Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29015/06.3YYLSB-B.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
INDEFERIMENTO LIMINAR
CESSÃO DE CRÉDITO
DEVEDOR
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Com a outorga do contrato de cessão de créditos, os efeitos da cessão produzem-se imediatamente entre as partes, de acordo com o contrato de cessão, ocorrendo a modificação subjetiva no vínculo obrigacional correspondente à substituição do credor originário por um novo credor, mantendo-se os demais elementos da relação obrigacional (ou seja, o objeto e o sujeito passivo).
2. Contudo, para que a cessão seja eficaz em relação ao devedor, carece a mesma de lhe ser notificada, ou de por ele ser aceite, sob pena de não lhe ser oponível.
3. A notificação do devedor não é facto constitutivo do direito do cessionário, nem condição necessária para assegurar a sua legitimidade ativa, sendo mera condição de eficácia da cessão em relação ao devedor.
4. Nas situações em que é alegada a transmissão do crédito no RE, a citação para a execução substitui a notificação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                                     
RELATÓRIO
Em 25.09.2018, e por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa, em que é exequente G - Instituição Financeira de Crédito, S.A. (e agora, por habilitação de cessionário, A Limited ) e executados J e outra, veio aquele deduzir embargos de executado, pugnando pela sua procedência e extinção da execução.
Em 8.2.2019, foi proferido despacho que indeferiu liminarmente os presentes embargos de executado.
Inconformado com a decisão, apelou o embargante, apresentando, no final das alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1ª Refere a sentença recorrida a propósito na não comunicação ao recorrente o seguinte da cessão de créditos o seguinte:
No caso concreto de a cessão ocorrer previamente à propositura da ação executiva, como sucedeu nos autos, deve o cessionário (requerente na ação executiva) alegar a cessão do crédito no requerimento inicial e juntar a respetiva prova documental, podendo a notificação do devedor realizar-se através da citação para a ação, tanto bastando para garantir a sua legitimidade ativa (neste sentido cf. Ac. do TRL de 15.03.2011 proferido no Proc. 24649/10.3YYYLSB1-1, relator: Rui Vouga, disponível in WWW.dgsi.pt).
2ª Ora salvo o devido respeito nos presentes autos não consta qualquer elemento literal no requerimento executivo que prove que a cessão ocorreu previamente à propositura da ação executiva ou que tenha mesmo ocorrido qualquer cessão ao exequente A Limited.
3ª Assim sendo a recorrida não tem qualquer direito para demandar o recorrente, sendo parte ilegítima sendo nulo todo o processado.  
4ª E sem prescindir do supra alegado a posição descrita pelo tribunal recorrido, ao defender este tipo de procedimento constitui uma autêntica fraude ao disposto no artigo no artigo 583º, nº 1, primeira parte do Código Civil.
5ª Com efeito, de acordo com a sentença recorrida e do acórdão citado, de nada seve a referida norma.
6ª O espirito do código e das regras dos contratos impõe ao cessionário ou ao cedente a comunicação imediata ao devedor da cessão do crédito.
7ª Isto é o mínimo exigível de acordo com o princípio da boa-fé contratual.
8ª De acordo com Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Atualizada em comentário ao artigo 583º do Código Civil referem o seguinte:
“…
Os efeitos entre as partes – cedente e cessionário – estão dependentes do tipo de negócio que seve de base à cessão (cfr. Art. 578º e respetiva nota). Em relação ao devedor que não tem que ser parte no contrato, a eficácia da cessão depende de um destes fatores: notificação ou aceitação.

A notificação pode ser feita judicialmente ou extrajudicialmente, por uma simples declaração negocial nos termos do artigo 217º, e tanto pode ser feita pelo cedente como pelo cessionário.
…”
9ª Ora a declaração negocial a que se refere não pode ser a citação para a execução, onde na mesma tão pouco faz referência à cessão de créditos.
10ª Lendo o requerimento executivo em espaço algum se acha escrito que a A Limited é cessionária do crédito, nem se encontra qualquer documento que o confirme.
11ª Como se referiu o exequente A Limited é parte ilegítima na presente ação, pois não vem alegado no requerimento executivo a cessão de créditos para efeitos de habilitação processual e a haver fora do processo a mesma cessão é ineficaz ao recorrente por falta de comunicação ao recorrente.
12ª O tribunal recorrido violou o disposto no artigo 583º nº 1 do Código Civil e o disposto no artigo 30º, nº 1 do Código Civil.
 Termina pedindo que seja declarado nulo todo processado em consequência da ilegitimidade material e processual do exequente A Limited por inexistência de cessão de créditos, ou, caso assim não se entenda e a considerar-se ter havido cessão de créditos, ser a mesma declarada ineficaz relativamente ao recorrente.  
Não se mostram juntas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), as questões a decidir são:
a) da ilegitimidade da exequente A Limited;
b) da comunicação da cessão de créditos.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes são os supra referidos no relatório, e, ainda [1]:
1. Em 3.5.2006, G - Instituição Financeira de Crédito, S.A. intentou a ação executiva de que os presentes autos são apenso contra J e M, pretendendo ser paga da quantia de €7.128,31, alegando:
“Factos:
I - Da Sucessão no Direito
1º- Por contrato de trespasse celebrado no dia 13 de setembro de 2001, entre "V, SA" e W, Lda.", foi transmitida a atividade e estabelecimento comercial da V à W Rent, e nomeadamente, os contratos de locação de veículos automóveis e a propriedade dos veículos referentes a esses contratos (Doc.1).
2º- A sociedade cuja atividade e estabelecimento foi trespassada era legítima proprietária do veículo objeto dos presentes autos e interveniente na qualidade de locadora no respetivo contrato (Doc.2).
3º- Posteriormente, a W Leasing alterou a sua denominação para G, Instituição Financeira de Crédito S.A. e incorporou por fusão as sociedades W RENT e W - Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S.A., conforme fotocópia simples das publicações na IIIª Série dos Diários da República n.ºs 224 e 236 de 27.09.2003 e 07.10.2004, respetivamente, que ora se juntam (Docs. 3 e 4), pelo que a Exequente é parte legitima nos termos do disposto no Artigo 26, nº 3 do Código de Processo Civil para demandar os presentes autos.
II - Da Execução
4º Por sentença proferida no âmbito do processo nº -/1996 pela 2ª secção da 11ª Vara Cível de Lisboa e que julgou a ação intentada pela Autora, ora Exequente, parcialmente procedente, foram os Réus ora Executados condenados ao pagamento da quantia de Eur: 7.128,31”.
2. Juntou, para além do mais, como Doc. 1, o Contrato de trespasse entre "V, SA" e W Rent, Lda.".
3. Em 23.12.2014, A Limited veio intentar contra os executados, por apenso, incidente de habilitação de cessionário, alegando que “1º. A G – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., por Contrato de Cessão de Créditos assinado no dia 20 de Março de 2009, em Lisboa, cedeu à Requerente o crédito que detinha sobre os Requeridos, bem como todas as garantias e acessórios a ele inerentes, conforme cópia que junta sob o doc. 1, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 2º Em conformidade, é a Requerente a atual titular do crédito, cujo pagamento é exigido na execução de que este incidente é apenso. 3º Acresce que a transmissão do crédito não foi feita de forma a tornar mais difícil a posição dos Requeridos no processo.”, e requereu a final a sua habilitação “no lugar do Exequente, a sociedade G – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., para em seu lugar prosseguir a execução nos seus demais termos”.
4. Em 21.4.2015 foi proferida sentença que julgou a A LIMITED habilitada para com ela seguir termos a execução. Mais ordenou a notificação dos executados apenas aquando da citação no processo principal.
5. Por carta remetida em 30.7.2018, o executado foi citado “nos termos do artigo 750º do Código do Processo Civil (CPC), para o processo de execução à margem referenciado, tendo o prazo de 20 (vinte) dias: a) pagar o valor em dívida; b) opor à execução (através de embargos de executado); e c) indicar bens à penhora. …”.
6. Na sequência da citação, interpôs os presentes embargos.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Comecemos por reproduzir o que o apelante alegou no RI de embargos, no que ora importa:
“1.  De acordo com a sentença proferida em 13 de janeiro de 2005, na 11ª Vara Cível da Comarca de Lisboa o contrato de locação havia sido extinto em 24 de outubro de 1994.
2. Portanto, à data do referido trespasse à exequente em 13-09-2001, já não havia qualquer contrato de locação.
3. Tendo o contrato de locação financeira sido extinto em 24 de outubro de 1994, qualquer obrigação ou efeito do mesmo prescreveu em 24 de outubro de 2014, nos termos do disposto no artigo 309º do Código Civil. 
4. Por outro lado, nesse contrato de trespasse não consta que a V haja cedido o crédito de 7.128,31€, montante em que o executado foi condenado, nem nunca ao executado foi dado conhecimento ou aceite a mesma cessão, tal como prevê o artigo 583º, nº 2 do Código Civil.
5. Também à data da prolação da sentença a trespassante V, não tinha legitimidade ativa para demandar o executado, facto que só agora se teve conhecimento, com a citação para a execução em 02-08-2018.
6. A exequente não tem qualquer direito para demandar o executado, sendo nulo todo o processado.
7. Caso não se decida pela nulidade arguida da ilegitimidade da V, S. A. para demandar o executado na ação declarativa que correu termos na 11ª Vara Cível de Lisboa e da ilegitimidade da exequente por inexistência de direito, …”.
Do reproduzido resulta que, para além de outras questões que ora não relevam, nos presentes embargos o embargante suscitou as questões da ilegitimidade da V, S. A. na ação declarativa na qual foi proferida a sentença que serve de título à execução, e da ilegitimidade da exequente G para a execução, por inexistência do direito.
Na sentença recorrida apreciou-se as questões suscitadas nos seguintes termos: “O título dado à execução é uma sentença proferida em 2005 e transitada em julgado em 08.03.2006, conforme informação ora junta a este apenso. Nessa sentença foi o ora executado condenado (juntamente com a outra R, ora co-executada) a pagar à Autora V, sa a quantia de €7128,31 – cf. parte decisória da sentença que foi junta aos autos principais. Os fundamentos de oposição à execução fundada em sentença são os taxativamente previstos no art. 729º do CPC. E neles não cabe nova discussão do objeto da ação declarativa na qual foi proferida a sentença dada à execução, já transitada em julgado, sob pena de violação do caso julgado. Tanto assim que só podem ser invocados factos extintivos ou modificativos da obrigação desde que sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e se provem por documento – art 729º al. g) do CPC. Efetivamente todos os factos relevantes para a absolvição do R no processo declarativo devem ser deduzidos na contestação a oferecer nessa sede de ação declarativa, só podendo ser deduzidos posteriormente os factos que sejam supervenientes – art 573º do CPC. Comecemos por analisar então os fundamentos dos embargos. Em primeiro lugar, alega o embargante que o contrato de locação referido na sentença foi extinto em data anterior à data do trespasse alegado no requerimento executivo, e no contrato de trespasse não consta que a trespassante V haja cedido o crédito de €7128,31 montante em que o executado foi condenado. Ora, é certo que na sentença se refere a extinção do contrato de aluguer em Outubro de 1994, mas independentemente dessa extinção, reconhece-se uma dívida contratual, e condena-se os RR. a pagar à Autora o montante de €7128,31. Logo, o posterior trespasse da atividade e estabelecimento comercial da V, sa a favor da W Rent, Lda., transferiu o direito de crédito da V, sa sobre os ora executados que havia sido reconhecido na sentença, pois nos termos da cláusula primeira ponto 2 do contrato de trespasse anexo ao requerimento executivo a transmissão, por trespasse, abrangeu “todos e quaisquer direitos e obrigações relativos e decorrentes da respetiva atividade”, nomeadamente os que a seguir são discriminados, estando portanto incluído o crédito relativo aos ora executados, que decorreu da atividade da trespassante. Alega ainda o executado que não lhe foi dado conhecimento ou aceite a mesma cessão conforme prevê o art. 583 nº 2 do CC. A cessão de créditos encontra-se prevista no art. 577º do Código Civil, no qual expressamente se refere que “o credor pode ceder a um terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor (…)”.  Relativamente ao devedor, prescreve o art. 583º nº 1 do Código Civil que a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite. Do supra exposto resulta que a cessão de créditos não carece do consentimento ou autorização do devedor (o qual é terceiro quanto ao acordo de cessão), produzindo o contrato de cessão de créditos, nas relações inter partes, imediatamente o efeito translativo do crédito; todavia, quanto a terceiros, designadamente ao devedor, a eficácia da cessão verifica-se desde que lhe seja notificada.  No caso de a cessão ocorrer previamente à propositura da ação executiva, como sucedeu nos autos, deve o cessionário (requerente na ação executiva) alegar a cessão do crédito no requerimento inicial e juntar a respetiva prova documental, podendo a notificação do devedor realizar-se através da citação para a ação, tanto bastando para garantir a sua legitimidade ativa (neste sentido cf. Ac. do TRL de 15.03.2011 proferido no Proc. 24649/10.3YYYLSB1-1, relator: Rui Vouga, disponível in www.dgsi.pt).  O exequente alegou a cessão do crédito exequendo, e anexou prova documental da mesma, pelo que, face ao disposto no art. 56º do CPC, é parte legítima, não relevando para o efeito eventual falta de aceitação ou mesmo oposição dos executados à cessão de créditos. Do exposto resulta que o crédito exequendo foi transmitido para a exequente, transmissão que não carecendo da aceitação dos executados, foi alegada e demonstrada no requerimento executivo, podendo a notificação do devedor realizar-se através da citação para a ação, estando assim assegurada a legitimidade da exequente, não assistindo portanto razão nesta sede ao embargante.  Alega também o embargante que na data da prolação da sentença (2005) a trespassante Vendal não tinha legitimidade ativa para demandar o executado, facto que só agora, com a citação para a execução, o embargante teve conhecimento, pelo que a exequente não tem qualquer direito para demandar o executado, sendo nulo todo o processado.  Não procede também, de forma manifesta, esta alegação. Pese embora o trespasse da atividade/estabelecimento comercial tenha ocorrido em 2001, ou seja anteriormente à data da prolação da sentença, olvida o embargante que a ação declarativa havia sido instaurada em 1996, conforme resulta do nº do respetivo processo- Proc 1168/1996 (cf. certidão anexa ao requerimento executiva); ora, ainda que no decurso de uma ação haja lugar à transmissão do direito litigiosa, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substitui-lo, sendo que a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da ação – cf. Art. 271º nº1 e 3 do CPC então em vigor, correspondente ao art. 263 nº1 e 3 do atual CPC. Ou seja, independentemente do trespasse, a V, sa manteve legitimidade para a ação declarativa até ao final, sendo que a sentença produziu efeitos relativamente à trespassária, a qual passou assim a ser a titular do crédito reconhecido na sentença, podendo, como o fez, vir, por si, executar esse crédito contra o ora executado. …”.
Insurge-se o apelante contra a sentença recorrida, alegando que “não consta qualquer elemento literal no requerimento executivo que prove que a cessão ocorreu previamente à propositura da ação executiva ou que tenha mesmo ocorrido qualquer cessão ao exequente A Limited. Assim sendo a recorrida não tem qualquer direito para demandar o recorrente, sendo parte ilegítima sendo nulo todo o processado”.
Sem prescindir, acrescenta, o disposto no art. 583º, nº 1, primeira parte, do Código Civil, impõe ao cessionário ou ao cedente a comunicação imediata ao devedor da cessão do crédito, tendo em conta o espírito do código e as regras dos contratos, de acordo com o princípio da boa fé.
Vejamos.
Em primeiro lugar, o apelante vem, agora, pôr em causa a legitimidade da A Limited, por não ter alegado a cessão de créditos no RE, nem ter junto documento demonstrativo da mesma, quando na PI de embargos punha em causa a legitimidade da G, por inexistência do direito, em virtude de já não o ter a trespassante V.
Ou seja, na apelação suscita o apelante questão nova, cuja apreciação está vedada a este tribunal.
Os recursos visam a reapreciação de decisões proferidas pelos tribunais recorridos (art. 627º, nº 1 e 639º, nº 1 do CPC), sendo o seu regime o da reponderação ou revisão, tal significando que o tribunal ad quem não pode pronunciar-se sobre matéria não submetida à apreciação do tribunal a quo, não se podendo com o recurso obter decisão sobre questão nova.
Questões novas são aquelas que não foram apreciadas pelo tribunal recorrido por aí não terem sido suscitadas, nem serem de conhecimento oficioso [2].
Escreveu-se no sumário do Ac. do STJ de 4.10.2007, P. 07P2433 (Simas Santos), em www.dgsi.pt, que “… 2- Como é entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, os recursos destinam-se a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não para obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições. São remédios jurídicos que se destinam sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso... ” [3].
Como refere Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed. pág. 147, “o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação. Daí o tribunal ad quem produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo tribunal a quo, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este”.
Em todo o caso sempre se dirá, confirmando a decisão recorrida, que no RI de execução a G alegou a cessão do crédito exequendo (resultante do trespasse), e anexou prova documental da mesma, pelo que, face ao disposto no art. 56º do CPC61 (em vigor à data da propositura da execução), era parte legítima.
Dispunha o art. 45º, nº 5 do CPC61 [4], que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
Título da ação executiva de que a presente oposição é apenso, é a sentença proferida no âmbito do processo nº -/1996 pela 2ª secção da 11ª Vara Cível de Lisboa (art. 46º, nº 1, al. a) do CPC61 [5]).
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 55º do referido diploma legal [6], “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor ”.
A legitimidade afere-se, pois, na ação executiva através de um critério formal, diversamente do que se faz na ação declarativa, onde se faz apelo a um critério substancial ou material.       
Esta é a regra geral.     
Mas nem sempre é parte legítima na execução a pessoa a quem o título atribui a posição de credor ou de devedor.
Desde logo, se o título dado à execução for ao portador, tem legitimidade para promover a execução o portador do título – art. 55º, nº 2 do CPC61 [7].
Por outro lado, “tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão” (art. 56º, nº 1 do CPC61 [8]).
A palavra sucessão é empregue no artigo em sentido genérico para designar qualquer espécie de transmissão, quer inter vivos (nomeadamente arts. 577º e ss. do CC), quer por morte.
Do artigo 56º resulta que a lei reconhece legitimidade aos sucessores no direito para usarem o título e promoverem a execução, mas, porque não figuram no título, têm de justificar a razão da sua legitimidade no requerimento inicial alegando os factos daquela sucessão, tal como o terão de fazer se tiver havido sucessão do devedor.
Tendo cumprido com tal obrigação, justificou a G a sua legitimidade para a execução.
Por outro lado, no incidente de habilitação de cessionária, a A Limited também alegou a cessão do crédito exequendo, e anexou prova documental da mesma, tendo sido declarada habilitada, sendo, pois, parte legítima na medida em que sucedeu na posição da G.
Dispõe o nº 1 do art. 577º do CC que “O credor pode ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”.
Por seu turno, estabelece o nº 1 do art. 583º do mesmo diploma legal que “A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite”.
Com a outorga do contrato de cessão de créditos, os efeitos da cessão produzem-se imediatamente entre as partes, de acordo com o contrato de cessão, ocorrendo a modificação subjetiva no vínculo obrigacional correspondente à substituição do credor originário por um novo credor, mantendo-se os demais elementos da relação obrigacional (ou seja, o objeto e o sujeito passivo).
Contudo, para que a cessão seja eficaz em relação ao devedor, carece a mesma de lhe ser notificada, ou de por ele ser aceite, sob pena de não lhe ser oponível.
Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, em CC Anotado, Vol. I, 2ª ed. rev. e act., pág. 523, “Os efeitos entre as partes – cedente e cessionário – estão dependentes do tipo de negócio que serve de base à cessão (cfr. art. 578º e respetiva nota). Em relação ao devedor, que não tem de ser parte no contrato, a eficácia da cessão depende de um destes fatores: notificação ou aceitação”.
Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, Vol. II, 3ª ed., págs. 281/282, escrevia que “O principal efeito do contrato de cessão é a transferência (do cedente para o cessionário) do direito à prestação debitória. É por mero efeito do contrato que o cessionário adquire o poder de exigir a prestação, em seu nome e no seu próprio interesse, ao mesmo tempo que o cedente o perde. … Para sua maior segurança, o cessionário deve notificar, no entanto, o devedor, podendo a notificação (que é o ato de levar a cessão ao conhecimento do obrigado) ser efetuada também pelo cedente – em qualquer dos casos, sem subordinação a qualquer forma especial, visto a lei a não exigir (art. 219º). …”.
A notificação do devedor não é, pois, facto constitutivo do direito do cessionário nem condição necessária para assegurar a sua legitimidade ativa, sendo mera condição de eficácia da cessão em relação ao devedor.
Pela notificação é dado a conhecer ao devedor o facto da transmissão do crédito, não estando a mesma sujeita a forma especial, podendo ser feita tanto judicial como extrajudicialmente.
Discute-se se a citação para a ação proposta pelo cessionário substitui a notificação, nomeadamente na ação executiva, não sendo uniforme a posição da jurisprudência e da doutrina nesta matéria.
Tal como entendeu o tribunal recorrido, sufragamos o entendimento de que, nas situações em que é alegada a transmissão do crédito, a citação para a execução substitui a notificação.
Neste sentido, escreveu-se no Ac. da RL de 12.5.2009, P. 29488/05.1YYLSB.L1-7 (Abrantes Geraldes), em www.dgsi.pt, que “Se a notificação ao devedor constitui simplesmente uma condição de eficácia da cessão perante si e se o efeito substancial que se pretende obter com tal notificação é o de tornar a cessão eficaz em relação ao devedor, dando-lhe a conhecer a identidade do cessionário e evitando que o cumprimento seja feito perante o primitivo credor, tal desiderato é assegurado com a citação para a ação executiva (ou para a ação declarativa), momento a partir do qual o devedor fica ciente da existência da cessão e inibido de invocar o seu desconhecimento, nos termos do art. 583º, nº 2, do CC. Dito de outro modo, que apela mais incisivamente à função acessória que a citação deve exercer, a comunicação da cessão ao devedor constitui uma formalidade que se revela essencial para a exigibilidade da obrigação por parte do cessionário, de modo semelhante ao que está previsto no art. 662º, nº 1, e nº 2, al. b), do CPC”.
Também no Ac. do STJ de 6.11.2012, P. 314/2002.S1.L1 (Alves Velho), em www.dgsi.pt, se escreveu que “A razão de ser da exigência do conhecimento da cessão decorre como bem se compreende, da necessidade da proteção do interesse do devedor em saber, a cada momento, quem é o seu credor pois que, em princípio, não admite a lei eficácia liberatória da prestação feita ao credor aparente, havendo, enfim, que proteger a boa fé do devedor que confia na aparência de estabilidade subjetiva do contrato, frustrada pela omissão de informação do primitivo credor cedente. Se, nesse caso, cumpre perante este, cumpre perante quem crê ser ainda seu credor, não devendo, por isso, ser prejudicado (cfr. arts. 707º e 583º-2 C. Civil). Como se extrai do regime acolhido pelos arts. 583º a 585º, no seu conjunto, ao consagrar a ineficácia relativa da cessão enquanto o devedor não teve conhecimento da transferência do direito, e em que, “perante ele, aparentemente, a situação não se modificou (…), a lei protege a confiança do devedor nessa aparência, impedindo que, até ao momento em que este teve conhecimento seguro da alteração no lado ativo da relação, essa modificação na titularidade do crédito lhe seja oposta” (L. M. Pestana de Vasconcelos, “A Cessão de Créditos em Garantia e a Insolvência”, 405). Dirige-se, deste modo, a tutela da lei, a impedir que a modificação da obrigação quanto ao credor venha a prejudicar os meios de defesa a que o devedor poderia ter recorrido, caso ela não se tivesse verificado, meios que só lhe ficam vedados quando assentem em factos posteriores ao conhecimento da cessão (cfr. A. e ob. cit., 408). O desiderato legal é, pois, em qualquer caso, que o devedor, como terceiro relativamente ao contrato de cessão, não veja a sua situação alterada, no sentido do agravamento, por via da transferência do direito de crédito. Por isso, a notificação, enquanto comunicação do facto, visa, tão só, a proteção do devedor de boa fé, que deve manter-se a coberto dos riscos de um negócio a que foi alheio, marcando, a um tempo, os termos inicial e final de utilização dos meios de defesa oponíveis pelo devedor. … A citação, como ato pelo qual se dá conhecimento a uma pessoa de que foi proposta contra ela determinada ação, de cujo conteúdo lhe é dado conhecimento, contém, como a notificação judicial, a potencialidade de dar conhecimento de um facto, no caso, do contrato de cessão (cfr. art. 228º-1 e 2 CPC). Cumprirá, pois, a mesma função. Sendo, como dito, o conhecimento o elemento relevante quanto à eficácia da cessão e ao momento a que se reporta, o que interessa determinar é se a citação é, ou não, um ato que dê a conhecer ao devedor a transferência do direito, seja, ou não, equiparável à notificação. Assim, como faz notar Assunção Cristas, em anotação ao acórdão de 3 de junho de 2004 (“Cadernos de Direito Privado”, nº 14, pg. 63), “mesmo que se conclua que a citação não é o mesmo que notificação, ainda será necessário sustentar que ela não produz o conhecimento da transmissão por parte do devedor”. Ora, se determinante é o “conhecimento” é indiferente, do ponto de vista do efeito jurídico, classificar a citação como notificação ou simples modo de conhecimento, e não se vê como sustentar que a citação não seja meio idóneo de transmissão ao devedor do pertinente e adequado “conhecimento”. Daí que, como decorrência lógica do regime que se deixou enunciado, poderá afirmar-se que se a ineficácia da cessão relativamente à pessoa do devedor perdurou até à data da citação, porque não tinha conhecimento do contrato, essa ineficácia cessará no momento da citação”.
E no Ac. do STJ de 10.3.2016, P. 703/11.4TBVRS-A.E1.S1 (Tavares de Paiva), em www.dgsi.pt, sumariou-se que “I - A notificação ao devedor, a que alude o art. 583º, nº 1, do CC, de que o seu credor cedeu o crédito a outrem, pode ser feita através da citação para a execução proposta pelo credor cessionário contra os oponentes executados”.
Neste sentido, cfr. entre outros, os Acs. da RL de 8.10.2009, P. 681/03.3YYLSB.L1-8 (Ilídio Sacarrão Martins), de 15.3.2011, P. 24649/05.6YYLSB.L1-1 (Rui Torres Vouga), de 8.3.2018, P. 9986/09.0TBCSC-A.L1-6 (António Santos), da RC de 15.11.2016, P. 9673/15.9T8CBR.C1 (Luís Cravo), de 22.11.2016, P. 3956/16.8T8CBR.C1 (Pires Robalo), de 13.11.2018, P. 1703/18.9T8CBR.C1 (Fernando Monteiro), de 2.4.2019, P. 126696/17.0YIPRT.C1 (Jaime Carlos Ferreira), da RG de 9.2.2017, P. 1136/14.6T8VCT-A.G1 (Alexandra Rolim Mendes), e Ac. da RE de 28.9.2017, P. 679/16.1T8ENT-A.E1 (Francisco Matos), todos em www.dgsi.pt [9].
Resta referir que, nos embargos, o embargante objetou o que teve por conveniente relativamente à cessão do crédito.
Em conclusão, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, que deve manter-se, improcedendo a apelação.
As custas são a cargo do apelante, por ter ficado vencido – art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
*
Lisboa, 2020.09.15
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa
Carla Câmara
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[1] Por consulta no Citius.
[2] Neste sentido, ver Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 87.
[3] Mais recentemente tal princípio foi reafirmado, entre outros, no Ac. STJ de 8.06.2017, P. 2118/10.2TVLSB.L1.S1 (Maria dos Prazeres Beleza), em www.dgsi.pt, onde se sumariou que “… V - Os recursos destinam-se a apreciar a decisão recorrida (sistema de revisão ou reponderação da decisão) e não a uma nova apreciação da causa (sistema do reexame da causa). Isto significa, por entre o mais, que não têm por objetivo o conhecimento de questões novas, não colocadas ao tribunal recorrido, salvo se forem de conhecimento oficioso.”.
[4] Tal como dispõe hoje o art. 10º, nº 5º do CPC aprovado pela L. 41/2013 de 26.6, de ora em diante designado por NCPC.
[5] Art. 703º, nº 1, al. a) do NCPC.
[6] Art. 53º do NCPC.
[7] Art. 53º, nº 2 do NCPC.
[8] Art. 54º, nº 1 do NCPC.
[9] Em sentido contrário, cfr. por todos, e com várias referências jurisprudenciais, o recente Ac. da RL de 19.5.2020, P. 5143/15.3T8OER-A.L1-7 (Maria Amélia Ribeiro), em www.dgsi.pt.