e de o património do responsável criminal igualmente poder ser dissipado ou colocado em situação que não permita ou dificulte o ulterior ressarcimento do prejuízo causado com a prática do crime.
Na prática, tanto a 'apreensão' do objecto do crime, como no caso, o 'arresto preventivo', têm, como finalidade obstar ao desaparecimento de um ou de vários bens que foram objecto do crime e, no concreto caso, é pedida medida cautelar relativamente ao objecto do crime e relativamente ao património que poderá responder ou ressarcir o lesado pela prática do crime.
...
Tudo para concluir, desde logo, que, se é certo que o requerimento do denunciante poderia ter sido também no sentido de ser, no imediato, decretada a apreensão dos valores correspondentes ao dinheiro que tinha depositado em Bancos e que foi transferido para as contas dos denunciados, certo é, também, que se mostra necessário acautelar a hipótese de dissipação desse património que, por ora, parece estar ainda em contas de depósito da titularidade da denunciada - posto que no que respeita ao denunciado, o denunciante já informou ter aquele devolvido o valor de que se havia indevidamente apropriado. E, no que respeita aos valores apropriados pela denunciada há que acautelar o eventual e futuro pagamento das quantias em que a mesma possa vir a ser condenada, quer para efeitos de indemnização ao lesado, quer para os demais pagamentos decorrentes de eventual condenação.
Ora, dos autos parece resultar que, para além de não ter  sido decretada  a apreensão, igualmente prevaleceu o entendimento de que ainda não seria o momento para decretar o arresto preventivo, por, alegadamente, inexistirem indícios suficientes dos factos denunciados e do perigo de dissipação.
Vista a matéria factual constante da participação e que consideramos indiciariamente provada pelas fotocópias de documentos, designadamente, bancários, parece-nos estarem reunidos os pressupostos para o decretamento, não só da respectiva apreensão dos  valores depositados que  serão o produto do crime, como para, simultaneamente, decretar o arresto preventivo, que, mais não é, que um procedimento de garantia patrimonial.
Como nos parece por demais evidente não são, nem podiam ser , iguais os graus de exigência quanto aos indícios da prática do crime no momento da decisão de aplicar uma medida de garantia patrimonial e nos momentos de decidir por uma acusação ou por uma pronúncia, desde logo porque, com o arresto preventivo o seu fim último é preservar um património que foi objecto da prática de crime ou/e que poderá vir a ser dissipado após a prática do crime, pelo que urge acautelar essa possibilidade de dissipação que obstaria a qualquer tipo de recuperação e de eventual ressarcimento.
No caso dos autos a denúncia feita relata, com relativa precisão, a essencialidade de condutas criminosas e as fotocópias dos documentos juntos permitem, com segurança bastante, concluir que um ou mais crimes terão sido cometidos, por pessoas identificadas e que o património do denunciante estará lesado. Mais permite criar a forte suspeita de que pelo menos um dos autores do crime, se locupletou com o 'dinheiro depositado em banco' de que o denunciante era o legítimo proprietário, tudo indicando que um crime  de abuso de confiança e outro de burla, terão sido cometidos e de que o denunciante se mostra lesado. São indícios suficientes para decretar medida de garantia patrimonial, sem prévia notificação aos  denunciados, sob pena de a medida cautelar poder revelar-se ineficaz e, se decretada extemporaneamente, vir a revelar-se absurda, por não ter acautelado os fins que visava alcançar, sendo certo que os suspeitos podem, no prazo  de  72 horas virem a ser constituídos arguidos, pelo que a circunstância de ainda o não terem sido não obsta ao decretamento do arresto preventivo.
Subjacente a este entendimento parece-nos ser o Acórdão desta Relação, de 04.10 .2006, proferido no âmbito do P. nº7317/2006-3 e consultável em htto:/ /www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc7323l6039802565fa00497eec/Of9523635b532a3b802572l40051lç7d?OpenDocument&Highlight=O,arresto,preventivo quando refere que:
«se o dever de indemnizar se fundar em responsabilidade civil. conexa com a criminal. não fazia sentido que o lesado tivesse de praticar primeiro todos os actos para a prestação de caução económica, com a notificação do suspeito, dando-lhe a possibilidade de fazer desaparecer o que tivesse, ficando o lesado numa posição mais frágil.
Pelo exposto, face à actual redacção do art. 228°, n°1, do CPP, a medida de garantia patrimonial.  de  arresto  preventivo,  já  não   tem   natureza subsidiária ou supletiva relativamente á caução económica, podendo ser decretada nos termos da lei civil, a requerimento do Ministério Público ou do lesado. No caso de ter sido fixada previamente caução económica e não for prestada, o requerente do arresto fica dispensado da prova do fundado receio da perda da garantia patrimonial."
Ora, no caso, não tendo sequer sido decretada a apreensão dos valores ilegitimamente apropriados e depositados em conta/s bancária/ s dos denunciados, mais premente se torna o decretamento da medida requerida, pois a conservação do património do lesado ilicitamente apropriado/desviado não está minimamente acautelada.
Por outro lado, e como decidido no Ac. do TRP de 06.9.2017, no âmbito do P. 112/15.6T9VFR-E.Pl, consultável em
http:ljwww.dgsl.pt/ltrp.nsf/S6a6e71216571fe980257cda00381fdf/37422e7a3e3aaf8580 2581b6004bfá270penDocument:
"Apreensão e arresto preventivo são realidades jurídicas diversas; aquela como instrumento de conservação das provas e de objectos relacionados com o crime e este como garantia patrimonial, pelo que não sendo incompatíveis entre si podem incidir sobre o mesmo bem ao mesmo tempo.
Acresce que, parafraseando o Ac. do TRP de 16.12 .2015, no âmbito do P. nº1412/ll.9JAPRT-L.Pl "A apreensão de ... em processo penal, na fase inicial do processo, reveste natureza cautelar e não é definitiva"
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Nestes termos, parece-nos ser oportuna, proporcional e adequada e fundado o risco de dissipação do património e por isso a apreensão e o arresto preventivo, pelo que emitimos parecer de procedência do Recurso. ...”.
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É pacífica a jurisprudência do STJ[3] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[4], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[5].
Da leitura dessas conclusões, tendo em conta as de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que a única questão fundamental a apreciar no presente recurso é a de saber se deve manter-se a decisão que indeferiu o arresto.
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Cumpre decidir.
O arresto preventivo pode ser requerido pelo lesado, processando-se tal medida de garantia patrimonial nos termos do processo civil (art.º 228º do CPP).
O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência (art.º 392.º do CPC).
A prova constante do inquérito crime pode ser usada para a decisão do arresto preventivo, mas esta não está unicamente dependente daquela, como, aliás, acontece no processo civil.
Examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais (art.º 393º do CPC).
Se tiver que ser decretado o arresto preventivo, os denunciados são constituídos arguidos, caso ainda o não tenham sido por outras razões (art.º 58º/1-b) do CPP).
No presente caso, o tribunal recorrido decidiu o procedimento considerando que não havia ainda prova nos autos de inquérito, mas não fez qualquer das diligências de prova oferecidas pelo Recorrente.
Por isso, a decisão recorrida, embora tenha uma decisão de direito, é completamente omissa quanto à factualidade que sustenta tal decisão, o que constitui uma irregularidade que afecta a validade o despacho recorrido e é de conhecimento oficioso (art.º 123º/2 do CPP).
Procede, pois, ainda que por razões diversas, o recurso.
*****
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos provido o recurso e, consequentemente, revogamos o despacho recorrido e determinamos que seja substituído por outro, que descreva a factualidade indiciada e não indiciada, após as pertinentes diligências de prova, e decida em conformidade com os factos apurados.
Sem custas.
*
Notifique.
D.N..
*****
Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).
*
Lisboa, 04/06/2020
João Abrunhosa
Maria Leonor Botelho
______________________________________________________
[1] Ac. RL de 4.10.2006, proc. nº 7317/2006-3, disponível em www.dgsi.pt .
[2] Ac. RL de Lisboa de 29.04.2014, relatado por Luís Gominho, in CJ, 2014, T2, pág.164.
[3] Supremo Tribunal de Justiça.
[4]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[5] Cf. Ac. 7/95 do STJ, de 19/10/1995, relatado por Sá Nogueira, in DR 1ª Série A, de 28/12/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no art.º 410.º/2 CPP, nos seguintes termos: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”.