Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5928/11.0TDLSB.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
DECLARAÇÃO ANÓNIMA
LEITURA EM AUDIÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Documentação, como folhas de caixa, recibos e duplicados - documentos internos – de uma clínica e, como tal, constituem registos respeitantes à actividade da empresa, ainda que não contenham a assinatura de quem os elaborou, não podem ser considerados documentos que contêm declaração anónima, para efeitos do artigo 164.º, n.º 2, do C.P.P, por se tratar de documentos de uma empresa que está perfeitamente identificada, razão por que não é pelo facto de não estarem assinados que deixam de poder ser valorados, porquanto os mesmos não contêm qualquer «declaração» que seja de cariz pessoal e embora não se saiba em concreto qual a pessoa (ou pessoas) singular que elaborou as referidas folhas, incluindo recibos e duplicados, sabe-se sem qualquer dúvida qual é a sua origem - a empresa em questão, sendo que a arguida/recorrente, como os demais que recorrem com base no mesmo argumento, não colocam em causa essa proveniência.

Atendo-nos à disciplina da produção de prova em audiência de julgamento, deparamos com o disposto no artigo 355.º, n.º 1, do C.P.P., segundo o qual não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. Esta disposição é a sede do princípio da imediação (princípio que tem implícita a tutela da oralidade, publicidade, contraditório e concentração), sendo completada pelas duas disposições excepcionais seguintes, onde se ressalvam as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência são permitidas.

Na interpretação do artigo 355.º do C.P.P., em conjugação com a alínea b) do n.º 1 do artigo 356.º, levantaram-se dúvidas na prática judiciária sobre se os documentos constantes do processo têm de ser expressamente examinados em audiência para poderem ser valorados na fixação da matéria de facto.

Os documentos constantes do processo, não se tratando de autos de inquérito ou de instrução cuja leitura seja proibida, como sucede com aqueles que contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas e na medida em que os contenham [alínea b) do n.º 1 do artigo 356.º do CPP], podem e devem ser valorados pelo tribunal, independentemente da sua leitura em audiência, considerando-se examinados e produzidos em audiência independentemente de nesta ter sido feita a respectiva leitura e menção em acta.

Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I–Relatório


1.No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 5928/11.0TDLSB, foram pronunciados
(…)
todos melhor identificados nos autos, pela imputada prática, por cada um dos arguidos, como autor material, de um crime de usurpação de funções p. e p. pelo artigo 358.º, alínea b), do Código Penal, em conjugação com os artigos 8.º do Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de Julho, e 9.º, n.º1, da Lei n.º 110/91, de 29 de Agosto.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
« PELO EXPOSTO E DECIDINDO, ESTE TRIBUNAL
2.Os arguidos … recorreram desta sentença.

3.Por acórdão desta Relação de Lisboa, de 20 de Abril último, foi decidido, além do mais, negar provimento ao recurso interposto por VS, confirmando-se, quanto à mesma, a sentença de 1.ª instância.

4.Veio, então, a dita arguida, através da sua defensora, Dr.ª PS, alegar ter tido conhecimento, através de outro arguido, de que havia sido proferido acórdão nos presentes autos, razão por que contactou a mencionada advogada, a qual, por contacto com a 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, tomou conhecimento de que o dito acórdão havia sido notificado ao Dr. DA, também notificado nos termos do artigo 417.º, n.º2, do C.P.P.
Alegou a arguida que tal notificação, tal como a que foi efectuada ao abrigo do artigo 417.º, n.º2, enfermam de irregularidade, pois na sequência de revogação de procuração forense, deixou o dito Sr. Advogado de a patrocinar, passando a advogada signatária a exercer as funções de sua defensora no processo.
5.Na sequência, por acórdão de 18 de Maio último, julgou-se verificada a irregularidade por falta de cumprimento quanto à arguida/recorrente VS do disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P. e, em consequência, anulou-se o acórdão desta Relação de 20 de Abril, mas apenas na parte respeitante ao conhecimento do recurso interposto por aquela arguida.
Mais se ordenou que, transitado, fosse dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., relativamente à mencionada arguida, na pessoa da sua defensora,  Dr.ª PS..

6.Cumprido o decidido e verificando-se que a arguida VS não respondeu ao parecer, há que proferir acórdão relativo ao conhecimento do recurso interposto por aquela arguida.

7.As conclusões do seu recurso são as seguintes (transcrição das conclusões):
1-O Tribunal a quo, condenou a arguida/recorrente VS pela prátíca em autoria material, de um crime de usurpação de funções p.p, pelo art. 358 al. b) do C.P. com  referência aos artigos 8.º da Lei n.º 282/77, de 5 de Julho, e 9.º n.º1 da Lei n.º 110/91, de 29 de Agosto, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), perfazendo o montante global de €1050,00 (mil e cinquenta euros), a que corresponderão 100 dias de prisão subsidiária caso se venham a verificar os pressupostes de aplicação do artº49 do C.P.
2- Não concorda a arguida/recorrente com tal decisão.
3-Desde logo porque nenhuma prova se fez em audiência de discussão e  julgamento que permitisse ao Tribunal "ad quo" condenar a arguída pela prática de um crime de usurpação de funções, ao abrigo do princípio da imediação da prova previsto no art. 355 do C.P.P.
4-A arguida/recorrente remeteu-se ao sílêncio, que é um direito que lhe assiste, consagrado no Código de Processo Pena (nos arts. 61 n.º1 al. d), 132 n.º2, 141 n.º 4 al. a) e 343 n.º1) que goza ainda de tutela constitucional implícita.
5-O tribunal "ad quo" dá como provados os factos que constam na al. q) da pronúncia com base em que meio de prova, porque não menciona, e nem fundamenta, apenas dá como provado, que em data não concretamente apurada, uma pessoa cuja a identidade não se logrou apurar, mas em nome do arguido AC "acordou" com a arguida VS que a mesma prestasse serviços de medícína dentáría na DG
Qual é o meio de prova que o tribunal 'Ad quo", se baseou para dar este facto como provado porque prova testemunhal não existe.
6-O tribunal    "'ad quo'' considera igualmente como factos provados os da al.r), s), t) da pronúncia com base em folhas de Caixa internas, elaboradas por funcionários administrativos/ rececionistas da clínica DG, que não estão assinadas, e nem existe identificação, e o nome do médico é apenas VS – fls. 280-281.
Ou Dra. VS  - fls.156 - tal como menciona na motivação no ponto 3.4.1.
Só que o nome da arguida/recorrente é VS, pelo que não ficou provado que a menção nestas folhas de caixa dos nomes nelas colocados, correspondiam ao nome da arguida/recorrente, porque não se fez prova das declarações nestas folhas de caixa, porque acabam por ser declarações anónimas porque não estão assinadas, nem possuem identificação, e como os funcionários administrativos ou rececionistas não foram chamados para prestarem declarações, logo o tribunal não as podia valorar da forma que o fez para condenar a arguida/recorrente.
7-Entende-se que: neste caso, aplicando-se a regra do depoimento indirecto do art. 129 n.º1 do C.P.P. para que aqueles documentos pudessem ser valorados o Tribunal "ad quo" deveria ter chamado a depor os autores da declaração seriam naquele caso os funcionários que escreveram aqueles nomes nas folhas de Caixa (documentos internos), da Clínica DG, para provarem se aqueles nomes pertenciam à arguida/recorrente, ou se pertencem a outra pessoa.
8-Mas depois vem o tribunal "ad quo”, considerar como facto não provado na al. hhh) do ponto 2, da sentença recorrida, que a arguida VS  observou e prestou tratamentos dentários a vários utentes.
9-E no ponto 3.5, menciona o Tribunal ad quo que em relação aos factos não provados pode tão sintética como verazmente afirmar-se não ter sido produzida ou examinada em audiência de julgamento qualquer prova demonstrativa dos mesmos (sublinhado nosso)
(funcionários/recepecionistas) como a propria sentença recorrida assim o menciona, na motivação de facto no ponto 3.4.1(prova relativa aos factos ocorridos na clínica DG da Rua ...).
10-O que se retira da sentença recorrida, quanto a factos provados resultantes da instrução e discussão da causa (ponto 1.2. dos factos provados nas als.nn, vv e ww) foi que a arguida não tem antecedentes criminais e concluiu, em 2003 o curso de odontologia na Universidade de Potiguar, Natal, Brasil, qualificando-se como cirurgião-dentista.
E encontra-se inscrita na Ordem dos Médicos Dentístas desde 14-09-2913, e foram apenas estes factos e não outros, que não provam os factos de que a arguida recorrente vem acusada e que consubstanciam um crime de usurpação de funções.
11-Porquanto, quando o tribunal "ad quo" menciona na motivação de facto no ponto 3.1., que fez uma indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, relativamente à arguida/recorrente não o fez, violando assim o art. 374 n.º2, do C.P.P., e menciona ainda o tribunal recorrido que valendo, para tanto, as provas produzidas ou examinadas em audiência de julgamento nos termos do art. 355 n.º do C.P.P., o que também não aconteceu relativamente à recorrente, o que gera uma violação das respectivas normas legais, e a nulidade da sentença art.379 do C.P.P.
12-O tribunal “ad quo" deu como provados factos sem ter qualquer suporte documental, testemunhal ou pericial, porque nenhuma prova de que a arguida/recorrente vinha acusada foi produzida em audiência de julgamento de acordo com o princípio da imediação da prova art. 355 n.º1 do C.P.P.
13-Estamos perante uma completa ausência de qualquer prova sobre os factos provados em sede de audiência de julgamento, e ainda estamos igualmente perante a prova de um facto com base em provas insuficientes ou não bastantes (os documentos de folhas de elaborados por funcionários/recepcionistas), para a prova desse mesmo facto, nomeadamente  com violação das regras de provas existindo assim um erro notório de julgamento da matéria de facto. nos termos do art. 412 n.º3 do C.P.P.
14-O princípio processual da livre apreciação da prova, par parte do julgador  apenas se pode aplicar quando exista prova para valorar, o que não é o caso dos presentes autos no que respeita à arguida/recorrente, porque nenhuma prova foi trazida pela acusação ao julgamento.
A livre apreciação não pode deixar de se conectar com o exame critico da prova na sentença, sendo liberdade de valoração e motivação de facto como que verso e reverse de um desempenho.
15-Em consequência com os princípios informadores do Estado de Direito democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no art. 32 n.º1 e art. 210 n.º1 al.d) da Constituição da República Portuguesa, exige-se não só a indicação das provas e dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão.
16-Na leitura que se faz do art. 355 do C.P.P.  - norma que salvaguarda três princípios que subjazem ao julgamento, contraditório, oralidade e imediação - proibição de valoração de provas não produzidas ou examinadas em audiência funciona num duplo sentido:
- Veda a valoração de prova não examinada em audiência
- Impõe que, uma vez produzida ou examinada em audiência, essa prova deve ser tratada na sentença.
17-A explicação da comprovação dos factos, implica apreciação de todas as versões apresentadas, explicação de seu eventual crédito ou descrédito; análise de todas as provas, incluindo as irrelevantes. Quando determinada prova se apresenta como irrelevante, há que dizê-lo pois só assim a sentença demonstra que o Tribunal tudo viu e em tudo atentou.
18-Porquanto a regra da livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com a apreciação arbitrária, descricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo amotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objecticos, genéricamente susceptíveis de motivação e controlo.
19-Também a este propósito salienta o Prof Figueiredo Dias (Direito Processual Penal I, 202), a Liberdade de apreciação da prova é uma Liberdade de acordo com um dever, o dever de perseguir a verdade material, de tal sorte que a apreciação há-de ser em concreto recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de controlo.
20-É na audiência de julgamento que tal princípio assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar o seu suporte racional, o que resulta do art. 374 n.º2 do C.P.P.
21-A livre convicção não pode confundir-se com a intima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido de responsabilidade e bom senso.
Se o senso comum não requeresse exigências de grande objectividade, estaria destruída a legalidade do processo penal, pois bastaria uma concepção subjectivista de bom senso,
22-O local ideal para apreciar valoratíva e criticamente as provas é, por excelência, a audiência de discussão e julgamento em que o julgador dispõe das melhores condições para apreciar, mormente em sede de prova testemunhal, a forma como são prestados os depoimentos, para analisar todas as questões relevantes e susceptíveis de serem ponderadas, de carear os depoimentos contraditórios para, de modo geral, criar a convicção necessária à fíxação dos factos. A imediação é a condição fundamental de aquisição da verdade material.
23-O Tribunal "ad quo" violou o princípio de valoracão das provas previsto no art. 355 do C.P.P.
24-As regras da experiência, os critéríos gerais, não são mais do que índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas apenas isso,
O juiz não pode, pois, confiar nas regras da experiência mais do que na própria averiguação do real concreto, sob pena de voltar, de forma encapotada ao velho sistema da prova legal, o qual se baseava, afinal de contas, em meras ficções de prova. Em última análise, a prova é particularística, sempre.
25-No caso concreto, não tendo sido produzida prova em audiência de julgamento de que a arguida/recorrente tenha praticado o crime de que vem acusada, faz nos concluir que não estão preenchídos os elementos objectivos e subjectivos do crime de usurpação de funções nos termos do art. 358 al b) do C.P. de que vinha acusada, pelo que não existe crime.
26-Facto este que deveria ter conduzido o tríbunal "ad quo" para a absolvição da arguida/recorrente quanto ao crime que lhe vinha imputado.
27-A condenação da arguida/recorrente pela prática de um crime de usurpação de funções, sem ter por base qualquer tipo de prova produzida, é violadora dos mais elementares direitos processuais bem como violador do princípio da presunção de inocência, segundo o qual a arguida/recorrente não precisa de provar a sua inocência (ela é presumida à partida), além de não ter sequer que fazer prova em tal sentido, muito menos pela sua palavra (o direito de defesa da arguida abrange o direito ao silêncio, sobre a matéria de facto). E significa ainda que, em caso de dúvida, a arguida deve ser absolvida; por outras palavras, a dúvida sobre a matéria da acusação ou da suspeita não pode virar se contra a arguida, não pode prejudicá-la, em vez de a favorecer (princípio in dubio pro reo),
28-A doura sentença recorrida é violadora do principio previsto no art 32 n.º2 da Constituição da República Portuguesa, onde se prevê que todo o arguído se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação,devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
29-A douta sentença. da qual se recorre, é voladora do princípio previsto no art. 11 n.º1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde se prevê que todo o ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias de defesa.
30-Entende-se que a sentença recorrida incorre igualmente nos vícios do art. 410 n.º2 al. b) e c) do C.P.P.
31-Entende-se que existe uma contradição insanável, entre a matéria dada como provada, e não provada e a produzida.
32-Este vício ocorre quando de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e à indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal
33-Ora, no caso concreto, o Tribunal "ad quo” considera provado facto na al r) do ponto 1.1.da douta sentença recorrida, que “no dia 27 de Julho de 2011,  horas não concretamente apuradas, mas antes das 17h00, na clínica DG da Rua ..., a arguida, arrogando-se a qualidade de médica dentista, observou e prestou tratamento dentário, pelo menos, a dois utentes, os quais haviam marcado consulta para a Dra. VS;
34-Vem depois o Tribunal "ad quo", considerar como não provado na al. hhh) do ponto 2 da douta sentença recorrida “que a arguida VS observou e prestou tratamentos dentários a vários utentes”.
E no ponto 3.5. menciona que, em relação aos factos não provados, pode tão sintetica quanto verazmente afirmar-se não ter sido produzida ou eaminada em audiência de julgamento qualquer prova demonstrativa dos mesmos.
35-Menciona também o Tribunal recorrido que da instrução e discussão da causa no ponto 1.2. al. nn), yy) e ww), apenas se provou que a arguida/recorrente não tinha antecedentes criminais, e concluíra o curso em 2003 de odontologia na Universidade de Potiguar, Brasil, qualificando-se como cirurgião/dentista. E que se encontra inscrita na Ordem dos Médicos Dentistas desde 14-09-2013.
36-Depois na sua motivação de facto vem o Tribunal recorrido, mencionar no ponto 3.4.1. quanto à prova relativa aos factos ocorridos na clínica DG, na Rua ... S...,  relativamente à arguida VS (notando-se que não estava presente na clínica aquando da  fiscalização, tendo sido identificada posteriormente) a folha de Caixa de  27-07-2011, com o registo dos tratamentos efectuados nesse dia pela “Dra. VS " .... fls. 156; os correspondentes recibos e duplicados de fls. 235, 236; o registo de entrada e saída de próteses "Médico: VS ” – fls. 280-281.
37-E nosso entendimento que existe um erro de julgamento art. 412 n.º3 C.P.P. e uma contradição insanável nos termos do art- 410 n.º2 al.b) do C.P.P.
38-Entende-se igualmente que existe um erro notório na apreciação da prova nos termos da al. c) do n.º 2 art. 410 do C.P.P.
Verifica-se este vício quando existe uma incorrecção evidente da valoração, apreciação e interpretação dos meios de prova, incorrecção susceptível de se verificar também quando o tribunal retira de um facto uma conclusão ilógica, arbitrária ou  notoriamente violadora das regras da experiência comum,
39-No caso concreto, é evidente que não se produziu qualquer prova em audiência de julgamento, quer testemunhal, ou outra relativamente aos factos de que a arguída/recorrente vem acusada e que consubstanciam um crime de usurpação de funções, nem foram examinadas provas em audiência de julgamento.
40-O Tribunal recorrido veio fundamentar a sua decisão nuns documentes internos "folhas de Caixa" da clínica DG que constam nos autos e foram escritos por funcionários/recepcionistas, e que apenas constam nuns o nome de "VS ", e não estão assinados, e nem consta qualquer identificação da pessoa mencionada nos mesmos, tal como já se mencionou nos artigos supra referidos da motivação.
41-Como é lógico, estes documentos para serem considerados provadas, e para o tribunal recorrido poder formar ã sua convicção deveriam ser examinados em Audiência de julgamento, de acordo com. o art. 355 do C.P.P. e chamadas as pessoas (os funcionários administrativos/rececionistas) para esclarecerem em audiência de discussão e julgamento as declarações apostas nos mesmos, e a quem pertenciam, uma vez que não existem identificação nos mesmos, nem assinatura.
42-Nos termos do art. 164 n.º1 do C.P.P., a prova documental é, em geral admissível, sendo apenas proibidos, para efeitos de prova, a junção de documentos que contenham declarações anónimas, de acordo com o n.º2 do art. 164 do C.P.P.
43-Tal como refere Prof. Germano Marques da Silva, seguido pela maioria da doutrina, a declaração anónima não corresponde apenas a um escrito anónimo, abrangendo também qualquer declaração que não seja identificado o declarante, ou seja, aquelas em que o autor da declaração não pode ser identificado, independentemente dessa identificação constar ou não do documento, e ainda as declarações falsamente identificadas, uma vez que “a (…) a identificação não corresponde ao autor da declaração".
44- Por outro lado é atribuída uma função de garantia ao documento, que ao cingir-se as definições do art. 255 alíneas alíneas a) e b) do C.P. apenas as declarações que permitam reconhecer o emitente.
Neste sentido, é possível extrair do art. 255 al.a) do C.P. que uma declaração em que não se permita reconhecer o emitente não se insere no conceito penalista de documento. Na mesma linha de raciocínio poderemos concluir que, tendo em conta este motivo (para além de outros), o art. 164 n.º 2 do C.P.P., dispõe que prova documental que contenha documento anónimo é inadmissível, desde logo. porque esta declaração anónima nem sequer poderá ser qualificada como documento, nos termos da lei penal.   
45-Entende-se também que fazendo neste caso, uma correspondência com o regime do depoimento indirecto e com o art. 129 n.º1 do C.P.P., os documentos seriam equiparados à pessoa cujo o depoimento resulta do que ouviu dizer.
Neste sentido, as declarações extraprocessuais contidas nestes referidos documentos apenas poderiam ser valoradas pelo Juiz "ad quo", se este chamasse a fonte originária da prova a depor, o que não aconteceu.
46-Pelo que, se entende que existe também um erro notório na apreciação da prova.
47- O Tribunal "ad quo", errou de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto, em função de provas que não produzidas" relativamente à arguida/recorrente.
48- Assim sendo, entende-se que deverá o Tribunal ad quem, proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto pelo Tribunal ad quo, nos termos do art 431 do C.P.P., e absolver a arguida/recorrente.
49- Ou, se assim não for entendido por V.Exas., que seja revogada a decisão proferida pelo Tribunal ad quo, por sentença recorrida; por estar inquinada de vício que parte da jurisprudência qualifica de nulidade, e seja proferida outra que absolva a arguida/recorrentes, pelos motivos supra referidos nos, pontos da motivação.

8.O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta aos recursos no sentido de que a sentença recorrida não merece censura e nenhum dos recursos merece provimento, incluindo o da referida arguida.

9.A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), pronunciou-se como consta de gls. 2985.

10.Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., os autos foram à conferência, por dever ser o recurso interposto por VS aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

II–Fundamentação

1.Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
No caso em apreço, atendendo às conclusões das motivações de recurso, as questões que se suscitam no recurso em questão são as seguintes:
- nulidade da sentença por falta de indicação e exame crítico da prova;
- erro de julgamento da matéria de facto / violação do princípio da presunção de inocência;
- vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, alíneas b) e c), do C.P.P.
***

2.Da sentença recorrida

2.1.O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (por razões de facilidade, transcreve-se a totalidade da matéria de facto, mesmo relativamente aos arguidos em relação aos quais existe já decisão transitada em julgado):

***

3.Apreciando

Recurso da arguida VS

3.1.Alega a arguida/recorrente que a sentença enferma de nulidade por falta de indicação e exame crítico das provas.
Mais invoca o erro de julgamento da matéria de facto e a verificação de vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, alíneas b) e c), do C.P.P.

3.1.1.Dispõe o artigo 205.º, n.º1, da Constituição da República, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O artigo 97.º, n.º5, do C.P.P., prescreve, em relação aos actos decisórios em geral, que «são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão».
O acto da sentença, nos termos do disposto no artigo 374.º, do C.P.P., exige uma fundamentação especial.
De harmonia com o disposto no artigo 374.º, n.º2, do C.P.P., ao relatório da sentença segue-se a fundamentação que consta da «enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Por sua vez, estabelece o artigo 379.º, n.º1, alínea a), do C.P.P., que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º2 e na alínea b) do n.º3 do referido artigo 374.º.
A enumeração dos factos provados e não provados reporta-se, a nosso ver, a todos os factos submetidos à apreciação do tribunal e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, os constantes da acusação ou da pronúncia, do pedido de indemnização civil, da contestação penal e da contestação civil, quer sejam substanciais, quer circunstanciais ou instrumentais com relevo para a decisão. Acrescerá, sendo caso disso, o dever de se pronunciar quanto aos factos que resultem da discussão da causa e sejam relevantes para a decisão, no respeito do princípio da vinculação temática e sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos.
No caso vertente, da sentença recorrida consta a indicação pormenorizada dos factos provados e não provados.
Exige-se, ainda, uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto (que, naturalmente, hão-se ser seleccionados de entre os factos provados e não provados) e de direito, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
O exame crítico da provas situa-se nos limites propostos, entre outros, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 680/98, de 2 de Dezembro de 1998, D.R., 2ª Série, de 5 de Março de 1999, que julgou inconstitucional a norma do n.º2 do artigo 374.º do C.P.P. de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º1 do artigo 205.º da Constituição, bem como, quando conjugado com a norma das alíneas b) e c) do n.º2 do artigo 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º1 do artigo 32.º, também da Constituição.
Não basta, por conseguinte, indicar os meios de prova utilizados, tornando-se necessário explicitar o processo de formação da convicção do tribunal, a partir desses meios de prova, com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais que conduziram a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido. Só assim será possível comprovar se foi seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova ou se esta se fundou num subjectivismo incomunicável que abre as portas ao arbítrio.
Mais detidamente sobre o “exame crítico” das provas, disse o Supremo Tribunal de Justiça: «O “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular – a fundamentação em matéria de facto –, mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de “exame crítico” apresenta-se, nesta perspectiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito. (…) O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos de credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» (Acórdão de 16 de Março de 2005, Processo:05P662, www.dgsi.pt).
A fundamentação, na parte que respeita à indicação e exame crítico das provas, não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas inquiridas, ainda que de forma sintética. O exame crítico deve ser aferido com critérios de razoabilidade, não indo ao ponto de exigir uma explanação fastidiosa, com escalpelização descritiva de todas as provas produzidas, o que transformaria o processo oral em escrito, pois o que importa é explicitar o porquê da decisão tomada relativamente aos factos, de modo a permitir aos destinatários da decisão e ao tribunal superior uma avaliação do processo lógico-mental que serviu de base ao respectivo conteúdo (cfr., sobre esta matéria, o Acórdão do STJ, de 26 de Março de 2008, Processo: 07P4833, www.dsgi.pt; também com interesse, Sérgio Poças, Da sentença penal – Fundamentação de facto, Revista “Julgar”, n.º3, p. 21 e segs.).
Não devemos confundir ausência ou deficiência de fundamentação com uma fundamentação que não convença o arguido quanto às razões de convicção apresentadas pelo tribunal.
A fundamentação visa permitir a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial e não promover, necessariamente, o convencimento do destinatário da decisão quanto ao bem fundado dessas razões.
Perante as provas cada pessoa formará a sua convicção. O que importa é que o julgador dê a conhecer, de forma clara e no quadro do que é razoável exigir, as razões da sua convicção, de forma que possam ser compreendidas, e não que logre convencer todos da sua razão, pois à convicção do tribunal sempre se contrapõem as convicções divergentes de outros sujeitos processuais.
É por isso que a nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou, posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, com recurso, quando tal for necessário, ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada.
Percebidas as razões do julgador, assiste aos sujeitos processuais, com recurso ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada. Aqui, porém, já se está em sede de impugnação da matéria de facto e não de qualquer vício da decisão.
No caso em análise, entendemos que a recorrente carece de razão.
Realmente, esforçou-se o tribunal a quo no sentido de explicitar as razões da sua convicção.
A circunstância de a arguida/recorrente discordar da forma como o tribunal valorou as provas e formou a sua convicção não significa que a sentença careça de motivação.
Fundamentalmente, a questão está em que a arguida entende que não foi produzida qualquer prova e que, como se remeteu ao silêncio, os factos que lhe são atinentes não poderiam ser dados como provados nos termos em que o foram.
Como é evidente, se a arguida trabalhou na DG, alguém em nome desta a contratou, mesmo que não se dê como provado que foi o arguido AC ou que tal contratação dependeu de autorização / aprovação deste.
E tendo trabalhado, fê-lo em que qualidade?
Na motivação da decisão de facto diz-se que a arguida/ora recorrente não estava presente na clínica aquando da fiscalização, tendo sido identificada posteriormente.
Porém, foram apreendidos no local a folha de caixa de 27-07-2011, com o registo dos tratamentos efectuados nesse dia pela "Dra. VS " [sic] - fls. 156; os correspondentes recibos e duplicados de fls. 235/ 236; o registo de entrada e saída de próteses "Médico: VS  [sic] - fls. 280-281, a que acresce o print screen da página inicial do sítio da DG, onde o nome da arguida consta, em plena igualdade com os demais - incluindo os médicos dentistas habilitados - como integrando o quadro clínico da clínica da Rua ...- fls. 243.
O tribunal apresentou, pois, as razões as sua convicção, que não são difíceis de compreender: a comprovação de que, à data da fiscalização, a arguida não estava inscrita na Ordem dos Médicos ou na OMD; o print screen onde o nome da arguida consta como integrando o quadro clínico da clínica da Rua ...;  a documentação apreendida com base na qual entendeu estar demonstrado que a arguida, no próprio dia da fiscalização, a horas não concretamente apuradas, mas antes das 17h00, na clínica DG da Rua ..., havia observado e prestado tratamento dentário a, pelo menos, dois utentes, os quais haviam marcado consulta para a Dra. VS, tendo efectuado "Curativo 37", um curativo ao dente 37, ao utente SA, e bem assim a "Rest -13,44,34"·, uma restauração com uma face dentária dos dentes 13, 34 e 44, à utente AV, a que acresce a circunstância de, em datas anteriores ao dia 27 de Julho de 2011, ter requisitado a laboratório várias próteses dentárias para utentes que assistiu e tratou na referida clínica.
Verificando-se que podemos identificar nos mencionados elementos de prova, como também pode a arguida/ recorrente, o porquê da decisão de facto e o raciocínio lógico-dedutivo seguido pelo tribunal a quo na articulação dos referidos meios de prova disponíveis, afigura-se-nos que a sentença está satisfatoriamente motivada, independentemente de a arguido-recorrente poder dissentir – como ocorre no caso em apreço - do julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo, por sustentar que a prova deveria ter sido valorada de modo diverso – matéria também susceptível de ser sindicada por via de recurso.
Assim, sem necessidade de outras considerações, respeitando a sentença recorrida as exigências do artigo 374.º, n.º2, do C.P.P., conclui-se que não enferma da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º1, alínea a), do mesmo diploma, razão por que o recurso, nesta parte, não colhe provimento.
           
3.1.2.A arguida/recorrente considera haver erro de julgamento da matéria de facto – questão distinta da também alegada nulidade por falta de fundamentação.
Vejamos.
Dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do C.P.P., que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121).
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do C.P. Penal.
Quer isto dizer que enquanto os vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, são vícios da decisão, evidenciados pelo próprio texto, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, na impugnação ampla temos a alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Neste caso, o recorrente pretende que o tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida em 1.ª instância, alegadamente mal apreciada.
No caso em apreço, a arguida /recorrente limita-se a contestar a utilização pelo tribunal recorrido de folhas de caixa,recibos e duplicados (documentos internos) da Clínica DG, que considera corresponderem a “declarações anónimas” a que deverá ser aplicável a regra do depoimento indirecto – artigo 129.º, n.º1, do C.P.P. – e que, por isso, o tribunal, no entender da recorrente, não devia considerar.
Discordamos de tal entendimento.
O artigo 125.º do C.P.P. estabelece que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”, norma que pressupõe, por um lado, a existência de provas que são proibidas e que como tal não podem ser utilizadas para formar a convicção do tribunal relativamente ao objecto do processo e, por outro, a existência de meios de prova atípicos, que podem ser valorados pelo julgador.
As provas proibidas ou inadmissíveis são aquelas que não podem ser admitidas ou valoradas no processo, ainda que obtidas por meios não proibidos, como são exemplo a leitura em audiência de julgamento, de autos e declarações prestadas no inquérito e na instrução, fora do condicionalismo legal estabelecido nos artigos 356.º e 357.º do C.P.P.
Estabelece o artigo 164.º do C.P.P. ser admissível prova por documento, “entendendo-se por tal a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal”.
O n.º 2 do referido artigo dispõe que a junção da prova documental é feita oficiosamente ou a requerimento, não podendo juntar-se documento que contiver declaração anónima, salvo se for, ele mesmo, objecto ou elemento do crime.
No decurso da acção de fiscalização na CD da Rua ... foi localizada diversa documentação – folhas de caixa recibos e duplicados - documentos internos - daquela Clínica DG, que estão juntos aos autos.
A nosso ver, documentos dessa natureza, respeitantes a uma empresa, ainda que não contenham a assinatura de quem os elaborou, não podem ser considerados documentos que contêm declaração anónima, para efeitos do artigo 164.º, n.º 2, do C.P.P.
Na verdade, trata-se de documentos de uma empresa que está perfeitamente identificada.
Embora não se saiba em concreto qual a pessoa (ou pessoas) singular que elaborou as referidas folhas, incluindo recibos e duplicados, sabe-se sem qualquer dúvida qual é a sua origem - a empresa em questão, sendo que a arguida/recorrente, como os demais que recorrem com base no mesmo argumento, não colocam em causa essa proveniência.
A testemunha AL, técnica da ERS que interveio na fiscalização na Rua ..., esclareceu que as folhas de caixa e os recibos juntos aos autos foram obtidos através de funcionários administrativos/recepcionistas da clínica em questão (um homem e uma mulher); designadamente, através das folhas de caixa puderam definir quais seriam os recibos relevantes e solicitaram-nos, tendo-lhes sido entregues alguns originais e alguns duplicados, tendo conferido os registos dos actos de dentista praticados com os nomes dos utentes nos respectivos duplicados de recibo, tendo sido a totalidade da documentação anexa ao relatório de fiscalização apreendida na clínica em questão.
O n.º 2 do artigo 164.º, do C.P.P. refere-se a «declaração anónima».
Um documento pode conter uma declaração - que é sempre imputável a alguém, ainda que esse alguém seja anónimo, não podendo neste caso a declaração ser valorada -, ou pode conter outro tipo de elementos, nomeadamente registos de qualquer coisa (de pagamentos, como o nome das pessoas pagas e respectivos valores, de serviços, das mercadorias entradas em determinado armazém, de actos praticados ... etc.), ou qualquer outro dado significativo da vida da empresa e com relevo para a prova, mas que não é uma declaração.
Os papeis em causa - folhas de caixa, etc. - foram encontrados nas instalações da DG – Clínica da Rua ... e constituem registos que respeitam à actividade da mesma – essencialmente registos de actos praticados e recibos do seu pagamento, prescrições -, razão por que não é pelo facto de não estarem assinados que deixam de poder ser valorados, porquanto os mesmos não contêm qualquer «declaração» que seja de cariz pessoal.
Tendo sido encontrados nas instalações da Clínica em questão por ocasião da acção de fiscalização, é seguro aceitar que não foram de alguma forma fabricados com intenção de servirem para prova de factos agora controvertidos.
Por conseguinte, não vislumbramos qualquer impedimento a que pudessem ser valorados, como efectivamente foram, nem razão para invocar, a este respeito, o regime do depoimento indirecto.
Ora, não há dúvida que o nome da arguida consta do print screen da página inicial do sítio da DG, em plena igualdade com os demais - incluindo os médicos dentistas habilitados - como integrando o quadro clínico da clínica da Rua ...- fls. 243.
Estão em causa a folha de caixa de 27-07-2011, com o registo dos tratamentos efectuados nesse dia pela "Dra. VS " [sic] - fls. 156; os correspondentes recibos e duplicados de fls. 235/ 236; o registo de entrada e saída de próteses "Médico: VS" [sic] - fls. 280-281.
Desses registos – que manifestamente são documentos da empresa, elaborados por funcionários da mesma, que não foram fabricados com intenção de servirem para prova dos factos atinentes à arguida/recorrente – resulta que uma tal Dra. VS , no próprio dia da fiscalização, a horas não concretamente apuradas, mas antes das 17h00, na clínica DG da Rua ..., havia observado e prestado tratamento dentário a, pelo menos, dois utentes, os quais haviam marcado consulta para a Dr.ª VS, tendo efectuado "Curativo 37" - um curativo ao dente 37, ao utente SA, e bem assim a "Rest -13,44,34" - uma restauração com uma face dentária dos dentes 13, 34 e 44, à utente AV.
Em datas anteriores ao dia 27 de Julho de 2011, a mesma Dr.ª VS havia requisitado a laboratório várias próteses dentárias para utentes que assistiu e tratou na referida clínica.
Não só não há nenhuma razão legal para não valorar tais elementos como meios de prova, sujeitos a livre apreciação, como não há razão plausível para suscitar a hipótese de a mencionada Dr.ª VS  ser outra pessoa que não a arguida, sendo certo que as intervenções /acções registadas naqueles documentos reportam-se a actos de médico dentista e não de mero assistente de médico dentista.
Atendo-nos à disciplina da produção de prova em audiência de julgamento, deparamos com o disposto no artigo 355.º, n.º 1, do C.P.P., segundo o qual não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. Esta disposição é a sede do princípio da imediação (princípio que tem implícita a tutela da oralidade, publicidade, contraditório e concentração), sendo completada pelas duas disposições excepcionais seguintes, onde se ressalvam as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência são permitidas.
Na interpretação do artigo 355.º do C.P.P., em conjugação com a alínea b) do n.º 1 do artigo 356.º, levantaram-se dúvidas na prática judiciária sobre se os documentos constantes do processo têm de ser expressamente examinados em audiência para poderem ser valorados na fixação da matéria de facto.
De há muito que o S.T.J. tem vindo a entender que os documentos constantes do processo, não se tratando de autos de inquérito ou de instrução cuja leitura seja proibida, como sucede com aqueles que contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas e na medida em que os contenham [alínea b) do n.º 1 do artigo 356.º do CPP], podem e devem ser valorados pelo tribunal, independentemente da sua leitura em audiência, considerando-se examinados e produzidos em audiência independentemente de nesta ter sido feita a respectiva leitura e menção em acta, adoptando, nesta matéria, a orientação de Maia Gonçalves, que em anotação ao artigo 355.º do C.P.P., escreveu:
«Nos termos deste dispositivo, há, por exemplo, que deixar bem claro que os documentos juntos ao processo não têm, em regra, que ser lidos na audiência. A leitura de documentos constantes do processo, conforme o art. 356º.º, n.º1, alínea b), só é, em regra, proibida quando contiver, e na medida em que contiver, declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas.
Há portanto que esclarecer, pois tem reinado alguma confusão sobre este ponto, que os documentos constantes do processo se consideram produzidos em audiência independentemente de nesta ser feira a respectiva leitura, visualização ou audição, desde que se trate de caso em que esta leitura não seja proibida» (Código de Processo Penal Anotado, 16.ª edição, p. 736 – expressando orientação sustentada igualmente em anteriores edições).
Esta orientação foi seguida, entre outros, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 87/99, de 10 de Fevereiro, publicado no D.R., 2.ª Série, de 1 de Julho de 1999.
Atente-se que estão em causa documentos que foram indicados como meios de prova na acusação, pelo que a arguida, depois de lhe ser notificada a acusação, teve oportunidade de consultar todo o processo e examinar todos os documentos constantes dos autos, podendo assim tomar posição quanto aos mesmos.
Estabelece o artigo 410.º, n.º 2 do C.P.P. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
Trata-se vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, que têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e cuja verificação há-de necessariamente, como resulta do preceito, ser evidenciada pelo próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo, sendo os referidos vícios intrínsecos à decisão como peça autónoma.
Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objecto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos …, 6.ª ed., 2007, p. 69; acórdão da Relação de Lisboa, de 11.11.2009, processo 346/08.0ECLSB.L1-3).
Não se deve confundir este vício decisório com a errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, o que consubstancia um caso de erro de julgamento, nem, por outro lado, tal vício se reconduz à discordância sobre a factualidade que o tribunal, apreciando a prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do artigo 127.º do C.P.P., entendeu dar como provada. A insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão que pertence ao âmbito do princípio de livre apreciação da prova, não é sindicável caso não seja suscitada a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto.
Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada – e assim é porque, como já se disse, todos os vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., reportam-se à decisão de facto e consubstanciam anomalias decisórias, ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., pp. 71 a 73).
Finalmente, o vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do n.º2 do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio - ou, talvez melhor dito (se partirmos de um critério menos restritivo, na senda do entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.º 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ou do entendimento do Acórdão do S.T.J. de 30 de Janeiro de 2002, Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, sumariado em SASTJ), ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência -, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., p. 74; Acórdão da R. do Porto de 12/11/2003, Processo 0342994).
A nosso ver, os factos provados são suficientes para suportar a decisão de direito a que se chegou, quanto à arguida/recorrente, nas suas diversas vertentes.
Alega a arguida que a sentença enferma do vício da alínea b), referindo, a propósito, existir uma contradição insanável “entre a matéria dada como provada, e não provada e a produzida”.
Desde logo indicia-se aqui um vício de raciocínio, ao invocar-se a prova “produzida”, pois o que importa para aferir da existência do vício é o texto da decisão por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.
A contradição é identificada pela arguida / recorrente na circunstância de, na al. r), dar-se como provado que
«r)  No dia 27 de julho de 2011, a horas não concretamente apuradas, mas antes das 17h00, na clínica DG da Rua ..., a arguida, arrogando-se a qualidade de médica dentista, observou e prestou tratamento dentário a, pelo menos, dois utentes, os quais haviam marcado consulta para a Dra. VS», enquanto na al. hhh) dos factos não provados foi dado como não provado que «hhh)  A arguida VS observou e prestou tratamentos dentários a vários utentes
Ora, a nosso ver não se verifica o aludido vício de contradição insanável, porquanto julgamos manifesto que o facto não provado hhh) reporta-se à prestação de tratamentos dentários a vários utentes que não aqueles dois referidos na alínea r) – é disso que se trata.
Por outro lado, o erro notório na apreciação da prova é identificado pela arguida/recorrente como ocorrendo em razão da valoração das tais folhas de caixa e demais documentos apreendidos referidos supra, que a mesma insiste em tomar como declarações anónimas e em sustentar a aplicação do regime do depoimento indirecto, do artigo 129.º, n.º1.
Discordamos, pelas razões já expostas, do entendimento da arguida/recorrente, por entendermos que se trata de prova documental admissível, a ser valorada segundo o princípio da livre apreciação, o que não comporta qualquer violação das disposições invocadas no recurso, designadamente dos artigos 129.º, n.º1 e 355.º, n.º1, do C.P.P., ou quaisquer outros do mesmo compêndio legal, e bem assim do artigo 32.º, n.º2, da C.R.P.
Recordemos que o princípio in dubio pro reo, que decorre do princípio da presunção de inocência do arguido, com assento no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República, dá resposta ao problema da dúvida sobre o facto [e não sobre a interpretação da norma], impondo ao julgador que o non liquet da prova seja sempre resolvido a favor do arguido.

Ensina, sobre a matéria, o Prof. Figueiredo Dias:
«À luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo» (Direito Processual Penal, reimpressão, 1984 p. 213).

O estado de dúvida (insanável, razoável e objectivável) - valorado a favor do arguido por não ter sido ilidida a presunção da sua inocência - pressupõe que, produzida a prova, o tribunal, e só o tribunal, tenha ficado na incerteza quanto à verificação ou não, de factos relevantes para a decisão. Como diz Cristina Líbano Monteiro: «O universo fáctico – de acordo com o “pro reo” – passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos factos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza.» (Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», pág. 53). 
  
Pois bem: percorrendo-se a sentença recorrida, desta não resulta que tenha ficado instalada no espírito do M.mo Juiz a mais pequena incerteza quanto a qualquer um dos factos que na decisão considerou provados em relação à recorrente, ou seja, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra a mesma qualquer estado de dúvida sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, as devesse ter, em face do que decorre da própria sentença e das razões apresentadas no recurso.

Não se verificou, por conseguinte, qualquer violação do princípio in dubio.

Conclui-se que o recurso não merece provimento.

***
     
III–Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação:

Negam provimento ao recurso interposto por VS, confirmando, quanto à mesma, a sentença de 1.ª instância.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.



Lisboa,7 de Setembro de 2021

(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


(Jorge Gonçalves)                               
(Maria José Machado)
 

Decisão Texto Integral: