Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2702/06.9TBALM-J.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: MASSA INSOLVENTE
SEPARAÇÃO JUDICIAL DE BENS
CASO JULGADO MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Se, num recurso, o STJ, embora mantendo, por razões ligada à proibição da reformatio in pejus, a absolvição da instância, decide com o fundamento de que o direito à separação de um bem da massa insolvente já caducou, esta decisão faz caso julgado material impedindo que os mesmos autores possam intentar contra os mesmos réus uma nova acção com a mesma pretensão de separação do mesmo bem da massa, com base na mesma causa de pedir (a usucapião do direito de propriedade).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:


Relatório:


Neste apenso J, os autores, A e B, propuseram, em 24/02/2017, contra (1) a Massa Insolvente de C, (2) D-Lda, (3) E, (4) F-Lda, e (5) todos os credores da massa insolvente, a presente acção, nos termos do art. 146 do CIRE, pedindo que seja reconhecido que os autores são os proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de T sob o número xxxx/2004, da freguesia de Y, inscrito na matriz sob o artigo xxxx e em consequência seja o mesmo separado da massa insolvente.

Alegaram para o efeito que são eles os donos do prédio, por o terem adquirido em 02/04/2004 através de uma escritura pública de justificação; construíram o prédio em terreno que era propriedade sua, mas o mesmo estava omisso, razão pela qual recorreram àquela escritura; e embora nessa mesma escritura pública tenham declarado vender, por 185.000€ já recebidos, o prédio ao agora insolvente, quem outorgou na escritura como outro outorgante foi um advogado actuando como gestor de negócios do agora insolvente e este nunca chegou a ratificar a gestão de negócios, pelo que o acto é ineficaz em relação ao agora insolvente; é que a ratificação que foi feita, é falsa, tal como o termo de autenticação da mesma, e, por isso, também ineficaz em relação a este. Na escritura de justificação consta que adquiriram o prédio por doação verbal de terceiros, no ano de 1960 e que desde então sempre o possuíram com as características necessárias à usucapião do direito de propriedade sobre o mesmo.

A petição inicial foi liminarmente indeferida pelo tribunal recorrido, tendo em conta o seguinte:
1. No processo principal supra identificado, C foi declarado insolvente por sentença de 25/09/2006, publicada no Diário da República de 12/10/2006
2. No dia 12/10/2006 foi apreendido para a massa insolvente o prédio em causa (apenso C).
3. No apenso G, em acção intentada [inscrita no registo predial desde 06/06/2009] pela massa insolvente contra E e F-Lda, em 03/05/2013 foi proferida sentença, transitada em julgado, que declarou a ineficácia relativamente à massa insolvente da venda daquele prédio, feita pelo insolvente a E, outorgada em 26/04/2007, e a venda do mesmo prédio feita por E a F-Lda, outorgada em 26/04/2007 [as partes entre parenteses rectos foram intercaladas por este TRL, com base nos documentos autênticos/decisões judiciais invocadas no despacho recorrido]
4. No apenso H, em acção declarativa intentada [em 18/06/2013] pelos ora autores contra os ora réus (com excepção dos credores da massa insolvente), invocando a mesma causa de pedir dos presentes autos e pedindo para serem declarados proprietários do prédio e a declaração de nulidade das transmissões feitas aos réus, bem como o cancelamento dos registos daí resultantes, em 20/04/2015 foi proferido despacho [ou melhor, saneador-sentença], transitado em julgado, que julgou verificado o erro na forma do processo por ao caso ser aplicável o processo especial previsto no art. 141 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, entendeu que os actos já praticados não podiam ser aproveitados para a forma processual correcta porque já havia decorrido o prazo de 30 dias (do art. 141 do CIRE) para a reclamação e que não era aplicável o art. 146 do CIRE por os bens não terem sido apreendidos tardiamente, absolvendo os réus da instância com estes dois fundamentos [as partes entre parenteses rectos foram intercaladas por este TRL, com base nos documentos autênticos/decisões judiciais invocadas no despacho recorrido]
5. Por acção entrada em juízo em 15/07/2015, que veio a constituir o apenso I, proposta pelos ora autores contra os ora réus, aqueles peticionaram a separação da massa insolvente do prédio. A acção foi indeferida liminarmente por despacho de 08/09/2015, do qual foi interposto recurso, tendo a apelação sido julgada improcedente, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 05/05/2016; interposto recurso deste ac. do TRL, o STJ, por ac. de 08/11/2016, negou provimento ao mesmo [este ponto resume 3 pontos de factos constantes da decisão recorrida, síntese feita por este TRL]
e as seguintes considerações:

As partes, a causa de pedir e o pedido desta acção são os mesmos que da acção do apenso I, pelo que apreciar o pedido deste apenso seria colocar o tribunal perante a possibilidade de revogar uma decisão judicial já transitada em julgado e, simultaneamente, permitir que os autores intentassem sucessivamente acções até lograrem obter decisão favorável; ou seja, o prosseguimento dos autos colocaria o tribunal na situação que o legislador pretendeu acautelar prevendo o instituto do caso julgado, que é de conhecimento oficioso e obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, importando o indeferimento liminar (arts. 580, 581, 576, n.ºs 1 e 2, 577-i, 578 e 590/1, do Código de Processo Civil).

E o despacho acrescenta:
Ainda que assim não se considerasse, uma vez que a apreensão do imóvel ocorreu antes do decurso do prazo para as reclamações de créditos, o meio próprio de que os autores dispunham para exercer o direito à separação/restituição dos bens apreendidos no processo de insolvência era a reclamação a dirigir ao Sr. administrador da insolvência no prazo fixado na sentença para as reclamações de créditos, pelo que, não havendo assim procedido, quando a presente acção entrou em juízo já se havia precludido o direito de separação/restituição dos bens.
*

Os autores recorrem deste despacho – para que seja substituído por outro que determine que a acção prossiga – dizendo que não se verifica o caso julgado nem o seu direito precludiu.
A Massa Insolvente contra-alegou, no sentido da improcedência do recurso.
*

Questão que importa decidir: se a petição não devia ter sido liminarmente indeferida, quer com base no caso julgado quer com base na caducidade.
*

Do caso julgado
Dizem os autores quanto a isto:
1. […N]a petição os autores requere[ram] a separação de um bem imóvel da massa insolvente, invocando a inexistência jurídica do negócio de aquisição a favor do insolvente e reclamando a propriedade do bem imóvel.
[…]
4. Não se verifica a excepção de caso julgado, na medida em que a causa de pedir no presente processo e no apenso I não é a mesma: enquanto nos presentes autos se invoca a inexistência jurídica, por não ter havido declaração de compra por parte do insolvente, no apenso I requeria-se a simulação da declaração de aquisição de vários negócios jurídicos.
5. Não se pode confundir o pedido de simulação de um negócio com o pedido de inexistência do mesmo, porquanto, o facto jurídico que está na base de ambos os pedidos é distinto.
6. Apesar de em ambos os processos se reclamar um direito de propriedade, neste tipo de processos, como entendia Alberto dos Reis e de acordo com o ac. do STJ de 15/01/2004, o direito de propriedade na acção real por excelência aparece, não como causa de pedir mas como objecto da acção, sendo a causa de pedir o fundamento ou facto jurídico que serve de base ao pedido.
7. Acresce que no âmbito do apenso I, a questão de mérito nem tão pouco foi apreciada pelo tribunal a quo, não podendo dizer-se que já foi julgada.
8. E nesse apenso o STJ já se pronunciou, considerando não haver caso julgado.
9. Não existe, portanto, identidade da causa de pedir, nem o tribunal a quo fundamenta devidamente que haja, limitando-se a afirmar que sim, não havendo caso julgado, inexistindo uma situação de litispendência, não havendo qualquer excepção nos presentes autos.
[10.] A decisão proferida pelo tribunal a quo viola a norma do art. 581 do CPC, na medida em que, não havendo identidade da causa de pedir entre dois processos, não se verifica efeito de caso de julgado.

A Massa contra-alegou defendendo a improcedência do recurso, lembrando, entre o mais, que o ac. do STJ transitou em julgado, não tendo os autores invocado qualquer inconstitucionalidade, razão pela qual formou-se caso julgado, excepção que não poderá deixar de ser declarada, sob pena dos autores poderem estar constantemente a intentar acções de restituição e separação de bens, ainda que com argumentos e fundamentos distintos, o que constituiria um ataque grave aos princípios da certeza e segurança jurídica e que, contrariamente ao que os autores afirmam nesta nova PI, os bens imóveis em causa foram vendidos ao insolvente, tendo inclusive sido afirmado noutro processo judicial (proc. nº 1856/03.0TBLSB, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de O) isso mesmo, atestando que as vendas que agora pretendiam pôr em causa foram efectuadas e queridas por si. Escrituras que no apenso I não foram postas em causa, nem sequer foi invocada algum tipo de irregularidade, mas que num ápice passaram a ser falsas e (alegadamente) juridicamente inexistentes.

Decidindo:
Aquilo que está em causa, nesta parte, é saber se a causa de pedir é a mesma nas duas acções, a do apenso I e a deste apenso J.
A decisão recorrida diz que sim, remetendo implicitamente para as petições iniciais respectivas.

Quanto a esta acção (apenso J) a alegação dos factos já foi resumida acima, no relatório deste acórdão.

Quanto à petição inicial do apenso I tratou-se do seguinte (os §§ que se seguem complementam o ponto 5 dos factos tidos em conta pela decisão recorrida):
Os autores intentaram a acção expressamente ao abrigo do art. 146 do CIRE e aí dizem que são donos do prédio, bem como de um outro, rústico, por os mesmos terem vindo à sua posse há mais de 20 e até 30 anos, por compra, tendo sido apenas registado o rústico já que a construção estava em curso à data, construção essa levada a cabo pelos autores, tendo sido eles quem, desde que adquiriram esses prédios até ao dia de hoje, o têm possuído com as características necessárias à usucapião do direito de propriedade; devido a problemas que tiveram com uma sociedade de que foram sócios, designadamente por dívidas que foram contraídas na sequência de avais prestados, no início da década de 2000, começaram a ter os credores a tentarem penhorar-lhes os bens, pelo que, em 2001, colocaram o prédio rústico em nome da ré D-Lda, sociedade essa controlada pelo autor que dispõe de poderes de representação da mesma, agindo como seu único dono; a venda foi efectuada sem que os autores ou a sociedade tivessem querido vender ou comprar; ou seja, foi simularam a venda, não tendo sido efectuado pagamento de qualquer preço; mais tarde, devido a um assunto referente a um alegado mútuo contraído pelos filhos dos autores, a D-Lda foi accionada judicialmente, pelo que os autores, sabendo que nenhuma razão existia à pessoa que os accionava, tentaram acautelar o prédio através de acordo com o agora insolvente (amigo de longa data dos filhos dos autores), que consistia em eles colocarem, primeiro, os dois prédios em seu (deles, autores) nome e depois simulariam a venda ao agora insolvente, continuando os autores a ser os donos dos mesmos e na posse deles, o que fizeram (quanto ao urbano depois de o terem conseguido registar em seu nome invocando a usucapião, conforme doc. 58 que identificam como a escritura de justificação de 02/04/2004); entretanto, os autores tiveram conhecimento que o agora insolvente começou a ter problemas, pelo que, depois de efectuarem um registo dos seus prédios em nome de outra sociedade, colocaram-na depois em nome do réu E, e depois em nome da ré F-Lda, mas tudo através de negócios simulados, sem pagamento de qualquer preço e para proteger o seu património; terminam pedindo, no que agora importa, que sejam declarados os únicos e legítimos proprietários dos prédios; que todas aquelas vendas foram simuladas e nulas; e que, em consequência, seja ordenada a separação da massa dos dois prédios.
Assim, pode-se agora concluir que a acção intentada pelos autores, quer no apenso I quer neste apenso J, é uma acção para a restituição/ /separação de bens da massa, ao abrigo do art. 146/2 do CIRE. A pretensão que importa, para o caso, é pois a de restituição/separação de bens. Em ambos as acções – dos apensos J e I – tal pretensão tem por base o facto de os autores serem os proprietários do prédio. Estamos pois perante uma acção real, em que os autores querem a restituição/separação da massa com base no direito de propriedade. Assim, a causa de pedir desta acção é o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade (art. 580/4 do CPC – Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. III, 3ª ed, reimpressão de 1981, Coimbra Editora, págs. 122-123). Esse facto jurídico – o único que os autores podem invocar realmente nas duas acções, por mais que eles invoquem outros factos que não têm relevo jurídico, por não concretizados: venda, doação e construção – é a usucapião, invocada expressamente na escritura de justificação pública de 2004 e que lhes permitiu o registo do prédio.
Assim, claramente, a causa de pedir é a mesma nas duas acções. As referências à gestão de negócios e falta de ratificação no caso da acção deste apenso J e da simulação/nulidade das vendas no caso da acção do apenso I, são apenas, no que importa, a defesa antecipada dos autores à excepção que sabiam que a massa insolvente ia deduzir na contestação. Ou seja, são a impugnação antecipada dos factos que serviam de base à excepção deduzida na contestação. Não são a causa de pedir a restituição/ /separação. 
Pelo que, sendo também os mesmos os pedidos e as partes – o que aliás não é posto em causa pelos autores -, teríamos assim a tripla identidade exigida pelo art. 580 do CPC para a procedência da excepção do caso julgado, ao contrário do que os autores defendem no recurso.
No entanto, os autores dizem que aquilo que foi decidido no apenso I foi a absolvição da instância dos réus; não teria, por isso, havia uma decisão de mérito; e por isso não há caso julgado.

Veja-se melhor (os §§ que se seguem servem de complemento ao ponto 5 dos factos tidos em conta pela decisão recorrida):
A petição inicial da acção do apenso I foi liminarmente indeferida (art. 590/1 do CPC) com o seguinte fundamento: os autores tinham o prazo de 30 dias (fixado na declaração de insolvência) para requerer a separação de bens (art. 141 do CIRE); ao caso não se aplica o art. 146/2 do CIRE porque este rege para os casos de apreensão tardia de bens (como decorre da necessária conjugação com o disposto nos arts. 141 e 144 do CIRE – neste sentido Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, 2ª ed., Quid Juris, pág. 585) e no caso o prédio foi apreendido no mesmo dia da publicação da declaração de insolvência (12/10/2006); ou seja, quando a acção do apenso I entrou em juízo, já havia precludido o direito de separação/restituição; assim sendo, por ter dado entrada após o período concedido pelo legislador, a acção seria manifestamente improcedente; está em causa uma situação de caducidade de conhecimento oficioso, nos termos do art. 333/1 do CC (neste sentido, ac. do STJ de 29/11/2011, agravo 3587/01).
O TRL, por acórdão de 05/05/2016, sem se pronunciar sobre o fundamento aduzido pela 1ª instância (que considerou prejudicado pelo que decidiu), considerou que a acção do apenso H não fez o caso julgado material a que se refere o art. 619 do CPC porque este contempla as situações das sentenças e dos despachos saneadores que decidam do mérito da causa, e a decisão do apenso H é uma decisão processual não de mérito; mas como essa decisão se pronunciou também expressamente sobre o prazo legalmente imposto para a propositura da acção, considerando que o mesmo estava ultrapassado, fez caso julgado formal, ou seja, tem força obrigatória dentro do processo, não sendo possível cumprir-se qualquer decisão posterior que com ela seja contraditória e incide sobre a mesma questão processual (art. 625/2 do CPC). Assim, considerou que procedia a excepção de caso julgado, mantendo o despacho recorrido na parte que absolveu os réus da instância [sic], embora com fundamento diferente (proc. 2702-06.9TBALM-I.L1-6).

O STJ, por sua vez, por acórdão de 08/11/2016, proc. 2702/06.9TBALM-L.L1.S1, considerou que não havia caso julgado formal porque não pode sustentar-se que duas demandas processadas por apenso a um mesmo processo de insolvência sejam a mesma relação processual: entre elas ocorre total autonomia, como reflexo da autonomia que não pode deixar de reconhecer-se entre ambos os mencionados processos; o que há é a caducidade do direito, como tinha decidido a 1.ª instância, estava pressuposto na decisão do TRL e decorria do regime do CIRE para a formulação do pedido de separação de bens da massa insolvente, um regime bifurcado como dimana da conjugação do preceituado nos arts. 141/1-c, 144/1 e 146/1, todos do CIRE:
- se os bens em causa foram apreendidos dentro do prazo fixado, na sentença que decreta a insolvência, para a reclamação de créditos, o mencionado pedido de separação deve ser formalizado através de correspondente reclamação efectuada dentro do sobredito prazo;
- se tais bens foram apreendidos, depois de findo o prazo fixado para as reclamações, o respectivo pedido de separação deverá constar da acção a instaurar com tal desígnio, nos termos estatuídos no art.º 146.º do CIRE.

No caso dos autos, continua o STJ, é gritante e manifesto que a instauração da presente acção pretendeu acolher-se à sombra do preceituado no citado art. 146/1 do CIRE, sendo certo que, nas decisões das instâncias, foi expressamente detectada e ponderada a extemporaneidade daquela instauração (o que, igualmente já havia ocorrido no sobredito apenso H, reportadamente à acção, aí, em apreço).
E prossegue: fora, pois, de qualquer dúvida que, tendo os prédios objecto dos autos sido apreendidos para a massa insolvente, na própria data da publicação da sentença que decretou a insolvência – 15/10/2005 [é lapso: quis-se escrever 2006] – o pedido de separação dos mesmos da massa insolvente deveria ter sido formalizado através da reclamação mencionada no art. 141/1-c do CIRE, no prazo de 30 dias fixado na sentença para a reclamação de créditos. 
No entanto, tal pedido só veio a ocorrer em 15/07/2015, data da instauração da presente acção, o que inexoravelmente inquina esta de extemporaneidade.
Ora, a caducidade, tendo a natureza de excepção peremptória, imporia a absolvição do pedido. No entanto, como o ac. do TRL decretou a absolvição da instância dos réus e os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso (art. 635/5 do CPC), quedou-se pela simples negação da revista, porquanto a absolvição do pedido traduziria uma reformatio in pejus do ac. do TRL. E frisou que o fazia com a aduzida fundamentação.
Em suma, no apenso I está decidida a absolvição da instância dos réus com base na caducidade do direito de requerer a separação de bens.
Esta decisão já faz julgado?
Não vale dizer, como o fazem os autores, que o STJ já decidiu que não há caso julgado: O STJ estava a pronunciar-se, evidentemente, sobre a decisão do apenso H e não sobre os efeitos que a sua própria decisão, proferida no apenso I, produziu.

Posto isto, veja-se:
Miguel Teixeira de Sousa diz (Estudos sobre o novo processo civil, Lex 1997, 2ª ed., págs 569/570) que:
“As decisões proferidas numa acção pendente podem ser decisões de forma, se incidem sobre aspectos processuais, ou decisões de mérito, se apreciam, no todo ou em algum dos seus elementos, a procedência ou improcedência da acção. Esta distinção reflecte-se no respectivo valor de caso julgado: em regra, as decisões de forma adquirem apenas o valor de caso julgado formal (art. 672; cfr., v. g., STJ - 28/6/1994, CJ/S 94/2, 159); pelo contrário, as decisões de mérito são, em princípio, as únicas que são susceptíveis de adquirir a eficácia de caso julgado material (art. 671, n° 1).
Isto significa que tanto as decisões de forma, como as decisões de mérito, são, quando transitadas, vinculativas no próprio processo em que foram proferidas, mas que só as decisões de mérito podem ser obrigatórias num outro processo. Esta diferente eficácia dessas decisões (decorrente do respectivo caso julgado) explica-se pelo seu próprio objecto: como as decisões de forma recaem sobre aspectos processuais (como, por exemplo, a apreciação de um pressuposto processual ou a admissibilidade de um meio de prova), a sua eficácia restringe-se ao processo onde foram proferidas; pelo contrário, as decisões de mérito confirmam ou constituem situações jurídicas, que podem ser relevantes para a apreciação ou constituição de outras situações (numa hipótese de relação de prejudicialidade) e não podem ser contrariadas ou negadas noutro processo.”

A propósito do art. 672 do CPC antes da reforma de 2013, dizia Lebre de Freitas:
“[O] despacho que recai unicamente sobre a relação processual não é assim apenas o que se pronuncia sobre os elementos subjectivos e objectivos da instância […] e a regularidade da sua constituição […], mas também todo aquele que, em qualquer momento do processo, decide uma questão que não é de mérito.” (pág. 716, do CPC anotado com Montalvão Machado e Rui Pinto, vol. 2.º, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008).

E mais à frente:
“Quanto à absolvição da instância, tem sido questionado se alguma eficácia extraprocessual lhe deve ser reconhecida, de modo a impedir que, em outro processo com o mesmo objecto, seja de novo apreciada a excepção dilatória julgada procedente no primeiro, quando nele a falta do pressuposto se mantém. Ver o n.º 2 da anotação ao art. 289 […]” (pág. 717).
Na pág. 560, anotação 2 ao art. 289 do CPC, diz Lebre de Freitas (junto com João Redinha e Rui Pinto, Coimbra Editora, 2ª ed, 2008) depois de expor o regime dos efeitos das absolvições da instância:
“Mas, segundo uma orientação doutrinária de peso, a repetição da causa com a falta do mesmo pressuposto que origina a absolvição da instância não deve ser admitida (Rosenberg-Shwab, Zivilprozessrecht, München, Beck, 1986, p.977), pelo menos quando esteja em causa um pressuposto que envolva interesses materiais, como é o caso da legitimidade (Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, II, Almedina, 1982, p. 16).”
Anselmo de Castro (págs. 14 a 16 da obra citada) diz:
“Não há dúvida que os despachos, bem como as sentenças, que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro no processo, salvo se por sua natureza não admitirem o recurso de agravo [caso dos despachos de mero expediente]. É o que dispõe o art. 672. Esta força obrigatória, dentro do respectivo processo, da decisão que recaia apenas sobre a relação jurídica processual, recebe a designação técnica de caso julgado formal.
O caso julgado formal, que se constitui, como acabamos de ver, mediante sentença de mera forma, vem a traduzir-se no fenómeno da preclusão: a sentença, uma vez transitada, obstará a que a questão por ela resolvida seja novamente suscitada no mesmo processo, mas não impedirá que, em nova acção sobre o mesmo objecto (uma vez que sobre este, por definição, não chegou a recair sentença, não havendo, pois, lugar a caso julgado material), se profira decisão que lhe seja contrária. Num processo novo o juiz pode, portanto, decidir diferentemente e sem que as partes possam excepcionar com o caso julgado.
Esta é a opinião dominante [cf. Alberto dos Reis, Anotado, III, págs. 96 e 97 e Anotado, V, págs. 157 e 158] e seguramente aquela que informou a nossa legislação processual de 1939, inspirada sob este aspecto em Chiovenda, não a tendo o código actual alterado.
A razão justificativa que a doutrina costuma aduzir para corroborar a ideia de que em relação à generalidade dos pressupostos não se forme caso julgado material, é a seguinte: «não tendo a sentença anterior recaído sobre o objecto essencial do litígio, não tendo atribuído a qualquer das partes os bens ou as vantagens substanciais a que aspirava, não há razão forte para dar estabilidade, fora do processo, à decisão proferida» [Alberto dos Reis, Anotado, III, pág. 97 e Anotado, V, págs. 157 e 158].
Outros, pelo contrário, sustentam que a imutabilidade do caso julgado formal se alarga para fora do processo, pois que, se se absolveu da instância por certo fundamento e este se repete em novo processo, é lícito neste opor a excepção dilatória de caso julgado [Assim prof. Castro Mendes, Manual, pág. 458]. Nesta opinião só haveria que ressalvar, as decisões sobre competência, visto resultar, quer dos princípios gerais, quer de certo modo dos textos legais, que não está o juiz impedido no novo processo de se pronunciar quanto à competência divergentemente da decisão anterior.
Como resolver?
Importa desde logo tomar em conta o ambiente em que foi elaborado o Cód. de Proc. Civil de 1939, que no ponto em questão não sofreu qualquer mudança, o qual impõe optar-se pela solução propugnada por Alberto dos Reis, pois é a que corresponde ao ambiente em que foi forjado e surgiu tal código.
E, por outro lado, que não estando em causa interesses materiais nada contra-indica que a lei seja interpretada no sentido de afastar o caso julgado material, e o juiz possa em nova acção pronunciar divergentemente [a situação não será natural para com o mesmo juiz, mas já o será perante outro juiz].
Haverá que abrir, apenas uma limitação para pressupostos em que confluam a forma com o fundo da causa, como a legitimidade e o interesse em agir. Então, co-envolvendo já a decisão interesses materiais não repugna reconhecer-se-lhe força de caso julgado material.
Será o caso, por exemplo, de serem julgadas partes ilegítimas o autor ou o réu, que deverão haver-se como impedidos pelo caso julgado de renovarem a acção, sem mudança ou superveniência da causa petendi, ou de a acção terminar por falta de interesse processual, sem que esse interesse surja posteriormente.”
Assim, a razão de ser da eficácia meramente formal do caso julgado das decisões de absolvição da instância tem a ver com o facto de se tratarem de decisões de forma, que incidem unicamente sobre aspectos processuais, e não decisões sobre questões de mérito. Pelo que não vale para decisões que envolvam interesses materiais, que recaiam sobre o objecto essencial do litígio, negando a uma parte o direito que ela se arroga, por ele ter caducado.
Ora, perante a situação criada pelas decisões do TRL e do STJ não há dúvida de que estamos perante uma absolvição da instância peculiar que tem por fundamento uma caducidade do direito, ou seja, claramente, uma questão de mérito e não processual, uma decisão que envolve interesses materiais e não processuais.
No caso, por isso, aquela decisão do STJ não pode deixar de impedir a propositura de uma nova acção exactamente igual à anterior, agora em 2017, uns meses depois do STJ ter dito que se verificava a caducidade, isto é, que a acção de 2015 era gritantemente extemporânea.
Aqui, pois, há que reconhecer força de caso julgado material à decisão do STJ de Nov/2016 que decidiu de mérito, embora mantendo a forma de absolvição da instância.
É uma decisão que nega um direito à parte, que não se pronuncia sobre a relação processual mas sim sobre a questão de mérito, isto é, que entende que se verifica a excepção da caducidade do direito, depois de ponderar os interesses materiais das partes.
Veja-se, aliás, a posição de Alberto dos Reis (CPC anotado, vol. II, 3.ª ed., reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 393 ≈ pág. 157 do vol. V do CPC anotado, em comentário ao então art. 672 do CPC ≈, no que importa, ao art. 620 do CPC depois da reforma de 2013), particularmente relevante porque Alberto dos Reis representa, como se viu, a posição tradicional, quanto à hipótese de o autor não reagir a um indeferimento liminar baseado no facto de a acção ter sido proposta fora de tempo ou quando, por outro motivo, for evidente que a pretensão do autor não pode proceder, ou seja, nalguma das hipóteses previstas no art. 481-3º do CPC39 (que cabem na hipótese de indeferimento liminar prevista no art. 590/1 do CPC depois da reforma de 2013 que foi usada pelo despacho de indeferimento liminar proferido do apenso I):
“c) O autor fica inactivo. Se o autor nem apresentar nova petição nem interpuser recurso de agravo, o que se passa?
- Passa-se isto: o despacho do juiz adquire, quanto ao autor, foros de caso julgado, formal ou material, conforme as circunstâncias. O processo termina em qualquer hipótese. Quanto a saber que projecção terá o despacho para além do processo, isto é, a respeito de nova acção que o autor proponha contra o réu, há que atender à causa do indeferimento.
Se o indeferimento se baseou no n.º 1, no n.º 2, ou no § 1°, o caso julgado tem carácter formal; na nova acção o tribunal não está vinculado ao conteúdo do despacho anterior. Se o indeferimento teve por base o n.º 3, estamos perante caso julgado material, a que se aplicará o disposto nos arts. 671 e 673.
Por outras palavras: o despacho liminar, transitado em julgado, vale o mesmo que valeria julgamento idêntico proferido no despacho saneador ou na sentença final.
Pode fazer-se o seguinte reparo: mal se compreende que no caso do n.º 3 o despacho inicial produza efeito tão enérgico e perigoso contra o autor, quando é certo que o § 2.º se recusou a atribuir efeito semelhante contra o réu, dado o caso de o agravo obter provimento.
O reparo não procede. Estamos perante a hipótese de o autor não reagir contra o despacho; a sua atitude é a de conformidade com a doutrina contida nele; aceitou-a; não pode queixar-se.”
Pensa-se que o resultado prático seria o mesmo se se seguisse a posição de Miguel Teixeira de Sousa que, embora sem falar em caso julgado material ou numa excepção de caso julgado, admite a eficácia externa extensível do caso julgado formal a processos posteriores de uma decisão de forma proferida num processo antecedente, vinculando o juiz à identidade de julgamento de certo objecto pelo seu impedimento à contradição e à não repetição de uma decisão anterior sobre o mesmo objecto desde que haja identidade de individualização da acção (O objecto da sentença e o caso julgado material, BMJ 325, págs. 155 a 159), como no caso não se poderia deixar de entender haver.
Assim, há que confirmar a decisão recorrida, que julgou verificado o caso julgado.
E com isto fica prejudicada a apreciação do outro fundamento invocado pela decisão recorrida, bem como os argumentos invocados pelos autores para o pôr em causa e os utilizados pela massa para defender a decisão recorrida.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.             
Custas pelos autores.


Lisboa, 13/07/2017


Pedro Martins
Lúcia Sousa
Magda Geraldes