Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
103/15.7PHSNT.L1-3
Relator: NUNO COELHO
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VIOLAÇÃO DO ACESSO AO DIREITO E À JUSTIÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INDEFERIMENTO
Sumário: Em processo-crime, após a prolação de acórdão em conferência, a lei possibilita ao recorrente a apresentação de requerimento em que invoque nulidades da decisão jurisdicional ou peça a sua correcção, atento o disposto no Art.º 425.º, n.º 4, do CPPenal, com expressa remissão para o disposto nos Art.ºs 379.º e 380.º, ambos do CPPenal, com eventual recurso a normas do C.P. Civil, nos casos possíveis, atento o vertido no Art.º 4.º do C.P. Penal.
As nulidades, como resulta da lei – Art.º 118.º, n.°1 do CPPenal -, que se reconduzem à violação ou inobservância das disposições da lei processual penal, são taxativas, no sentido de que tais violações só determinam a nulidade do acto quando esta for a consequência expressa cominada pela lei.
A fundamentação da ocorrência de uma nulidade não pode ter por base, porque a tal se não reconduz, a discussão do bem fundado da decisão exarada no acórdão, pelo que a pessoal discordância do requerente face ao decidido, não constitui fundamento de arguição de nulidade.
É certo que o arguido/recorrente se encontra impedido de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido por esta Relação, por via do regime dos Art.ºs 400.º, n.º 1, al. f), 414.º, n.º 2 e 432.º, al. b), todos do CPPenal.
Mas este regime não implica, como advoga o arguente, qualquer violação ao acesso ao direito e à justiça na dimensão do direito ao recurso, nos termos definidos constitucionalmente para esse direito fundamental.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 3.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Nestes autos de recurso da condenação do arguido GS___, notificado que foi este mesmo arguido/recorrente do teor do acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa em 13 de Novembro último, veio ele, por via do requerimento que antecede, solicitar que se conheça das nulidades ou vícios suscitados do mesmo acórdão (falta de fundamentação, omissão de pronúncia, insuficiência para a decisão da matéria de facto, contradição insanável da fundamentação probatória e erro notório na apreciação da prova, bem como se aprecie da suscitada inconstitucionalidade do regime de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça bem como sobre a invocada violação, no caso vertente, das preditas normas da Constituição da República Portuguesa, seguindo-se o ulterior processado.
Invoca, para tanto, em síntese, que o acórdão desta Relação, ao confirmar a sentença recorrida que enfermava de tais vícios, também os passou a ter, pelas mesmas razões (as nulidades e vícios decisórios acima referidos), o que constitui ausência de fundamentação, lacunas na apreciação (omissão de pronúncia), contradição nos fundamentos da apreciação dos meios de prova e dos factos e erro notório (ou “evidente ignorância ou ostensiva falsa representação da realidade”), que não podendo ser escrutinado pelo Supremo, para além de contender com o direito a uma decisão de recurso devidamente fundamentada não deixa de constituir uma violação do acesso ao direito e às vias de recurso.
Tudo visto, cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Em vista do carácter subsidiário dos fundamentos em causa, iremos pronunciar-nos, em primeiro lugar, sobre as nulidades e os demais vícios decisórios que o reclamante pretende ver no acórdão desta Relação, e, em segundo posto, sobre as aventadas violações sobre o direito fundamental de acesso à justiça ou às vias de recurso, isto é, da violação de normas constitucionais consagradoras desse direito fundamental pelas regras de delimitação do direito de recorrer dos acórdãos da Relação (tribunais de segunda instância).
 Ainda antes de desenvolver a análise deste requerimento e dos seus fundamentos, cumpre deixar a nota de que o mesmo requerimento demonstra, na sua patente prolixidade, a falta de razão dos fundamentos invocados, sobre os quais nos debruçaremos com a síntese que impõem as regras da boa fundamentação, da gestão processual e da razoabilidade, sem perda de rigor, de suficiência e de justeza na sua apreciação.
No que respeita aos fundamentos invocados para sustentar a nulidade do mesmo acórdão por decisão surpresa e por violação do princípio do contraditório e, a título subsidiário, de nulidade por excesso de pronúncia, contradição entre os fundamentos e a decisão e lapso manifesto na interpretação e aplicação do direito,
Determina o Art.º 379.º do CPPenal, n.º 1, nas suas várias alíneas, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do Art.º 374.º, que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º, e quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, estas nulidades devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do Art.º 414.º.
Também assim, dita o n.º 1 do Art.º 123.º do CPPenal, que “qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado”.
Por seu turno, dispõe o Art.º 380.º, n.º 1 alínea b), do CPPenal que o tribunal procede oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando «a sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial».
Diz-nos, por último, o n.º 4 do Art.º 425.º do CPPenal, que o disposto nestes Art.ºs 379.º e 380.º, é aplicável aos acórdãos proferidos em recurso.
A sentença é, por regra, o acto final do processo que obedece a uma rigorosa estrutura racional cujas patologias estão definidas de uma forma inequívoca na lei processual.
Ou seja, a sentença que não obedeça aos requisitos estabelecidos na lei processual é nula, segundo o disposto no Art.ºs 379.º do CPPenal.
Para além deste catálogo de patologias que fulminam o acto sentença, o legislador português, à semelhança do legislador italiano (que, como se sabe, é uma das fontes do processo penal nacional) consagrou uma «válvula» de segurança que permite, oficiosamente ou a requerimento, sanar ou corrigir a sentença, depois de proferida, quando se detectarem irregularidades, erros, obscuridades ou ambiguidades cuja eliminação não importe modificação essencial e que necessariamente não colidam com os vícios da sentença que importam a sua nulidade.
Ora, o aqui arguente não tem qualquer razão nos fundamentos invocados para sustentar a nulidade do acórdão proferido por esta Relação, desde logo na sua aventada falta de fundamentação ou omissão de pronúncia. Nem sequer dos vícios inerentes à impugnação da matéria de facto (insuficiência da matéria de facto para a decisão, contradição na fundamentação probatória ou erro notório na apreciação da prova), que o aqui recorrente pretende levar à apreciação jurisdicional no Supremo em quebra com a sistemática processual penal e querendo assim abrir uma brecha naqueles que são as condicionantes da apreciação dos fundamentos que estiveram na base da fixação da matéria de facto.
O recorrente pode não estar concordante com a confirmação da sentença que o condenou, através da detalhada e completa apreciação do acórdão proferido por esta Relação, incluindo da reapreciação da matéria de facto fixada em 1.ª instância, em todos os pontos suscitados pelo recorrente e aqui arguente. Este não pode é querer suscitar vícios e nulidades onde eles não se encontram, de uma forma genérica e sem concretização, procurando trazer por arrastamento e eternizando-a a controvérsia que suscitou no recurso para este tribunal, com os mesmos argumentos que não foram aceites por esta instância de recurso. Todos os argumentos por si suscitados foram conhecidos por este tribunal de recurso, de forma fundamentada e completa.
Recorde-se que ao levantamento das questões suscitadas, seguiu-se o tratamento desenvolvido e especificado, ponto por ponto (com a argumentação suscitada), dessas mesmas questões:
(i) no conhecimento do recurso do despacho de condenação do arguido em multa por falta à audiência de julgamento;
(ii) na nulidade da sentença por deficiente fundamentação e omissão de pronúncia;
(iii) da impugnação estrita da matéria de facto, na qual se invoca erro notório na apreciação da prova, e na qual se pede a renovação da prova;
(iv) na impugnação alargada da matéria de facto com reapreciação da prova registada;
(v) na violação do princípio do in dubio pro reo;
(vi) no indevido enquadramento jurídico da matéria de facto apurada;
(vii) na escolha e determinação das penas e das suas medidas assim como do seu concurso; e
(viii) na questão da atribuição de indemnização civil pela prática, pelo arguido/demandado, dos mencionados crimes de ofensa à integridade física.
Em processo-crime, após a prolação de acórdão em conferência, a lei possibilita ao recorrente a apresentação de requerimento em que invoque nulidades da decisão jurisdicional ou peça a sua correcção, atento o disposto no Art.º 425.º, n.º 4, do CPPenal, com expressa remissão para o disposto nos Art.ºs 379.º e 380.º, ambos do CPPenal, com eventual recurso a normas do C.P. Civil, nos casos possíveis, atento o vertido no Art.º 4.º do C.P. Penal.
As nulidades, como resulta da lei – Art.º 118.º, n.°1 do CPPenal -, que se reconduzem à violação ou inobservância das disposições da lei processual penal, são taxativas, no sentido de que tais violações só determinam a nulidade do acto quando esta for a consequência expressa cominada pela lei.
A fundamentação da ocorrência de uma nulidade não pode ter por base, porque a tal se não reconduz, a discussão do bem fundado da decisão exarada no acórdão, pelo que a pessoal discordância do requerente face ao decidido, não constitui fundamento de arguição de nulidade.
Na verdade, no acórdão proferido por esta Relação, no qual se pretende verificada dos invocados vícios, não se detectam os mesmos, muito menos a aventada violação de princípios garantísticos dos direitos de defesa (designadamente, as regras legais e constitucionais dos Art.ºs 97.º, n.º 5, do CPPenal, e 205.º da Constituição da República Portuguesa, ou dos Art.ºs 20.º e 32.º, n.ºs 1 e 2, da mesma Constituição, e do Art.º 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Nesse sentido, em conclusão, o acórdão desta Relação não incorreu nas nulidades ou nos vícios aventados, nem em qualquer lapso muito menos manifesto ou qualquer reformulação de um suposto erro notório.
É certo que o arguido/recorrente se encontra impedido de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido por esta Relação, por via do regime dos Art.ºs 400.º, n.º 1, al. f), 414.º, n.º 2 e 432.º, al. b), todos do CPPenal.
Mas este regime não implica, como advoga o arguente, qualquer violação ao acesso ao direito e à justiça na dimensão do direito ao recurso, nos termos definidos constitucionalmente para esse direito fundamental.
Pelo que considera que inexiste qualquer violação a esse direito fundamental, questão que nem sequer foi de facto suscitada efectivamente pelo mesmo reclamante, pois não apresentou qualquer recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Pelo que se refuta que aqui se faça, por antecipação, qualquer errada aplicação dos Art.ºs 20.º, n.º 1, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa; Art.º 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, os dos Art.ºs 400.º, n. 1, alínea c) e 432.º, n.º 1, b), estes do Código de Processo Penal.
Nesse sentido, encontra-se completamente destituída de fundamento, a reclamação aqui apresentada pelo arguido/recorrente, aqui reclamante, havendo que indeferir a mesma na sua totalidade.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, em face dos fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em indeferir o requerimentos de arguição da nulidade, irregularidades ou vícios do acórdão desta Relação em referência, apresentado pelo mesmo arguidos/reclamante.
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Custas do incidente a cargo do recorrente/reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s.
Notifique-se.
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Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).

Lisboa, 15 de Janeiro de 2020
Nuno Coelho
Ana Paula Grandvaux