Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1943/2003-7
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: CASAMENTO NO ESTRANGEIRO
JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL
PUBLICAÇÃO
REGIME DE SEPARAÇÃO ABSOLUTA DE BENS
REGISTO CIVIL
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/01/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Sumário: A imperatividade do regime de separação de bens previsto no art. 1720º, nº 1, al. a), do CC, não se limita aos casos de urgência, abarcando ainda, designadamente, os casamentos de cidadãos nacionais celebrados no estrangeiro, perante autoridade estrangeira, que não tenham sido antecedidos da tramitação do processo preliminar de publicações perante os serviços do registo civil nacionais.
O Direito da Família não está imune à excepção peremptória do abuso de direito prevista no art. 334º do CC, nomeadamente na parte em que se regulam os efeitos patrimoniais decorrentes do casamento.
Por isso, apesar de não ter sido requerida a tramitação do processo preliminar antes da celebração do casamento, devem ser limitados os efeitos prático-jurídicos do averbamento do regime imperativo de separação de bens operado num quadro em que intervieram as seguintes circunstâncias:
- As entidades do registo civil, aquando da transcrição do casamento nos registos nacionais, não inseriram no assento qualquer menção relativa ao regime de bens aplicável ou a respectiva base legal;
- O casamento perdurou por 19 anos, período durante o qual os cônjuges pautaram o seu comportamento como se estivesse sujeito ao regime da comunhão de adquiridos;
- O averbamento do regime de separação foi inserido já depois do decretamento do divórcio, com o único objectivo de um dos interessados adquirir vantagens patrimoniais resultantes da aplicação do regime de separação absoluta de bens.
Decisão Texto Integral: Agravo nº 1943-03/7ª

I - A intentou contra B
a presente acção de justificação judicial, pretendendo que se elimine do assento de transcrição do seu casamento civil o averbamento introduzido após o divórcio de que o casamento foi celebrado segundo o regime imperativo de separação de bens.
O requerido contestou invocando que o casamento de ambos não foi precedido do processo de publicações perante as autoridades nacionais, o que, à face da lei portuguesa, implica a sua sujeição ao regime de separação de bens que ficou averbado.
A acção foi julgada improcedente, mantendo-se o averbamento.

Agravou a A. e concluiu que:

a) O casamento foi celebrado com observância de todas as publicações exigidas por lei, pois, caso contrário, a transcrição consular do assento de casamento teria sido rejeitada;
b) Em 20-1-77, o casamento civil foi registado no Consulado de Portugal em Versalhes, por transcrição da tradução de uma certidão do assento de casamento extraída do registo original e, remetido o duplicado para a C. R. Centrais, foi integrado nesta em 13-10-80;
c) Do teor da transcrição do assento de casamento civil resulta que este foi celebrado sem convenção antenupcial e, portanto, nos termos do disposto no art. 1717º do CC, considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos;
d) Nos termos do n° 1 do art. 185º do CRC, se por qualquer motivo o casamento tiver sido celebrado sem precedência de publicações, a transcrição é subordinada à prévia organização do respectivo processo de publicações;
e) O Tribunal recorrido veio dar por provado que o casamento em causa não foi precedido do processo preliminar de publicações perante a autoridade portuguesa e que o averbamento foi feito no Consulado de Portugal em Versalhes, quando a C. R. Centrais diz que foi em 20-1-97;
f) Se este averbamento tivesse sido exarado em 20-1-77, o Cônsul que transcreveu o casamento civil teria também exarado no original da transcrição tal menção e a mesma constaria do duplicado que foi remetido para a C. R. Centrais;
g) Ora, do duplicado do assento de transcrição do casamento civil remetido pelo Consulado em Versalhes para a C. R. Centrais não consta nenhum averbamento com aquele teor;
h) Ainda que o casamento tivesse sido celebrado sem precedência do processo de publicações, o registo consular por transcrição do assento de casamento seria sempre precedido dessas publicações;
i) E se o casamento ou a transcrição do casamento não tivesse sido precedido da organização desse processo, o cônsul de Portugal em Versalhes, no próprio assento de casamento e no espaço reservado a "Menções especiais", teria exarado a menção especial de que o casamento era sob o regime imperativo de separação de bens, mencionando a disposição legal que o impunha;
j) Mas do duplicado do assento de transcrição não consta que o casamento tenha sido celebrado sem a prévia organização publicações, e a entidade consular que transcreveu o casamento civil apenas referiu que o mesmo foi celebrado sem convenção antenupcial;
k) Por isso, não tem qualquer cabimento que em 10-1-97, já depois da dissolução do casamento por divórcio, a mesma entidade consular tenha averbado ao original do assento de transcrição do casamento que este foi celebrado "sem convenção antenupcial mas sob o regime imperativo da separação de bens por força do disposto na alínea a) do n° 1 do artigo 1720º do Código Civil";
l) Assim, o assento de transcrição do casamento civil celebrado entre requerente e requerido foi viciado, consubstanciado tal vício no averbamento de um facto que não se verificou, exarado em 21-1-97, no Consulado de Portugal em Versalhes;
m) Porque do assento de transcrição do casamento em referência nada consta, deve concluir-se que, na falta de convenção antenupcial, o casamento se considera celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos;
n) À luz do princípio da imutabilidade do regime de bens resultante da lei consagrado no art. 1714º do CC, depois da celebração do casamento não é permitido alterar o regime de bens legalmente fixado;
o) Na constância do casamento, o procedimento do aquisição do património comum foi o da comunhão de adquiridos;
p) A recorrente e o recorrido, na constância do casamento, enquanto emigrantes em França e com o resultado do trabalho de ambos, adquiriram um património comum, constituído por bens móveis e imóveis, situados em Portugal, na convicção de que eram casados sob o regime da comunhão de adquiridos;
q) Deste património comum consta um terreno rústico sobre o qual foi mandada construir pelos cônjuges uma moradia, onde presentemente se encontram os bens móveis, próprios e comuns do casal;
r) Em 9-11-90, ainda no estado de casado, o recorrido outorgou perante o Consulado um instrumento de ratificação no qual declarou que era casado com a recorrente sob o regime de comunhão de adquiridos, instrumento este que se destinou à ratificação de uma escritura pública de compra e venda de um prédio rústico sobre o qual o casal mandou construir uma moradia que foi casa de morada de família em Portugal;
s) Porque na dita escritura pública tinha sido erradamente declarado que o regime de bens dos compradores era o da comunhão geral de bens, quando tinha sido o da comunhão de adquiridos;
t) O princípio da imutabilidade do regime de bens resultantes de lei tem por finalidade e necessidade de prevenir o risco sério de um dos cônjuges se prevalecer do ascendente psicológico adquirido sobre o seu consorte, para dele extorquir alterações favoráveis aos seus interesses;
u) Este princípio da imutabilidade abrange não só as cláusulas constantes da convenção ou as normas do regime legalmente fixado, relativamente à administração ou disposição de bens, mas também, como se depreende do disposto no nº 2 do art. 1714° do CC, a situação concreta dos bens dos cônjuges que interessa às relações entre estes.

Não houve contra-alegações.

Já nesta Relação foram as partes auscultadas especialmente em relação à implicação da figura do abuso de direito na concreta regulação do litígio.
Pronunciou-se o agravado quanto a tal questão, invocando ser vedado a este Tribunal conhecer de matéria que extravasa das conclusões que delimitam o objecto do recurso.
Além disso, entende que não é neste processo que deve ser discutida a referida questão, já que apenas cabe neste averiguar se o averbamento é ou não válido, devendo ser suscitada e decidida no processo de partilha.
Por outro lado, entende que não se encontram alegados ou provados factos que possibilitem a aplicação de tal figura, designadamente quanto ao objectivo que presidiu ao averbamento e quanto à actuação das partes na pendência do casamento. Assevera para tanto que a agravante sabia que o regime de bens era o de separação, como resulta das certidões do assento de casamento obtidas em 1994 e da oposição ao processo de revisão da sentença de divórcio.
A agravante pronunciou-se no sentido da viabilidade do recurso à figura do abuso de direito.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Fundamentos de facto:
1. A agravante pretende que se modifique a decisão recorrida na parte referente à matéria de facto considerada provada, de modo a considerar-se que o averbamento relativo ao regime de bens foi efectuado em data diversa da assumida e a retirar-se o segmento onde se afirma que não houve processo preliminar de publicações.
Tem razão quanto ao primeiro aspecto, mas não quanto ao segundo.
Nada permite situar o averbamento na data referida na sentença (20-1-77) que corresponde à da transcrição feita no Consulado de Portugal em Versalhes do casamento civil celebrado perante as autoridades francesas. A data que deve ser considerada é a de 20-1-97, como, aliás, consta da certidão de fls. 41.
Já quanto à segunda questão relativa à ausência do processo preliminar de publicações não se justifica a modificação da decisão, pois que o Tribunal a quo se limitou a extractar tal facto do documento emitido pelo Consulado de Portugal em Versalhes, sem que existam motivos que infirmem a sua autenticidade e valor probatório.
Para o caso não interessa saber se perante as autoridades francesas que processaram o casamento civil realizado ao abrigo da lei local foi ou não cumprida formalidade semelhante. À resolução das questões suscitadas nestes autos apenas interessa saber se foi ou não cumprido esse processo preliminar perante as autoridades nacionais.
Ora, a resposta que advém das entidades com competência para a direcção desse processo ou para a verificação da sua ocorrência é inequívoca no sentido de negar a existência de processo preliminar, nos termos da lei nacional, antes do casamento civil realizado perante a autoridade francesa, antes da sua transcrição no Consulado de Portugal em Versalhes ou sequer antes da sua transcrição na Conservatória dos Registos Centrais.
Ponto diverso, relacionado já com a matéria de direito a discutir mais adiante, é apurar se a inexistência daquele processo preliminar deveria determinar ou não os efeitos que ficaram a constar, a posteriori, do assento de transcrição do casamento.

2. Por ordem cronológica, a matéria de facto extraída dos meios de prova produzidos e que se encontram integralmente acessíveis a esta Relação é a seguinte:

1. Em 20-11-76 a requerente e o requerido contraíram entre si casamento civil perante o Oficial do Registo Civil, por delegação do Presidente da Câmara Municipal de Massy, Essonne, França, sem convenção ante-nupcial (docs. fls. 24 e 25);
2. Em 20-1-77 o casamento foi registado por transcrição no Consulado de Portugal em Versalhes, sob o nº 14 (doc. fls. 41), nada tendo sido referido no sector intitulado "Menções especiais" (doc. fls. 42);
3. O casamento e a respectiva transcrição não foram precedidos do processo preliminar de publicações perante a autoridade portuguesa (doc. fls. 128);
4. Requerente e requerido têm (e tinham à data do casamento) nacionalidade portuguesa (doc. fls. 128);
5. Remetido o duplicado do assento de transcrição do casamento civil para a Conservatória dos Registos Centrais (CRC), foi integrado nesta Conservatória, em 13-10-80, sob o n° 3.747 - Proc. n° 77 r/c - 14, Maço 1 (doc. fls. 28 e 29);
6. Em 9-11-90, no Consulado de Portugal em Versalhes, foi lavrado instrumento de ratificação de uma gestão de negócios respeitante à compra de um prédio que em seu nome fora efectuada em 12-10-89, indicando-se no referido instrumento de ratificação que o requerido era "casado sob o regime de comunhão de adquiridos" com a requerente (doc. fls. 44 e 56);
7. Em 30-11-95, por sentença do Tribunal de Grande Instância de Evry, França, o casamento foi dissolvido por divórcio, a qual foi revista e confirmada por Acórdão da Relação do Porto transitado em julgado em 5-2-98 (fls. 28);
8. Em 7-3-94 e em 24-11-94 foram emitidas pelo Consulado de Portugal em Versalhes as certidões do assento de transcrição do casamento cujas cópias constam de fls. 32 e 343, tendo uma delas sido apresentada no processo de revisão da sentença de divórcio; nelas se refere que o casamento era "Sem convenção antenupcial (mas no regime de separação de bens por força do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 1720º do CC)" (doc. fls. 32);
9. Na oposição à revisão da sentença de divórcio, a agravante veio invocar a falta de autenticidade da certidão do assento de transcrição do casamento na parte em que dela se fez constar que o regime de bens era o de separação (fls. 344);
10. Na decisão de revisão da sentença de divórcio proferida em 22-1-98, no processo nº 578/97, da Relação do Porto, refere-se, além do mais, relativamente à referida certidão de casamento, que "tendo o documento impugnado sido lavrado pelo Consulado de Portugal em Versalhes, a sua prova na ordem interna nacional apenas pode ser efectuada, salvo caso de manifesta urgência, após a sua inserção nos livros de registo da conservatória competente, no caso em apreço, a Conservatória dos Registos Centrais .." (doc. fls. 28);
11. No assento de casamento constante do Consulado de Portugal em Versalhes foi feito, em 20-1-97, o seguinte averbamento: "Sem convenção antenupcial mas sob o regime imperativo da separação de bens, por força do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 1720º do Código Civil" (doc. fls. 41);
12. Em 20-4-98 foi averbada no assento de transcrição do casamento existente na CRC a revisão da sentença de divórcio decretada pelo Tribunal francês (doc. fls. 39);
13. Em 22-4-98 foi averbada no assento de transcrição do casamento existente no Consulado de Portugal em Versalhes a mesma revisão da sentença de divórcio (doc. fls. 41);
14. Em 21-12-98, após comunicação do Consulado de Portugal em Versalhes, foi inserido à margem do assento de transcrição do casamento na CRC o seguinte averbamento: "Sem convenção antenupcial mas sob o regime imperativo da separação de bens, por força do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 1720º do Código Civil" (doc. fls. 38 e 39);
15. Na pendência do casamento, para além do prédio referido em 6., foi adquirido um outro prédio urbano; foram constituídas contas bancárias em nome de ambos os cônjuges, cujos depósitos foram utilizados para pagamento dos preços do terreno e da casa; adquiriram um veículo automóvel Mercedes, posteriormente trocado por um veículo Rolls Royce (factos extraídos dos arts. 48º e segs. da petição e que, como resulta do art. 26º da contestação, não foram impugnados pelo requerido);
16. Desde que foi decretado o divórcio em França, o requerido vedou à requerente o acesso à casa sita em Vale de Cambra (facto não impugnado);
17. Está pendente procedimento cautelar de arrolamento, para posterior partilha dos bens, tendo sido arrolados os dois prédios referidos (fls. 50 e 51), e o recheio do prédio urbano (fls. 52 a 55).

3. O direito:
3.1. Cumpre apreciar em primeiro lugar se o facto de o casamento civil da agravante e do agravado celebrado perante autoridade estrangeira não ter sido precedido do processo preliminar de publicações perante as autoridades portuguesas implica ou não a sujeição ao regime imperativo de separação de bens, face ao disposto no art. 1720º, nº 1, al. a), do CC.
Segundo o entendimento adoptado pelas entidades administrativas que admitiram o averbamento e que acabou confirmado pela decisão agravada, aquela norma não se restringe aos casamentos urgentes legalmente dispensados do processo preliminar, abarcando todos quantos, independentemente dos motivos, sejam celebrados sem tal precedência. Asseverou a Conservatória dos Registos Centrais (doravante designada de CRC) que tal solução não se altera pelo facto de a transcrição do casamento celebrado perante autoridade estrangeira nos registos nacionais também estar sujeita à prévia verificação da capacidade matrimonial, pois que sendo aplicável ao regime de bens a lei nacional e sendo o regime determinado pelas circunstâncias existentes à data da celebração do casamento, aquela lei impõe o regime de separação para todos os casos em que se verifique a ausência de processo preliminar perante as autoridades nacionais.

3.1.1. A impugnação da decisão final, no sentido de ser determinada a eliminação do averbamento, assenta fundamentalmente na arguição da sua falsidade e na violação do princípio da imutabilidade do regime de bens.
Sem embargo do recurso a outros argumentos, não pode deixar de se negar procedência à alegada falsidade do averbamento que foi inserido depois de se constatar que o casamento civil transcrito nos registos consulares não tinha sido precedido do processo preliminar de publicações exigido pela lei portuguesa.
É verdade que quando foi emitida a certidão cuja cópia consta de fls. 32 (e 37) tal averbamento ainda não fora efectuado, o que inviabilizava a indicação de que o casamento estava sujeito a um regime de bens diverso do supletivo (como resulta do art. 213º do CRC). Contudo, o que está em causa nesta acção não é propriamente a regularidade da certidão, antes a do averbamento que em 20-1-97 foi introduzido no assento de transcrição existente no Consulado e em 21-12-98 no assento de casamento existente na CRC.
Ora, um e outro fundaram-se na constatação, confirmada pelo ofício de fls. 38, de que efectivamente não fora tramitado o processo preliminar de publicações. Como emerge de tal documento, a inserção do averbamento junto da CRC foi feita a partir do despacho que dele consta, datado de 16-11-98.
Nestes termos, não pode proceder a arguida falsidade do registo.

Também não colhe a alegada violação do princípio da imutabilidade do regime de bens previsto no art.1714º do CC. (1) Confirmada, sem qualquer outra nuance, a regularidade formal do averbamento, os efeitos da inserção de um regime de bens diverso daquele que, na ausência de convenção antenupcial, é supletivamente aplicável produzem-se retroactivamente sem que daí decorra a violação do referido princípio.

3.1.2. Porém, a impugnação da decisão funda-se ainda numa determinada interpretação atribuída ao art. 1720º, nº 1, al. a), do CC., considerando a agravante que tal preceito apenas é aplicável aos casamentos que, por motivos de força maior ou de urgência, são celebrados sem prévia organização do processo preliminar de publicações (art. 22º da petição).
A resposta a tal questão já não é tão evidente. Ainda assim, em termos formais, deverá também confirmar-se a interpretação que de tal preceito foi feita na decisão agravada e na anterior decisão administrativa.

3.1.3. Resulta fundamentalmente dos autos que as partes contraíram casamento civil em França, o qual foi depois transcrito no Consulado de Portugal em Versalhes e posteriormente integrado nos livros da Conservatória dos Registos Centrais.
Tal casamento foi dissolvido por sentença de divórcio decretado por um Tribunal francês, sentença essa posteriormente revista e confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.
Na pendência deste processo de revisão de sentença, foi averbado no assento de transcrição junto do Consulado que o dissolvido casamento estava submetido ao regime de separação de bens, com fundamento no disposto no art. 1720º, nº 1, al. a), do CC. A mesma indicação foi averbada junto dos registos da CRC, depois de neles já ter sido averbada a revisão e confirmação da sentença de divórcio.
Como decorre da informação prestada nos autos pela CRC (fls. 133 a 135), posteriormente confirmada por solicitação deste Tribunal da Relação (fls. 203 e 204), tal averbamento foi motivado pelo facto de não ter sido tramitado o processo preliminar no Consulado (ou na CRC) antes de o casamento ter sido celebrado perante a autoridade francesa.

3.1.4. Vejamos:
O casamento constitui um contrato entre particulares que a lei sujeita a um tratamento específico. A autonomia das partes quanto ao modus operandi é reduzida, cumprindo-lhes acatar o regime legal cuja fiscalização e tramitação competem aos serviços do registo civil. Pretendendo os interessados submeter-se aos efeitos jurídico-civis do casamento previstos na lei nacional, deverão sujeitar-se às exigências (legais) impostas pelas respectivas entidades.
Tendo em conta os interesses de ordem pública subjacentes ao acto de casamento, este é rodeado de um especial formalismo.
Concretamente quanto à modalidade de casamento civil, para além da solenidade prevista para a sua conclusão, prescreve-se uma fase de preparação que envolve um processo administrativo gracioso. Iniciando-se este com uma declaração de vontade dos nubentes no sentido de contraírem casamento, seguem-se-lhe formalidades que visam a sua publicitação, culminando com um despacho do conservador do registo civil (ou do cônsul, quando se tratar de casamento de português ou de portugueses no estrangeiro) a autorizá-lo, salvo se for detectado algum impedimento (art. 1613º do CC). (2)
Estamos face a um ritual que, sem embargo de potenciar a interiorização e ponderação dos efeitos pessoais e patrimoniais decorrentes do projectado casamento, tem por objectivo fundamental detectar a eventual existência de impedimentos legais (art. 1610º do CC). (3)
Modalidade diversa, mas com idênticos efeitos civis, é a do casamento concordatário abarcado pelo especial regime estabelecido na Concordata celebrada entre Portugal e a Santa Sé, o qual pode ser invocado perante a ordem jurídica interna, desde que sejam respeitadas determinadas normas, de onde também sobressaem as que implicam a prévia tramitação do processo preliminar de publicações junto dos serviços do registo civil (arts. 1587º, nº 2, e arts. 1596º e segs. do CC) para verificação da capacidade matrimonial e emissão do certificado previsto no art. 1598º do CC que deverá ser exibido ao celebrante.

Num caso e noutro admite-se a dispensa daquele processo de publicações.
Assim ocorre no casamento católico, in articulo mortis, perante a iminência de parto ou face a um grave motivo de ordem moral (art. 1599º do CC). O mesmo se diga do casamento civil urgente (motivado pelo receio de morte próxima de algum dos nubentes ou iminência de parto), nos termos do art. 1622º, nº 1, do CC.
Nestes casos, o registo do acto é feito a título provisório, ficando sujeito a posterior homologação condicionada pela inverificação de impedimentos matrimoniais (art. 1622º, nº 2, do CC). (4)
3.1.5. Neste contexto, a imposição do regime imperativo de separação de bens previsto no art. 1720º, nº 1, al. a), do CC, justifica-se indubitavelmente quanto aos casamentos celebrados naquelas circunstâncias excepcionais, solução que traduz o acolhimento daquilo que já constava dos arts. 175º e 186º do CRC de 1958. (5)
Discutindo-se a respeito deste diploma se a referida solução deveria abarcar situações diversas dos casamentos urgentes, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 5-11-81, in BMJ 311º/388, pronunciou-se no sentido positivo num caso em que se tratava de casamento (primeiro civil, depois católico) celebrado no estrangeiro, por dois portugueses. Apesar de nesse caso concreto não se terem verificado circunstâncias que dispensassem o processo preliminar, nos termos do art. 174º, nº 2, do CRC de 1958, entendeu-se que o casamento deveria sujeitar-se ao regime fixado para os casamentos urgentes.(6)Esta solução obteve, aliás, o assentimento de Antunes Varela que, em comentário àquele aresto, (7) asseverou que "a celebração do casamento, seja católico ou civil, não precedida de proclamas, fora do casamento urgente, é espécie tão rara na vida corrente, até porque a lei o não permite, que não pode deixar de levantar, em princípio, a maior suspeição quanto aos móbeis do acto", o que bastaria para justificar o regime de separação, mesmo relativamente a casamentos não urgentes.
Semelhante doutrina foi sustentada pelo mesmo autor, a respeito do regime que ficou condensado no art. 1720º, nº 1, al. a), do CC, referindo que "a imposição fundada na falta do processo preliminar tanto vale para os casos em que o casamento, católico ou civil, só indevidamente não foi antecedido do processo de publicações, como para os casos em que a celebração do matrimónio, sem a averiguação prévia da capacidade (matrimonial) dos nubentes, se fez de acordo com a lei". (8)
No mesmo sentido se pronunciam Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira quando afirmam peremptoriamente que "a regra do art. 1720º, nº 1, al. a), ... aplica-se a todos os casamentos celebrados sem precedência do processo preliminar de publicações, quer aos que assim se tenham celebrado legalmente, trate-se de casamentos católicos (art. 1599º) ou civis (art. 1622º), quer aos que deviam ter sido precedidos do processo de publicações mas foram celebrados, de facto, sem precedência desse processo". Ainda que estes autores considerem a solução "menos justificada" relativamente aos casamentos que, de facto, não tenham sido precedidos de processo preliminar, acabam por concluir que "o legislador terá entendido que as circunstâncias em que se celebraram legitimam, na generalidade dos casos, a suspeita de que algum dos nubentes tenha sido determinado a contrair matrimónio por interesse económico". Curso de Direito da Família, vol. I, 2ª ed., págs. 475 e 476. Esta doutrina já fora assumida por Pereira Coelho, na 1ª edição, de 1977 (pág. 366).
Quanto a Rodrigues Bastos, apesar de se dirigir especialmente aos casamentos legalmente dispensados da organização de um processo preliminar, acaba por envolver na mesma solução todos os restantes casos, apresentando a justificação de ordem geral segundo a qual "a razão da norma é a de que as circunstâncias anormais em que se realiza o casamento permitem supor que haja predomínio dos interesses económicos por parte de algum dos nubentes". (10)
3.1.6. Ainda assim, pese embora a coincidência de opiniões doutrinais e jurisprudenciais, não deixa de ser legítimo discutir a razoabilidade da generalização do regime imperativo de separação de bens a todas as situações em que, apesar da obrigatoriedade do processo preliminar, essa formalidade não seja respeitada.
A solução é seguramente questionável quando os interessados não sejam de modo algum responsáveis pela situação, como ocorre nos casos em que o casamento (normal) é celebrado perante o conservador do registo civil ou, no estrangeiro, perante agentes consulares competentes. Sê-lo-á ainda quando aplicada a casamento católico, celebrado em território nacional, uma vez que o celebrante está legalmente obrigado a exigir a apresentação do certificado de capacidade matrimonial emitido pela Conservatória do Registo Civil no culminar do processo preliminar de publicações (art. 151º, nº 1, do CRC).
Porém, as consequências legais referidas já encontram alguma justificação de ordem racional, que reforça a interpretação literal do referido preceito, quando a omissão do processo preliminar se reporte a casamentos católicos celebrados no estrangeiro (onde naturalmente não será notada a exigência imposta pela lei nacional) ou em situações, como a dos autos, em que os casamentos civis são celebrados no estrangeiro, perante autoridade estrangeira, de acordo com a lei local.
Efectivamente, nos termos do art. 50º do CC, os casamentos de português ou de portugueses celebrados no estrangeiro são submetidos ao que for determinado pela lei local. (11) Seja qual for o formalismo prescrito para o acto, a ordem jurídica interna admite a sua transcrição, desde que não se verifique a existência de impedimentos matrimoniais face à lei nacional. Ferrer Correia, (12). Em tais casos, a tramitação do processo preliminar antes da transcrição do casamento permitirá assegurar a verificação da capacidade matrimonial (arts. 1654º, al. c), 1665º, nº 1, e 1666º do CC),(13) facilitando a sua posterior transcrição.
No entanto, o processo preliminar não interessa apenas para efeito de verificação de impedimentos. Nos termos do art. 53º do CC, é aplicável ao regime de bens o que dispuser a lei nacional dos nubentes, (14) para o que se mostram relevantes os aspectos que, face à lei nacional, influem no regime patrimonial.

3.1.7. No caso concreto, independentemente da sujeição do casamento civil ao formalismo prescrito pela lei local, (15)a obrigatoriedade de os nubentes se sujeitarem ao processo preliminar antes realizarem o casamento perante autoridades francesas estava expressamente prevista no art. 201º do CRC vigente à data (aprovado pelo Dec. Lei nº 47.678, de 5-5), equivalente ao actual art. 162º do CRC.
Deste modo, a tramitação preliminar do processo de publicações não visaria apenas a verificação antecipada da capacidade matrimonial dos nubentes, mas ainda satisfazer exigências que a lei nacional considerava e considera pertinentes para efeitos de evitar a sujeição do casamento ao regime imperativo imposto pelo art. 1720º, nº 1, al. a), do CC.
Tal como ocorre com as situações de casamentos urgentes, ao submeter ao regime imperativo de separação de bens, designadamente, os casamentos celebrados no estrangeiro, perante autoridade local, mas sem precedência do processo preliminar perante as autoridades nacionais, pretendeu o legislador impedir o aproveitamento de um circunstancialismo que não propicia a completa avaliação das consequências do acto, para daí extrair vantagens patrimoniais. (16)
Por isso, considerando que os interessados eram cidadãos portugueses, o casamento, posto que realizado em França, ao abrigo da lei francesa, ficaria submetido ao regime de bens ditado pela lei nacional, a qual atribuía e atribui à falta de processo preliminar um efeito jurídico-patrimonial imposto aos interessados no momento da transcrição para a ordem jurídica interna.

3.1.8. Não se evidencia, é certo, em concreto, qualquer dos riscos que o legislador teve em mente quando impôs o referido formalismo legal, tudo levando a crer que o casamento (regular) a que os autos se reportam foi tramitado de acordo com a legislação estrangeira, sem aproveitamento por qualquer dos cônjuges de qualquer "circunstância" para obtenção de vantagens materiais Também não se confirma a existência de alguma "suspeição quanto aos móbeis do acto".
Porém, a injunção constante do art. 1720º, nº 1, al. a), do CC, e, mais do que isso, o incumprimento do ónus prescrito pelo art. 201º do anterior CRC, não deixam espaço para uma interpretação restritiva que exclua daquele regime imperativo os casamentos que, como o dos autos, foram celebrados no estrangeiro sem precedência do processo preliminar perante o Consulado ou a CRC.
Por conseguinte, em termos meramente formais, nada há a obstar à inserção do averbamento do regime imperativo de separação de bens à margem do assento de transcrição do casamento.

3.2. Todavia, a tarefa de dirimir litígios, quando estes entram no campo do direito judiciário, nem sempre se limita à aplicação de normas isoladas. Pelo contrário, a verificação de divergências entre as partes obriga os Tribunais à análise crítica de todos os factos provados, ponderando, se necessário, outros preceitos, princípios ou valores que enformam o ordenamento jurídico.
No âmbito desta acção, a valoração dos factos provados é imposta ainda pela argumentação da agravante constante dos arts. 48º e segs. da petição, onde refere, além do mais, que o requerido teve em vista "fugir à partilha do património comum do casal em Portugal".
E desde já se adianta, em resposta à contra-argumentação do agravado, que é neste processo, e não em qualquer outro, designadamente no de partilhas pós-divórcio, que deve ser atacado o efeito prático-jurídico pretendido pelo agravado quando diligenciou pela inserção tardia do averbamento do regime de separação absoluta de bens.
Ainda que estejam apenas em causa efeitos de natureza patrimonial e apesar de a questão relacionada com o regime de separação de bens poder ser apreciada no referido processo de inventário, a ilegitimidade do resultado não poderá deixar de ser apreciada num contexto em que o averbamento foi inserido depois da persistente ausência de qualquer referência ao regime de bens durante um largo período de tempo.

3.2.1. O principal motivo de estranheza pelo resultado formalmente obtido do averbamento resulta do facto de só 20 anos depois do casamento, numa altura em que vínculo matrimonial já se encontrava dissolvido, ter passado a constar do assento de transcrição do casamento, com efeitos retroactivos, a indicação do regime de separação de bens. Estranheza tanto maior quanto é certo que nem no assento de transcrição no registo consular, nem no existente na Conservatória dos Registos Centrais foi feita, em tempo oportuno, qualquer alusão, directa ou indirecta, a um tal regime especial.
Para além de não ter sido assegurada por nenhum desses serviços, antes de admitirem a transcrição do casamento, a realização do processo preliminar destinado a aferir a capacidade matrimonial dos interessados face à lei nacional, tão pouco ficou a constar do sector destinado às "Menções Especiais" referência ao regime de bens a que o casamento ficaria sujeito perante a ordem jurídica nacional, nos termos do art. 53º do CC.
Em suma, a questão do regime de bens, com exclusivo relevo patrimonial, apenas foi suscitada pelo agravado quando a relação de casamento já se dissolvera, tendo em vista, como agora se confirma, influir na partilha dos bens adquiridos na pendência do casamento.
Nestas circunstâncias (de tempo, de modo e de fins prosseguidos), a justa composição do litígio mostra-se insatisfatoriamente conseguida com a mera extracção dos efeitos determinados pelos preceitos de direito positivo enunciados. Ao invés, razões de Justiça impõem a este Tribunal que não se quede pela verificação e confirmação dos requisitos formais de que a lei faz depender a aplicação do regime de separação de bens e que pondere também a legitimidade do resultado que objectivamente decorre da sua imposição.
De onde resulta que, sem embargo da manutenção do averbamento, devem ser restringidos os efeitos de natureza patrimonial que nele se pretendem fundar, por se mostrar substancialmente ilegítima a aplicação retroactiva do regime de separação de bens, em lugar do regime supletivo de comunhão de adquiridos.
Verificando-se que foi o agravado a tomar a iniciativa de promover a inserção do aludido averbamento, as circunstâncias em que tal ocorreu e os motivos que ditaram essa actuação revelam a instrumentalização de mecanismos registrais para fins diversos daquele a que o registo verdadeiramente se destina, deixando entrever, por detrás de aspectos meramente formais ou burocráticos, a tentativa de, assim, obter benefícios decorrentes da indicação tardia do regime de separação de bens, em clara deturpação dos objectivos visados pelo registo civil quanto à definição do estatuto patrimonial dos cônjuges, à sua estabilidade e à protecção das expectativas individuais.

3.2.2. Na detecção da resposta dada pelo ordenamento jurídico a situações como esta podem visionar-se duas linhas de actuação:
- De um lado, a que compete aos serviços do registo civil que, por razões de segurança e de certeza jurídicas, estão condicionados pela aplicação estrita (ainda que não meramente literal ou burocrática) dos preceitos legais que vigoram em matéria de registo;
- Do outro, a que compete aos Tribunais que, confrontados com a necessidade de resolver litígios, para além de estarem atentos ao que é formalmente ditado pelo direito positivo, não podem deixar de ponderar outros aspectos, congregando e compatibilizando, na medida do possível, os valores da segurança e da certeza com os da justiça e da razoabilidade dos resultados.
Lidando os primeiros com as situações antes de os litígios eclodirem ou antes de os mesmos se evidenciarem, é quando as questões passam para o campo judiciário, envolvendo um aberto conflito de interesses, que melhor se detectam as diferenças entre os resultados proporcionados pelo singelo recurso a normas isoladas e os alcançados quando se presta atenção aos valores ou interesses que se entrechocam, pondo em relevo argumentos que impeçam resultados materialmente insustentáveis.
No caso, ainda que o agravado o negue, designadamente quando foi notificado para se pronunciar sobre a matéria já nesta Relação, a inserção tardia do averbamento visou apenas regular retroactivamente o regime de bens que teria vigorado, contra a aparência decorrente do registo, na pendência do casamento, pelo que a sujeição estrita aos seus efeitos jurídico-patrimoniais afronta directamente valores que não podem deixar de ser ponderados.
A Vida que o Direito visa regular não se deve confinar ao que emerge dos estritos quadros do direito registral, devendo ainda considerar-se outros normativos, não menos importantes, que se ajustam ao conflito de interesses a dirimir.

3.2.3. Para além dos efeitos de natureza pessoal, relevam no casamento os efeitos de ordem patrimonial.
Na sociedade conjugal, o regime de bens convencionado pelas partes ou resultante de lei supletiva constitui um factor que serve de guia a cada um dos cônjuges relativamente às respectivas actuações de ordem material, além de servir de critério para determinação, a posteriori, da natureza jurídica de bens ou das obrigações que se inscrevam na sociedade conjugal. (17)
Sendo a transcrição do casamento um acto controlado e filtrado pelos serviços do Registo Civil, sem embargo dos deveres e ónus que recaem sobre os interessados, compete aos respectivos agentes zelar pelo cumprimento das formalidades legalmente prescritas. Fazendo-o, e cumprindo o complementar dever de informação que sobre os mesmos recai, será potenciada a clarificação do conteúdo da relação jurídica de casamento logo que a mesma passa a produzir efeitos perante a ordem jurídica interna.
No caso concreto, independentemente dos motivos que levaram os interessados a celebrar o casamento de acordo com a lei local, sem previamente se prevenirem com o cumprimento das formalidades impostas pela lei nacional e de cujo incumprimento a ordem interna extraía efeitos ao nível do regime de bens, verificou-se o seguinte:
- O Consulado de Portugal em Versalhes admitiu a transcrição do casamento sem ter zelado pela tramitação do processo preliminar, contrariando expressamente o que constava do art. 229º do CRC então vigente (equivalente ao actual art. 185º do CRC); (18)
- Uma vez que tal processo não fora antecipadamente requerido, como o previa a lei registral (art. 201º do anterior CRC), a transcrição não deveria ter sido autorizada sem que essa formalidade tivesse sido cumprida;
- Da tramitação de tal processo poderiam ter decorrido outros reflexos complementares, com directa ligação ao regime de bens, pois que, verificada a omissão do processo preliminar legalmente imposta, tal facto ficaria a constar do assento de transcrição, acompanhado da indicação dos respectivos efeitos ao nível do regime de bens imposto pela lei e da indicação da respectiva base legal;
- Contra o que a lei então determinava (arts. 222º, nº 3, do anterior CRC), na ocasião em que foi admitida a transcrição, não ficou no assento de transcrição do casamento qualquer menção referente à ausência de processo preliminar que justificasse o regime imperativo de separação de bens, nem foi feita qualquer menção quanto à sujeição do casamento a este regime;
- Aliás, nos impressos onde foi exarada a transcrição existia um sector especificamente destinado à aposição de "Menções Especiais"; de acordo com as instruções visíveis no doc. de fls. 41 a 42, vº, tal espaço era "reservado à menção especial prevista no nº 3 do art. 219º. Se o casamento tiver sido celebrado com subordinação ao regime de bens imperativo, far-se-á também neste lugar a menção desse regime e da disposição legal que o impõe";
- Por seu lado, a Conservatória dos Registos Centrais, que também estava obrigada a verificar se o formalismo legal tinha sido cumprido ou não (art. 231º, nºs 2 e 3, do anterior CRC), admitiu a integração do casamento nos respectivos registos sem suscitar qualquer impedimento de ordem formal.

3.2.4. Ora, bastaria a indicação do regime de separação de bens decorrente da ausência de processo preliminar para que cada um dos interessados ficasse ciente, ab initio, desse facto, impugnando-o, caso divergisse da interpretação assumida pelos serviços do registo civil, ou aceitando-o e orientando a partir de então as suas vidas de um modo coerente com um regime de bens diverso do de comunhão de adquiridos supletivamente aplicável.
Deste modo, mantido intacto durante tanto tempo o assento de transcrição do casamento, com os pertinentes e normais efeitos que isso terá determinado nas opções de cada um dos cônjuges, é de todo irrazoável que estes (e especialmente a agravante) sejam confrontados com os efeitos decorrentes de um regime totalmente diverso do que supostamente teria vigorado durante o período de vigência do casamento, regime esse que apenas foi formalmente declarado numa ocasião em que o casamento já se dissolvera, tornando inviável reconstituir as actuações de natureza patrimonial ocorridas na pendência do casamento.
Esta estranheza quanto ao resultado formalmente imposto é ainda mais acentuada quando se constata o seguinte:
- Foi o requerido que suscitou perante os serviços consulares a inserção do tardio averbamento referente ao regime de bens;
- Não o fez com a intenção de regularizar um registo incompleto ou irregular, (19) mas com o fito, a todos os títulos reprovável, de conseguir obter no processo de partilha vantagens patrimoniais não proporcionadas pela sujeição do casamento ao regime de bens, supletivo, de comunhão de adquiridos;
- Tal resultado é tanto mais inaceitável quanto é certo que pretende repercutir-se, por exemplo, na reivindicação da exclusividade do direito de propriedade de um imóvel adquirido na pendência do casamento, através de um acto ratificado pelo requerido mediante instrumento em cujo texto se assumiu que era de "comunhão de adquiridos" o regime de bens que vigorava no casal;
- A irrazoabilidade assume foros de total inadmissibilidade quando se verifica que o averbamento ocorreu num momento em que já tinha sido proferida sentença de divórcio pelo Tribunal francês e em que já estava pendente o processo de revisão da sentença; e ocorreu quando no assento de casamento existente na CRC já tinha sido averbada a revisão da sentença de divórcio.

3.2.5. Com a autoridade própria de quem teve larga margem de responsabilidade na arquitectura do nosso direito civil que lhe proporcionava uma visão global do sistema, já Vaz Serra declarava que "o direito só raras vezes não dará solução a situações indesejáveis". (20).
É o mesmo juízo que levou Manuel de Andrade a afirmar que a "jurisprudência está ao serviço da lei, mas num sentido de obediência pensante, que atende menos à letra que mata do que ao espírito que vivifica".(21)
Semelhante visão vem sendo acentuada por autores contemporâneos, entre os quais se situa Menezes Cordeiro, cuja autoridade lhe permite afirmar que "a decisão é legítima quando, por assentar no peso relativo das proposições que a integrem, compartilhe a justeza do sistema em que se inclua". (22)
Ou ainda Castanheira Neves, apostado no aprofundamento da metodologia da aplicação do direito, quando defende que "a realização do direito deixou de ser mera aplicação das normas legais e manifesta-se como o acto judicativamente decisório através do qual ... se cumprem em concreto as intenções axiológicas e normativas do direito, enquanto tal". (23)
É, afinal, a mesma concepção que, relativamente a uma questão bem próxima daquela que está sob análise, é reflectida na fundamentação do Ac. do STJ, de 1-10-02, in CJSTJ, tomo III, pág. 73, onde, relativamente a uma questionada modificação do regime de bens que vigorara durante o casamento, se assevera, com toda a pertinência, que "seria contra todas as suas legítimas expectativas que, passados vários anos sobre o seu casamento e à sua inteira revelia, o regime inicial de bens do casamento fosse alterado, com prejuízos eventuais de uma das partes"
Assim se ganha lastro para questionar, no caso concreto, o resultado formalmente prescrito pelo art. 1720º, nº 1, al. a), do CC.

3.2.6. Antes, porém, inserindo a problemática num contexto mais geral, ainda que reconduzido às relações jurídico-familiares, cabe perguntar se o Direito da Família, maxime na sua vertente registral, franqueia livremente as portas a actuações pautadas pela violação das regras da boa fé e da confiança ou se, ao invés, os resultados que objectivamente encontrem apoio nas respectivas normas devem ser arredados mediante o recurso a válvulas de segurança do ordenamento jurídico como o é o instituto do abuso de direito.
Só porque na transcrição do casamento não se fez menção do regime de bens (função que, insiste-se, era da exclusiva responsabilidade dos serviços do registo civil), viu-se a requerente confrontada, já depois do divórcio, com um regime de bens diverso daquele que fora praticado ao longo do casamento, (24) com os decorrentes efeitos na sua esfera patrimonial, maxime na partilha litigiosa subsequente ao divórcio.
Na perspectiva do requerido, que foi quem diligenciou pela concretização de um tal averbamento, os efeitos decorrentes da aplicação literal de um tal preceito viriam a consumar-se numa ocasião em que o casamento já se encontra dissolvido à face da lei portuguesa, deixando entrever, por detrás do aparente cumprimento de uma norma de direito registral, o mero intuito prosaico de obter vantagens decorrentes da aplicação tardia do regime de separação de bens, em total desarmonia com a realidade pela qual os ex-cônjuges pautaram os seus comportamentos durante o largo período em que se manteve o casamento.
Contra aquilo que o agravado referiu já nesta Relação, quando foi auscultado sobre a matéria, não há motivos para duvidar de que pretende extrair do averbamento benefícios negados pela sujeição do casamento a um diverso regime de bens. Basta para o efeito associar o momento em que o averbamento foi efectuado com o facto de se encontrar pendente processo judicial cujo objecto é a partilha dos bens assinalados no procedimento cautelar de arrolamento e com o facto de o requerido vedar à requerente o acesso à casa adquirida na pendência do casamento com dinheiro transferido de contas bancárias constituídas em nome de ambos os cônjuges.
Contra o referido pelo agravado, nada permite afirmar que a agravante estivesse ciente da aplicabilidade de um regime diverso do de comunhão de adquiridos, sendo certo que as certidões de casamento que fazem referência ao regime de separação de bens são datadas de Março e de Novembro de 1994, pouco antes de ter sido decretado o divórcio pelo Tribunal francês (em 30-11-95).

3.2.7. Por conseguinte, independentemente da solução formalmente extraída do art. 1720º, nº 1, al. a), do CC, a decisão agravada deve ser revogada, através da confluência entre os valores do Direito e da Justiça, limitando os efeitos práticos do averbamento.
Para o efeito recorrer-se-á à norma do art. 334º do CC, inserida na parte geral do diploma basilar em termos de regulação do casamento, sugestivamente situado no sector que regulamenta o "exercício e tutela dos direitos".
Tal inserção sistemática leva a concluir que a figura do abuso de direito não está excluída da regulação das relações jurídico-familiares, aplicabilidade que se torna mais evidente quando, como ocorre no caso concreto, a rejeição da solução formal acaba por se repercutir apenas em aspectos de ordem patrimonial, com repercussão restrita aos interessados que, tendo estado unidos pelo casamento, já se encontram divorciados.
Como defende Menezes Cordeiro, o abuso de direito pode reportar-se a "qualquer posição jurídica". (25) Embora advertindo para os perigos da sua banalização, que também aqui se pretendem evitar, acrescenta esse autor que "o abuso de direito é um excelente remédio para garantir a supremacia do sistema jurídico e da Ciência do Direito sobre os infortúnios do legislador e sobre as habilidades das partes" (pág. 197).
Tratando de uma questão diversa da que emerge destes autos, Almeno de Sá, em trabalho ainda inédito, deixa claro que "a proibição do abuso assinala, em rigor, os limites imanentes de toda e qualquer «posição jurídica»". Por isso, "apesar de a letra da disposição legal em apreço se referir apenas a «direitos», a previsão da norma não pode deixar de compreender, para lá dos tradicionais direitos subjectivos, todo e qualquer poder, faculdade ou posição jurídica susceptível de um exercício que ultrapasse a respectiva intencionalidade fundante".
Também Cunha de Sá descortinara em sede do Direito da Família uma janela de oportunidade para a intervenção desse instrumento de adequação entre o direito formal e a justiça substancial. (26)
O facto de, no caso concreto, a omissão verificada no acto de transcrição do assento de casamento ter sido da exclusiva responsabilidade dos serviços do registo civil, sem que ao agravado possa ser imputada qualquer culpa, não impede a intervenção daquele instituto que, independentemente da imputabilidade, foi idealizado para evitar resultados objectivamente injustos.
O que se torna evidente no caso concreto é que a aplicação tardia, apenas na ocasião em que se pretende proceder à partilha dos bens, de um regime patrimonial diverso feriria, de forma manifesta e intolerável, a relação de confiança decorrente do registo civil e do regime jurídico-patrimonial dos cônjuges que, em momento oportuno, ninguém - nem o requerido nem as autoridades civis - se importou em questionar.

3.2.8. Realçando apenas os aspectos mais relevantes:
- O averbamento do regime de separação de bens ocorreu em 20-1-97, ou seja, mais de 20 anos após a celebração do casamento, mediante solicitação do requerido, numa ocasião em que o casamento já estava dissolvido perante a lei francesa e apenas aguardava a dissolução face à ordem jurídica nacional, através do processo de revisão de sentença;
- A omissão no assento de transcrição do casamento de um aspecto tão importante como o do regime de bens foi devida a exclusiva responsabilidade dos serviços do registo civil;
- A inserção da referência ao regime de bens poderia ter determinado actuações por parte de qualquer dos cônjuges compatíveis com os efeitos jurídicos que correspondessem a um regime de bens diverso do regime supletivo de comunhão de adquiridos;
- O regime de separação de bens não teve qualquer correspondência com a vivência do casal que, face ao regime de bens supletivo, tinha como pressuposto a integração dos bens adquiridos no património de ambos os cônjuges;
- O averbamento foi requerido não com o objectivo de proceder à correcção do registo civil, mas como meio para buscar vantagens patrimoniais;
- A extracção, a partir do averbamento, dos resultados normais e com efeitos retroactivos, representa um resultado que afecta, de forma grave e destemperada, o equilíbrio a que tende todo o sistema jurídico.
- Tais efeitos repercutidos imediatamente na regulação patrimonial pós-divórcio representam um resultado antagónico com os valores da segurança e da confiança subjacentes aos mecanismos dos registo civil, determinando para um dos cônjuges, à custa do outro, benefícios patrimoniais que não reflectem o modo como os cônjuges guiaram os seus interesses patrimoniais na pendência do casamento.

3.2.9. O quadro circunstancial referido impõe a limitação dos efeitos jurídicos resultantes da aplicação literal do art. 1720º, nº 1, al. a), do CC, solução que encontra acolhimento na norma recheada de conceitos indeterminados que encontram na matéria dos autos a suficiente integração.
Aceite que antes do casamento civil realizado perante a autoridade local não foi tramitado pelas autoridades portuguesas o processo preliminar de publicações, é insofismável que os serviços consulares estavam obrigados a cumprir esse formalismo antes de admitirem a transcrição do casamento nos respectivos registos. Tendo sido requerida a transcrição por dois cidadãos nacionais, impunha-se o cumprimento desse processo preliminar, sobrestando-se naquele acto enquanto o mesmo não fosse concluído. (27)
Tal não aconteceu, e só decorridos mais de 20 anos foi levado ao registo civil um elemento que, embora formalmente legitimado pelo art. 1720º, nº 1, al. a), do CC, deveria ter sido logo inserido no assento de transcrição.
Nestes termos, seria verdadeiramente surpreendente que, num contexto em que se revela ser imputável aos serviços do registo civil a situação irregular que ficou a manchar o assento de transcrição do casamento, mais de 20 anos depois, se invocasse, com os naturais efeitos retroactivos (decorrentes do art. 188º, nº 1, do CRC) um regime de bens diverso daquele de que os interessados legitimamente se convenceram existir, à revelia de todo o comportamento que adoptaram enquanto perdurou o casamento.

3.2.10. Por estas razões de ordem substancial se impõe a limitação dos efeitos prático-jurídicos do averbamento que apenas encontram justificação em razões de ordem meramente formal.
Tal limitação dos efeitos do regime de bens constitui, aliás, uma consequência jurídica que fica aquém da solução bem mais drástica da eliminação pura e simples do averbamento. Todavia, parece-nos preferível essa medida limitadora uma vez que torna viável uma melhor compatibilização entre as funções das entidades com competência registral e a tarefa do Tribunal de resolver diferendos entre particulares afectados pelos actos de registo.
Aliás, não resultando da norma do art. 334º do CC qualquer consequência típica em resultado da aferição de uma situação que, como ocorre no caso presente, revela a violação manifesta das regras da boa fé ou do fim social e económico do instituto do Registo Civil, cabe ao Tribunal escolher, de entre as medidas abstractamente acessíveis, aquela de que resultar uma melhor conjugação dos interesses conflituantes.

IV - Em síntese:
- A imperatividade do regime de separação de bens previsto no art. 1720º, nº 1, al. a), do CC, não se limita aos casos de urgência, abarcando ainda, designadamente, os casamentos de cidadãos nacionais celebrados no estrangeiro, perante autoridade estrangeira, que não tenham sido antecedidos da tramitação do processo preliminar de publicações perante os serviços do registo civil nacionais.
- O Direito da Família não está imune à excepção peremptória do abuso de direito prevista no art. 334º do CC, nomeadamente na parte em que se regulam os efeitos patrimoniais decorrentes do casamento.
- Por isso, apesar de não ter sido requerida a tramitação do processo preliminar antes da celebração do casamento, devem ser limitados os efeitos prático-jurídicos do averbamento do regime imperativo de separação de bens operado num quadro em que intervieram as seguintes circunstâncias:
- As entidades do registo civil, aquando da transcrição do casamento nos registos nacionais, não inseriram no assento qualquer menção relativa ao regime de bens aplicável ou a respectiva base legal;
- O casamento perdurou por 19 anos, período durante o qual os cônjuges pautaram o seu comportamento como se estivesse sujeito ao regime da comunhão de adquiridos;
- O averbamento do regime de separação foi inserido já depois do decretamento do divórcio, com o único objectivo de um dos interessados adquirir vantagens patrimoniais resultantes da aplicação do regime de separação absoluta de bens.

V - Em conclusão:
Face ao exposto, ainda que por uma via diversa das invocadas pela agravante, acorda-se em conceder provimento parcial ao agravo e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida.
Por isso, em sua substituição, determina-se que o averbamento referente ao regime de separação absoluta de bens aposto no assento de transcrição do casamento no sentido não releva para efeitos da partilha de bens do casal, a qual deverá pautar-se pelo regime supletivo resultante da situação registral anterior ao averbamento, ou seja, pelo regime supletivo de comunhão de adquiridos.
Custas a cargo do requerido.
Notifique.
Oportunamente, remetam-se os autos à Conservatória dos Registos Centrais.

Lisboa, 1-7-03

(António Santos Abrantes Geraldes)
(Manuel Tomé Soares Gomes)
(Maria do Rosário C. de Oliveira Morgado
_______________________________________________

(1) Sobre o princípio da imutabilidade do regime de bens cfr. o Ac. do STJ, de 1-10-02, CJSTJ, tomo III, pág. 73.
(2) Sobre a tramitação do processo preliminar, Fortunato Leite de Faria, Factos e Actos do Registo Civil, Porto, 1986, págs. 72 e segs., e ainda Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. I, 2ª ed., pág. 220 e 287 e segs., Robalo Pombo, Código de Registo Civil anot, 1991, pág. 551, e Antunes Varela, Direito da Família, 1982, pág. 147.
(3)José Manuel Vilalonga refere que "o processo preliminar de publicações tem clara e exclusivamente por função o apuramento da capacidade matrimonial dos nubentes". Considera este autor que "por via desse mecanismo pretende-se detectar a existência de impedimentos matrimoniais ou, diversamente, apurar a capacidade matrimonial dos nubentes" (Eficácia e Natureza Jurídica do Registo de Casamento, em O Direito, ano 131º, tomo III/IV, págs. 345 e 346).
Todavia, a lei extrai outras consequências da existência ou da ausência de processo preliminar.
(4) Cfr. o Ac. do STJ, de 18-6-96, in CJSTJ, tomo II, pág. 145.
(5)Cfr. anotação ao Ac. do STJ, de 5-11-81, in BMJ 311º, pág. 396.
(6) Na mesma linha decidiu o Ac. da Rel. do Porto, de 17-11-97 (www.dgsi.pt), relatado por Antero Ribeiro, de cujo sumário consta que "o casamento não urgente de dois portugueses celebrado em 6 de Agosto de 1960, em França, perante autoridades francesas, sem convenção antenupcial e sem ter sido organizado no competente consulado o processo preliminar de publicações, transcrito em Portugal em 1994, está sujeito ao regime da comunhão geral de bens". Contudo, o acesso à respectiva fundamentação permitiu verificar que o art. 1720º, nº 1, al. a), foi interpretado de modo a aplicá-lo a todos os casamentos que, independentemente da causa, não sejam precedidos das publicações.
Ainda que perifericamente, a mesma tese foi assumida no Ac. do STJ, de 16-4-98 (www.dgsi.pt), relatado por Herculano Namora (cujo ponto nº 2 do sumário contraria, no entanto, a fundamentação, pois que nela se considera que é aplicável o "regime imperativo de separação de bens").
Já no Ac. da Rel. do Porto, de 17-6-94 (www.dgsi.pt), relatado por Castro Ferreira, se concluiu que o regime a aplicar seria o de comunhão de adquiridos, embora se tenha suposto em tal processo a existência, ainda que não confirmada, do processo preliminar de publicações.
(7) Na RLJ, ano 117º, págs. 274 e segs. Reportando-se aos casamentos urgentes, refere este civilista: "trata-se, por um lado, de casamentos mais expostos do que quaisquer outros à tentação de um dos cônjuges converter o matrimónio num modo de aquisição de bens. A urgência com que o acto é celebrado não dá aos nubentes o tempo necessário a uma conveniente reflexão sobre o tema delicado das suas relações patrimoniais, nem oferece às famílias a oportunidade de esclarecerem devidamente o nubente mais abastado sobre a probabilidade de o outro se ter decidido a casar por meros interesses materiais". Indica ainda outras razões ligadas às condições físicas ou psíquicas para discutir o problema (pág. 283).
(8) Direito da Família, 1982, págs. 352 e 353. No CC anot., vol. IV, pág. 417, refere que, sem embargo de a norma do art. 1720º, nº 1, al. a), se reportar fundamentalmente aos casamentos católicos urgentes (in articulo mortis), conclui que estão sujeitos ao regime de separação de bens "os casamentos, católicos ou civis que, por qualquer outra razão, tenham sido de facto celebrados sem a realização prévia, na conservatória do registo civil competente, do processo de publicações".
(9)Curso de Direito da Família, vol. I, 2ª ed., págs. 475 e 476. Esta doutrina já fora assumida por Pereira Coelho, na 1ª edição, de 1977 (pág. 366).
(10)Notas ao CC, vol. VI, pág. 172.
Já Castro Mendes se limita a afirmar, sem desenvolver a ideia, que "a lei impõe o regime de separação de bens, no art. 1720º, nº 1, em dois casos: casamento urgente, celebrado sem precedência de processo de publicações, e casamento celebrado por quem tenha completado 60 anos de idade" (sublinhado nosso) (Direito da Família, ed. AAFDUL, 1990/91, pág. 166).
No Ac. da Rel. do Porto, de 26-1-98, in CJ, tomo I, pág. 193, assumiu-se a posição de que o regime imperativo visa apenas o casamento urgente ou de consciência, defendendo que a irregularidade resultante do não cumprimento (no caso, pelo cônsul) do processo de publicações é de natureza suprível, não forçando à imposição do regime de separação.
(11)Sobre a matéria cfr. Ferrer Correia, em artigo intitulado "Direito Internacional Privado Internacional.", na RLJ, ano 116ª, pág 355.
(12)Ferrer Correia, RLJ ,ano 117º, pág.17.
13)Como refere José Manuel Vilalonga, "o processo preliminar, ou será realizado posteriormente à celebração do casamento, na altura da transcrição em Portugal, ou será realizado previamente se os nubentes requererem a passagem do certificado junto dos respectivos serviços" - ob. cit., pág. 353.
Sobre a matéria cfr. ainda Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit., págs. 304 e segs., Pires de Lima e Antunes Varela, CC anot., vol. IV, págs. 214 e 245, e o Ac. da Rel. do Porto, de 26-1-98, in CJ, tomo I, pág. 193, que trata precisamente de uma situação em que a transcrição do casamento não foi precedida do processo de publicações.
(14) Cfr. o Ac. do STJ, de 1-10-02, in CJSTJ, tomo III, pág. 73.
(15) A lei francesa também exige a "publications des bans", prevendo-se a sua dispensa em casos de casamento urgente, por motivo de perigo de morte ou de gravidez avançada (Jacqueline Rubellin-Devichi, Droit de la Famille, pág. 58).
(16)Como refere Antunes Varela, na RLJ, ano 117º, pág. 283, "trata-se, por um lado, de casamentos mais expostos do que quaisquer outros á tentação de um dos cônjuges converter o matrimónio num modo de aquisição de bens. A urgência com que o acto é celebrado não dá aos nubentes o tempo necessário a uma conveniente reflexão sobre o tema delicado das relações patrimoniais, nem oferece às famílias a oportunidade de esclarecerem devidamente o nubente mais abastado sobre a probabilidade do outro se ter decidido a casar por meros interesses materiais".
(17) Acentua Maria Rita Lobo Xavier que "a própria execução da plena comunhão de vida implica uma certa interpenetração patrimonial" (Limites à Autonomia privada na Disciplina das Relações Patrimoniais Entre os Cônjuges, pág. 566).
(18) Como refere José Manuel Vilalonga, "a não realização da transcrição [nos casos em que não tenha sido realizado o processo preliminar] consubstancia, portanto, uma recusa provisória" (ob. cit., pág. 386).
(19)Assim se opinou no Ac. da Rel. do Porto, de 26-1-98, in CJ, tomo I, pág. 193.
(20) Na RLJ, ano 103º, pág. 564.
(21)"Sentido e valor da Jurisprudência", no BFDUC, vol. XLVIII, 1972, pág. 29.
(22)Revista Jurídica, nºs 9 e 10, pág. 13, em artigo intitulado "Tendências actuais da interpretação da lei. Do juiz-autómato aos modelos de decisão jurídica".
(23)O Actual Problema Metodológico da Interpretação Jurídica, vol. I, pág. 12.
(24)Refere Guilherme de Oliveira que a percentagem de casais que optam pela outorga de convenção antematrimonial é diminuta (1,7% antes de 1966 e 7% depois), concluindo que "parece ... que a grande maioria dos casais se mostrou sempre indiferente ao estatuto patrimonial do casamento" (Temas de Direito da Família, 2ª ed., pág. 238).
(25)Tratado de Direito Civil, vol. I, tomo I, pág. 197. Cfr. ainda o capítulo "O exercício inadmissível de posições jurídicas", na sua obra Da Boa Fé no Direito Civil, págs. 661 e segs.
(26)Numa ocasião em que a lei ainda previa como domicílio necessário da mulher o escolhido pelo respectivo marido
(Abuso de Direito, págs. 155 a 158).
Guilherme de Oliveira, serviu-se desse instituto numa situação paralela relacionada com partilha de herança (Temas de Direito da Família, 2ª ed., págs. 95 e segs.).
(27)Neste sentido Filomena Rocha, "Actos de registo civil que têm por objecto factos ocorridos no estrangeiro respeitantes a cidadãos portugueses", in Scientia Iuridica, vol. XLIX, págs. 209 e segs., referindo que "na hipótese de não ter havido processo preliminar, a transcrição a que há lugar, depois do casamento celebrado, é subordinada à prévia organização do processo de publicações" (pág. 212).Cfr. ainda José Manuel Vilalonga, ob. cit., pág. 385.