Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
263/21.8YHLSB.L1-PICRS
Relator: ANA MÓNICA MENDONÇA PAVÃO
Descritores: EXIBIÇÃO PÚBLICA
VIDEOGRAMAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Para a procedência de acção intentada por entidade de gestão colectiva de direitos conexos, em matéria de cobrança de direitos de autor e direitos conexos, é necessário que a autora logre fazer prova de que a ré (entidade que explora o estabelecimento comercial) transmite publicamente (v.g. via TV) os videogramas/fonogramas sem a necessária autorização/licença.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa
*
I. RELATÓRIO
GEDIPE – Associação para a Gestão Coletiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais intentou a presente acção de processo comum contra ADVANCESFERA – UNIPESSOAL, LDA, pedindo:
1. Que a ré seja condenada a proceder, junto da autora, ao devido licenciamento para exibição pública de videogramas de acordo com os tarifários constantes das tabelas em vigor para o efeito e que a autora junta sob Docs. nºs 12, 13 e 14;
2. Que a ré seja condenada, ao abrigo do disposto no artigo 211.º C.D.A.D.C., a pagar à autora as seguintes quantias:
a) o montante de € 9.662,00 (nove mil seiscentos e sessenta e dois euros); que, de acordo com as tabelas tarifárias da autora para os anos 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 até à data de entrada da presente ação, seria devido pelo licenciamento que a ré não obteve, como devia;
b) a quantia devida a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa legal aplicável, no montante €1.202,38 € (mil duzentos e dois euros e trinta e oito cêntimos), para os anos 2016, 2017, 2018, 2109, 2020 e 2021 desde 01 de janeiro do respetivo ano, todos até à data da entrada em juízo da presente ação;
c) os juros de mora vincendos calculados à aludida taxa legal, sobre o mesmo montante, até efetivo e integral pagamento;
d) a quantia de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros), destinada a ressarcir os danos inerentes aos encargos suportados pela autora com a proteção dos direitos lesados pela sociedade ré, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva da mesma.
3. Que a ré seja condenada a pagar à autora o montante adicional que eventualmente se mostre devido, face ao disposto no artigo 829.º-A do Código Civil, pela falta de pagamento do montante global em que for condenada, desde a data do trânsito em julgado da sentença a proferir na presente ação até efetivo e integral pagamento.
4. Que a ré seja condenada, ao abrigo do disposto no artigo 210.º-J do C.D.A.D.C., ao encerramento do estabelecimento, até que obtenha o devido licenciamento da Autora para execução pública de videogramas em tal estabelecimento;
Ou, caso assim se não entenda:
5. Que a ré seja condenada na proibição de proceder à execução pública não licenciada de videogramas, acompanhada da obrigação do pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a fixar pelo tribunal, por cada dia que decorra entre a data do trânsito em julgado da sentença a proferir na presente ação e a data da efetiva obtenção da devida licença.
6. Que a ré seja condenada nas custas da presente ação e procuradoria condigna, com todas as consequências legais.
Alegou, em síntese, que é uma associação que defende os direitos conexos e outros direitos e interesses dos autores, produtores e editores de conteúdos de audiovisuais, cabendo-lhe, assim, entre outros, a defesa, cobrança, gestão e distribuição dos referidos direitos dos seus associados; a ré explora um hotel e não está devidamente licenciada pela autora, sendo que coloca à disposição do público, regularmente, através de televisores, obras protegidas pelos direitos dos representados da requerente.
*
Regularmente citada, a ré contestou, invocando a excepção da prescrição e pugnando pela improcedência da acção. 
*
Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, que conheceu da excepção de prescrição invocada, e tendo sido fixado o objecto do litígio e os temas da prova.
*
Foi realizada audiência de julgamento, na sequência do que foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos.
*
Inconformada com esta decisão, dela apelou a autora, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
A. Por Sentença proferida em 12/07/2022, veio a Mma. Juiz a quo julgar improcedente, por não provada, a acção e, em consequência, absolveu a Recorrida dos pedidos formulados pela Recorrente;
B. A Mma. Juiz a quo considerou não provado a existência de televisores nos quartos e espaços comuns do hotel que a Recorrida explora;
C. Bem como considerou não provado que no hotel explorado pela ré se proceda de forma habitual, continuada e reiterada, à execução pública de videogramas;
D. Acontece, porém, que em momento algum a Recorrida não contesta a existência de televisores nos quartos do estabelecimento hoteleiro sob a sua exploração, limitando-se a impugnar a existência de televisores nos espaços comuns do hotel, factos esses que se consideram confessados, ao abrigo do artigo 574º, n.º 2 do Código de Processo Civil, nos termos do qual “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados”;
E. Acresce que, a existência de televisores nos quartos que o hotel disponibiliza aos seus hóspedes constitui um facto notório e de conhecimento público, na medida em que a informação acerca das comodidades oferecidas pelo estabelecimento hoteleiro em causa encontram-se publicadas, sendo acessíveis ao público em geral, bastando, para tanto, a consulta do website oficial do hotel explorado pela Recorrida, à luz do princípio do inquisitório;
F. Mas ainda que assim não fosse, do depoimento da testemunha TG resultou que a Recorrida efectua regularmente pagamentos a determinadas entidades responsáveis pela gestão de direitos de autor ou de direitos conexos, nomeadamente a SPA (Sociedade Portuguesa de Autores) e a PassMúsica, mas não o faz a favor da Recorrente, que é também ela uma entidade que se dedica à gestão colectiva de direitos de autor e de direitos conexos (ficheiro de gravação 20220614121138_9121_4462829 em 08’32”” a 09’19””);
G. Deste modo, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo, é legítimo afirmar que a Recorrida disponibiliza aparelhos de difusão, como é a televisão, nos quartos do hotel, pois, caso assim não fosse, não haveria necessidade da Recorrida fazer pagamentos de direitos de autor e de direitos conexos à SPA e à PassMúsica, a título de direitos de autor e de direitos conexos;
H. Quanto ao facto dado como não provado de que no hotel explorado pela ré se proceda de forma habitual, continuada e reiterada, à execução pública de videogramas, a Recorrida alegou que, no ano de 2020,o hotel esteve encerrado de 15 a 30 de Junho, tendo reaberto em Julho, mantendo-se em funcionamento e aberto ao público à data de apresentação daquela peça processual, ou seja, dia 11 de Outubro de 2021;
I. Durante esse período, teve a possibilidade de proceder à comunicação pública de videogramas, que constituem obras protegidas entregues à gestão da Recorrente, conforme resultou do depoimento da testemunha BP, ao ser confrontado com a grelha de programação dos conteúdos transmitidos cujos produtores afirmou serem representados pela ora Recorrente, que, na qualidade de funcionário da Recorrente, no departamento de licenciamento, tem conhecimentos profundos sobre as atribuições bem como dos produtores que a Recorrente representa (ficheiro de gravação 20220614115529_9121_4462829 03’17”” a 09’54””).
J. Mais, nos artigos 27.º e 34.º da Contestação, a  Recorrida assume efectuar o pagamento de direitos autorais a favor de outras entidades gestoras, como a SPA (Sociedade Portuguesa de Autores) e a PassMúsica;
K. É entendimento consolidado na jurisprudência comunitária que, embora a mera disponibilização de meios materiais não constitua, por si só, uma comunicação na acepção da Directiva 2011/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, a distribuição de um sinal através de aparelhos de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado, constitui um acto de comunicação ao público na acepção do artigo 3.º n.º 1, da Directiva 2011/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, nos termos do qual, os Estados-Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, existindo a mesma previsão no n.º 2, aplicável aos produtores de videogramas.
L. Tendo o Tribunal a quo dado como provado que a Recorrida não possuía qualquer autorização dos produtores de        videogramas ou dos seus representantes, designadamente da autora, para proceder à execução ou comunicação pública e de reprodução de videogramas.
Terminou pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que condene a ré nos pedidos formulados pela autora/ora apelante.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo o julgador livre na apreciação e aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 5º n.º 3 do Código de Processo Civil.
Assim, no caso dos autos, importa apreciar e decidir:
- Sobre a impugnação da decisão da matéria de facto não provada na sentença, quanto à execução pública não autorizada de videogramas musicais no hotel explorado pela ré; e consequentemente averiguar se estão verificados in casu os pressupostos do pagamento da remuneração prevista no art.º 184º do CDADC, nomeadamente a violação de direitos conexos.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) FACTOS PROVADOS
O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos [transcrição]:
a) A autora é uma associação constituída com a finalidade da defesa dos direitos conexos e de outros direitos e interesses dos autores, produtores e editores de conteúdos de audiovisuais, cabendo-lhe, assim, entre outros, a defesa, cobrança, gestão e distribuição dos referidos direitos dos seus associados, conforme resulta dos seus respetivos Estatutos que a autora juntou como documento n.º 1.
b) A autora encontra-se devidamente registada na I.G.A.C., conforme resulta do título de registo que a autora juntou como documento n.º 2.
c) A autora representa os produtores de obras audiovisuais, também identificados como produtores de videogramas, em matérias relacionadas com a cobrança de direitos.
d) A autora encontra-se também mandatada para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes e executantes – teor do documento que a autora junta como nº 3.
e) A autora, em parceria com a referida GDA, desenvolve o licenciamento conjunto de direitos conexos dos produtores de audiovisuais ou videogramas e artistas, intérpretes e executantes.
f) No âmbito daquelas atividades de licenciamento e cobrança de remunerações de produtores e artistas, a autora representa o repertório nacional e estrangeiro – teor dos documentos que a autora junta como n.ºs 4 a 7.
g) A autora licencia a utilização da quase totalidade do repertório de videogramas, nomeadamente, filmes, séries ou telenovelas, nacionais ou estrangeiros, comercializados e utilizados em Portugal – doc. 4 junto pela autora.
h) Dá-se por reproduzida a grelha de programação que constitui o documento que a autora junta como n.º 6.
i) A ré explora o Hotel B…, que tem 4 estrelas.
j) A ré não possui qualquer autorização dos produtores de videogramas ou dos seus representantes, designadamente da autora, para proceder à execução ou comunicação pública e de reprodução de videogramas editados comercialmente.
k) A autora remeteu à ré as cartas que constam no Citius, como doc. 2 junto com o requerimento inicial da Providência Cautelar.
l) Dá-se por reproduzida a tabela que a autora junta com a petição inicial – identificada no Citius sob doc. 5.
m) Em 2016 e 2017, por motivo de obras, a ré apenas teve 15 ou 16 quartos em funcionamento.
n) Em 2018, a ré apenas teve 20 quartos em funcionamento.
o) Em 2019, a ré passou a explorar 32 a 33 quartos.
p) Em 2020, o hotel esteve encerrado entre março e junho de 2020, por força de Covid19.
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS
O tribunal de 1ª instância julgou não provada a seguinte matéria de facto:
Da petição inicial:
Artigos 16 – não foi feita prova da existência de televisores.
Artigo 17 – não provado (sem prejuízo do aspeto conclusivo que encerra).
Artigo 18 - apenas se provou a grelha de programação, mas não que na data e no hotel da ré existisse exibição dos seus conteúdos.
Artigo 19 - não provado.
Artigos 24, 27, 28 e 29 – não provados.
Artigo 35 - não provado.
Artigo 76 - A resposta foi restringida à prova do facto aludido em l) (preçário da autora).
Artigo 84 – Não provados danos não patrimoniais.
Artigo 99 – Não provados encargos com a proteção do direito.
*
Foi ainda consignado na sentença que:
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
Também não foi considerada matéria conclusiva, conceptual, de direito ou sem relevo. Ou seja, toda a matéria constante dos requerimentos, não considerada nos factos provados, foi entendida pelo tribunal como sendo matéria conclusiva, conceptual, de direito ou sem relevo para a decisão a proferir, em face das possíveis soluções de direito.
*
C) IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Como decorre da motivação recursória e respectivas conclusões, o objecto do presente recurso circunscreve-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto julgada não provada na sentença posta em crise, concretamente os factos alegados nos artigos 16º e 17º da petição inicial (existência de televisores nos quartos e espaços comuns do hotel explorado pela ré e execução pública de videogramas de forma habitual, contínua e reiterada nesse mesmo local).
Nos termos do disposto no art.º 662º/1 do Cód. Proc. Civil, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Dispõe, por sua vez, o art.º 640º/1 do Cód. Proc. Civil que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Tendo a recorrente dado cumprimento aos ónus impostos pelo art.º 640º do CPC, importa analisar cada um dos factos postos em crise.
O tribunal de 1ª instância julgou não provado o acervo factual contido nos artigos 16º a 19º da petição inicial, cujo teor é o seguinte:
16º - “Constatou a Autora que no supramencionado hotel, explorado pela Ré, existem televisores, conforme se pode verificar pela consulta da respetiva informação que são publicitadas no website oficial daquele estabelecimento.
17º - Naqueles estabelecimentos procede-se, de forma habitual, continuada e reiterada, à execução pública de videogramas sem a competente licença e autorização para o efeito.
18º - No dia 15/08/208 na referida grelha de programação (junta sob Doc. nº 6, na providência cautelar) a Ré procede à execução pública de videogramas do repertório entregue à gestão da Autora.
19º - A comunicação (sob a forma de execução pública) desses videogramas nas instalações do estabelecimento da Ré é feita de forma reiterada e sucessiva para a clientela do mencionado hotel.”
           
Sobre estes factos foi consignado na sentença o seguinte:
“Factos não provados:
Da petição inicial:
Artigos 16 – não foi feita prova da existência de televisores.
Artigo 17 – não provado (sem prejuízo do aspeto conclusivo que encerra).
Artigo 18.º - apenas se provou a grelha de programação, mas não que na data e no hotel da ré existisse exibição dos seus conteúdos.
Artigo 19.º - não provado.”
           
Sob a conclusão D. alega a apelante que “em momento algum a Recorrida não contesta a existência de televisores nos quartos do estabelecimento hoteleiro sob a sua exploração, limitando-se a impugnar a existência de televisores nos espaços comuns do hotel, factos esses que se consideram confessados, ao abrigo do artigo 574º, n.º 2 do Código de Processo Civil, nos termos do qual “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados”. Acrescentando na conclusão E. que “(…) a existência de televisores nos quartos que o hotel disponibiliza aos seus hóspedes constitui um facto notório e de conhecimento público, na medida em que a informação acerca das comodidades oferecidas pelo estabelecimento hoteleiro em causa encontram-se publicadas, sendo acessíveis ao público em geral, bastando, para tanto, a consulta do website oficial do hotel explorado pela Recorrida, à luz do princípio do inquisitório;
Por outro lado, reportando-se à prova testemunhal produzida em sede de julgamento, sustenta que resulta do depoimento da testemunha TG que “a Recorrida efectua regularmente pagamentos a determinadas entidades responsáveis pela gestão de direitos de autor ou de direitos conexos, nomeadamente a SPA (Sociedade Portuguesa de Autores) e a PassMúsica, mas não o faz a favor da Recorrente, que é também ela uma entidade que se dedica à gestão colectiva de direitos de autor e de direitos conexos”, concluindo a apelante que “é legítimo afirmar que a recorrida disponibiliza aparelhos de difusão, como é a televisão, nos quartos de hotel.”
Vejamos.
Está provado e não é posto em crise que a ora A. é uma sociedade destinada à defesa dos direitos conexos e outros direitos e interesses dos autores, produtores e editores de conteúdos audioviosuais, cabendo-lhe, além do mais, a cobrança, gestão e distribuição dos referidos direitos dos seus associados - cf. facto provado a) – desenvolvendo, em parceria com a GDA, o licenciamento conjunto de direitos conexos dos produtores de audiovisuais ou videogramas e artistas, intérpretes e executantes – facto provado e). Mais resultou assente que a autora licencia a utilização da quase totalidade do repertório de videogramas, nomeadamente filmes, séries ou telenovelas, nacionais ou estrangeiras, comercializados e utilizados em Portugal – facto provado g).
 Flui igualmente do acervo factual apurado, não impugnado, que a ré explora o Hotel B…, que tem 4 estrelas, e não possui autorização dos produtores de videogramas ou dos seus representantes, designadamente da autora, para proceder à execução ou comunicação pública e de reprodução de videogramas editados comercialmente - factos i) e j).

O primeiro facto não provado objecto de impugnação é o vertido no art.º 16º da petição inicial, atinente à existência de televisores no hotel explorado pela ré.
Ora, não logrou a autora carrear para os autos a prova deste facto, como lhe competia (art.º 342º/1 do Código Processo Civil).
Com efeito, não consta do processo qualquer documento que o ateste, nem o mesmo se pode extrair da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento.
Importa, desde já, refutar o alegado pela apelante, segundo a qual a ré não contesta a existência de televisores nos quartos do estabelecimento hoteleiro sob a sua exploração, “limitando-se a impugnar a existência de televisores nos espaços comuns”.
A recorrente faz alusão ao art.º 11º da contestação, cujo teor é o seguinte:
“A A. não alega o número de quartos da unidade hoteleira em crise que são abrangidos pela sua proteção autoral, indicam de forma duplicada a classificação da unidade hoteleira, umas de 4 outras de 5 estrelas, não mencionam o número de televisores em espaços comuns, até por estes não existem.”
(sublinhado nosso)
É incontornável que a ré não aceita o alegado no art.º 16º da petição inicial, impugnando-o expressamente no art.º 11º da contestação (maxime na sua parte final), o que é reforçado pela impugnação genérica contida no art.º 42º deste articulado.
A ré não deixou, pois, de cumprir o ónus imposto pelo art.º 574º do Código Processo Civil, tomando posição sobre o facto em causa, negando-o, impugnação que sempre resultaria da defesa considerada no seu conjunto (cf. art.º 574º/2 do Código Processo Civil).
Também não colhe o argumento esgrimido na conclusão E. de que a existência de televisores nos quartos de hotel constitui facto notório e de conhecimento público, alegando a recorrente que essa informação se encontra publicada no website oficial do hotel explorado pela recorrida.
Invoca a apelante a este propósito o princípio do inquisitório, como se deste princípio do processo civil decorresse a substituição das partes pelo tribunal na apresentação dos meios de prova e como se tal princípio não devesse articular-se com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilização das partes.
Impende, em qualquer caso, sobre as partes não só o dever de alegação dos factos, como o ónus de indicação dos meios de prova (art.º 552º/6 e 572ºd) do Código Processo Civil), sem prejuízo das diligências que o tribunal entenda realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, tendo em vista o apuramento da verdade e a justa composição do litígio (art.º 411º do Código Processo Civil), no âmbito do seu dever de gestão processual (art.º 6º do Código Processo Civil).
No caso dos autos, incumbia à autora apresentar a prova dos factos alegados, o que não fez.
E não se diga que a existência de televisores no hotel explorado pela ré constitui facto notório ou do conhecimento geral e de experiência comum e como tal, não carecem de prova, nem sequer de alegação (cf. art.º 412º Código Processo Civil).
Note-se que embora a recorrente tivesse remetido para a informação constante do website oficial do hotel, nem sequer o identificou.
Não temos dúvidas de que não estamos perante um facto notório, nem as regras de experiência comum, por si só, permitem concluir que o hotel explorado pela ré/recorrida, pela circunstância de ter 4 estrelas, tem necessariamente televisão nos quartos e/ou espaços comuns, sendo certo que, como referido na sentença, a lei deixou de o exigir qualquer que seja a classificação da unidade hoteleira (cf.  Portaria nº 309/2015, de 15/9, rectificada pela declaração de rectificação nº 49/2015, de 2/11).
Nem da prova testemunhal podemos extrair a prova do facto em apreço.
Ao invés do que defende a recorrente, o facto não resulta do depoimento da testemunha TG (que foi administrador da ré até 2018, sendo actualmente representante dos titulares das quotas maioritárias), ouvida em sede de audiência (cujo depoimento se encontra gravado em suporte audio), que em momento algum afirmou a existência de televisores no hotel, questão que, aliás, nem sequer lhe foi colocada. Por outro lado, a circunstância reconhecida pela testemunha de que a ré efectua regularmente pagamentos a outras entidades de gestão colectiva de direitos de autor e conexos, como a Sociedade Portuguesa de Autores, não autoriza a inferência constante da conclusão G. de que a ora recorrida disponibiliza televisões nos quartos do hotel.
Acresce que nenhuma das demais testemunhas ouvidas revelou conhecimento sobre o facto em causa, razão pela qual deve manter-se o mesmo como não provado.
No que concerne aos factos vertidos no artigo 17º e bem assim nos artigos 18º e 19º da petição inicial (não obstante a matéria conclusiva aí contida), igualmente não logrou a autora/ora apelante fazer prova da sua verificação. Remete-se, no art.º 18º da petição inicial, para o documento nº 6 junto à providência cautelar que constitui o apenso A dos presentes autos. Porém, tal documento, elaborado pela autora GEDIPE com referência à fonte: Guia TV - www.nos.pt/particulares/televisão/guia-tv/Pages/default.aspx - que constitui a grelha de programação de televisão relativa ao dia 15 de Agosto de 2018, do qual consta “amostragem – todos os programas de televisão emitidos nos canais RTP1, RTP2, SIC e TVI” - apenas demonstra a programação dos diversos canais e não mais do que isso. Daqui não pode extrair-se o alegado no art.º 18º da petição inicial (no dia 15/8/2018 a ré procedeu à execução pública de videogramas do repertório entregue à gestão da Autora). E muito menos se encontra neste documento fundamento para dar como assente o alegado nos artigos 17º e 19º do mesmo articulado, ou seja, que a ré procedeu, de forma habitual, continuada e reiterada à execução pública de videogramas, para a clientela no mencionado hotel, sem a competente licença e autorização para o efeito.
Acresce que ouvido o depoimento de BP, funcionário da autora na área dos licenciamentos, a testemunha foi muito clara ao relatar o modo de procedimento da GEDIPE, esclarecendo que nunca são enviadas facturas para cobrança dos direitos conexos sem previamente ser estabelecido contacto com o visado mediante carta registada, tal como sucedeu com a ora ré/apelada, dando a conhecer a actividade da autora (alegando a testemunha que é grande o desconhecimento da lei nesta matéria por parte dos gerentes de hotéis) e solicitando elementos (v.g. categoria do hotel, número de unidades de alojamento e taxas de ocupação) que permitam o licenciamento e o cálculo dos valores a cobrar.
Como consta do facto provado k), “a autora remeteu à ré as cartas que constam do citius, como doc. 2, junto com o requerimento inicial da providência cautelar”, sendo que em tais cartas, juntas ao apenso A com o requerimento de 21/4/2021, a GEDIPE se apresenta como associação sem fins lucrativos de utilidade pública de gestão colectiva de direitos conexos de todas as obras audiovisuais produzidas e editadas pelos produtores audiovisuais seus representados, informando da necessidade do licenciamento para execução ou comunicação pública de videogramas e solicitando à ré um conjunto de elementos (categoria do empreendimento turístico, número de unidades de alojamento, número de espaços de acesso público com televisão e taxa de ocupação do/s estabelecimento/s) com o objectivo de calcular o valor a pagar.
Ora, de tais documentos, em conjugação com o depoimento da aludida testemunha BP, apenas se extrai que a ré foi notificada para proceder ao licenciamento, cujo valor, aliás, nunca terá sido liquidado. E muito menos logrou a autora com tais elementos fazer prova do facto essencial atinente à execução pública e reiterada, por parte da ré, de videogramas no hotel que explora.
Flui do exposto que inexistem razões válidas para alterar a matéria de facto não provada objecto de impugnação, improcedendo o recurso nesta parte.
*
IV.  FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Na presente acção pretende a autora a condenação da ré a proceder ao licenciamento para exibição pública de videogramas, assim como a pagar à autora as quantias devidas pelo licenciamento, acrescidas de juros e dos montantes indemnizatórios peticionados.
Baseia a sua pretensão no facto de representar os autores de obras musicais utilizadas pela ré, protegidas por direitos de autor/conexos.
A questão foi correctamente enquadrada pelo tribunal recorrido no âmbito do disposto no art.º 184º/2 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, (doravante designado por CDADC).
No exercício dos direitos patrimoniais, o autor tem o direito exclusivo de utilizar a sua obra ou de autorizar a sua utilização por terceiro (art.ºs 9º e 67º do CDADC).
Entre os direitos elencados, a título exemplificativo, pelo art.º 68º/2 do CDADC encontra-se a difusão pela fotografia, telefotografia, televisão, radiofonia ou por qualquer outro processo de reprodução de sinais, sons ou imagens e a comunicação pública por altifalantes ou instrumentos análogos, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras ópticas, cabo ou satélite, quando essa comunicação for feita por outro organismo que não o de origem.
Tal preceito deve articular-se com o princípio ínsito no art.º 3º/1 da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, estabelecendo aquele preceito, em consonância com o considerando 23 da Directiva, um conceito alargado do direito à comunicação ao público.
No seguimento do art.º 68º/2, o art.º 149º/1 do CDADC atribui ao autor o direito exclusivo de autorizar a radiodifusão da sua obra, definindo o nº 3 desta norma que «entende-se por público todo aquele a que seja oferecido o acesso, implícita ou explicitamente, mediante remuneração ou sem ela, ainda que com reserva declarada do direito de admissão».
No que ao produtor do fonograma ou videograma concerne (cf. art.º 176º/3, 4 e 5), é-lhe atribuído o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelo seu representante, a comunicação ao público de fonogramas e videogramas, incluindo a difusão por qualquer meio e a execução pública directa ou indirecta, em local público, na acepção do nº 3 do art.º 149º (art.º 184º/1 e) do CDADC).
Por sua vez, a lei prevê o direito a uma remuneração equitativa, a ser dividida entre o produtor e os artistas intérpretes ou executantes (art.º 184º/3 do CDADC).

No caso dos autos, a autora intervém na qualidade de entidade de gestão colectiva e representante de produtores de fonogramas/videogramas em matéria de cobrança de direitos conexos e outros direitos dos autores, produtores e editores de conteúdos audiovisuais [como provado no facto a)], legitimidade que lhe advém do disposto no art.º 72º do CDADC.
Incumbia à autora a prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga (art.º 342º/1 do C. Civil).
Ora, tal como foi entendido na sentença posta em crise, não foi produzida prova de que, no hotel que explora, a ré procede à execução pública de obras protegidas pelos direitos representados pela autora.
Com efeito, não logrou a GEDIPE fazer prova do alegado designadamente sob os artigos 16º a 18º da petição inicial, ou seja, que a ré proceda à execução pública de videogramas, pelo que não ficou demonstrada a alegada violação dos direitos conexos.
Assim e face à improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto julgada não provada na sentença, não podem considerar-se preenchidos os requisitos previstos no art.º 184º/1 e 3 do CDADC, em que se estriba o pedido formulado na presente acção.
Não merece, pois, censura a sentença recorrida, que se deverá manter.
*
V. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Apelante (artigo 527º do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
*
Lisboa, 20/2/2023
Ana Mónica C. Mendonça Pavão
Luís Ferrão
Carlos M. G. de Melo Marinho