Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23968/16.0T8LSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS
DEVER DE INFORMAR
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do Código dos Valores Mobiliários são actividades de intermediação financeira: a) Os serviços de investimento em valores mobiliários; b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento; c) A gestão de instituições de investimento colectivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições.
2. Os serviços de investimento compreendem: a) A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.
3. O objectivo essencial da actividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes.
4. Ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, destacam-se os deveres de informação, expressos no art.º 312.º do CVM, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”.
5. A informação a prestar pelo intermediário financeiro a investidor não qualificado será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude.
6. O intermediário financeiro constitui-se em responsabilidade civil quando viole deveres respeitantes ao exercício da sua actividade que lhes sejam impostos por lei, presumindo-se a sua culpa quando o dano seja originado pela violação de deveres de informação.
7. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, visto que, quanto menor for o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento, maior será a sua necessidade de protecção.
8. Sendo o autor um cliente tradicional, avesso ao risco, habituado a aplicar as suas poupanças em depósitos a prazo ou equiparados, ao subscrever obrigações subordinadas sobre a sociedade detentora do banco, convencido de que se tratava de aplicação idêntica a um depósito a prazo e, provando-se que não efectuaria tal aplicação financeira se tivesse sido esclarecido acerca das caraterísticas da mesma, impõe-se a reparação do dano consistente na colocação do lesado na posição patrimonial em que se encontraria no caso de não ter efectuado essa aplicação, o que, no caso, equivale à restituição ao autor da quantia aplicada, acrescida de juros.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO

AMÍLCAR, residente …… e MANUEL, residente….., intentaram, em 30.09.2016, acção declarativa contra BANCO PORTUGUÊS, S.A., com sede ….., pedindo:
a) a condenação da ré a reconhecer que se vinculou perante os AA. a coassumir a obrigação de reembolso do capital subscrito no produto SLN Rendimento Mais 2004 e respectivos juros nos mesmos moldes em que sucederia se de um depósito a prazo se tratasse e, por conseguinte, a pagar aos AA. a quantia de € 300.000,00, acrescida dos respectivos juros à taxa civil em vigor, contados desde 27 de Outubro de 2004;
b) a título subsidiário, que seja convertido o negócio jurídico em causa num contrato de depósito a prazo e, por conseguinte, a condenação da R. a proceder à restituição aos AA. da quantia de € 300.000,00, acrescida dos respectivos juros à taxa civil em vigor, desde a 27 de Outubro de 2014;
c) subsidiariamente, que seja declarado nulo o negócio jurídico em causa e, por conseguinte, ser a R. condenada a restituir aos AA. a quantia de € 300.000,00, acrescida dos respectivos juros de mora às taxas civis em vigor, desde a citação;
e, se assim não se entender,
d) a condenação da R. a indemnizar os AA. pelos prejuízos sofridos, nomeadamente a pagar aos AA. a quantia de € 300.000,00, acrescida dos respectivos juros de mora às taxas civis em vigor, desde 27 de abril de 2014.
Fundamentaram os autores, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:
1. Os Autores mantêm uma sociedade irregular que se dedica à exploração agro-florestal no Alentejo, sendo paralelamente sócios maioritários de uma outra sociedade, com mais de 25 anos, denominada Petróleos, Lda., com sede em …, enquanto o Réu é um banco comercial que anteriormente girava sob a denominação Banco Português de Negócios, S.A.”;
2. Até à nacionalização do “BPN”, a totalidade do capital social deste era detida pela “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” e a administração era comum.
3. Os Autores, quer individualmente considerados, quer as sociedades a que estavam ligados eram praticamente desde a sua fundação, clientes do banco Réu, através da agência de L., mantendo relações de confiança com a estrutura dirigente da aludida agência, essencialmente com os funcionários Santos e Borges, responsáveis pela gestão das contas dos autores.
4. Os autores eram aforradores tradicionais, detendo ao longo dos anos no Banco réu vários depósitos a prazo.
5. Em meados de Outubro de 2004, os AA tinham disponibilidades financeiras na conta n.º 21003508.10.001 de que eram titulares no Banco Réu na ordem dos 300.000,00 euros, fruto da campanha de extração e venda de cortiça desse mesmo ano, tendo constituído um depósito a prazo no valor de € 290.000,00 em 15 de Outubro de 2004.
6. Nessa altura, e por “infortúnio” dos AA, o Banco Réu em 07 de Outubro de 2004, emitiu uma nota interna subordinada ao assunto “SLN Rendimento Mais 2004”, da qual consta que “O Conselho de Administração decidiu lançar uma emissão de obrigações Subordinadas a 10 anos denominada “SLN Rendimento Mais 2004” para consolidação da dívida da SLN, SGPS, SA”.
7. A aludida nota, menciona expressamente que “A total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o Grupo”.
8. Destaca-se ainda que da leitura da aludida nota interna, resulta de forma expressa que estava garantido “100% do capital investido”.
9. O objectivo de conseguir a integral subscrição desta emissão era de tal modo importante para os respectivos emitentes que foram estabelecidos prémios a atribuir em Dezembro, aos colaboradores, mas dependentes do grau de realização dos objectivos deste produto.
10. O documento denominado de nota interna, impresso em papel timbrado do Banco Réu e apenas deste, destaca-se a “INTEGRAÇÃO DO SLN RENDIMENTO MAIS 2004 NO CAMPENATO BPN 2004”, considerando-se mesmo que “dada a importância estratégica do SLN Rendimento mais 2004, esta emissão integra o campeonato BPN 2004 com uma posição de destaque, designando-se Super Prova Especial. Assim a atribuição de prémios em Dezembro encontra-se dependente do grau de realização dos Objectivos (GRO) deste produto”.
11. Depois era estabelecida uma pontuação sempre ligada à atribuição dos prémios em Dezembro.
12. Sob o título “ARGUMENTÁRIO” a referida nota interna afirma expressamente “O SLN Rendimento Mais 2004 é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos”.
13. Neste contexto o A. Amílcar é contactado pelos senhores Santos e Borges, funcionários da R. da agência de L., que lhe apresentam o produto “SLN Rendimento Mais 2004”, enfatizando o facto de se tratar de um produto financeiro com o capital 100% garantido pelo Banco R.
14. Isto porque os referidos gestores de conta, bem sabiam que o A. Amílcar, ao longo de toda a relação comercial, sempre deixou bem claro que não estaria interessado em qualquer produto que envolvesse risco de perda de capital.
15. Mais, foi-lhe inclusivamente garantido que caso necessitasse do capital, no espaço de 2/3 dias, o mesmo seria mobilizado pois o Banco encarregar-se-ia de promover a respectiva venda.
16. No fundo, foi-lhe explicado que tudo se passaria como se fosse um depósito a prazo tradicional, apenas com uma taxa de juro ligeiramente superior, tratando-se de um produto cujo capital estava 100% garantido pelo Banco.
17. Destaca-se que na data em que foi apresentado o aludido produto ao A. Amilcar, os funcionários do Banco Réu tinham prévio e pessoal conhecimento das disponibilidades financeiras que na altura os AA dispunham no Banco.
18. Tanto assim é que para cumprir o requisito de múltiplos de € 50.000,00 e tendo os AA aplicado a prazo apenas € 290.000,00, os funcionários do Banco oficiosamente movimentaram para a referida conta, mais € 10.000,00 de outra conta de que os AA eram titulares, perfazendo, assim, a importância total de € 300.000,00.
19. A confiança dos AA nos ditos funcionários do Banco era de tal modo forte, que “subscreveram” o produto financeiro em causa sem terem assinado qualquer tipo de documento, e completamente convencidos, porque tal lhe foi assegurado pelo Banco R. na pessoa dos seus funcionários, que estariam a efectuar um produto financeiro em tudo equiparado a um depósito a prazo a 10 anos, com melhor taxa de juro, mas acima de tudo estavam absolutamente convencidos que o capital investido estava garantido pelo Banco, sendo que foi este o elemento essencial na tomada de decisão.
20. Este argumento – capital 100 % garantido – consta expressamente da nota interna do Banco e que serviu de base para os funcionários do Banco R. apresentarem e “venderem” o produto junto dos depositantes do Banco.
21. Daí que os funcionários do Banco R., em bom rigor, se tenham limitado a zelosamente cumprir as instruções recebidas da sua hierarquia e “maxime” da sua Administração.
22. Portanto, os AA concordaram com as condições que os funcionários do Banco, em pleno exercício das suas funções, lhe apresentaram, não existindo a este nível qualquer divergência, pois estes (representantes do Banco) informaram os AA que o produto, em termos práticos, teria o mesmo valor que um depósito a prazo.
23. Perante as informações prestadas pelos representantes do Banco os AA confiaram que a operação não envolveria para si qualquer risco e acabaram por adquirir o produto em causa – SLN Rendimento Mais 2004, no valor total de € 300.000,00.
24. Ainda que nunca tenham assinado qualquer boletim de subscrição de obrigações ou qualquer outro tipo de documento equivalente, tal como também não lhes foi entregue qualquer nota informativa, pelo que os AA apenas se basearam e acreditaram nas declarações prestadas pelos representantes do Banco.
25. Após a nacionalização, os mesmos funcionários acabaram por se retratar, acabando por confessar que tinham consciência que as pessoas não estavam a ser convenientemente esclarecidas sobre a natureza da aplicação financeira que estavam a realizar.
26. Mais confirmam que esta foi uma política seguida pelo banco R. a nível nacional e que tinha como pressuposto e objectivo levar os titulares de depósitos a prazo ou de outras aplicações de caracter conservador no Banco, a mobilizar tais fundos na subscrição deste produto, cujos reais contornos eram deliberadamente ocultados.
27. Os funcionários do Banco foram devidamente instruídos, no sentido de e para colocarem o produto, informarem os potenciais investidores, de que o capital do investimento, naquele produto, estava 100% garantido pelo próprio banco cuidado da Administração do Banco foi tal que indexou os resultados da colocação deste produto no mercado aos prémios anuais dos funcionários do Banco condicionando-os também por essa via.
28. Lançando mão do disposto no art.º 3, al.12 do Aviso n.º 12/92 do Banco de Portugal que permitia a realização de fundos próprios do Banco mediante “empréstimos subordinados cujas condições sejam aprovadas pelo Banco de Portugal”, foi engendrado, ao mais alto nível das estruturas dirigentes da R. um plano que visava em última análise a “apropriação”, nos termos expostos, de grande parte das quantias depositadas na instituição.
29. Uma vez elaborado o plano e materializado na nota informativa, foi o mesmo transmitido aos directores de zona que depois o retransmitiram aos gerentes de cada um dos balcões do Banco R.
30. Foram dadas instruções precisas aos funcionários para não entregarem aos potenciais clientes a nota informativa anexa à nota interna.
31. Os clientes deveriam ser convencidos a aderir ao novo produto como se estivéssemos perante um sucedâneo de um depósito a prazo.
32. Vigorava na altura a instrução de serviço n.º 19/01 de 5/2/2003 que debruçando-se  sobre  o  tema  “Mercado  de  capitais e papel comercial” determinava que a entidade que garantia a solvabilidade do papel comercial emitido era o Banco R.
33. Portanto, os valores captados na execução deste plano foram integralmente utilizados para reforçar os rácios de capitais próprios do banco R. e dessa forma cumprir com as exigências do Banco de Portugal.
34. Foi dinheiro que era dos depositantes do banco que continuou no banco, mas agora a título de capitais próprios…!
35. O plano foi de tal modo bem elaborado que as informações internas foram transmitidas de forma a que a maioria dos funcionários do banco e seguramente os que atrás referimos da agência de L., estavam genuinamente convencidos que estavam a vender um produto seguro e com capital garantido.
36. No dia 25 de Outubro de 2004 os AA, por telefone, autorizaram a aquisição do produto denominado SLN Rendimento Mais 2004, pelo valor total de € 300.000,00 e a que correspondem 6 obrigações SLN Rendimento Mais.
37. Fizeram-no totalmente convencidos que estariam a adquirir um simples sucedâneo de um depósito a prazo, que levantariam quanto entendessem, seduzidos por uma taxa de juros mais atraente.
38. Os AA. não visualizaram nem assinaram qualquer boletim de subscrição das seis obrigações, somente tendo o extracto da referida conta onde se verifica a aquisição do produto SLN Rendimento Mais, no valor global de € 3000,00,00, valor, esse que efectivamente foi retirado da aludida conta dos AA.
39. Os AA confiaram na palavra dos funcionários do Banco R., pessoas que conheciam há vários anos e que tinham em alta estima e consideração.
40. Estes funcionários sabiam perfeitamente que era condição essencial para os AA que o produto fosse garantido ao nível do respectivo capital, como também sabiam que era essencial a possibilidade de resgate quando entendessem, pois que no seu giro comercial tanto se podem gerar excedentes financeiros como necessidade de financiamento, o que era do perfeito conhecimento desses funcionários.
41. Jamais os AA teriam adquirido tal produto se lhe tivessem sido explicadas as características do mesmo, nomeadamente quanto a reembolso antecipado, garantia e subordinação.
42. Tanto mais quanto é certo que estava apenas em causa, um diferencial inferior a 2% na taxa de juro relativamente a um depósito a prazo normal.
43. Antes da data prevista para o reembolso de capital – 27 de Outubro de 2014 – os AA pretenderam obter o reembolso antecipado do dinheiro aplicado, uma vez que estavam a necessitar, com urgência, de capital para investirem na actividade agroflorestal a que se dedicam.
44. Foram, então, foram informados pelos funcionários do Banco R. da agência de L., que tal reembolso não seria possível de efectuar, explicando, não ser possível movimentar em bolsa este tipo de produto e que o Banco não tinha interessados em adquirir o mesmo,
45. Pelo que informaram os AA que o reembolso apenas ocorreria na data do respectivo vencimento, ou seja, em 27 de Outubro de 2014.
46. Porém, chegada a data fixada para o reembolso do capital aplicado – 27 de Outubro de 2004 - o banco R. não procedeu ao reembolso do montante de € 300.000,00, não obstante as sucessivas promessas de pagamento efectuadas por parte de funcionários do próprio Banco e inclusivamente de membros do Governo.
47. Uma vez incumprido o prazo para reembolso do capital, no dia 04 de Novembro de 2014, os AA interpelaram para pagamento o Banco R., concedendo o prazo máximo de 5 dias para o banco R. proceder ao reembolso do montante de capital aplicado no produto SLN Rendimento Mais.
48. Em resposta o Banco R. procurou eximir-se de qualquer responsabilidade sobre o produto por si comercializado em 2004, empurrando a responsabilidade sobre o mesmo para uma sociedade terceira – SLN – com a qual os AA nunca tinham tido qualquer contacto.
49. Só então, e tendo em consideração o “escândalo BPN” e incumpridos os prazos  para  reembolso  do  capital  aplicado,  tudo  conjugado  com  a tentativa do banco R. eximir-se de qualquer responsabilidade sobre o produto por si comercializado em 2004, é que os AA. se aperceberam do que se estava a passar com o produto SLN Rendimento Mais 2004, nomeadamente tiveram noção do esquema que havia sido engendrado.
50. Os AA apenas tinham relacionamento com os funcionários do R. da Agência de L., nunca falaram com ninguém, fosse sob que forma fosse, com qualquer representante ou funcionário da SLN, nem tão pouco sabiam da existência desta sociedade.
51. Mais podem hoje afirmar que as próprias obrigações que levaram à retirada da conta dos respetivos titulares de milhões de euros, não estavam, à data, depositadas, em qualquer conta de valores mobiliários escriturais, fosse ela do banco réu fosse da SLN.
52. Situação é particularmente grave, na medida em que tudo resultou de um plano superiormente traçado pela administração do banco e da sua acionista para capitalizar a instituição à custa dos seus próprios depositantes, plano esse que previa e determinava de forma expressa que fosse usado, comercialmente, o engano, o embuste, a ocultação, a deslealdade, enfim, tudo o que fosse necessário à anuência do cliente, viciando a sua real vontade, por forma a levá-lo a concluir um negócio que se estivesse devidamente esclarecido e informado, jamais o faria!
53. Foi uma actuação dolosa, com origem nas cúpulas dirigentes do Banco e do seu acionista, cujas administrações eram as mesmas, e que acabou por usar toda a estrutura hierárquica do banco R., num maior ou menor grau de comprometimento e em muito casos de desconhecimento, mas trabalhando em conjunto em vista do assinalado objectivo fraudulento.
Citado, o Banco réu apresentou contestação, em 14.011.2016, invocando a excepção peremptória da prescrição, e impugnou a quase totalidade da matéria alegada pelos Autores.
Concluiu o Banco réu, pedindo a improcedência da acção, por não provada e que a sua absolvição do pedido.
Por despacho 10.03.2017, foi dispensada a audiência prévia, fixado o valor da acção, elaborado o despacho saneador, relegando para final o conhecimento da excepção de prescrição. Foi identificado o objecto do litígio, enunciados os Temas da Prova, admitida a prova testemunhal e designada data para a audiência final.
Realizada a audiência final, em 30.06.2017, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 06.10.2017, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:
Por todo o exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, condeno a R. a pagar aos AA., a título de indemnização, a quantia de € 300.000,00, acrescida de juros desde 27 de outubro de 2014.
Custas pela R.
Notifique e registe.
Inconformado com o assim decidido, o Banco réu interpôs, em 10.10.2017, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES do Banco recorrente:
i. O Apelante não se conforma com a decisão da matéria de facto no tocante aos factos 5, 7 e 8.
ii. E concretamente na parte em que se considerou provado
a. ter sido informado aos AA. tratar-se de um produto do próprio banco;
b. os AA. terem ficado no convencimento de que seria o Banco a reembolsar o investimento;
c. ser essencial para a tomada decisão dos AA., que o produto fosse especificamente do banco.
iii. A douta decisão recorrida fundou a decisão de considerar estes factos como provados exclusivamente no depoimento da testemunha Borges, por ser o único com conhecimento directo dos factos relativos à informação prestada aos AA. por ocasião da subscrição do instrumento financeiro,
iv. A mesma sentença afirma que o Tribunal não se deixou convencer pela mesma testemunha em todos os factos em que houve mais que uma pessoa depor sobre a mesma matéria... ou seja, sempre que possível contraditar, a credibilidade da testemunha em causa soçobrou!
v. Quanto à matéria dos factos em causa, mais testemunhas houve que esclareceram que era claro quem era a entidade emitente das Obrigações, qual a entidade que era claro ser responsável pelo respectivo pagamento, quais as características destes instrumentos financeiros, e quais as semelhanças em comparação com depósitos.
vi. E mais uma vez fica absolutamente claro que a testemunha Borges, também a este respeito, é manifestamente tendenciosa e incoerente,
vii. Até porque ele próprio assume que os seus conhecimentos técnicos sobre o produto ter-lhe-iam sido transmitidos em reuniões com a hierarquia – reuniões que, diga-se mais ninguém admite terem existido!
viii. Não conseguindo, inclusive, esclarecer sobre a natureza do produto que terá informado o cliente, sabendo de antemão que o mesmo era uma Obrigação, ou sequer dizer de forma simples o que concretamente informou aos AA. a este propósito.
ix. Crê o Recorrente que tal depoimento demonstrou uma óbvia e manifesta falta de credibilidade, não em apenas em concretas passagens mas no seu todo!
x. A este propósito, e evidenciador da manifesta confusão do depoimento da testemunha Borges, vejam-se as passagens do seu depoimento entre 1:09:48 e 1:10:31, entre 1:32:48 e 1:34:00 ou entre 1:36:31 e 1:37:10, ou ainda entre 1:40:00 e 1:42:10.
xi. Enfim, não merecendo este depoimento credibilidade, não poderá nunca ser fundamento para se considerar como provados factos absolutamente fulcrais para a pretensão dos AA.
xii. Por oposição, veja-se o depoimento de Santos entre 0:15:20 – 0:20:00, 0:29:40 – 0:33:50 ou 0:56:43 – 0:58:05.
xiii. Os factos 5, 7 e 8 não podiam ter sido considerados como provados.
xiv. O Apelante, tendo em atenção o que vem de alegar, não praticou qualquer acto ilícito.
xv. Um produto financeiro com capital garantido corresponde à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade;
xvi. Mesmo que se compare o investimento efectuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro – o depósito a prazo - essa garantia não existe.
xvii. As Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante.
xviii. O Banco Réu não estava como não está obrigado a advertir o investidor sobre a essa hipótese de insolvência do emitente.
xix. A condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelos Autores é manifestamente excessiva e não cumpre com a critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber do emitente do título, no âmbito de processo de liquidação de activos, na Insolvência.
xx. O Autor não alegou nem provou (o que vimos sublinhando desde a contestação...) que se não fosse aquela putativa garantia de capital e juros, não teria subscrito a aplicação financeira em Obrigações SLN.
xxi. Ao decidir como fez, a douta decisão violou, por errónea interpretação ou aplicação, o disposto nos artºs 483 e 563 do Código de Processo Civil e 304 do Código de Valores Mobiliários.
Pede, por isso, o Banco apelante, a procedência do recurso de apelação e, em consequência, a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Apelante do pedido.
Os autores apresentaram contra-alegações, em 12.01.2018, propugnando pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
i. A sentença não merece qualquer censura a nível dos pontos enumerados pela recorrente nas suas alegações, tendo sido a esse respeito, efectuada uma cuidada e ponderada apreciação da prova produzida pelo tribunal a quo.
ii. Quanto à solução de Direito aplicada pelo Tribunal a quo aos factos considerados como provados, se temos a mesma por correcta, não podemos deixar de entender que outras soluções de Direito também se adequam ao caso concreto, com a certeza que todas elas implicariam a condenação da recorrente em igual medida.
iii. Ao dar como provados os factos n.º 5, 7 e 8 da matéria de facto considerada como provada, o tribunal a quo fez uma correcta apreciação da prova produzida, e do seu texto não resulta, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, qualquer erro na sua apreciação.
iv. Tais factos encontram-se totalmente demonstrados pelo depoimento da testemunha Borges (cfr. passagens do seu depoimento supra identificadas e transcritas), funcionário do Banco R. há mais de 19 anos e a pessoa que nessa qualidade apresentou ao A. Amílcar o produto financeiro aqui em causa, nos termos relatados ao tribunal a quo.
v. Nomeadamente apresentou ao A. Amílcar um produto do próprio banco BPN, garantido pelo banco, com risco semelhante ao depósito a prazo e um produto facilmente transacionável.
vi. Resultou também do seu depoimento, nomeadamente das passagens acima assinaladas e transcritas, que os AA. estavam convencidos que o capital investido no produto seria reembolsado pelo banco e que na tomada de decisão dos AA. era essencial ser um produto do próprio banco, o que de resto era do conhecimento da própria testemunha.
vii. Ou seja, resultou se forma clara do seu depoimento que se tivessem sido explicados aos Autores os reais contornos do produto financeiro aqui em causa, os mesmos não teriam subscrito o mesmo.
viii. Quanto ao seu depoimento, pretende a recorrente atacar a credibilidade da testemunha acusando-se de ser tendenciosa quando na verdade esta testemunha, sob juramento, fez um depoimento contrário aos interesses da sua entidade empregadora (banco R.) e aos seus próprios interesses pessoais,  sem receio das responsabilidades que lhe possam vir a ser assacadas pelo próprio banco R.
ix. De resto, e contrariamente ao que conclui a recorrente, não se vislumbra em que medida poderá o depoimento das testemunhas Santos e Luís, no essencial, infirmar o depoimento da testemunha Borges, na medida em que tanto um como outro não tiveram qualquer intervenção na apresentação e venda do produto em causa aos AA.
x. Resulta do depoimento da testemunha Santos (cfr. passagens do seu depoimento supra identificadas e transcritas) que este, então Administrador do Banco, tem plena convicção de que os clientes do banco R. não conheciam as reais características do produto SLN Rendimento Mais 2004, sendo certo que se tivessem sido devidamente informados é também convicção da testemunha que não teriam aderido ao mesmo.
xi. Na verdade, o depoimento da testemunha Santos serve para confirmar que o banco R. tudo fez para que os clientes não soubessem os reais contornos do produto em causa, não entregando a ficha técnica, não entregando qualquer boletim de subscrição de obrigações (Doc. 4 e 5 da PI não impugnados), fazendo depender todas as condições que compõem o negócio jurídico aqui em causa das informações prestadas pelo vendedor do mesmo (Borges).
xii. Relativamente ao depoimento da testemunha Luís (cfr. passagens do seu depoimento supra identificadas e transcritas) também não vemos em que medida possa infirmar o depoimento da testemunha Borges, pelo contrário, serve precisamente para confirmar, no geral, a forma como era comercializado o produto SLN Rendimento Mais 2004 (como produto do banco BPN e por este garantido) e a insuficiência de formação/preparação para a venda de produtos desta natureza revelada pelos funcionários do banco.
xiii. De modo que ponderada toda a prova produzida não merece qualquer censura a consideração dos factos 5, 7 e 8 da d. sentença como factos provados, na medida em que a prova produzida impõe tal resultado, encontrando-se o percurso lógicoracional do julgador perfeitamente identificado na d. sentença.
xiv. Face aos factos provados, resulta que a conduta do banco R., materializada nas informações prestadas pelo seu funcionário Borges, configura um caso gritante de violação do dever de informação.
xv. Nomeadamente o banco R. não explicou aos Autores a real natureza, características e risco do tipo de instrumento financeiro que estavam adquirir, apresentando, sim, o produto do banco, garantido pelo banco e de risco equiparado ao depósito a prazo.
xvi. Ora, tendo ficado demonstrado que o banco Réu procedeu à venda do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação a que estava adstrito, torna-se responsável pelos prejuízos causados aos AA., nos termos do art.º 314, n.º1 do Código dos Valores Mobiliários.
xvii. In casu, verifica-se o total preenchimentos dos pressupostos da responsabilidade civil: a existência de um facto ilícito (violação do dever de informação configurado na apresentação do produto como sendo um produto do banco com o capital garantido pelo banco), a culpa (a qual se presume nos termos do art.º 799, n.º1 do CC, cuja presunção de culpa não foi ilidida pelo banco), um dano (perda do capital) e temos um nexo de causalidade entre o facto e o dano (e que de resto a Doutrina também considera estar abrangida pela presunção do art.º 799, n.º1 do CC).
xviii. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano casado, deve ser aferido através da demonstração de que se tais deveres de informação tivesse sido cumpridos, os AA. não teriam investido naquela aplicação, conforme defendido no já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2016, processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1, e que de resto resulta da factualidade dada como assente da decisão recorrida.
xix. É de todo infundada a conclusão vertida pela recorrente no artigo 20 das suas conclusões na medida em que tal é expressamente contrariado pelos factos n.º 5, 7, 8 e 9 dos factos considerados como provados na d. sentença.
xx. Tal como é também infundada a alegação da recorrente de que a condenação da Ré no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelos Autores seja excessiva e que não cumpra com a teoria da diferença.
xxi. O valor da indemnização pela qual o banco R. vem condenado corresponde ao valor do dano por si provocado, não constituindo qualquer espécie de enriquecimento por parte dos Autores mas sim o mero ressarcimento na justa medida do dano sofrido com a conduta do banco Réu.
xxii. Com a certeza de que o banco Réu não alegou e por conseguinte não consta da da sentença recorrida, qualquer factualidade susceptível de provar quaisquer factos que justifiquem a redução do valor indemnização.
xxiii. Pelo que, a condenação do Banco R. no pagamento aos Autores, a título de indemnização, da quantia de € 300.000,00, não merece qualquer censura, sendo adequada aos danos causados.
xxiv. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo efectuou uma correcta aplicação das normas jurídicas em causa aos factos considerados como provados.
Os autores, simultaneamente, e de forma subsidiária, interpuseram recurso subsidiário, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
i. Os ora recorrentes na sua Petição Inicial efectuaram um pedido, de forma subsidiária, em que em todas eles, independentemente da solução de direito a seguir, se pediu a condenação do Banco R. no pagamento aos AA. da quantia de € 300.000,00, acrescida de juros desde 27 de Outubro de 2014.
ii. Tendo o banco R. apresentado recurso de apelação com vista a revogação da d. sentença - que o condenou o banco no pagamento aos AA., a titulo de indemnização, da quantia de € 300.000,00, acrescida de juros desde 27 de Outubro de 2014 - e a sua substituição por outra que absolva o banco do pedido, e apesar da forte convicção dos AA. de que tal recurso terá de ser julgado como improcedente e por conseguinte mantida a decisão nos seus precisos termos, o que a acontecer tornará a apreciação do presente recurso desnecessária, por uma questão de cautela, os AA. Interpõe o presente recurso subordinado (ao resultado do recurso de apelação interposto pelo Banco Réu), com vista a apreciação:
a) Da prova gravada referente à primeira parte do n.º1 dos factos não provados e a sua articulação/contradição com os números 5, 7 e 8 dos factos provados;
b) Improcedência da al. a) do pedido apresentado pelos Autores com a PI.
iii. A nível da matéria de facto, os Autores e ora recorrentes não se conformam com a consideração da primeira parte do ponto um dos factos não provados - O BPN instruiu os seus funcionários para informarem os potenciais investidores que o capital investimento no produto estava 100% garantido pelo banco – como facto não provado, porquanto entendem que resultou precisamente o contrário da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
iv. Considerando que o produto financeiro em causa foi única e exclusivamente apresentado e vendido aos Autores pela testemunha Borges, importa ter presente o seu depoimento, nomeadamente as passagens transcritas nas alegações acima vertidas (e a que correspondem os minutos 01:08:51, 01:12:50, 01:37,09, 01:041:14, 01:42:25 e 01:50:55 do ficheiro de gravação).
v. Das mesmas resulta que a testemunha Borges, foi absolutamente perentória ao afirmar que apresentou o produto em causa como sendo um produto do banco Réu e garantido pelo Banco Réu, isto é, assegurou aos Autores que o capital investido sempre seria reembolsado pelo próprio Banco.
vi. Independentemente de sabermos, agora, que na realidade não eram essas as características do produto e que o referido funcionário terá prestado uma informação errada (violação do dever de informação), cremos que o cerne da questão está em apurar o concreto modo em que o produto foi apresentado  e vendido  (e sobre isso a testemunha é clara),  na medida  em que cremos ser isso que modela a relação jurídica estabelecida entre o banco e o cliente, independentemente das consequências internas (entre o banco e o seu funcionário) que poderão ser retiradas da conduta do funcionário.
vii. De resto, a própria testemunha Luís, também funcionário do BPN encarregue de vender o produto SLN Rendimento Mais 2004, apresentou o produto como sendo garantido pelo próprio banco, conforme transcrições vertidas nas alegações (e a que correspondem os minutos 01:57, 01:57:51, 01:58,26 do ficheiro de gravação), independentemente de, na sequência do interrogatório efectuado pelo ilustre mandatário do banco R. ter, então distinguido a entidade BPN da entidade SLN, na media em que o que releva para efeitos de vinculação do banco é a forma como foi exteriorizada a venda ao cliente, sendo certo que na venda o produto sempre foi apresentado como produto do banco e não da SLN, o que vai precisamente ao encontro do depoimento da testemunha Borges.
viii. Ademais, a consideração deste ponto como não provado choca com os próprios factos considerados como provados (facto 5, 6, 7, 8 e 9), na medida em que resulta dos mesmos que o julgador deu como assente que o produto foi apresentado produto do banco BPN; deu como assente que o funcionário do banco R. referiu tratar-se de um produto com capital garantido; e deu como assente a convicção que transpareceu para os AA. de que o capital investido no produto seria reembolsado pelo próprio banco.
ix. Quer-se com isto dizer que se por um lado o julgador aceita que o produto foi apresentado como produto do banco BPN, se aceita que o funcionário do banco referiu tratar-se de um produto com o capital garantido, e se aceita a convicção que transpareceu para os AA. de que o capital investido no produto seria reembolsado pelo banco, é seguro, lógico e coerente retirar a conclusão de que o funcionário do banco apresentou o produto com o capital 100% garantido pelo banco.
x. Pelo que se impõe que a matéria de facto seja alterada em conformidade, sendo suprimida a parte inicial do primeiro facto considerado como não provado, acrescentando-se a mesma ao número cinco dos factos provados que passará, assim, a ter a seguinte redação: “ 5 – O funcionário da agência do BPN que apresentou o produto SLN Rendimento Mais 2004 ao A. Amílcar disse a este que o produto tinha capital 100% garantido pelo banco; risco semelhante ao depósito a prazo, que era um produto do banco; e que era facilmente transacionável”.
xi. Quanto à aplicação do Direito, temos por correcto o entendimento do tribunal a quo ao julgar procedente a presente acção com base no instituto da responsabilidade civil, por violação grosseira do dever de informação. Porém, mesmo tendo em consideração os factos provados sem a alteração que acima se assinala impor, certo é que parece-nos que o tribunal a quo efectuou uma errada aplicação do direito ao considerar como improcedente a al.a) do pedido, porquanto se entende que além da violação do dever de informação estamos perante um caso que o banco R. assumiu a obrigação do reembolso do capital subscrito no produto SLN Rendimento Mais 2004.
xii. Com efeito, considerando a factualidade constantes dos números 5, 6, 7, 8 e 9 dos factos provados, e considerando a declaração do banco R., personalizada na pessoa do seu funcionário Borges, segundo a qual estava assegurado o reembolso do capital, cremos que esta à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais plasmado no art.º 236, n.º1 do CC e que remetem para a percepção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, nomeadamente que o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do respectivo capital, implicando, assim, uma assunção de responsabilidade. – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2016, processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-01-2013, processo n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1
xiii. Ou seja, entendem os AA. e ora recorrentes que a própria factualidade dada como provada é bastante para responsabilizar o banco R. – à luz das informações prestadas no momento da formação da declaração negocial – pela obrigação assumida no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido. - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2016, processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-01-2013, processo n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1
xiv. Portanto, ao considerar improcedente o pedido principal dos AA. (al.a) do pedido constante da PI), o tribunal a quo efectuou uma errada subsunção dos factos provados ao Direito, violando os art.º 236, n.º1 e art.º 798 ambos do Código Civil.
xv. Nomeadamente o tribunal a quo, fez uma errada interpretação da declaração negocial efectuada pelo funcionário do banco R. que apresentou e vendeu o produto aqui em causa aos Autores, devendo entender-se que a mesma representa uma assunção de responsabilidade por parte do Banco Réu e por conseguinte faz incorrer o banco no cumprimento da obrigação assumida: o reembolso do capital.
xvi. Obrigação, esta, que resulta do número 12 dos factos provados que não foi cumprida pelo banco R.
Pedem, assim, os autores, que na eventualidade de ser julgado procedente o recurso de apelação apresentado pelo réu Banco, deve ser dado provimento ao recurso subordinado e ser substituída a decisão recorrida por outra que declare que o banco R. assumiu a obrigação de reembolso do capital subscrito no produto SLN Rendimento Mais 2004 e, por conseguinte, condene banco R. no cumprimento da mesma, isto é, no pagamento aos AA. da quantia de € 300.000,00, acrescida de juros desde 27 de Outubro de 2014.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pela interligação do seu objecto, apreciar-se-á conjuntamente, se for caso disso, o recurso principal e o recurso subordinado, interposto pelos autores, subsidiariamente, e em caso de procedência do recurso principal.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto

ii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

O que implica a ponderação sobre:                       
a) O CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA;
b) A RESPONSABILIDADE CIVIL DO BANCO RÉU FACE AOS AUTORES;
c) DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DOS AUTORES.

III . FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:

1. Os AA. eram clientes do BPN, na sua agência de L.
2. Os AA. tinham um perfil conservador no que concerne ao investimento das suas economias.
3. A totalidade do capital social do BPN era, antes da nacionalização, detida pela SLN.
4. A 7 de outubro de 2004, o BPN emitiu nota interna subordinada ao assunto SLN Rendimento Mais 2004, da qual consta, entre outras coisas, o seguinte:
§ “O Conselho de Administração decidiu lançar uma emissão de  Obrigações Subordinadas a 10 anos, denominada SLN Rendimento Mais 2004, para consolidação da dívida da SLN, SGPS, S.A.”;
§ “A total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o Grupo”;
§  “Capital Garantido: 100% do capital investido”;
§ “Dada a importância estratégica do SLN Rendimento Mais 2004, esta emissão integra o Campeonato BPN 2004 com uma posição de destaque, designando-se como Super Prova Especial.
§ Assim a atribuição de prémios em Dezembro encontra-se dependente do Grau de Realização dos Objectivos (GRO) deste produto”;
§  “Argumentário
a) O SLN Rendimento Mais 2004 é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos”.
5. O funcionário da agência de L. do BPN que apresentou o produto SLN Rendimento Mais 2004 ao A. Amílcar disse a este que o produto tinha capital garantido; risco semelhante ao depósito a prazo; que era um produto do banco; e que era facilmente transacionável.
6. O funcionário referido no ponto 5 sabia que os AA. não estavam interessados em produto que envolvesse o risco de perda do capital.
7. Os AA. estavam convencidos que o capital investido no produto seria reembolsado pelo banco.
8. Na tomada de decisão dos AA. era essencial ser o produto apresentado um produto do banco, o que era do conhecimento do funcionário do BPN que apresentou o produto ao A. Amílcar.
9. Os AA. não teriam adquirido obrigações SLN Rendimento Mais se soubessem que não era um produto BPN.
10. No dia 25 de outubro de 2004, os AA. autorizaram a aquisição do produto denominado SLN Rendimento Mais 2004 pelo valor total de € 300.000,00.
11. O valor referido no ponto 10 foi retirado da conta dos AA. no BPN.
12. Chegada a data de 27 de outubro de 2014, data fixada para o reembolso do capital, os AA. não receberam a quantia de € 300.000,00.

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i. DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da  impugnação da matéria de facto

Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui: (…)

No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640ºdo CPC que o recorrente deverá, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Acresce que, nos termos do n.º 2 alínea a) do artigo 640.º do CPC, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, e o recorrente deu cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do CPC pode este Tribunal da Relação proceder à sua reapreciação uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.
O recorrente está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente aos Nºs 5, 6 e 7  que, no entender do Banco apelante ou deveriam ser dados como não provados ou pelo menos, com diferente formulação.

Há que aferir da pertinência da alegação do apelante, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.
Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito do Exmo. Juiz do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que, em regra, melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.

Há, pois, que atentar na prova gravada e na supra referida ponderação, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos.

Þ Vejamos:
Consta do nº 5 dos Factos dados como Provados:
O funcionário da agência de L. do BPN que apresentou o produto SLN Rendimento Mais 2004 ao A. Amílcar disse a este que o produto tinha capital garantido; risco semelhante ao depósito a prazo; que era um produto do banco; e que era facilmente transacionável.
Consta do nº 7 dos Factos dados como Provados:
Os AA. estavam convencidos que o capital investido no produto seria reembolsado pelo banco.
Consta do nº 8 dos Factos dados como Provados:
Na tomada de decisão dos AA. era essencial ser o produto apresentado um produto do banco, o que era do conhecimento do funcionário do BPN que apresentou o produto ao A. Amílcar.
Entende o Banco apelante que a matéria constante destes pontos da matéria provada deveria ser dada como não provados.
Fundamentou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, a decisão da matéria de facto, no que aqui interessa, da seguinte forma:
(…)
Defende, em suma, o apelante, que o Tribunal a quo fez uma errada  apreciação  da  prova,  fundamentalmente  no  que  concerne  ao depoimento da testemunha Borges que apelidou de tendencioso e com falta de credibilidade.

Importa, então, analisar o depoimento prestado em audiência, indicado pelo recorrente, a propósito da matéria de facto aqui em causa, em confronto com a restante prova produzida, testemunhal e documental, para verificar se a factualidade impugnada deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pelo banco apelante, ou se, ao invés, a mesma não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo.

Mas, nunca é de mais relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.

De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.

Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.

A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.
                                  
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
 
Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente.

Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que  assenta  na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo
probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1) – procedimento que este Tribunal deu observância.
                       
No caso vertente, e face ao teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas, globalmente analisado e ponderado, entende-se, tendo em conta as considerações antes aduzidas, que não há como alterar a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, no que concerne os Nºs 5, 7 e 8, tendo presente o depoimento da aludida testemunha, Borges, funcionário da agência de L. do BPN, na qual os autores eram clientes, e que, na altura, exercia as funções de director de zona e foi quem apresentou e vendeu as obrigações SLN Rendimento Mais 2004 ao autor Amílcar.

A testemunha Borges relatou, com objectividade, a forma como o produto era vendido, escolhidos os clientes alvo – com disponibilidade financeira para fazer as aplicações, aforradores tradicionais, com depósitos a prazo. O produto era apresentado  como uma alternativa ao depósito a prazo, com uma taxa mais alta e com capital garantido,  tendo a testemunha afirmado ter transmitido a ideia que a aplicação era segura, por ser um produto do Banco, facilmente transacionável  que, de resto, e segundo a testemunha afirmou, era assim que o produto era geralmente apresentado aos clientes, tal como sucedeu com o autor Amílcar, neste caso através de contacto telefónico, o que não deixou de ser globalmente confirmado também pela testemunha Luís que assegurou que, na altura da venda daquele produto, não era efectuada qualquer distinção entre SLN e BPN, pelo que o vendia como produto garantido pelo BPN e os clientes confiavam no que lhes era afirmado.
A testemunha Borges transmitiu o convencimento dos autores de que o produto que lhes foi apresentado era garantido pelo Banco, o que se traduzia no facto de vir a ser reembolsado pelo Banco, tal como a própria testemunha o terá afirmado ao autor Amílcar, factualidade que foi igualmente assegurada pelo próprio autor, no seu depoimento de parte, sendo certo que resultou do depoimento da aludida testemunha que o autor Amílcar não teria adquirido as aludidas obrigações caso soubesse, lhe tivesse sido dito ou entregue a nota informativa, de que se tratava de um produto do Grupo SLN.
As testemunhas Borges, Luís e também Santos, afirmaram que a nota informativa do produto financeiro em causa não era entregue aos adquirentes do mesmo e, portanto, também não foi entregue aos autores, sendo aí que se explicava que se tratavam de obrigações subordinadas, esclarecendo-se as características das mesmas.
De resto, a própria testemunha Santos, não obstante não ter tido nenhuma intervenção na negociação com os autores do produto SLN Rendimento Mais 2004, admitiu que o público alvo era o cliente tradicional de depósitos a prazo e que os clientes não eram devidamente informados das características das aludidas obrigações subordinadas, não lhes sendo entregue a ficha técnica do produto, nem a nota interna. Referiu a pressão, o curso prazo de comercialização e a urgência na colocação daquele produto, e que existiam incentivos à venda, sendo certo que todas as testemunhas salientaram a falta de formação que detinham e que se tivessem explicado em pormenor as características do produto, nomeadamente que o capital não era garantido, dificilmente aquelas obrigações seriam vendidas, pelo menos ao tipo de cliente como eram os autores.
Da globalidade dos depoimentos espontâneos e credíveis prestados pelas testemunhas, concomitantemente com as declarações de parte do autor Amílcar, quer sobre a ideia que foi transmitida ao autor Amílcar atinente às características do produto financeiro que lhe foi vendido – risco semelhante a um depósito a prazo, facilmente transacionável, produto do banco - , quer tendo em consideração o perfil dos autores, não poderia deixar de se concluir que não era aquele o produto que, efectivamente, os autores tiveram intenção de adquirir, pois havia sido essencial a apresentação do produto como sendo do Banco, o que o funcionário do BPN que negociou a venda das ditas obrigações bem sabia.
De igual modo se apurou que o funcionário que negociou a venda das ditas obrigações não desconhecia que se os autores tivessem sido informados, com rigor, sobre as características daqueles produtos, não os teriam adquirido.
Entende-se, por conseguinte, que nada permite afastar a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido quanto à matéria impugnada, convicção essa que não é merecedora de reparo.
Será, portanto, de manter os Nºs 5, 7 e 8 dos Factos Provados tal como foi decidido – e bem - na 1ª instância, pelo que improcede tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso do réu/apelante.  

iii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

a) DA ACTIVIDADE DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA.

A intermediação financeira, segundo JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Os Contratos de Intermediação Financeira, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol.LXXV, 280, designa o conjunto de actividades destinadas a mediar o encontro entre oferta e procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento.

São, pois, contratos de intermediação financeira, os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira.

E, as designadas actividades de intermediação financeira encontram-se previstas do artigo 289º, nº 1 do CVM, dividindo-se em três tipos fundamentais:
i) Os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros - alínea a) - que englobam contratos relativos a ordens para realização de operações sobre investimentos, contratos de colocação, contratos de gestão de carteira e contratos de consultadoria para investimento (v. também artigo 290º do CVM);
ii) Os serviços auxiliares de serviços e actividades de investimento - alínea b) – que englobam contratos de assistência, contratos de recolha de intenções de investimento, contratos para registo e depósito, contratos de empréstimo, contratos de consultadoria empresarial e contratos de análise financeira (v. também artigo 291º do CVM);
iii) A gestão de instituições de investimento colectivo, incluindo o exercício de funções de depositário dos respectivos valores - alínea c) -.

O Código dos Valores Mobiliários não define intermediação financeira, mas afirma quem são os intermediários financeiros e quais os serviços e actividades de investimento.

O artigo 289º, nº 1, a), do CVM estabelece que são atividades de intermediação financeira os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros.

Por sua vez, intermediários são, nos termos do artigo 293º, nº 1, a), do mesmo diploma, as instituições de crédito (e as empresas de investimento) que estejam autorizadas a exercer actividades de intermediação financeira em Portugal. Finalmente, são serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, segundo o artigo 290º, nº 1, a) e b), do mesmo código, a recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem.

A actividade de intermediação financeira é passível de ser exercida pelos bancos como resulta previsto nos artigos 4º/1 als e), f), h), i) e r) e 199º-A do Decreto-Lei 298/92 de 31 de Dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito) e dos artigos 289º e 293º do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99 de 13/11.

Os contratos de intermediação financeira encontram-se autonomamente previstos e regulados nos artigos 321º a 343º do CVM.
 
Os aludidos contratos de intermediação financeira têm como objecto mediato, valores mobiliários (acções, obrigações, unidades de participação, entre outros), mas também instrumentos monetários, tais como bilhetes do tesouro, papel comercial, obrigações de caixa e também instrumentos derivados, entre eles, futuros, opções, swaps.

Reconduzem-se, os contratos de intermediação financeira, a negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira e pressupõem a existência de um negócio antecedente – designado normalmente como negócio de cobertura – que serve de base à subscrição ou transacção de valores mobiliários, assumindo-se estas operações como negócios de execução da relação de cobertura.

Os negócios jurídicos de cobertura, celebrados entre intermediário e cliente, têm por objecto conceder àquele os poderes necessários para celebrar negócios de execução. Mas estes são celebrados igualmente entre o intermediário e um terceiro por conta do cliente, e têm por objecto a aquisição, a alienação ou outros negócios sobre instrumentos financeiros.

Assim, e no que concerne à sua natureza jurídica, segundo JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, ob. cit. 289, o negócio jurídico de cobertura traduz-se num contrato de comissão, regido pelas normas do CVM; enquanto que para CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, As Transacções de Conta Alheia no Âmbito da Intermediação no Mercado de Valores Mobiliários, Direitos dos Valores Mobiliários. 296-303, trata-se de um contrato de mandato.

Pode considerar-se, em suma, que os contratos de investimento têm como escopo a prestação de serviços na área do investimento em instrumentos financeiros, à luz do artigo 290.º do CVM, e incluindo-se os seguintes subtipos:
a. Contrato relativo a ordens para a realização de operações sobre instrumentos financeiros, regulado pelos arts. 325.º a 334.º do CVM;
b. Contrato de colocação e tomada firme, regulados pelos arts. 338.º e 340.º a 342.º do CVM, e art. 339.º do CVM, respectivamente;
c. Contrato de gestão de carteira de títulos, regulado nos arts. 335.º e 336.º do CVM;
d. Contrato de consultoria para investimento, regulado pelos arts. 294.º, 301.º e 320.º do CVM e ainda o Decreto-Lei n.º 357-B/2007, de 31 de Outubro de 2007.

O contrato de ordens para a realização de operações sobre instrumentos financeiros, segundo JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, ob. cit, 288, consiste em declarações negociais com o objectivo de celebrar contratos que podem ser de comissão, mandato ou mediação, entre um intermediário financeiro legalmente habilitado e um cliente.

A execução das ordens que o intermediário recebe a partir do seu cliente que pretende investir, não só constitui o elemento fundamental para o funcionamento de todo o mecanismo legal e financeiro, como pode ser efectuada de duas formas: ou por conta alheia do cliente, com base no artigo 290.º, n.º 1, a) e b) do CVM, ou por conta própria tornando-se na contraparte, nos termos dos artigos 290.º, n.º 1, e) e 346.º do CVM. Se a execução for efectuada por conta alheia do cliente, pode-se falar de negócios de cobertura e negócios de execução, em que, no primeiro caso, o negócio é celebrado entre o intermediário e o cliente para que aquele possa celebrar os negócios de execução.

Os aspectos mais relevantes nesse tipo de contrato residem na  possibilidade  de  as  ordens poderem ser transmitidas por via oral ou de forma escrita, nos termos do artigo 327.º, n.º 1 do CVM; a existência de um dever de aceitação, por parte do intermediário, das ordens recebidas, não obstante ter ainda o dever de recusar segundo os trâmites do artigo 326.º do CVM; a possibilidade de o cliente poder revogar ou modificar as ordens dadas por si, segundo as regras prescritas pelo art. 329.º do CVM; a existência de uma “obrigação del credere”, em que o intermediário financeiro garante o cumprimento das obrigações assumidas, nos termos do artigo 334.º do CVM; e, por último, o cumprimento das ordens está balizada pelo princípio legal de execução das melhores condições, nos termos dos artigos 330.º a 333.º do CVM

Nos contratos de colocação, o intermediário financeiro fica obrigado, perante o cliente, numa oferta pública de distribuição, a colocar específicos instrumentos financeiros.      Dentro deste tipo contratual existem três modalidades: a colocação simples, a colocação com garantia, e a colocação com tomada firme, nos termos definidos nos artigos 338.º a 340.º do CVM.
b) DOS DEVERES DE INFORMAÇÃO DOS INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS
§ O investidor não qualificado e o investidor qualificado

Os intermediários financeiros, enquanto entidades que exercem, a título profissional, actividades de intermediação financeira (artigo 289º do CVM) são também sujeitos a múltiplos deveres de informação, sejam deveres comuns (artigos 304º e 312º a 312º-G), sejam deveres específicos do serviço de investimento/auxiliar que em cada caso concreto esteja em causa (artigos 321º e seguintes do CVM, a propósito da disciplina dos vários contratos de intermediação, 346º e seguintes com respeito à negociação por conta própria e 252º e seguintes).

Nos termos do CVM, constitui princípio geral que filtra e molda toda a actividade dos intermediários financeiros, a protecção dos legítimos interesses dos seus clientes, com observância dos ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de lealdade e transparência.

A trave mestra dos deveres informativos comuns é a que resulta do artigo 312º nº 1 do CVM: o dever de prestação de toda a informação necessária para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, devendo a extensão e profundidade ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e experiência do cliente – v. sobre deveres de informação dos intermediários financeiros, PAULO CÂMARA, Manual dos Valores Mobiliários, 364 e segs, FAZENDA MARTINS, Deveres dos Intermediários Financeiros, em Especial os Deveres para com os Clientes e o Mercado, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 7 e FELIPE CANABARRO TEIXEIRA, Os Deveres de Informação dos Intermediários Financeiros em relação a seus Clientes e sua Responsabilidade Civil, do Mercado de Valores Mobiliários, nº 31.

Incumbe ainda ao intermediário financeiro o dever, previsto na sequência da Directiva dos Mercados e Instrumentos Financeiros - Directiva 2004/39/CE, de 21 de Abril (DMIF) - e que se extrai do disposto no artigo 314º nº 2 do CVM e no artigo 314º-A nºs 2 e 3, prevendo-se na primeira destas disposições que “se (...) o intermediário financeiro julgar que a operação considerada não é adequada àquele cliente deve adverti-lo, por escrito, para esse facto.”

Ainda que apresentado como um dever de informação sobre os riscos da operação e sobre a relação entre esses riscos e a situação e objectivos do cliente, a verdade é que a definição dos termos dessa relação pressupõe já um juízo de valor do intermediário financeiro – v. Sobre este dever, PAULO CÂMARA, O dever de adequação dos intermediários financeiros, Estudos em Honra do Prof. Dr. José de Oliveira Ascensão, 2008, vol II, 1307 e segs.

Resulta, em suma, destas disposições legais que o intermediário financeiro, para além do dever de informação, tem um dever de avaliar a adequação das operações face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objectivos do cliente.

Determina, assim, o artigo 304.º do CVM que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado (n.º1). Além disso, devem conformar a sua actividade aos ditames da boa fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (n.º 2).

O artigo 304.º-A, aditado ao CVM pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, passou a dispor o seguinte:
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 – A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
 
O artigo 312.º do CVM contém os princípios gerais ao nível dos deveres de informação.
«1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:
(…)
d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;
e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar».

Nos termos do n.º 3 do artigo 312.º do CVM «A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral».

Segundo o disposto no artigo 312.º-E, n.º 1 do mesmo Código, O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa» e referindo-se no n.º 2 aos elementos que a descrição dos riscos deve incluir.

A informação deve ser prestada com a antecedência suficiente à vinculação a qualquer contrato de intermediação financeira ou, na pendência de uma relação de clientela, antes da prestação da actividade de intermediação financeira proposta ou solicitada (artigo 312.º -B, n.º 1, do CVM).

Sucede que a lei não pretende que a informação seja prestada cegamente, em função de um investidor abstracto, mas antes em função das características do investidor concreto, variando a densidade do dever consoante os conhecimentos e experiência desse investidor, aspectos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer.

O dever de informação do intermediário financeiro envolve, por conseguinte, um dever prévio de conhecimento do investidor, em concreto, das suas habilitações, experiência financeira, situação financeira e objectivos.

O Código de Valores Mobiliários contém várias normas de protecção ao investidor não qualificado, impondo ao intermediário financeiro o dever de obter informações acerca dos conhecimentos e experiência  do  cliente,  com  o  objectivo  de possibilitar efectivamente  a avaliação de que o “cliente compreende os riscos envolvidos”, para então formar seu juízo acerca da adequação do investimento para o cliente, informando-o em conformidade (artigo 314.º).

Salienta-se também a imposição de que as informações previstas no n.º 1 do artigo 312.º sejam prestadas por escrito, imposição que se estende à advertência a efectuar ao cliente de que determinada operação não é adequada ao seu perfil (artigo 314.º, n.º 2).

c) DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTES DA ACTUAÇÃO DO BANCO RÉU FACE AOS AUTORES

Está provado que os autores eram clientes do banco BPN, na sua agência de L. – v. Nºs 1 da Fundamentação de Facto.

Mais se provou que no dia 25 de outubro de 2004, os AA. autorizaram a aquisição do produto denominado SLN Rendimento Mais 2004 pelo valor total de € 300.000,00, valor que foi retirado da conta dos AA. no BPN, tendo sido determinante para o efeito, a circunstância de o funcionário da agência de L. do BPN que apresentou o produto ter afirmado ao autor Amílcar que aquele produto tinha capital garantido, risco semelhante ao depósito a prazo, que era um produto do banco, facilmente transacionável – v. Nºs 5, 10 e 11 da Fundamentação de Facto.

Tal significa que as aplicações que os autores efectuaram nada tinha a ver com um depósito a prazo.

O depósito a prazo é um depósito bancário, isto é, uma disponibilidade monetária entregue a uma entidade que está sujeita a um conjunto de deveres prudenciais de natureza legal e administrativa que se destinam a garantir que essa entidade pode, a todo o momento e salvo particular acordo inter partes, restituir ao depositante o valor correspondente à totalidade ou parte da quantia depositada (art.º 1.º do Dec.-Lei n.º 430/91, de 02.11).

Trata-se de um depósito irregular (artigos 1185.º e 1205.º do CC), um negócio em que predomina o interesse do depositante, conforme decorre do regime previsto no Dec.-Lei n.º 430/91 e é confirmado pela tradicional proteção legal conferida aos depósitos bancários, nomeadamente através do fundo de garantia de depósitos, em caso de insolvência da instituição bancária - cfr. artigos 164.º a 166.º do RGICSF; MANUEL CARNEIRO DA FRADA, “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteiras”, ROA, 2009, ano 69.º, vol. III/IV, p.647.

Completamente distinta é a situação do titular de obrigações, as quais, constituindo, como se enuncia no artigo 348.º do CSC, “valores mobiliários que, numa mesma emissão, conferem direitos de crédito iguais” sobre a entidade emitente, em regra têm subjacente um contrato de mútuo, estando sujeitas a um prazo fixado em benefício do devedor (entidade emitente).

Estes títulos têm graus de proteção variados, desde as obrigações hipotecárias (Dec.-Lei n.º 125/90, de 16.4 e, depois, Dec.-Lei n.º 59/2006, de 20.3) e as obrigações titularizadas (Dec.-Lei n.º 453/99, de 05.11), especialmente favoráveis às pretensões dos obrigacionistas, e, no polo oposto, as obrigações subordinadas: em caso de insolvência do emitente, os titulares de obrigações subordinadas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada – v. PAULO CÂMARA, ob. cit., 139-140; ANTÓNIO BARRETO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2016, Almedina, 158, 163-164.

Os autores não empregaram, portanto, as suas poupanças em depósitos a prazo, mas sim em obrigações subordinadas, a dez anos, desprovidas de liquidez e de segurança de que gozam os depósitos a prazo, não só por não emanarem de uma instituição de crédito mas de uma sociedade que, embora “dona” do BPN, é jurídica e patrimonialmente dela distinta, não gozando da tradicional protecção concedida às instituições de crédito, estando os obrigacionistas, fruto da natureza subordinada das obrigações, relegados, em eventual processo de liquidação da devedora, para o fim dos pagamentos, apenas antes dos acionistas, como decorre da nota informativa referida no Nº 12 da Fundamentação de Facto, que não foi entregue aos autores, nem a estes explicada.

Na realidade os autores aplicaram as suas poupanças em produtos distintos dos pretendidos, tendo adquirido as obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem estarem devidamente esclarecidos acerca das suas características, as quais não eram adequadas ao seu perfil de investidores conservadores, avessos ao risco de perda do capital, como era o caso dos autores, o que era do conhecimento do funcionário da agência de L. do BPN, tal como este sabia que era essencial para a tomada de decisão dos autores ser o produto apresentado um produto do Banco, estando os autores convencidos que o capital que investiram seria reembolsado pelo Banco  – v. Nºs 6, 7 e 8 da Fundamentação de Facto.

Apurou-se também que se os autores tivessem sido informados das características do produto financeiro que adquiriram, se soubessem que não era um produto BPN, não o teriam adquirido – v. Nº 9 da Fundamentação de Facto.

Os autores eram há muito clientes do BPN na agência de L. mantendo, necessariamente com o banco uma relação contratual, iniciada com abertura de conta, sendo que essa relação negocial bancária desencadeia entre as partes um elo de confiança, que tenderá a reforçar-se com o seu prolongamento – cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito Bancário, 6.ª edição, 2016, Almedina, 266, 286 a 291),

Com efeito, como elucida JOSÉ E. ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, 470 e 471, o particular, ao abrir conta num banco, dá a este acesso à sua vida patrimonial e até pessoal, decorrente de todo o giro de prestações a débito e a crédito patenteadas na respectiva conta-corrente, para além das informações decorrentes de concretas operações realizadas, nomeadamente as de concessão de crédito. Os bancos têm interesse em que a sua actuação capte e reforce a confiança do cliente, assim mantendo a seu favor o acesso às respetivas poupanças, manancial essencial da actividade dos bancos, enquanto entidades de intermediação creditícia.

Reconhecem os clientes aos bancos um superior conhecimento da sua actividade proveniente da sua profissionalização e especialização, confiando que estes atuarão, não só de acordo com normais padrões de diligência e correção ao nível da genérica boa-fé exigida na execução dos contratos (art.º 762.º n.º 2 do CC) ou da sua negociação prévia (art.º 227.º n.º 1 do CC), mas, mais do que isso, esperarão que estes, tal como expressamente consta no RGICSF, pautarão a sua atuação por elevados padrões de competência técnica (art.º 73.º do RGICSF), os quais se refletirão na “diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”, que deverão nortear as suas relações com os clientes (art.º 74.º RGICSF).

Embora se possa defender a existência de um dever geral de informação a cargo das entidades bancárias  (ANTÓNIO PEDRO DE AZEVEDO FERREIRA, A relação negocial bancária, 2005, Quid Juris, 649), aceita-se que é questionável que da relação bancária geral resulte  para os bancos um dever genérico de prestação de informações (obrigação de prestação de informações fora de específica contratação ou de imposição legal) – cfr. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Informação bancária e responsabilidade),  Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, II volume, Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 236 - que arrede a regra geral de desresponsabilização prevista no n.º 1 do art.º 485.º do CC.

Entende-se, no entanto, que se o banco, interpelado pelo cliente para prestar uma informação não directamente conexionada com a relação bancária em concreto vigente, aceitar prestá-la, ou se o banco tomar a iniciativa, a latere de concreta relação negocial existente com o cliente, de o abordar para, por exemplo, o informar acerca de uma possibilidade de negócio, deverá fazê-lo em consonância com os deveres de rigor e diligência, incorrendo em responsabilidade obrigacional se falhar – v. AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil, Revista de Direito e Economia, ano XIV, 1988, p. 145; LUÍS MANUEL TELES MENEZES DE LEITÃO, ob. cit., 231 nota 14, 236-238.

Resulta da matéria provada que o funcionário  da agência de Leiria do BPN abordou o 1º autor, cliente do banco, para o aconselhar a efectuar uma determinada aplicação das poupanças de ambos os autores, não lhe tendo prestado a devida informação, dando-lhe dessa aplicação uma perspectiva incorrecta, levando-o a direccionar o seu dinheiro num investimento de risco superior ao visado, de que resultou a perda desse dinheiro, uma vez que o respectivo devedor não reembolsou o capital e a sua situação de insolvência, aliada ao carácter subordinado do crédito, levam a perspectivar que os autores não venham a reaver dele tal quantia.

Toda esta situação configura uma situação de responsabilidade civil contratual ou obrigacional, que gera uma obrigação de indemnização dos autores por parte do banco réu.

Estão presentes, com efeito, os respectivos pressupostos decorrentes dos artigos 798.º, 799.º, 562.º e 563.º do CC.: facto ilícito (prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária), culpa (a culpa presume-se, nos termos do art.º 799.º n.º 1 do CC), dano (perda do capital entregue à entidade emissora das obrigações) e nexo de causalidade entre o facto e o dano (se os autores tivessem sido informados das verdadeiras características do produto que adquiriram a troco das entregas de dinheiro a que procederam, não o teria efectuado) – v. Nºs 5 a 11 da Fundamentação de Facto.

Ademais, o banco responde diretamente pela atuação dos seus funcionários, nos termos do artigo 800.º do CC - cfr. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, ob. cit., 242.

Bastariam, por conseguinte, as regras gerais da responsabilidade civil, harmonizadas com as características próprias da actividade bancária, para sustentar o êxito da pretensão dos autores.

Porém, a posição dos autores mostra-se reforçada pelas regras específicas decorrentes do tipo de investimento em que aplicaram o seu dinheiro.

De facto, as obrigações em causa constituem valores mobiliários, instrumentos financeiros cuja transacção está cometida a profissionais, os intermediários financeiros (artigos 1.º n.º 1 al. b) e 289.º do Código dos Valores Mobiliários - CVM). Estes podem ser, nomeadamente, instituições bancárias (art.º 293.º n.º 1 al. a) do CVM; art.º 4.º n.º 1 al. e) do RGICSF), inserindo-se a actuação do réu nessa qualidade.

Estamos no plano da intermediação no mercado de capitais, ou seja, da intermediação financeira, com as características anteriormente analisadas.

A factualidade a que se reportam estes autos (intermediação na subscrição de obrigações) ocorreram antes das alterações introduzidas ao CVM pelo DL n.º 357-A/2007, de 31.10, pelo que as alterações a que antes se aludiu não serão levadas em consideração.

Para aferir dos pressupostos da responsabilidade civil decorrente da actuação do banco, enquanto intermediário financeiro, haverá que ponderar nas seguintes disposições legais.

Do artigo 7º do CVM, sob a epígrafe “Qualidade da informação “ decorre:
1 - A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.
2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
(…).”

E, estatui o artigo 30.º do CVM, sob a epígrafe “Investidores institucionais”
1 — Consideram-se investidores institucionais as instituições de crédito, as empresas de investimento, as instituições de investimento colectivo e respectivas sociedades gestoras, as empresas seguradoras e as sociedades gestoras de fundos de pensões.
2 — Não beneficiam da protecção conferida aos investidores não institucionais as entidades públicas, as sociedades abertas, as sociedades gestoras de participações sociais, os titulares de participação qualificada em sociedade aberta, os consultores autónomos e as entidades colocadoras de unidades de participação por conta de outrem.”

Estabelece, por seu turno, o artigo 304.º do CVM os princípios que devem enformar a actividade dos intermediários financeiros:
1 — Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 — Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 — Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
4 — Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.
5 — Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efectivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das actividades de intermediação.”

Do mesmo modo, decorre do artigo 305.º do CVM, sob a epígrafe “Aptidão e organização profissionais”:
1 — No exercício da sua actividade, o intermediário financeiro deve assegurar elevados níveis de aptidão profissional.
2 — O intermediário financeiro deve manter a sua organização empresarial equipada com os meios humanos, materiais e técnicos necessários para prestar os seus serviços em condições adequadas de qualidade e de eficiência e por forma a evitar procedimentos errados ou negligentes.”

Quanto aos deveres de informação, apesar de se encontrarem mais densificados com as alterações decorrentes do Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31/10, já se consagrava no artigo 312.º do CVM que:
1 — O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
2 — A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 — A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.”

Finalmente, o regime da responsabilidade civil do intermediário financeiro está previsto no artigo 314.º do CVM que, no seu nº 1 estatui: Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes seja imposta por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

E, o nº 2 do citado normativo estabelece uma presunção de culpa do intermediário financeiro:” A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

Resultando também do artigo 324.º do CVM sob a epígrafe “Responsabilidade contratual”, que:
1 — São nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar.
2 — Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.”

Em face da natureza dos deveres legais de informação que impendem sobre o intermediário financeiro, há sempre que apurar se o mesmo actuou com dolo ou culpa grave, nomeadamente, quanto aos riscos especiais nas operações a realizar e quanto à informação prévia a disponibilizar para permitir a tomada de uma decisão consciente.

Para definir o que se entende por dolo ou culpa grave há que ponderar nas características da relação entre o banco e o cliente – a confiança especial depositada por este na instituição bancária; e nos deveres de informação, lealdade, cuidado com valores alheios e boa fé do Banco em relação ao cliente.

A graduação do grau de negligência (grave, leve e levíssima) terá de ser aferida pelo padrão de culpa consagrado no artigo 304.º, n.º 2 do CVM, segundo o qual «nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência».

É, de resto, fonte de responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, definido no artigo 75º, nº 1 do próprio regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31-12.

Trata-se de uma modalidade de responsabilidade civil que se situa numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, mas que se poderá reconduzir à responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do Código Civil, presumindo-se a culpa, nos termos do artigo 799.º do CC.

Aliás, desde logo o artigo 77.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras dispõe que: «As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes».

Assim, sempre que um Banco, na qualidade de intermediário financeiro, haja avançado para a aquisição do produto financeiro, sem observar os deveres de informação, tornar-se-á responsável pelos prejuízos causados ao investidor, nos termos do citado artigo 314.º n.º 1 do Código de Valores Mobiliários caso, evidentemente, não lograr ilidir a presunção a que alude o n.º 2 do citado artigo 314.º e que impende sobre o Banco.

No caso concreto, os pressupostos da responsabilidade contratual encontram-se preenchidos.

Senão vejamos.

Está demonstrada a ilicitude, porquanto se entende que ocorreu a violação do dever de informação com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude.

Com efeito, por informação deverá entender-se, como refere EDUARDO PAZ FERREIRA, Informação e Valores Mobiliários, Direito dos Valores Mobiliários, Vol. III, 2001, Coimbra Editora, 142, o acto que visa “originariamente dar forma a alguma coisa que, por esse modo, se torna cognoscível e, como tal, transmissível. Assim a informação designa simultaneamente o processo de formulação e transmissão de objectos de conhecimento e este último como conteúdos”.

O requisito da completude da informação visa a suficiência da informação, em ordem a obstar à omissão de dados informativos que, pela sua relevância, devam ser tidos como essenciais e que seriam susceptíveis de influenciar negativamente o processo de tomada de decisão.

Nesta conformidade, o intermediário financeiro deverá explicitar ao cliente/investidor quais as especificidades do contrato e/ou produto financeiro que possam influir no processo de tomada de decisão.
 
A informação é verdadeira sempre que, por assentar em factos verídicos, seja coincidente “com a realidade dos factos, situações, circunstâncias, valores ou perspectivas que se destina a reflectir, não induzindo em erro o investidor ou o potencial investidor”- v. neste sentido MAFALDA GOUVEIA MARQUES/MÁRIO FREIRE, A informação no Mercado de Capitais, Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, nº 3, 2º Semestre de 1998, 115-116
O requisito da actualidade da informação está conexionado com o da veracidade da informação, na medida em que a partir do momento em que uma determinada informação deixa de ser actual, necessariamente deixa de ser tida como verdadeira.

O requisito da informação clara considera-se preenchido sempre que o cliente/investidor entenda as especificidades do instrumento financeiro que lhe é proposto para investir ao ser informado pelo intermediário financeiro das suas características. A informação prestada tem de ser apta a dissipar todas as dúvidas que possam surgir ao cliente/investidor durante o processo de decisão de investimento. A informação não pode ser vaga, ambígua, omissa, pouco explícita ou confusa.


O requisito relativo ao grau de objectividade da informação está correlacionado com a concretização dos factos que apoiam a informação prestada.

E, por último, o requisito da licitude da informação, diz respeito à proibição da violação das regras jurídicas na construção e comunicação da mensagem informativa – cfr. quanto aos assinalados requisitos, FILIPE MATIAS SANTOS, Divulgação de Informação Privilegiada, Estudos Sobre o Mercado de Valores Mobiliários, 2011, Almedina, 37-38.

Ora, a informação fornecida pelo funcionário do BPN não continha, com efeito, os elementos disponíveis e contextualmente relevantes.


A informação transmitida não era completamente verdadeira nem suficiente, susceptível de elucidar e de ser apreendida pelos autores, que não eram investidores informados e conhecedores de produtos financeiros, pois tinham um perfil conservador, no que concerne ao investimento das suas economias. Não continha, pelo menos, os requisitos da completude, da clareza nem da objectividade.

Aliás, e como se defende no Ac. TRL de 15.03.2018 (Pº 5075/16.8T8LSB.L1-6) são desaconselháveis expressões como “ausência de risco”, ou “sem risco”, ou ainda contrato destinado a “clientes especiais” e outras similares mais aptas a funções de publicidade e à “sedução” ludibriosa do cliente/investidor, do que à prestação de informação completa, verdadeira, clara, objectiva e lícita, por serem idóneas à indução dolosa do cliente/investidor em erro por parte do intermediário financeiro.

Quando estamos perante um investidor informado e conhecedor de produtos financeiros, tem sido entendimento jurisprudencial, que esse dever de informação se encontra, desde logo preenchido, sempre que a esse investidor informado foi transmitida informação suficiente sobre as características do produto em causa, mesmo que se trate de um produto não isento de risco, e ainda que não lhe haja sido entregue qualquer ficha técnica do mesmo ou ainda que os deveres de informação não visem retirar os riscos do mercado que lhes são inerentes, mas possibilitar ao cliente do intermediário financeiro a possibilidade deste tomar as decisões de investimento consciente das consequência do mesmo – v. nomeadamente Ac. STJ de 06.02.2014 (Pº 1970/09) e Ac. R.C. de 03.03.2015 (Pº 1067/12.4TVLSB.C1), acessíveis em www.dgsi.pt

Esta não é, de todo, a situação em causa nos autos, nem se entende bem qual o objectivo de não fornecer aos potenciais investidores uma completa e detalhada informação sobre as características do produto, com informações complementares se necessário, face às características dos investidores com perfil conservador, como era o caso dos autores.

É que, ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, destacam-se os deveres de informação, expressos no supra mencionado artigo 312.º do CVM, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo certo que o objecto dessas informações é indicado, nas alíneas seguintes, apenas de forma exemplificativa.

E, o n.º 2 do artigo 312.º consagra o princípio da proporcionalidade inversa, regra segundo a qual a extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário financeiro ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência.

Como refere SOFIA NASCIMENTO RODRIGUES, A protecção dos investidores em valores mobiliários, Almedina, 2001, 46, “A inversão da proporcionalidade entre a informação a prestar e o grau de conhecimento do investidor cria, na esfera do intermediário financeiro, um dever de conhecimento do cliente (Know your cliente rule) e traduz, uma vez mais, a necessidade de tratamento diferenciado entre investidores com vista à superação de inevitáveis desigualdades informativas e à possível reposição de uma tendencial igualdade”.

Sendo os autores investidores avessos ao risco, e que não estavam interessados em produtos que envolvessem o risco de perda do capital, eram credores de uma informação de elevado grau de cuidado, atenção e completude.

Tal informação deveria ter sido prestada aquando da abordagem que foi feita ao autor para lhe propor a aquisição das obrigações, estando aqui presente o caráter prévio da informação a que o intermediário está obrigado a disponibilizar, face à tomada de decisão de investimento.

Assim, mais do que mero dever acessório, trata-se, como salienta GONÇALO ANDRÉ CASTILHO DOS SANTOS, ob. cit., 141-142, de um dever de conduta secundário, decorrente desde logo da lei, nomeadamente o dever de informação previsto no artigo 312º do CVM, e sem necessidade de expressa previsão contratual.
 
Se os contactos entre o potencial investidor e o intermediário financeiro culminarem numa decisão de investimento, originarão um negócio jurídico de cobertura, através do qual o investidor confere ao intermediário financeiro os necessários poderes para celebrar os chamados negócios jurídicos de execução, ou seja, aqueles contratos que os intermediários financeiros celebrarão por conta dos clientes e que visam a aquisição ou alienação de valores mobiliários – v. neste sentido, GONÇALO ANDRÉ CASTILHO DOS SANTOS ob. cit., 162, nota 366. O contrato de cobertura será um contrato de mandato, frequentemente na modalidade de comissão (art.º 266.º do Código Comercial).

Considerando que na responsabilidade obrigacional do intermediário financeiro perante o cliente, a ilicitude resulta da desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado pelo intermediário financeiro, desconformidade essa traduzida na inexecução da obrigação para com o cliente, é evidente que no caso esta situação  se verifica, atenta a circunstância a que acima se mencionou de que a conduta do réu não pode ser reconduzida aos vectores ético-jurídicos de diligência, lealdade e transparência.

Realça GONÇALO ANDRÉ CASTILHO DOS SANTOS,  ob. cit., 199 que o CVM ensaia um “subsistema de imputação”, com uma composição inovatória de traços do regime da responsabilidade delitual com traços da responsabilidade obrigacional.

Com efeito, desde logo, no citado n.º 2 do artigo 314.º do CVM estabelece-se uma presunção de culpa do intermediário financeiro no caso de responsabilidade emergente da violação de dever de informação, independentemente da fonte contratual, pré-contratual ou meramente legal desse dever,ainda que se consubstancie responsabilidade civil aquiliana, à luz da segunda parte do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil.

Por outro lado, ao estender-se a presunção de culpa à responsabilidade pré-contratual, ultrapassou-se o escolho resultante da querela existente acerca da natureza contratual ou delitual do regime do artigo 227.º n.º 1 do CC.

No n.º 1 do artigo 314.º aborda-se a responsabilização delitual do intermediário financeiro pelos prejuízos causados a terceiro, na falta de sujeição a deveres contratuais ou pré-contratuais, qualificando-se os deveres legais e regulamentares impostos aos intermediários financeiros como disposições destinadas a proteger interesses alheios (segunda parte do n.º 1 do art.º 483.º do CC) - cfr. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros, Direito dos Valores Mobiliários, volume II, Coimbra Editora, 2000, 147.

De todo o modo, e como salienta GONÇALO ANDRÉ CASTILHO DOS SANTOS ob. cit., 191-193, o n.º 1 do artigo 314.º do CVM não circunscreve a disciplina da imputação dos danos à responsabilidade delitual. O preceito em causa consagra simultaneamente uma cláusula de imputação obrigacional dos danos sofridos pelo cliente do intermediário financeiro inadimplente no que respeita às obrigações a que estava adstrito e que surgem expressas no rol de deveres que a lei estabeleceu.

De facto, entre o intermediário financeiro e o seu cliente estabelece-se sempre uma relação obrigacional, um vínculo pessoal através do qual o cliente tem direito à realização de determinada prestação com o conteúdo dado por uma específica actividade de intermediação financeira. Tal relação é estabelecida essencialmente por via contratual, implicando que a violação dos respectivos deveres e a consequente responsabilidade pelo seu incumprimento assentem no contrato de intermediação financeira, pese embora o forte contributo da lei mobiliária para a definição do quadro de deveres específicos de conduta impostos ao intermediário financeiro.

Como dilucida GONÇALO ANDRÉ CASTILHO DOS SANTOS, ob. cit., 259, a aparente dicotomia introduzida no n.º 2 do art.º 324.º do CVM (“Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”), entre responsabilidade obrigacional de origem legal ou regulamentar e responsabilidade de origem contratual, circunscrevendo o aludido preceito à responsabilidade contratual, constitui um falso problema, pois “toda a actividade de intermediação financeira é exercida tendo por base a celebração de contratos de intermediação financeira e, por isso, o regime da responsabilidade civil contratual cobrirá todo o espectro do regime da responsabilidade obrigacional do intermediário financeiro”.

Defende, é certo, MARGARIDA AZEVEDO ALMEIDA, A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, O novo Direito dos Valores Mobiliários, I Congresso sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros, 2017, Almedina, 420-421 que, em nome do particular escopo de proteção do investidor e da eficácia preventiva que também está ligada à responsabilidade civil, as dificuldades de prova em matéria de incumprimento ou deficiente cumprimento de obrigações informativas e de adequação, maxime na área da intermediação financeira, determinam que a inversão do ónus da prova prevista no artigo 314.º n.º 2 do CVM (actual art.º 304.º-A) se estenda ao nexo causal entre o facto ilícito e o dano.
Segundo MENEZES CORDEIRO, Direito Bancário, 5.ª Ed. revista a atualizada, Almedina, Coimbra, 2014, 431-432, na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade. Defende, pois, este autor que o artigo 799º do CC contem uma dupla presunção de ilicitude e de culpa, ao referir que «Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa”», encontrando-se também abrangido pela presunção, o nexo entre o facto e o dano.

Todavia, esta posição não é pacífica na doutrina, ressaltando a dúvida sobre a admissão da existência no nosso ordenamento jurídico de um modelo de presunção de imputação obrigacional em virtude da ilicitude e da culpa serem recebidos pela lei como um macro-pressuposto em que, a verificação do “ilícito-culposo” implicaria necessariamente a verificação do pressuposto do nexo causal - v. a propósito e no sentido da não   aceitação  desse   macro-pressuposto,  LUÍS  MANUEL  MENEZES  LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. I, 309-310 e GONÇALO ANDRÉ CASTILHO DOS SANTOS, ob. cit., 214-225.

Ademais, é manifesta a separação dos aludidos pressupostos à luz do citado artigo 314º, nº 2 do CVM.

Não se vê, portanto, razões para distinguir os pressupostos da responsabilidade civil obrigacional, destrinçando nesta, à semelhança do que ocorre na responsabilidade delitual, a existência de um facto voluntário do devedor (incumprimento da obrigação), a qualificação desse facto como ilícito (violação do contrato ou de dever emergente da relação obrigacional), a culpa (juízo de censura pelo incumprimento, estipulando-se aqui a inversão do ónus da prova), o dano (prejuízo emergente do incumprimento da obrigação) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano,

Tal visão das coisas é de manter no regime do CVM, o qual reproduz, no citado artigo 314.º o quadro conceitual traçado no Código Civil.

Os intermediários financeiros são, pois, obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais.

Por conseguinte, ao investidor lesado, em virtude de incumprimento de um dever de informação por parte de intermediário financeiro, cabe demonstrar a existência desse dever. Sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º n.º 1, 312.º n.ºs 1 e 2 do CVM (art.º 342.º n.º 2 do CC).

Por outro lado, sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de falta de culpa no alegado incumprimento. E, sobre o investidor recai o ónus da prova do dano decorrente da actuação do intermediário financeiro e do nexo de causalidade entre o facto do intermediário financeiro e o dano.

No caso em análise, a culpa do banco, intermediário financeiro, não se mostra ilidida, porquanto o banco réu não logrou demonstrar que foi prestada aos autores toda a informação exigível a pessoas com as características dos autores, aforadores conservadores, avessos a investimentos financeiros de riscos.

Acresce que o estabelecimento da relação de causalidade supõe a determinação da vontade do investidor pelo comportamento do intermediário financeiro. A escolha do investidor deverá ter sido causada pela conduta do intermediário financeiro, de tal modo que, se este houvesse cumprido as suas obrigações informativas, a escolha do investidor teria sido diversa.
           
É que, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores, nos termos do artigo 563.º do Código Civil, deve ser analisado através da demonstração de que, se não tivesse havido a omissão dos deveres de informação, logo, se os mesmos tivessem sido cumpridos, os autores não teriam investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro.

Como bem refere MARGARIDA AZEVEDO ALMEIDA, ob. cit. 421 e 422, para que se estabeleça o nexo causal é necessário que, caso tivesse formado a sua vontade de modo esclarecido, o investidor ter-se-ia abstido de celebrar qualquer negócio ou teria optado por outro investimento”.

Ora, resultou provado que, se aos autores tivessem sido dada uma exacta informação respeitante ao produto financeiro em apreço, nomeadamente se soubessem que o mesmo não era um produto BPN, os autores não teriam efectuado o investimento naquelas obrigações.

Verificado se mostra o nexo de causalidade.

Importa salientar que o CVM não prevê que o vício na formação da vontade do investidor, decorrente da violação dos deveres de informação por parte do intermediário financeiro, acarrete a anulação do negócio de transacção de valores mobiliários.

Como refere PAULO CÂMARA, ob. cit., 714, “o sistema de proteção consagrado no Código dos Valores Mobiliários assenta em deveres de adequação e em deveres de informação, cujo incumprimento pode desencadear deveres de indemnização mas não coloca de princípio em crise a validade do negócio aquisitivo. Dada a potencial distribuição em massa de valores mobiliários, a opção simétrica seria na prática inviável”.

É certo que o sistema protector definido no CVM não garante ao investidor a inexistência de risco. O que se pretende é que o investidor seja alertado e informado para os riscos gerais do mercado de valores mobiliários e para os riscos concretos de determinada operação, de molde a que sobre ele recaia o ónus da decisão.

Como defende SOFIA NASCIMENTO RODRIGUES, ob. cit., 33 “A decisão do investidor pode ser errada mas tem de ser uma decisão esclarecida”.

A indemnização visa, portanto, colocar o investidor lesado na situação em que estaria se a sua vontade tivesse sido formada de forma esclarecida, não estando em causa, evidentemente, uma garantia de realização das expectativas do investidor.

No caso como o dos autos, em que está provado que os autores efectuaram uma aplicação de capital que, no caso de terem sido devidamente informados, não realizariam, a reparação do dano consiste na colocação do lesado na posição patrimonial em que se encontrariam no caso de não terem efectuado essa aplicação.

Trata-se, aqui, de responsabilidade pelo dano da confiança ou interesse contratual negativo, e não pelo interesse contratual positivo.

O lesado só poderia exigir ser colocado na situação patrimonial em que estaria se a informação prestada estivesse correcta, se o lesante tivesse assumido uma verdadeira garantia pela correcção e pela completude da informação – v. PAULO MOTA PINTO, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, volume II, 1369-1370, 1381-1384.

Neste conspecto, os autores têm direito ao pagamento, pelo Banco réu, do valor das quantias que aqueles foram induzidos a entregar em benefício da SLN, e que esta não lhes restituiu.

Nada os autores alegaram, e muito menos demonstraram, que tivessem auferido lucros em razão de aplicações alternativas que pudessem ter efectuado e que não realizaram em virtude da aquisição das obrigações, pelo que nada há a assinalar.

Ao valor do capital perdido acrescerão os peticionados juros de mora, atento o que decorre do Nº 12 da Fundamentação de Facto.

c )     DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DOS AUTORES

Na sua contestação o Banco réu veio arguir a prescrição do crédito dos autores e continua a defender, agora no recurso, que decorreram mais de dois anos entre a data em que o autor tomou conhecimento da concreta aplicação e a data em que propôs a acção.

Resulta, com efeito, do já citado artigo 324.º n.º 2 do CVM: “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.”

In casu, o réu não logrou demonstrar a data em que os autores tiverem conhecimento do negócio (ou seja, das verdadeiras características dos produtos financeiros subscritos), dies a quo a partir do qual, nos termos do n.º 2 do artigo 324.º do CVM, se conta o prazo prescricional. Ora, sendo assim, sempre improcedente seria a invocada prescrição.

Acresce que, no caso em apreciação, o réu (na altura BPN), através do seu empregado, agiu pelo menos com culpa grave, violando grosseiramente o padrão de completude, verdade e clareza erigido pelo n.º 1 do artigo 7.º do CVM, e tendo presente o disposto no n.º 2 do artigo 312.º, pelas características dos autores aforradores tradicionais, avessos ao risco e não familiarizados com os produtos que lhes foram oferecidos.

Assim, o prazo prescricional aplicável ao caso seria o que se reporta à responsabilidade civil obrigacional, ou seja, o prazo regra de 20 anos, previsto no artigo 309.º do CC.

Salienta GONÇALO ANDRÉ CASTILHO DOS SANTOS, ob. cit., 256, a propósito da aplicação do prazo geral da prescrição da responsabilidade obrigacional no caso de imputação de danos decorrente de dolo ou culpa grave do intermediário financeiro, que se denota uma intenção penalizadora do intermediário financeiro que apresente uma culpa agravada, salvaguardando-se também de forma qualificada, a tutela do cliente, tratando-se, aliás, do único caso em que a lei mobiliária prestou homenagem ao brocardo latino ‘culpa lata dolo aequiparatur’.

Conclui-se, portanto, pela inexistência da arguida prescrição.

Resta acrescentar que, com idêntico entendimento têm decidido os tribunais portugueses, nomeadamente e a título meramente exemplificativo, Acs. TRG de 11.01.2018 (Pº 401/16.2T8BGC.G1); de 27.4.2017 (Pº 2928/16.7T8GMR.G1); Acs. TRC de 21.01.2018 (Pº 3246/16.6T8VIS.C2), de 16.01.2018 (Pº 3906/16.1T8VIS.C1) e de 12.9.2017 (Pº 821/16.2T8GRD.C1); Acs. TRE 11.01.2018 (Pº 1821/16.8T8STR.E1), de 21.12.2017 (Pº 2695/16.4T8STR.E1) e Acs. TRL de 06.12.2017 (Pº 13416-16.1T8LSB.L1-8); de 02.11.2017 (Pº 6295-16.0T8LSB.L1-8); de 10.10.2017 (Pº 4042/16.6T8LSB.L1-7) e os Acs. TRL de 15.03.2018 (Pº 5075/16.8T8LSB.L1-6) e de 22.03.2018 (Pº 14292/16.4T8LSB.L1, de que a ora relatora e o 1º adjunto foram ali 1ª a 2º adjuntos, respectivamente), todos acessíveis em www.dgsi.pt e deste mesmo colectivo, Acs. de 21.06.2018 (9659/16.6T8LSB.L1 e 18613/16.7T8LSB.L1), ainda pendentes de publicação.

E, assim sendo, a apelação não poderá deixar de improceder, confirmando-se a sentença recorrida.

Face à improcedência do recurso principal, prejudicada ficou a apreciação do recurso subordinado interposto pelos autores, de forma subsidiária.

O Banco apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
 
Condena-se o Banco apelante no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 05 de Julho de 2018

Ondina Carmo Alves - Relatora

Pedro Martins

Arlindo Crua