Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1/11.3YXLSB.L3-7
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO
CADUCIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO

1. Estando em causa defeitos de execução de obra que persistem à data da entrada em vigor do regime jurídico aprovado pelo Dec. Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redação do Dec. Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, e tendo a denúncia desses defeitos ocorrido depois da entrada em vigor desse regime jurídico, em 16 de junho de 2008, nos termos do disposto 12.º, n.º 2, in fine, do C. Civil, é aplicável o prazo de três anos, após a denúncia, para fazer valer o direito à eliminação dos defeitos estabelecido pelo art.º 5.º-A, n.º 3, do Dec. Lei n.º 67/2003, uma vez que se trata do conteúdo de uma relação jurídica que nada tem a ver, quer com a data da conclusão da obra, quer com a data da celebração dos contratos de compra e venda.
2. Tendo os defeitos sido denunciados entre 29 de janeiro de 2009 e 11 de novembro de 2009 e tendo a tendo a ação dado entrada em 31 de dezembro de 2010, com a citação da apelada em 30 de novembro de 2011, esse direito foi exercido em tempo, não tendo caducado.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.


1. RELATÓRIO.
No seguimento do nosso acórdão de 15 de Outubro de 2013, a fls. 409-414, e de uma, já, anterior decisão desta Relação de 25/2/2013, a fls. 318-321, nesta ação proposta por Condomínio do Prédio Urbano sito na Rua Nova dos Mercadores, …, contra … Construções Imobiliárias, S. A., pedindo a condenação desta a eliminar os defeitos do prédio em causa nos autos, foi proferida sentença julgando, pela terceira vez, procedente a exceção da caducidade do direito de eliminação desse defeitos e, em consequência, julgando improcedente a ação e absolvendo a R do pedido.
Inconformado com esta decisão, o A dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação, a procedência da acção e a condenação no pedido, formulando conclusões, nas quais suscita a seguinte questão:
a) A exceção da caducidade deve improceder porque, por força do disposto no art.º 12.º do C. Civil, é aplicável o regime jurídico instituído pelo Dec. Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, e o apelante denunciou os defeitos no prazo de um ano e propôs a ação no prazo de três anos, previsto em tal diploma (conclusões 8.ª a 15.ª).
A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida quanto à matéria da exceção, ou se assim se não entender, requerendo a ampliação do objeto do recurso, nos termos do disposto no art.º 636.º, n.º2, do C. P. Civil, impugnado os fatos sob os n.ºs 10, 12 e 15, 2.ª parte da matéria de fato, que devem ser declarados não provados, sendo que o n.º 12 mais não é do que uma conclusão retirada em erro dos fatos sob os n.ºs 11, 17 e 18, os quais impunham uma conclusão diametralmente oposta, acontecendo apenas que o que houve foi, tão só, desconhecimento dos defeitos, existindo contradição entre os pontos 11, 17 e 18 da matéria de fato, por um lado e os pontos, 10,12 e 15, por outro (conclusões W) a TT) das contra-alegações).
  
2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.

A. 1. O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

1. A Ré é uma sociedade de construções imobiliárias que tem por objeto a compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para o mesmo fim, construção de prédios, urbanização de terrenos rústicos e obras públicas (cfr. documento de fls. 49 a 58);
2. Em meados de 1999, a Ré adquiriu o lote onde o edifício sito na Rua Nova dos Mercadores, …, em Lisboa, está implementado e, posteriormente, promoveu as obras de edificação, que foram concluídas no ano de 2004 (cfr. documento de fls. 59 a 64);
3. Do ano de 2004 em diante, a Ré passou a comercializar os apartamentos do edifício, colocando-os à venda ao público em geral;
4. O acima referido prédio urbano está registado na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … (da freguesia de Santa Maria dos Olivais) e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo … (cfr. documentos de fls. 59 a 66);
5. É constituído por dois pisos abaixo do nível do solo destinados a parqueamento de automóveis dos condóminos e espaço técnico, um piso ao nível do solo destinado a comércio e habitação e seis pisos acima do nível do solo destinados a habitação (cfr. documento de fls. 59 a 64);
6. A primeira assembleia de condóminos teve lugar no dia 6 de janeiro de 2006, onde foi eleita a primeira administração do condomínio, a sociedade … Condomínio, Lda., representada por Paulo Miguel …; desde logo, ficaram registados em ata alguns defeitos no edifício de que os condóminos se queixavam, no seu terceiro ponto (cfr. documento de fls. 67 e 68 – ata número 1), a saber:
No terceiro ponto da ordem de trabalhos, após discussão foi aprovado por unanimidade a definição das seguintes responsabilidades por parte do construtor perante o condomínio: a) proceder à substituição da fechadura da porta principal de entrada do edifício por se encontrar danificada; b) proceder à reparação/substituição do chão do patamar do primeiro piso por se encontrar com manchas. Eventualmente o polimento poderá ser a solução; c) proceder à reparação/substituição das portas de madeira que dão acesso aos contadores da água; d) proceder à reparação das portas corta-fogo do piso menos dois que para além da mola do fecho automático não funcionar, fazem muito ruído quando accionadas; e) proceder à reparação da infiltração de água que se verifica junto ao portão de entrada na garagem no piso menos dois; f) proceder à reparação piso interior do Lote oito, junto ao portão que faculta o seu acesso localizado junto ao passeio do Adamastor, uma vez que produz acumulação de água e provoca danos no piso menos um deste edifício; g) proceder à entrega do código de entrada assim como dos cartões de acesso pela porta principal a todos os condóminos; h) proceder à reparação da anomalia existente no videoporteiro que se verifica com a fracção “Q” correspondente ao 3.º C; i) proceder à entrega do manual da central de incêndio e de CO; j) proceder à reparação dos sensores do portão que antecede o acesso às garagens do piso menos dois”;
7. A 29 de janeiro de 2009, Rui Carlos … foi nomeado administrador do condomínio (cfr. documento de fls. 69 a 71, no segundo ponto desta ata número 4);
8. A presente ação foi instaurada no dia 31 de dezembro de 2010, vindo a Ré a ser regularmente citada em 30 de novembro de 2011 (cfr. talão de fls. 190);
9. A Ré (na qualidade de condómina) não se fez representar na assembleia de condóminos de 6 de janeiro de 2006;
10. Em datas não concretamente apuradas, mas entre 29 de janeiro de 2009 e 10 de novembro de 2009, o Autor (através do seu administrador Rui Carlos …) instou a Ré, por diversas vezes e via telefónica, a realizar as reparações (obras) necessárias à eliminação de mais defeitos surgidos, sem que esta tivesse procedido às mesmas;
11. Na sequência desses contactos telefónicos, o Autor (através de Rui Carlos …) remeteu um e-mail em 11 de novembro de 2009, onde formalizou por escrito os diversos danos no edifício e para que a Ré pudesse proceder à sua reparação (cfr. documento de fls. 72 e 73, com o endereço de correio eletrónico de destino …@hotmail.com, com o conhecimento de …@ldc.pt), a saber:
No seguimento do contacto telefónico, no dia 10 de Novembro com a …, discriminam-se as situações que necessitam de ser reparadas nas garagens do lote supra referido, pisos -1 e -2:
 Os pisos -1 e -2 apresentam várias rachas nas paredes e no chão, com um tamanho e profundidade considerável;
O piso -2 apresenta uma infiltração por cima do ralo de escoamento de água;
As portas de acesso nos dois pisos das garagens encontram-se sem as borrachas protectoras. Nos últimos 3 anos verifica-se que as mesmas vão se soltando sem razão aparente;
A porta do piso -2, que dá acesso ao hall dos elevadores, fecha-se com uma enorme violência constituindo algum perigo na circulação/passagem de crianças;
PS: No lote 8, sempre que chove, verificam-se enormes infiltrações no acesso comum das garagens do piso -2. Encontram-se bem visíveis várias rachas de tamanho considerável. Esta é uma situação que tem vindo a ter várias intervenções por parte da …. até esta parte, no entanto denota-se que o processo terá de ter uma intervenção mais profunda já que começa a ser bastante recorrente”;
12. Apesar da utilização e do recurso aos aludidos endereços de correio eletrónico, a Ré recebeu e tomou conhecimento da comunicação de 11 de novembro de 2009;
13. Os defeitos existentes nas partes comuns do edifício elencam-se nos seguintes (cfr. registos fotográficos de fls. 74 a 87), por referência à data da propositura desta ação:
a) Danos no terraço da cobertura do prédio
- Infiltração de águas na cobertura do prédio, que afetam a estrutura do prédio e a fração correspondente ao último andar do edifício;
- Essa infiltração atravessa a cobertura do edifício, afetando o teto e a parede da suite do referido último piso, colocando em risco a estrutura do edifício;
b) Danos no rés-do-chão do edifício
- Problemas nas juntas de dilatação que geram humidade em algumas frações e na parede exterior do rés-do-chão, junto à porta de acesso ao prédio;
- Fissura na parede do hall de entrada, junto à caixa da central de telefones;
c) Danos nas garagens, piso -1
- Humidade no teto deste piso, por cima do ralo de escoamento de águas e na parede;
- Parede repleta de humidade junto ao lugar de estacionamento número 35;
- Humidade na parede junto ao portão de entrada, de acesso à garagem do piso -1;
- Fissuras generalizadas no chão da garagem, com dimensão e profundidade consideráveis;
- Tubos de escoamento de águas totalmente descascados e danificados;
- As fitas das portas corta-fogo de acesso dos elevadores para as garagens estão soltas e danificadas e, nalguns casos, nem sequer existem;
- São ainda visíveis infiltrações e fissuras generalizadas nas paredes e no chão, com dimensão e profundidade consideráveis;
d) Danos nas garagens, piso -2
- Infiltração por cima do ralo de escoamento de águas, também neste piso;
- Portas corta-fogo de acesso à garagem sem borrachas protetoras, sendo que, em algumas partes, as mesmas se apresentam soltas;
- A porta que dá acesso ao hall dos elevadores fecha-se com uma enorme violência, com perigo para quem por ali passa, nomeadamente, as crianças;
- Fissuras profusas várias por todo o pavimento deste piso de garagem e nas paredes da mesma;
14. Dos defeitos registados na ata número 1, apenas o da alínea d) do seu terceiro ponto (“d) proceder à reparação das portas corta-fogo do piso menos dois que para além da mola do fecho automático não funcionar, fazem muito ruído quando accionadas”) coincide com um dos atualmente existentes no edifício e perdura (piso -2: portas corta-fogo de acesso à garagem sem borrachas protetoras, sendo que, em algumas partes, as mesmas se apresentam soltas), tendo sido os demais (dos registados em janeiro de 2006) solucionados pelo Autor;
15. A situação do edifício agrava-se dia após dia, carecendo de reparação urgente, apesar do desinteresse manifestado pela Ré sobre o assunto;
16. O Autor solicitou um orçamento à sociedade …, Lda. – empresa que efetua reparações na área da construção civil – no montante global de € 4 875,00 (quatro mil, oitocentos e setenta e cinco euros), acrescido de IVA (cfr. documento de fls. 88 e 89), com a data de 30 de dezembro de 2010 e o teor seguinte:
“Orçamento para reparações a efectuar no prédio sito no Parque das Nações, Rua Nova dos Mercadores, … Lisboa:
- Reparação de rachas nas paredes e pintura das mesmas nos pisos -2 e -1;
- Reparação da infiltração de água no piso -2;
- Colocação de borrachas nas portas de acesso aos pisos -2 e -1;
- Arranjo da porta de acesso ao hall dos elevadores no piso -2;
- Reparação das rachas no pavimento no piso -2”;
17. Jorge Maria … foi gerente da Ré (como sociedade por quotas) e presidente do conselho de administração (como sociedade anónima), entre janeiro de 1986 e o dia 8 de outubro de 2009, data em que renunciou a este cargo (cfr. documento de fls. 469 a 474);
18. O endereço de correio eletrónico …@hotmail.com pertence a Cristina …, a qual foi secretária pessoal de Jorge Maria …, pelo menos, até finais de março de 2011; o endereço de correio eletrónico …@ldc.pt pertence à sociedade … Condomínio, Lda.

A. 2. E julgou não provados os seguintes fatos:

a) O Autor deu conhecimento à Ré dos defeitos registados na ata número 1 (de 6 de janeiro de 2006), a qual recebeu uma cópia da mesma;
b) A Ré solucionou os restantes defeitos registados na ata número 1;
c) Os defeitos existentes no edifício (elencados no ponto 13) devem-se a um mau uso nas partes comuns pelos vários condóminos ou visitantes que ali se deslocam ou, noutros casos, à deterioração dos materiais utilizados na sua construção, por falta de manutenção a cargo do Autor.

B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, supra descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal são as seguintes, que passamos a conhecer:

B. 1. Da apelação.
a) Se a exceção da caducidade deve improceder porque, por força do disposto no art.º 12.º do C. Civil, é aplicável o regime jurídico instituído pelo Dec. Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, e o apelante denunciou os defeitos no prazo de um ano e propôs a ação no prazo de três anos, previsto em tal diploma.
Como dos autos consta, a apelada defendeu-se por exceção, deduzindo a exceção perentória da caducidade do direito invocado pelo apelante, que o tribunal a quo julgou procedente em qualquer das suas três decisões proferidas nestes autos.
Pretende agora o apelante que não ocorre tal exceção porque é aplicável o regime jurídico instituído pelo Dec. Lei n.º 67/2003 e perante este foi respeitado, tanto o prazo de denúncia dos defeitos, como o prazo de propositura da ação.
A matéria de fato pertinente para apreciação da subsistência da invocada exceção é a acima descrita sob os n.ºs 10 a 12 da matéria de fato, nos termos da qual o apelante denunciou defeitos à apelada entre 29 de janeiro de 2009 e 11 de novembro de 2009, desconhecendo-se a data em que, ele apelante, tomou conhecimento dos mesmos.
Nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2, do C. Civil, constituindo a exceção um fato extintivo do direito do apelante e impendendo sobre a apelada o ónus da prova da respetiva factualidade, não podemos deixar de concluir que a denúncia dos defeitos em causa foi feita no respetivo prazo, quer o estabelecido pelo art.º 1225.º, n.º 2, do C. Civil, aplicado pelo tribunal a quo, quer o estabelecido pelo art.º 5.º-A, n.º 2, do Dec. Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, aditado pelo Dec. Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, cuja aplicabilidade é advogada pelo apelante, com exceção do defeito identificado sob o n.º 14 da matéria de fato, relativamente ao qual procederá a exceção da caducidade por denúncia para além do prazo.
Tendo a ação sido proposta em 31 de dezembro de 2010 e nela tendo a apelada sido citada em 30 de novembro de 2011 (n.º 8 da matéria de fato) a questão pertinente que à exceção da caducidade diz respeito é a de saber se, feita a denúncia, foi respeitado o prazo para fazer valer o direito à eliminação dos defeitos, com a propositura da respetiva ação.
E aqui reside o dissidio da apelação, uma vez que o tribunal a quo decidiu que esse prazo é o prazo de um ano, estabelecido pelo art.º 1225.º, n.º 2, do C. Civil, caso em que na data de entrada da ação, em 31/12/2010, se encontrava excedido, e o apelante pretende que o prazo em causa é o prazo de três anos, estabelecido pelo art.º 5.º-A, n.º 2, do Dec. Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, aditado pelo Dec. Lei n.º 84/2008, de 21 de maio.
O cerne da presente questão volve-se, pois, numa questão interpretativa e nesta de aplicação da lei no tempo.
Com efeito, depois de numa primeira decisão ter julgado procedente a exceção da caducidade sem considerar a hipótese de aplicação deste último diploma, na segunda decisão sobre a procedência da exceção o tribunal a quo rejeitou a sua aplicação com fundamento em que as obras ficaram concluídas em 2004 e na decisão sob sindicância rejeitou tal aplicação com fundamento em que os contratos de compra e venda em causa são anteriores a tal regime jurídico, louvando-se no acórdão desta Relação de 16/2/2012[1].
Não se vislumbrando fundamento para afastar a aplicação ao caso sub judice do regime jurídico instituído pelo Dec. Lei n.º 67/2003, uma vez que nele está em causa uma relação jurídica de consumo, como resulta dos nºs 3, 5 e 6 da matéria de fato supra, e tal regime jurídico se destinava a “…certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a proteção dos interesses dos consumidores, tal como definidos no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”, tal como constava na redação primitiva do seu art.º 1.º, n.º 1, o que está, afinal, em causa é a questão de saber se é aplicável ao caso sub judice o prazo de três anos, a contar da denúncia, para o exercício do direito estabelecido pelo art.º 5.º-A, n.º 2, desse regime jurídico, o qual só foi aditado pelo Dec. Lei n.º 84/2008, de 21 de maio.
Esta é uma questão de aplicação da lei no tempo, a qual deve obter resposta pela interpretação subsuntiva da respetiva norma, a saber, o art.º 12.º do C. Civil.
O art.º 12.º do C. Civil, começa por estabelecer no seu n.º 1, um princípio geral segundo o qual a lei só dispõe para o futuro, reafirma no seu n.º 2, primeira parte, esse mesmo princípio relativamente “…as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos…”, acrescentando-lhe uma regra de segurança, ou seja, que “…entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos…” e termina estabelecendo uma regra de aplicabilidade imediata para “…quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem…”, caso em que “…entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
No caso sub judice estão em causa defeitos de execução de obra que persistem à data da entrada em vigor do novo regime jurídico e está em causa o correspondente direito cujo termo inicial, ou seja, a denúncia dos defeitos em si, não tinha ainda ocorrido quando tal regime jurídico entrou em vigor, em 16 de junho de 2008, nos termos do disposto no art.º 5.º do DL n.º 84/2008, de 21 de Maio.
Como acima referimos, os defeitos foram denunciados entre 29 de janeiro de 2009 e 11 de novembro de 2009 (n.ºs 10 a 12 da matéria de fato), numa data em que se encontrava já em vigor o art.º 5.º-A, n.º 3, do Dec. Lei n.º 67/2003, o qual deve ser aplicado ao caso sub judice porque se trata do conteúdo de uma relação jurídica que nada tem a ver, quer com a data da conclusão da obra, quer com a data da celebração dos contratos de compra e venda[2].
Estas duas últimas vicissitudes serão relevantes para efeitos do prazo estabelecido, no art.º 1225.º, n.º 1 do C. Civil e no art.º 5.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 67/2003, em relação aos quais poderia, eventualmente, suscitar-se a mesma questão de aplicação da lei no tempo.
O prazo de três anos, após a denúncia, para fazer valer o direito à eliminação dos defeitos aplica-se, pois, à respetiva relação jurídica, nesta matéria subsistente pelo que, tendo a ação dado entrada em 31 de dezembro de 2010 e tendo a apelada sido citada em 30 de novembro de 2011, esse direito foi exercido em tempo, não tendo caducado.
Procede, pois, a apelação, devendo revogar-se a decisão recorrida, julgar improcedente a exceção perentória da caducidade e condenar-se a apelada no pedido, uma vez que se encontra feita a prova dos defeitos da obra e a sua não eliminação por parte desta.

B. 2. Da ampliação suscitada nas contra-alegações.
b) Se deve ser alterada a decisão em matéria de fato declarando-se não provados os fatos sob os n.ºs 10, 12 e 15, 2.ª parte da matéria de fato, que devem ser declarados não provados, sendo que o n.º 12 mais não é do que uma conclusão retirada em erro dos fatos sob os n.ºs 11, 17 e 18, os quais impunham uma conclusão diametralmente oposta, acontecendo apenas que o que houve foi, tão só desconhecimento dos defeitos, existindo contradição entre os pontos 11, 17 e 18 da matéria de fato, por um lado e os pontos, 10,12 e 15, por outro.
Esta matéria respeita à exceção da caducidade, como alvitrado pela apelada ao requer a ampliação do recurso, “…prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas…”, nos termos do disposto no art.º 636.º, n.º 2, do C. P. Civil, a qual constitui um fato extintivo do direito invocado pelo A/apelante e cujo ónus da prova pertencia à própria apelada, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2, do C. Civil, como acima referimos.
E assim, impendendo sobre o A/apelante o ónus da prova dos defeitos e da sua não eliminação por parte da apelada, sobre esta impendia o ónus da prova de que a denúncia foi feita depois de esgotado o prazo respetivo e/ou a ação foi interposta depois de esgotado o respetivo prazo.
Ora, os números 10, 12 e 15 da matéria de fato, tal como fixados pelo tribunal a quo, são unicamente demonstrativos do alheamento da apelada relativamente aos defeitos da obra e estão em sintonia com o tempo decorrido entre a entrada da ação, em 31 de dezembro de 2010 e a citação da apelante, apenas em 30 de novembro de 2011, do mesmo modo que estão em sintonia e de modo algum em contradição, com a organização empresarial evidenciada pelos números 11, 17 e 18 da matéria de fato.
O que estes fatos também evidenciam é o desinteresse a que se reporta a parte final do fato sob o n.º 15 e relativamente ao qual não existe nos autos qualquer contraprova, nem a apelante a indica.
Olvida a apelada que para fazer denúncia de defeitos é preciso encontrar denunciante e que a obnubilação deste durante o prazo de denúncia sempre corresponderia ao cumprimento do ónus respetivo, por parte do denunciante.
Insurgindo-se contra os fatos em causa, não demonstra a apelante, nem tal consta dos autos, que a denúncia lhe pudesse ser feita por qualquer outro modo, ou em qualquer outra pessoa, sendo que, esse sim, seria o pressuposto base para tal impugnação.
Na ausência dele, resta-nos o veredicto do tribunal a quo, extensa e pormenorizadamente fundamentado e de que destacamos:
- “Segundo o administrador do prédio afirmou no início, os contactos eram sempre estabelecidos por intermédio da “arquiteta Cristina …”, a qual faria a ponte com a administração da sociedade Ré… Foi-lhe sempre negado o contacto direto com o administrador da Ré” (n.º 10 da matéria de fato);
- “Com efeito, o administrador do condomínio Autor, falando com assertiva objetividade, isenção (não obstante aquele seu cargo) e sinceridade nos termos do seu discurso, com conhecimento direto dos factos em presença, frisou em audiência (além do mais, por via de acareação) que o condomínio devia contactar com a pessoa indicada pela própria Ré como sendo a sua interlocutora… foi a própria testemunha Jorge Maria … a especificar oralmente que … a Ré não tem funcionários para atender telefones… não consta dos presentes autos ou da prova produzida que ao Autor tivesse sido fornecido um outro “endereço” diferente para se relacionar com a sociedade Ré; ao invés, o documento inserto a fls. 361 e 362 sustenta a ilação contrária, ou seja, de que tal contacto se manteve, pelo menos, até finais de março de 2011, intermediado pela secretária Cristina …” (n.º 12 da matéria de fato);
- “…de acordo com os aduzidos fundamentos probatórios – designadamente, as declarações de Rui Carlos … e os depoimentos de José Gonçalo … e Maria Cristina … – daí deflui que a espera pelo desenrolar da situação em litígio vem agravando os danos produzidos nas partes comuns do edifício, o qual se deteriora dia após dia…a prova contrária produzida pela Ré não fez frente, nos termos acima descritos, mais denotando um efetivo desinteresse manifestado por esta empresa sobre a resolução definitiva do assunto” (fato sob o n.º 15).
Esta a realidade processual em face da qual improcede a argumentação da apelada, quer a título de contradição, quer a título de alteração do decidido pelo tribunal a quo, que assim se mantém.
Improcede, pois, a requerida ampliação do objeto do recurso.

B. 3. Procede, pois, a apelação, improcedendo a requerida ampliação do seu objeto, devendo revogar-se a decisão recorrida, julgar-se improcedente a exceção da caducidade relativamente aos defeitos da obra, com exceção dos identificados sob o n.º 14 da matéria de fato, julgar-se procedente a ação nessa medida e, em consequência, condenar-se a R/apelada no pedido, a saber, a proceder à eliminação dos defeitos, com exceção dos identificados sob o n.º 14 da matéria de fato

C) EM CONCLUSÃO.

1. Estando em causa defeitos de execução de obra que persistem à data da entrada em vigor do regime jurídico aprovado pelo Dec. Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redação do Dec. Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, e tendo a denúncia desses defeitos ocorrido depois da entrada em vigor desse regime jurídico, em 16 de junho de 2008, nos termos do disposto 12.º, n.º 2, in fine, do C. Civil, é aplicável o prazo de três anos, após a denúncia, para fazer valer o direito à eliminação dos defeitos estabelecido pelo art.º 5.º-A, n.º 3, do Dec. Lei n.º 67/2003, uma vez que se trata do conteúdo de uma relação jurídica que nada tem a ver, quer com a data da conclusão da obra, quer com a data da celebração dos contratos de compra e venda.
2. Tendo os defeitos sido denunciados entre 29 de janeiro de 2009 e 11 de novembro de 2009 e tendo a tendo a ação dado entrada em 31 de dezembro de 2010, com a citação da apelada em 30 de novembro de 2011, esse direito foi exercido em tempo, não tendo caducado.

 
3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e improcedente a requerida ampliação do seu objeto, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se improcedente a exceção da caducidade relativamente aos defeitos da obra, com exceção dos identificados sob o n.º 14 da matéria de fato, julgando-se procedente a ação nessa medida e, em consequência, condenando-se a R/apelada no pedido, a saber, a proceder à eliminação dos defeitos, com exceção dos identificados sob o n.º 14 da matéria de fato.
Custas pela apelada na totalidade, atenta a insignificância do decaimento da apelante.


Lisboa, 03 de março de 2015.


(Orlando Nascimento)

(Alziro Cardoso)

(Dina Monteiro)


[1] In dgsi.pt. Relator: Tomé Ramião.
[2] Neste sentido o acórdão desta 7.ª Seção Cível de 5/6/2012 (Relatora: Ana Resende), citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2010, in dgsi.pt