Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5436/16.2T8LSB.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: RESOLUÇÃO BANCÁRIA
VALOR DA CAUSA
EQUIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/28/2017
Votação: MAIORIA COM UM VOTO VENCIDO
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
I–Havendo transitado em julgado a sentença que declarou a liquidação do Réu Banco Espírito Santo, S.A., encontrando-se agora pendente a presente acção declarativa proposta por alegados credores destinada a obter o mesmo crédito que deverá ser reclamado, obrigatoriamente (artigo 128º, nº 3, do CIRE), no processo de liquidação/insolvência respectivo, as razões para a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, que presidiram ao acórdão uniformizador nº 1/2014, de 8 de Maio de 2013, mantêm-se totalmente incólumes e vigentes.
II–Tendo tais créditos que ser reclamados no processo de liquidação/insolvência, ficando sujeitos à impugnação dos interessados, nos termos do artigo 130º, nº 1, do CIRE, perdeu a presente acção declarativa a sua utilidade, atendendo ainda a que a sentença que verifique o crédito reclamado tem força executiva fora e dentro do processo em que foi proferida, diferentemente do que sucede com a sentença que venha a ser prolatada em acção pendente por crédito anterior à liquidação do Banco Espírito Santo – em liquidação.
III–O crédito que os AA. pretendem ver reconhecido em juízo não se integra, juridicamente, nos denominados créditos sob condição suspensiva a que aludem os artigos 50º e 181º do CIRE, uma vez que o seu reconhecimento depende apenas e só da prova dos fundamentos de facto e de direito que deverão sustentar a pretensão indemnizatória, não se encontrando, na sua substância, subordinado a qualquer evento futuro e incerto de que dependa a produção dos respectivos efeitos, conforme a figura genérica da condição, prevista no artigo 270º do Código Civil, pressupõe.
IV–Não é possível considerar que a impossibilidade do prosseguimento da lide se tenha ficado a dever a qualquer tipo de acção ou conduta do Réu BES mas a factores que lhe são externos, mormente a intervenção, necessária e urgente do Banco de Portugal, através da resolução bancária, e a posterior revogação da sua licença para o exercício da actividade bancária o que foi realizado pelo Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da esfera das suas competências próprias, sendo a vigência do artigo 145º-L, nº 2, do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, anterior à data da propositura da presente acção, e por isso mesmo previsível o quadro jurídico que veio a colocar-se e que configuraria seguramente, a breve trecho, a inevitável extinção da instância.
V–Pelo que a responsabilidade pelo pagamento das custas segue a regra geral prevista no artigo 536º, nº 3, do Código de Processo Civil, isto é, a cargo dos AA.
VI–Compete, em exclusivo, à jurisdição administrativa o conhecimento da eventual acção de nulidade ou anulação que seja proposta com vista à declaração de invalidade da transferência de activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um banco de transição, na sequência das deliberações do Banco de Portugal, tendo os AA. à sua disposição essa via de tutela jurisdicional com vista a invocar a invalidade da deliberação constitutiva do banco de transição.
VII–Independentemente da validade dos citados actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal dever realizar-se no foro administrativo, não poderá a jurisdição comum deixar, por aquele motivo, de apreciar da constitucionalidade material das disposições legais que habilitaram o Banco de Portugal a enveredar pela medida de resolução bancária relativamente ao Banco Espírito Santo, S.A., uma vez que os AA. sustentam que os respectivos efeitos ofenderam directamente o seu direito de propriedade, garantido constitucionalmente nos termos do artigo 62º, da Constituição da República Portuguesa.
VIII–A eventual e presumível afectação patrimonial dos valores em que se consubstancia o direito invocado pelos AA. prende-se directa e necessariamente, com os especiais motivos subjacentes à necessidade de resolução bancária do Banco Espírito Santo, S.A., concretamente com a fundamentação, finalidades e alcance da deliberação da adopção pela entidade reguladora e fiscalizadora competente, o Banco de Portugal, de um conjunto de medidas que tiveram por objectivo acudir a uma grave situação de crise bancária, procurando a todo o transe assegurar a continuidade da actividade da instituição sob resolução e obviar aos enormes riscos sistémicos que poderiam advir para a economia nacional, para a credibilidade da banca em geral e para a confiança dos agentes económicos em geral.
IX–Neste contexto, a actuação do Banco de Portugal não poderia, logicamente, passar, na primordial salvaguarda do interesse público, por operar uma mera, inócua e inconsequente transmissão das relações jurídicas financeiras tituladas pela instituição financeira para outra entidade que as recebesse integralmente, passando precisamente a arcar com as dificuldades pré-existentes, sujeitando-se dessa forma à perda a confiança dos mercados e potenciar ilimitadamente o contágio.
X–Igualmente o princípio do primado do direito comunitário na ordem jurídica nacional, plasmado no artigo 8º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, justifica, legitima e consolida juridicamente as soluções adoptadas pelo Banco de Portugal na intervenção de resolução bancária a que teve de proceder, numa situação de absoluta emergência e excepcionalidade.
XI–Não podendo o direito de propriedade ser considerado como um direito absoluto, não deve considerar-se que a transferência das situações patrimoniais do BES para o Novo Banco de transição, através dos critérios de selecção concretamente seguidos, haja redundado em qualquer tipo de inconstitucionalidade, mormente pela violação dos comandos ínsitos nos artigos 62º e 101º da Constituição da República Portuguesa.
XII–A garantia constitucional à propriedade privada estabelecida no artigo 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, não obriga ao reconhecimento genérico de direito subjectivo do credor à satisfação do seu crédito, precisamente por tal não constituir uma faculdade nuclear do seu direito de crédito, o que apenas sucede com os meios ou instrumentos essenciais à tutela da garantia patrimonial do credor
XIII–A intervenção reguladora do Banco de Portugal – e em concreto a resolução bancária operada –, tendo em conta todo o circunstancialismo factual que se deixou enfatizado, respeitou indiscutivelmente os princípios gerais da adequação, necessidade e proporcionalidade, encontrando-se em estreita conformidade com o princípio constitucional ínsito no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
XIV–As finalidades essenciais expressas no artigo 139º, nº 2, do RGICSF foram efectivamente prosseguidas, havendo sido as medidas adoptadas aquelas que a gravidade da situação e os ditames do interesse público geral (manutenção em funcionamento da instituição de crédito; salvaguarda dos depositantes; defesa do erário público; afastamento do risco sistémico e da desagregação do tecido social, empresarial e económico) claramente exigiam e impunham, sem outro tipo de alternativas viáveis e realistas.
XV–Não é aplicável, na situação sub judice, o disposto no artigo 118º, nº 1, alínea a) e o artigo 122º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais, na medida em que a especial natureza do banco de transição (Novo Banco, S.A.) a afasta, conforme resulta expressamente do nº 10, do artigo 145º-O do RGICSF, tal como é corroborado no Aviso do Banco de Portugal nº 13/2012, de 8 de Outubro de 2012.
XVI–Encontramos perante normas jurídicas pertinentes a um regime jurídico especial ao qual não é aplicável directamente o regime geral do Código das Sociedades Comerciais, devendo notar-se que a cisão de sociedades comerciais constitui um instrumento jurídico de reorganização e reestruturação societária através do qual uma sociedade se converte em duas ou mais sociedades, encontrando-se ligada ao processo de especialização da economia e de outsourcing, consubstanciando-se no destaque de parte do património de uma sociedade para com ele formar outra sociedade ou ser incorporado numa sociedade já existente, enquanto, diferentemente, a resolução bancária consiste na reestruturação de uma instituição, servindo finalidades profundamente diversas da mera cisão de sociedades comerciais, a saber: a de assegurar a continuidade dos serviços financeiros essenciais; acautelar o risco sistémico; salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público; salvaguardar a confiança dos depositantes.
XVII–Não se verifica, na situação sub judice, um dos requisitos essenciais da cisão de sociedades comerciais, concretamente o da integração dos anteriores accionistas na nova sociedade.
XVIII–Não se vê, ainda, que a deliberação de resolução do Banco Espírito Santo, S.A., tenha, por si, penalizado ou agravado a posição jurídica dos AA., quando comparada com a que se verificaria perante a liquidação do Banco Espírito Santo, S.A., sendo certo que, nos termos do artigo 145º H, nº 16, do RGICSF competirá ao Fundo de Resolução suportar a diferença caso se venha a concluir que os Autores tiveram um prejuízo com a resolução superior ao que teriam tido se o Banco Espírito Santo, S.A., entrasse em liquidação (como sucedeu).
XIX–O direito de crédito de que os AA. se arrogam apenas beneficia da garantia geral prevista no artigo 601º, nº 1, do Código Civil, não se tratando de um crédito privilegiado ou objecto de garantia real, enquanto que o Fundo de Resolução, cujos recursos têm a sua fonte prevista nos artigos 153º-F e 153ºM, do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dispõe claramente de condições para adquirir liquidez necessária a procurar responder aos compromissos que legalmente lhe incumbam.
XX–Tendo sido formulado pedido ilíquido pelo A. e não se mostrando possível, nem sendo minimamente realista, determinar no âmbito da presente causa, a concreta vantagem económica que com tal pedido será assegurada aos demandantes, deverá então recorrer-se a critérios de equidade para a fixação do valor da causa.
XI–A solução oposta, contabilizando a soma de investimento realizados pelos AA. que os mesmo tendem a recuperar, acaba por redundar num profundo e injusto gravâme económico para os AA., através do valor excessivo de pagamento de custas que implicará, sem posibilidades algumas de lhes vir a acarretar, nos tempos mais próximos, qualquer real vantagem económica.

Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Assunto:
BES/Novo Banco. Extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil) relativamente ao Réu BES. Ilegitimidade substantiva do Réu Novo Banco, S.A. A resolução bancária enquanto acto administrativo cuja apreciação da respectiva validade compete ao foro administrativo e não aos tribunais comuns. Juízos de inconstitucionalidade. Ausência de transferência dos créditos invocados pelos AA. do Banco Espírito Santo, S.A., em liquidação para o Novo Banco, S.A. Pretensa aplicação do regime do Código das Sociedade Comerciais (artigos 118º, nº 1, alínea a) e 112º, nº 2). Alegado agravamento da posição dos AA. em paralelo com o que sucede na liquidação do Banco Espírito Santo. Valor da causa. Critérios de equidade.
 
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção ).


I–RELATÓRIO:


Intentaram ... MANUEL F…. ... e ... ... MENDONÇA ..., casados entre si, a presente acção declarativa, com processo comum, contra:
1.º– Banco Espírito Santo, S.A., com sede social na Rua Barata Salgueiro, 28, 6.º andar, 1250-444 Lisboa; e
2.º– Novo Banco, S.A., com sede na Avenida da Liberdade, 195, 1250-142 Lisboa.
3º– EDUARDO …………, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração do Novo Banco, S.A..
Os autores apresentaram, posteriormente, desistência da instância relativamente ao réu EDUARDO ………., que foi homologada por sentença.

Alegaram essencialmente:
São titulares de acções preferenciais Poupança Plus, Eg Premium 2 e Ea 8 Xs, no valor de € 389.000,00;
Tais acções foram adquiridas, entre Abril de 2013 e Março de 2014, nos balcões do Banco Espírito Santo, S.A. (BES), com base em conselhos e informações falsas dos respectivos funcionários e em contrário do perfil e instruções dos AA., que estavam convencidos de que o seu dinheiro estava a ser investido em aplicações com garantia de capital e taxa de juro, nos mesmos termos que um depósito a prazo;
O BES assumiu o compromisso firme e efectivo de garantia de retorno da importância aplicada, com juros, no período convencionado;
Até ao momento os AA. não foram reembolsados da quantia investida, nem dos juros à taxa contratada;
Em consequência da operação de resolução do BdP, a obrigação de recompra das acções em causa transmitiu-se para o R. Novo Banco, sendo certo que se encontra reconhecida no respectivo Balanço de 2014;
A operação de resolução adoptada pelo BdP relativamente ao BES, em 03.08.2014, subsume-se a uma cisão-simples, pelo que, nos termos do art. 122.°, n.° 2 do Código das Sociedades Comerciais, o R. Novo Banco responde, solidariamente, pelas dívidas do BES, até porque a responsabilidade pela dívida resultante das aplicações fiduciárias mencionadas não se encontra abrangida por nenhuma das excepções determinadas pelo BdP;
A transferência de activos para o Novo Banco, sem a transferência de responsabilidades constituiria um violação do art. 62.°, n.° 1 da CRP, sendo certo que a directiva 2014/59/EU, e os art. 63.°, n.° 1, als. c) ou d), e no art. 145°-G, n.° 1 do RGIF apenas conferem ao BdP poderes para transferir para o Banco de transição determinadas acções ou instrumentos, mas não poderes para determinar quais as responsabilidades do Banco de transição.
O Réu Banco Espírito Santo, S.A. - Em liquidação, requereu, em contestação, que se declarasse a extinção da instância quanto a si, por inutilidade superveniente da lide, por ter sido revogada a autorização para o exercício da sua actividade bancária, que produz os efeitos da insolvência, tendo, de resto, o Banco de Portugal (BdP) requerido a sua liquidação judicial.

Os AA. responderam por escrito, pronunciando-se pelo indeferimento do requerido, defendendo, em suma, terem reclamado o crédito subjacente à presente acção no processo de insolvência do Banco Espírito Santo, SA (BES), o qual, se não for reconhecido definitivamente nesse processo, deverá ser graduado como crédito sob condição suspensiva, razão pela qual a presente acção não perdeu interesse e fundamento.

O Réu Novo Banco contestou, invocando a excepção dilatória da sua ilegitimidade passiva e propugnando pela total improcedência da acção, por, em suma, não existir à data dos factos alegados na petição inicial, sendo alheio a qualquer negociação havida entre os AA. e o BES e às vicissitudes ocorridas com os valores entregues pelos AA., sendo certo que a deliberação do BdP de 29.12.2015, que retroage os seus efeitos a 03.08.2014, exclui a transferência para o Réu de eventuais responsabilidades do BES assumidas na comercialização e intermediação de acções preferenciais, e que no seu Balanço estão, apenas, previstas operações de venda de títulos com acordo de recompra, que nada têm que ver com as acções preferenciais referidas pelos AA.

Os AA. responderam, por escrito, mantendo a posição já expressa na petição inicial.

O senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância proferiu decisão quanto ao valor da causa, fixando-o em € 394.000,00.

Justificou tal decisão, datada de 4 de Janeiro de 2017 nos seguintes termos:
“Na presente acção os AA. pedem a condenação solidária dos RR. a indemnizá-los dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e dos danos morais, que computam simbolicamente em € 5.000,00.
Alegam, em síntese, que, são titulares de acções preferenciais no valor de € 389.000,00, que adquiriram nos balcões do Banco Espírito Santo, S.A. (BES), com base em conselhos e informações falsas dos respectivos funcionários e em contrário do perfil e instruções dos AA., que estavam convencidos de que o seu dinheiro estava a ser investido em aplicações com garantia de capital e taxa de juro, nos mesmos termos que um depósito a prazo, sendo certo que até ao momento os AA. não foram reembolsados da quantia investida, nem dos juros à taxa contratada.
Atribuem à acção o valor de € 50.000,01, sem explicitar os critérios em que assentam tal valor.
Ora, nos termos do artigo 296.°, n.° 1 do NCPC, “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”, sendo que, “se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa” e que “cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles (...)” (cfr. art. 297.°, n.° 1 e n.° 2 do NCPC).
A circunstância de os AA. deduzirem um pedido ilíquido (condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais a apurar posteriormente), não invalida o exposto, pois que, mesmos os pedidos genéricos, deduzidos nos termos previstos no art. 556.° do NCPC, hão-de ter um valor (cfr. art. 299.°, n.° 4 do NCPC).
Tal valor, sendo desconhecido à data da propositura da acção, terá de ser presumido e  determinado de acordo com critérios de probabilidade, assentes em juízos de prognose  póstuma, com apelo aos dados de facto disponíveis e às regras da experiência (cfr., neste sentido, Salvador da Costa, Dos Incidentes da Instância, Almedina, 1999, p. 33 e 34).
É este, também, o ensinamento de Alberto dos Reis, Comentário, volume III, página 643, segundo o qual o A. deve fixar o valor inicial em quantitativa correspondente “ao valor económico provável que atribui à acção.”
De resto, diga-se, tal valor é essencial para, nomeadamente, se calcular a sucumbência das partes e, desta forma, apurar da recorribilidade da decisão que apreciar os pedidos formulados (cfr. art. 629.°, n.° 1 do NCPC).
Ora, no caso vertente, os AA. defendem que é impossível, neste fase, quantificar os danos por si sofridos, por não se ter procedido, ainda, à liquidação das sociedades a que respeitam as acções preferenciais, desconhecendo se, nesse processo de liquidação, reverterá alguma quantia para si.
Tal não impede, salvo melhor opinião, que atribuam à acção um valor provável, nos termos sobreditos.
Com efeito, analisada a petição inicial requerimento dos AA. de 31.10.2016 (fls. 361 e segs.), é possível concluir que os AA. consideram que o seu prejuízo consiste no valor do investimento que fizeram acrescidos dos juros remuneratórios acordados e dos juros moratórios legais contabilizados desde a maturidade das aplicações.
Desta forma, o montante do prejuízo dos AA. há-de corresponder, desde logo, à quantia de € 389.000,00.
Quanto aos invocados lucros cessantes, mostra-se impossível proceder ao cálculo dos vencidos à data da propositura da acção (nos termos impostos pelo art. 297.°, n.° 2 do NCPC), por os AA. não alegarem quais as taxas de juro contratadas.
De resto, o facto de os AA. desconhecerem se algo receberão no processo de liquidação não os impede de quantificar os danos que sofreram.
É que mesmo que os AA. desconheçam quanto irão receber no âmbito do processo de liquidação, sabem, com certeza, que o seu prejuízo, à data da propositura desta acção, atingia,  pelo menos, € 389.000,00, na medida em que, nessa data, nada haviam ainda recebido.
Destarte, parece-nos linear que, seguindo a própria tese defendida pelos AA., a indemnização por danos patrimoniais a arbitrar nestes autos, ainda que em sede de liquidação de sentença, poderá ascender à quantia de € 389.000,00 (quantia que, de resto, balizará o montante máximo a arbitrar em liquidação posterior, se for esse o caso).
A esse valor há, ainda, que somar a quantia pedida a título de danos morais.
E, assim, ao abrigo do disposto no artigo 306.° do NCPC, fixo à acção o valor de € 394.000,00.
Custas do incidente pelos AA.”

Após, proferiu decisão final nos seguintes termos:
“1.- Em relação ao Réu Banco Espírito Santo, SA – Em Liquidação, julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide;
2.- Em relação ao Novo Banco, SA, julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade e, entendendo que o processo continha já os elementos necessários para ser proferida decisão de fundo, julgou a ação improcedente quanto a este Réu, absolvendo-o de todos os pedidos contra o mesmo deduzidos”.

Os AA. apresentaram recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação.

Juntas as competentes alegações, formularam os apelantes as seguintes conclusões:

DO VALOR DA ACÇÃO.
1.– A fixação do valor em € 394.000,00 vai ter reflexos nas custas processuais e naturalmente condicionaria os lesados a recorrer a tribunal, tanto mais que puseram no BES todas as suas poupanças de uma vida inteira de trabalhos e sacrifícios e encontram-se em situação e carência económica.
2.– O art.º 297.º, n.º 1/CPC, com a interpretação da douta sentença recorrida, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio constitucional do direito de acesso à justiça mediante um processo justo e equitativo, consignado no art.º 20.º da Constituição.
3.– A douta sentença recorrida, neste segmento, violou os art.ºs 297º, n.º 1 e 306.º/CPC, assim como o art.º 20º da Constituição.
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE QUANTO AO BES, S.A., EM LIQUIDAÇÃO
4.– Como no processo de insolvência se vai liquidar o património do devedor insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, sob pena de nada poderem vir a receber depois de excutido o património.
5.– Para os créditos serem contemplados no processo de insolvência têm naturalmente de ser reclamados (art.º 128.º), não sendo necessário uma sentença com trânsito em julgado.
6.– Mesmo o credor que tenha o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não está dispensado de reclamar o seu crédito (artº. 128/3 CIRE), porque só no processo de insolvência esse crédito pode ser executado, por se tratar de um processo de liquidação universal.
7.– A declaração de insolvência determina a apensação das acções de natureza exclusivamente patrimonial em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, bem como a suspensão e extinção das acções executivas.
8.– Mas, este regime, moldado nos princípios do processo de insolvência, não é extensível às demais acções declarativas.
9.– Se essa fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expressado, sem limitações, como, aliás, fez em relação às acções executivas (art.º 88.º).
10.– Se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º al. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente.
11.– A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.
12.– Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, é natural que as acções executivas a correr se suspendam ou se extingam.
13.– Naturalmente que, se na acção declarativa, houver outros Réus, a extinção da instância opera apenas quanto ao Réu devedor insolvente, prosseguindo os seus termos contra os demais Réus, como, aliás, está consignado expressamente para as acções executivas (art.º 85.º, n.º 1 in fine e n.º 2).
14.– Se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância das acções declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente.
15.– Devendo, nesse caso, o seu crédito ser contemplado e devidamente acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.
16.– Nesta conformidade, o art.º 181º n. 1 do CIRE dispõe que “Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição”.
17.– Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.
18.– Como resulta da nova redacção do preceito, a condição suspensiva não pode ser o crédito objecto do processo judicial, mas a própria decisão judicial, tanto mais que o legislador coloca em alternativa a condição suspensiva dependente de “(...) decisão judicial ou de negócio jurídico”.
19.– No actual quadro legislativo, só na falta da reclamação do crédito, se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º al. e) do CPC.
20.– Os Autores reclamaram o seu crédito, subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência do R. BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação, como é do conhecimento deste R..
21.– Não existe qualquer violação do princípio da igualdade dos credores.
22.– A douta decisão recorrida fez uma errada interpretação dos art.s 50º e 90º do CIRE e uma errada aplicação do art.º 277º al. e) do CPC.
23.– As causas de liquidação do BES são da sua responsabilidade.
24.– Pelo que, nos termos da parte final do art.º 536º do CPC, deverá ser o BES, ou, melhor, a massa insolvente, a suportar as custas da extinção da instância.

ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO CONTRA O R. NOVO BANCO, S.A.
25.– O BES, ao vender aos seus clientes, os ora AA., as acções preferenciais das SPVs Euroaforro, Poupança Plus e Eg Premium, actuou simultaneamente como banqueiro e como intermediário financeiro.
26.– Pelo que ficou sujeito às correspondentes obrigações e responsabilidades, nos termos do RGIF e do CVM.
27.– O BES, ao efectuar as operações de compra e revenda das referidas acções preferenciais, celebrou contratos de intermediação financeira, nos termos do art.º 321.º, n.º 1 do CVM.
28.– O art.º 74.º/RGIF estabelece que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
29.– Devendo a diligência ser apreciada de acordo como elevados padrões técnicos e comportamentais, tendo em conta o interesse dos Clientes, os riscos e a segurança das aplicações (art.º 75.º/RGIF).
30.– Em particular, as instituições de crédito devem informar os Clientes com clareza, na fase pré-contratual, fornecendo toda a informação e os elementos caracterizados dos produtos propostos (art.º 77.º e 77.º-A/RGIF).
31.– A informação respeitante a instrumentos financeiros deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art.º 7º/CVM)
32.– Existem três deveres distintos: o dever de recolha de informação e caracterização do investidor; o dever de avaliação de adequação e o dever de informação sobre a inadequação ou sobre a falta de informação obtida.
33.– A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente e ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio e, designadamente, não dar ênfase a quaisquer benefícios potenciais de uma actividade de intermediação financeira ou de um instrumento financeiro, sem dar igualmente uma indicação correcta e clara de quaisquer riscos relevantes e ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes (art.ºs 312. nº 2 e 312.º-A, nº 1 als. b), c) e d) do CVM).
34.– Existe uma proibição de intermediação excessiva (art.º 310º do CVM): se a operação não é adequada ao cliente - consequência de uma avaliação negativa - o intermediário financeiro não deve prestar o serviço (art.314-A nº 3 do CVM).
35.– Por força do art.º 321.º, n.º 3 do CVM, “Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores.”
36.– Nos termos dos artºs. 5.º e 6.º da Lei da CCG, incumbe à instituição de crédito o dever de comunicação e informação do conteúdo dos contratos ao Cliente, para que “tendo em conta a importância do contracto e a extensão e complexidade das Cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”.
37.– Conforme prescreve o art.º 5.º, n.º 3/CCG. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.
38.– Havendo conflito de interesses, o intermediário financeiro deve prestar informação escrita ao Cliente quanto à origem e natureza de qualquer interesse que possa ter nessa operação, para efeitos de este tomar uma decisão esclarecida e fundamentada (art.º 312, n.º 1, als. c) e n.º 2 do CVM).
39.– Os AA eram clientes do BES, pelo menos, desde 2006 e confiavam plenamente nos seus funcionários, os quais conheciam necessariamente o perfil, as necessidades e a vontade dos AA.
40.– Os funcionários do BES não podiam ignorar que os AA., como emigrantes, tinham um perfil conservador e queriam, naturalmente, aplicar as suas poupanças, fruto de um trabalho árduo e dos maiores sacrifícios, em produtos sem risco, com capital e juros garantidos.
41.– Contudo, os funcionários do BES promoveram as aplicações, contra os interesses e vontade dos AA., em instrumentos financeiros com risco, com a agravante de serem em entidades não financeiras e, portanto não sujeitas a supervisão prudencial.
42.– Acresce ainda, que as aplicações foram todas feitas em sociedades não financeiras do Grupo GES, o que agrava o risco.
43.– E, o BES não podia ignorar que as sociedades Poupança Plus, Euroaforro e Eg Premium eram SPVs, cujos activos eram compostos exclusivamente por obrigações do próprio BES, com vencimentos em 2049 e 2051, cupão zero, sem juros, sem valor de mercado, emitidas por causa das dificuldades financeiras do BES e do Grupo GES.
44.– Por conseguinte, o BES violou o direito de informação, prestando falsas informações e promovendo, em conflito de interesses, as aplicações de fundos dos AA. em SPVs dominadas pelo BES, situada nas Ilhas Jersey, com graves riscos.
45.– Existe, portanto, um comportamento ilícito do BES, presumindo-se a culpa, nos termos do art.º 304º- A nº 2 do CVM.
46.– Ao não cumprir as obrigações resultantes do estatuto com que actuou, o BES incorreu em responsabilidades contratual e pré contratual para com os AA.
47.– O BES criou nos AA. a falsa convicção de que estavam a aplicar as suas poupanças em depósitos a prazo, ou produtos equivalentes, com capital e juros garantidos.
48.– Tendo em atenção a formação e o perfil dos AA., que não são investidores qualificados, a proposta negocial do BES não pode deixar de ser interpretada como um compromisso firme de garantia daquele retorno aos AA. no prazo convencionado, de acordo com a teoria da impressão do declaratário (art.º 236.º n.º 1/CC)
49.– Acresce que essa era a vontade efectiva dos AA., que era do conhecimento do BES (art.º 236.º n.º 2/CC) e foram ainda essas garantias de retorno, que foram asseguradas pelo Banco, que levaram os AA. a celebrar o contrato com o BES.
50.– Trata-se, portanto, de um contrato de reporte nos termos do art.º 477.º do Código Comercial.
51.– O próprio BES reconhece, expressamente, essa responsabilidade nos artºs. 71º a 78º da sua douta contestação.
52.– A falta de reembolso das aplicações dos AA., fruto das poupanças de toda uma vida de trabalho e sacrifícios, causou nestes um grande sofrimento.
53.– Como resulta inequivocamente da al. a) do Anexo 2 da Deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, a actividade do BES, assim como todos os activos, são transferidos para o Novo Banco, sendo que as excepções pouco significado têm, como é do conhecimento geral e resulta até dos pressupostos da deliberação do BdP, tendo ficado o património do BES praticamente esvaziado de activos e com impossibilidade de reconstituição, já que a actividade bancária passou para o Novo Banco.
54.– Por outro lado, por força da mesma Deliberação, as responsabilidades do BES são transferidas para o Novo Banco, com excepção dos “Passivos Excluídos”, nos quais não se integra a responsabilidade efectiva perante os AA., ao contrário do que a douta sentença recorrida entendeu.
55.– Não parece correcto o entendimento da douta sentença, uma vez que a responsabilidade do BES perante os AA., é uma responsabilidade efectiva, decorrente de obrigações contratuais e pré-contratuais e não meras “responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida”.
56.– Tanto mais que o BdP se viu na necessidade de rectificar aquela Deliberação, através de outra tomada em 29 de Dezembro de 2015, em que integra nos “Passivos Excluídos” as responsabilidades perante os AA e outros emigrantes adquirentes das acções preferenciais.
57.– A deliberação do Banco de Portugal foi tomada ao abrigo dos art.ºs 145.º-G, n.º 1 e 145.º-H do RGIF. Mas, estas disposições, com a interpretação dada pela citada deliberação de 3 de Agosto do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a clarificação/rectificação da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, constitui uma manifesta violação do art.º 62.º da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida.
58.– A interpretação dada ao art.º 101.º da Constituição, pelas citadas deliberações do BdP, é ainda inconstitucional, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, dos AA., e as garantias dadas pelo artº 62º da Constituição.
59.– O que os AA. sustentam na presente acção é que as citadas disposições legais não podem ser interpretadas e aplicadas no sentido de o BdP ter poderes para eliminar ou restringir os direitos patrimoniais dos AA., interpretação essa que seria inconstitucional por violação dos direitos e garantias fundamentais, nomeadamente o art.º 62.º da Constituição.
60.– O que está em causa na presente acção não é a declaração de invalidade das deliberações do BdP, mas o reconhecimento de direitos patrimoniais dos Autores contra o BES e o Novo Banco e da sua violação ao abrigo de normas do RGICSF, que se consideram inconstitucionais, como resulta da p.i.
61.– A transferência dos activos sem os passivos e responsabilidades constituiria uma manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, que sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do art.º 62.º, n.º 1 da Constituição, que beneficia de uma protecção constitucional idêntica aos direitos e garantias fundamentais, por ter natureza análoga, por força do art.º 17.º da Constituição.
62. Como tal, a força jurídica que lhe é conferida pelo art.º 18.º da Constituição: Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
63.– E, conforme resulta imperativamente do art.º 18.º, n.º3 in fine da Constituição, requisito fundamental de quaisquer restrições a direitos e garantias fundamentais, é de não poderem ter por efeito “diminuir a extensão e o alcance dos preceitos constitucionais”.
64.– A interpretação do BdP às citadas normas do RGIF, constitui, ainda, uma clara violação da garantia do direito de propriedade consignada no art.º 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais.
65.– E, a interpretação dada àquelas disposições do RGIF pela deliberação do BdP de 29 de Dezembro de 2015 viola ainda o art.º 101.º da Constituição, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, dos AA., e as garantias dadas por aquele preceito da Constituição.
66.– As citadas disposições normativas não podem ser interpretadas no sentido de o Banco de Portugal ter poderes para restringir ou eliminar direitos subjectivos, o que sempre seria inconstitucional.
67.– Acresce que, nos termos em que foi realizada, a operação de resolução subsume-se a uma cisão-simples, nos termos do art.º 118.º, n.º 1 al. a)/CSC.
68.– Nesta conformidade, por força do art.º 122.º, n.º 2/CSC “As sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial.”
69.– Acresce que o próprio Novo Banco assumiu essa responsabilidade para com os subscritores de acções preferenciais, como resulta necessariamente do Balanço de 2014, declarando que os fundos provenientes das aplicações dos clientes nas SPV’s em causa, in casu, os AA., aparecem no activo, como “Recursos de Clientes”, como se pode ver a págs 140/141 do Balanço de 2014.
70.– Nem se diga, como pretende o R. NB, que os interesses dos credores se encontram assegurados, atendendo ao disposto no art.º 145-D, nº 1 al. c)15 do RGIF, segundo o qual “Nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação”.
71.– Este raciocínio do R. NB está viciado, porque a avaliação do património de uma sociedade, para efeitos de liquidação, pressupõe o encerramento da empresa e o valor da venda dos activos, que nada tem a ver com o valor da empresa em actividade.
72.– Aliás, in casu, o BES não se encontrava em situação de insolvência na altura da resolução. Apenas não apresentava os ratios impostos pelo BdP, após as correcções de imparidades resultantes de alguns relatórios de auditorias.
73.– E a actividade bancária do BES foi transferida para o Novo Banco, que se encontra a operar e cujas acções estão à venda.
74.– Em suma, a avaliação do património do BES, segundo um critério de liquidação, afecta substancialmente os direitos dos credores, nomeadamente dos ora AA.
75.– Por outro lado, atribuir ao Fundo de Resolução a responsabilidade pela indemnização dos credores (artigo 145.º-H n.º16 do RGIF16), afecta gravemente as garantias dos credores, porquanto, o Fundo de Resolução não dispõe de património líquido que possa servir de garantia aos credores, nomeadamente aos AA.
76.– Este tribunal deve deixar de aplicar qualquer deliberação do Banco de Portugal na parte em que viole normas ou princípios constitucionais.
77.– Conforme dispõe o art.º 204.º da Constituição “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
78.– Na fiscalização em concreto, o juízo de constitucionalidade está sempre dependente de uma causa submetida a julgamento e pressupõe a interpretação e aplicação a uma situação concreta de uma norma ou e um princípio da Constituição, por uma entidade pública ou por sujeito privado.
79.– Compete, portanto, ao tribunal a quo um juízo de constitucionalidade sobre as normas invocadas pelo Banco de Portugal para afastar as pretensões dos AA. perante o BES e o Novo Banco, conforme alegado pelo AA..
80.– Incumbindo aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art.º 202.º, n.º 2 da Constituição).
81.– E, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades. (art.º 205.º, nº 2 da Constituição).
82.– A douta sentença recorrida violou o atº 62º da Constituição e fez uma errada interpretação do art. 576º nºs 1 e 3 do CPC.

Concluiram, assim, que a sentença deve ser revogada e substituída por outra que:
a)- Fixe o valor da acção em € 50.000,01;
b)- julgue improcedente a excepção de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, quanto ao R. Banco Espírito Santo, S.A. - em liquidação e mande prosseguir a acção declarativa quanto a esse R.;
c)- não absolva do pedido o R. Novo Banco; e
d)- julgue procedente a presente acção e, em consequência, condene os RR. Banco Espírito Santo, S.A. – em Liquidação e Novo Banco S.A., solidariamente, a indemnizarem os AA. dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e dos danos morais no valor simbólico de € 5.000,00; ou, quando assim se não entenda;
e)- mande prosseguir a acção contra ambos os RR
Os RR. BANCO ESPIRITO SANTO, SA e o NOVO BANCO, SA, contra-alegaram sustentando, cada um deles, a improcedência do recurso e a manutenção da sentença proferida.
 
II–FACTOS PROVADOS.
1.– O Conselho de Administração do Banco de Portugal, a 03.08. 2014, deliberou o seguinte: «É constituído o Novo Banco, SA, ao abrigo do n.° 5 do artigo 145.°-G do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação» e «São transferidos para o Novo Banco, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 1 do artigo 145.°-H do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de Dezembro, conjugado com o artigo 17.°-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A a presente deliberação»;
2.– No art. 1° dos Estatutos do Novo Banco, S.A., que constituem o Anexo 1 à deliberação referida no ponto anterior, consta que o mesmo é constituído nos termos do n.° 3 do artigo 145.°-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("RGICSF"), aprovado pelo Decreto-Lei n. ° 298/92, de 31 de Dezembro”;
3.– No art. 3.° dos mesmos Estatutos, consta que «O Novo Banco, SA, tem por objecto a administração dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo, SA, para o Novo Banco, SA, e o desenvolvimento das actividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145.°-A do RGICSF, e com o objectivo de permitir uma posterior alienação dos referidos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito»;
4. No Anexo 2 à referida deliberação constam os critérios de identificação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo objecto de transferência para o Novo Banco, SA e que são: «(...) As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA, com excepção dos seguintes ("Passivos Excluídos"): (...) (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais; (vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a emissão de acções ou dívida subordinada; (vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo Espírito Santo. No que concerne às responsabilidades do BES que não serão objecto de transferência, estes permanecerão na esfera jurídica do BES. (...) Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre BES e o Novo Banco, SA, activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão, nos termos do artigo 145° H, numero 5 (...)»;
5.– A 11.08.2014, o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou “clarificar e ajustar o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espirito Santo, SA, transferidos para o Novo Banco, S.A.”, tendo, nomeadamente, deliberado que: «(...) H) A subalínea (v) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, passa a ter a seguinte redacção:“ Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais (...)»;
6.– A 29.12.2015, o Conselho de Administração do Banco de Portugal, relativamente ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.° 1 do Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 oras), na redacção que lhe foi dada pela deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (1 oras)”, adoptou uma deliberação com, no que ora releva, o seguinte teor:
(...)4.- Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para o exercício da actividade ou da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de activos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o “Poder de retransmissão). Poder de retransmissão encontra-se previsto no capítulo III (Resolução) do título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto.
(...)
7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Novo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES.
8.– A legitimidade processual do BES tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este parte, com base na alegada transferência para o Novo Banco das responsabilidades que se discutem naqueles processos, em que o BES era r u a 3 de agosto de 2014 e que respeitam a factos anteriores à aplicação da medida de resolução ao BES e por efeito da aplicação desta.
9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.° 1 do Anexo 2 da deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o Novo Banco.
(...)
12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas
conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser
reconhecida adequadamente a selecção efectuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do BES para o Novo Banco (decisão sobre o perímetro de transferência ), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência.
13.– Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o Novo Banco, e foi com base nesse cálculo que o fundo de resolução realizou o capital da instituição de transição.
14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do Novo Banco responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o Novo Banco seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado.
15. Este risco pode materializar-se ainda antes do trânsito em julgado das decisões judiciais se, de acordo com as regras contabilísticas, for entendido que, não obstante a decisão do Banco de Portugal, aquela materialização é provável.
16. Nos termos da lei, a decisão do Banco de Portugal sobre o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o artigo 145.°-A do  S (correspondente ao artigo
145.°-N do    RGICSF, em vigor à data de aplicação da medida de resolução ao BES).
17.– Questionar o referido perímetro de transferência fora do contencioso administrativo constitui um desvio à competência dos tribunais administrativos, legalmente estabelecida, e impede que o Banco de Portugal exerça a prerrogativa que a lei lhe confere de afastar, por motivo de interesse público, a execução de sentenças desfavoráveis, iniciando-se de imediato o procedimento tendente à fixação da indemnização de acordo com os trâmites definidos no Código do Processo nos tribunais Administrativos.
18. Decisões de tribunais judiciais que, directa ou indirectamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e a eficácia da medida de resolução.
19.Tem a presente deliberação o seguinte objectivo:
a.- Clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto;
b.- Se e na medida em que quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas do BES à data de 3 de agosto (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES e que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica nos termos da deliberação de 3 de agosto, sejam atribuídas ao Novo Banco, proceder à sua retransmissão, mediante o exercício do Poder de retransmissão, das referidas responsabilidades contingentes e desconhecidas (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) para o BES e
c.- Determinar que, de acordo com o disposto no n.° 7 do artigo 145.°-P e nos n.°s 2, 3 e 4 do artigo 145.°-G do RGICSF, o BES e o Novo Banco tomem as medidas previstas nesta deliberação por forma a conferir-lhe eficácia plena.
20. Face ao exposto e de forma a garantir a continuidade das funções essenciais desempenhadas pelo Novo Banco, encontram-se reunidos os pressupostos para o exercício do Poder de retransmissão, conforme previsto nesta deliberação, exercício que se afigura extremamente necessário, urgente e inadiável.
O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para seleccionar os activos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:
A)Clarificar que, nos termos da alínea (b) do n mero 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES.
B)Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco os seguintes passivos do BES:
(i)- todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES;
(...)
(vii)- Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo I.
C)Na medida em que, não obstante as clarificações acima efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014
D)O Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do Novo Banco praticarão todos os actos
necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões previstos na presente deliberação. Em particular e de acordo com o disposto no n.o 7 do artigo 145.°-P e nos n.°s 2, 3 e 4 do artigo 145.°-G do RGICSF, o Novo Banco e o BES devem:
(a)- Adoptar as medidas de execução necessárias à adequada aplicação da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BES, bem como de todas as decisões do Banco de Portugal que a complementam, alteram ou clarificam, incluindo a presente deliberação
(b)- Praticar todos os actos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas em (a), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter actos anteriores que tenham praticado contrários aquelas decisões.
(c)- Para efeito de cumprimento do disposto na alínea (b), requerer a imediata junção da presente deliberação aos autos em que sejam parte;
(a)- Adequar os seus registos contabilísticos ao disposto nas decisões do Banco de Portugal referidas em (a) e
(d)- Abster-se de qualquer conduta que possa por em causa as decisões do Banco de Portugal referidas em (a)(...)».

III–QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

Nota prévia:
Algumas das questões jurídicas suscitadas no presente recurso (exceptuando em particular a questão do valor) já foram objecto de análise, apreciação e decisão em várias decisões deste Tribunal da Relação de Lisboa, essencialmente convergentes, cuja argumentação mereceu a nossa inteira concordância e acolhimento, como se verificará infra.

Deixam-se registados os acórdãos que localizámos sobre esta temática:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 2017 (Ana Paula Boularot), publicado in www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Março de 2017 (relator Luís Filipe Sousa), publicado in www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Março de 2017 (relatora Carla Câmara), publicado in www.dgsi.pt, circunscrito à questão da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide do BES.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Março de 2017 (relator António Santos), publicado in www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Abril de 2017 (relatora Carla Câmara), publicado in www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Abril de 2017 (relatora Amélia Ribeiro), publicado in www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Maio de 2017 (relatora Ondina Alves), publicado in www.dgsi.pt, circunscrito à questão da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide do BES.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Maio de 2017 (relator António Valente), publicado in www.dgsi.pt, circunscrito à manutenção da aplicabilidade do acórdão uniformizador nº 1/2014.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Maio de 2017 (relator Ilídio Martins), publicado in www.dgsi.pt., que conclui pela extinção da lide por inutilidade superveniente quer relativamente ao BES, quer ao Novo Banco, S.A.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Maio de 2017 (relatora Anabela Calafate), publicado in www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Maio de 2017 (relator Luís Mendonça, publicado in www.dgsi.pt., onde se concluiu que “a lei é terminante ao excluir a possibilidade de o juiz sindicar no despacho de prosseguimento a legalidade material da revogação da autorização e que o conhecimento dos vícios que conduzam à invalidade das deliberações do Banco de Portugal de 3 de Abril de 2014 e de 21 de Dezembro de 2015 não pertence aos tribunais comuns, mas aos tribunais administrativos”.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Junho de 2017 (relator Carlos Marinho), publicado in www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Junho de 2017 (relatora Ondina Alves), publicado in www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Julho de 2017 (relator Jorge Leal), publicado in www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Setembro 2017 (relatora Conceição Saavedra), publicado in www.dgsi.pt.
Não objecto de publicação, até ao momento:
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Maio de 2017 (relatora Maria Catarina Manso).
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Junho de 2017 (relator Ilídio Martins).
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Junho de 2017 (relator Ilídio Martins), circunscrito à manutenção da aplicabilidade do acórdão uniformizador nº 1/2014.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Junho de 2017 (relatora Amélia Ameixoeira), circunscrito à manutenção da aplicabilidade do acórdão uniformizador nº 1/2014.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Junho de 2017 (relatora Carla Mendes).
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Junho de 2017 (relatora Teresa Prazeres Pais), circunscrito à falta de legitimidade substantiva do Réu Novo Banco, S.A.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Junho de 2017 (relator Ilídio Martins).
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Junho de 2017 (relatora Teresa Prazeres Pais), circunscrito à manutenção da aplicabilidade do acórdão uniformizador nº 1/2014.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Junho de 2017 (relator Ilídio Martins), circunscrito à manutenção da aplicabilidade do acórdão uniformizador nº 1/2014.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Junho de 2017 (relatora Rosário Gonçalves).
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Junho de 2017 (relatora Maria Alexandrina Branquinho).

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1– Da extinção da instância relativamente ao Réu BES. Responsabilidade pelas custas em caso de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

2– Da ilegitimidade substantiva do Réu Novo Banco. Respectiva absolvição do pedido.
2.1.- A resolução bancária enquanto acto administrativo cuja apreciação da respectiva validade compete ao foro administrativo e não aos tribunais comuns.
2.2.- Apreciação dos juízos de inconstitucionalidade invocados pelos recorrentes.
2.3.- Ausência de transferência dos créditos invocados pelos AA. do Banco Espírito Santo, S.A., em liquidação para o Novo Banco, S.A.
2.4.- Pretensa aplicação do regime do Código das Sociedade Comerciais (artigos 118º, nº 1, alínea a) e 112º, nº 2).
2.5.- Alegado agravamento da posição dos AA. em paralelo com o que sucede na liquidação do Banco Espírito Santo.

3–Do valor a fixar à causa. 
Passemos à sua análise:
1– Da extinção da instância relativamente ao Réu BES. Responsabilidade pelas custas em caso de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
A decisão recorrida decidiu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, relativamente ao Réu Banco Espírito Santo, S.A., – em liquidação, assentando tal veredicto no seguinte entendimento:
“… com a declaração de insolvência do devedor, transitada em julgado, deixa de ter interesse o prosseguimento da acção para o reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.
O que significa que mesmo proferida decisão de mérito nesta causa, ela de nada servirá aos autores se não reclamarem o seu crédito na falência e se nela não o virem reconhecido. Estando já reclamado este crédito, não existe interesse ou viabilidade na duplicação de decisões sobre tal matéria, uma vez que o juiz falimentar goza de competência plena para decidir estas questões, que se enquadram nos direitos de crédito sobre a insolvente.
Destarte, foi prolatado o Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 08.05.2013, DR 39, Série I, de 25.02.2104, segundo o qual: «Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.»
Excluem-se deste caso, os créditos sujeitos a condição suspensiva, considerando o disposto nos artigos 91º, 94º, 181º e 50º do CIRE, o qual dispõe o seguinte:
«1- Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aquela cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2- São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva: a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução; b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão; c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.»
Estes créditos cuja qualificação, no âmbito da insolvência, é muito mais abrangente, que no conceito do artº 270 do C.C., são os créditos cuja constituição está sujeita à verificação de um acontecimento futuro e incerto, que, por essa razão, não estão abrangidos pelo vencimento antecipado, constante do artº 90 nº1 do CIRE, sendo atendidos pelo seu valor nominal, devendo permanecer depositadas as quantias a que respeitam, até se verificar ou não a respectiva condição.
(…)
Sendo invocada nos presentes autos a responsabilidade do BES enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, a verificação dos pressupostos desta responsabilidade e a determinação do valor a ressarcir e do sujeito devedor, equivale apenas ao reconhecimento da existência do crédito, por via judicial, mas não à declaração ou reconhecimento de uma condição suspensiva ou resolutiva.
(…) o acórdão uniformizador de jurisprudência, apesar de anterior à alteração introduzida ao artigo 50º do CIRE (Lei 12/2012 DE 20/04), mantém ainda a sua plena actualidade, em relação à distinção entre créditos condicionais e créditos controvertidos, não pretendendo o legislador com esta alteração considerar como créditos condicionais, todos os créditos discutidos por via judicial.
Se a configuração do crédito como condicional no âmbito da insolvência é mais abrangente do que a constante do artigo 270º do C.C., exige-se ainda e sempre que a constituição ou subsistência deste crédito esteja dependente da verificação de um acontecimento futuro e incerto.
O crédito reclamado pelos autores não reveste natureza condicional, de acordo com o conceito delimitador que foi exposto, nem é invocada qualquer razão susceptível de o incluir nesta categoria, devendo assim entender-se que a presente acção não deve prosseguir os seus termos contra o insolvente, por força da aplicação da jurisprudência uniformizadora. Em consonância, não se vislumbra qualquer utilidade em suspender a instância a aguardar o decurso do processo de verificação de créditos no âmbito da liquidação judicial do BES.
Conclui-se assim que, com a revogação da autorização para o exercício da actividade do BES (equiparada à declaração de insolvência), não impugnada nos termos do artº 263 do TUE e definitiva, ocorreu uma causa de inutilidade superveniente da lide, quanto a este R.
Pelo exposto, ao abrigo do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, declaro extinta a instância relativamente ao Réu BES, actualmente em liquidação”.

Os argumentos fulcrais expendidos pelos recorrentes no sentido de contrariar a dita declarada extinção da instância por via da liquidação do Réu Banco Espírito Santo, S.A., e ainda a decisão quanto à responsabilidade pelas custas do processo nessa parte, podem resumir-se nos seguintes termos:
1º– A circunstância do CIRE disponibilizar um processo para reconhecimento e impugnação dos créditos reconhecidos (cfr. artigos 129º a 140º do CIRE) não obsta à possibilidade de reconhecimento dos créditos comuns em processo autónomo. A celeridade e urgência do processo de insolvência, incompatíveis com a conhecida complexidade da liquidação do Banco Espírito Santo (havendo já entrado mais de 20.000 reclamações) e a perda de toda a tramitação processual já decorrida, são as razões que aconselham tal reconhecimento em acção autónoma.
2º– O acórdão uniformizador nº 1/2004 perdeu a sua validade porque respeita a uma situação decidida ao abrigo de um quadro legislativo diferente. Com a nova redacção do artigo 50º, nº 1, do CIRE, o legislador tomou posição clara no sentido de considerar expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão. Como resulta da nova redacção do preceito, a condição suspensiva não pode ser o crédito objecto do processo judicial, mas a própria decisão judicial. Ficou claro que as acções declarativas contra o devedor insolvente são fundamento da graduação do respectivo crédito sob condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da sentença, só ficando impossibilitadas de alcançar o seu efeito útil normal se o crédito subjacente não for reclamado no processo de insolvência, nos termos do CIRE. Logo, só na falta dessa reclamação se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287º, alínea e) do Código de Processo Civil.
3º– O presente crédito, reclamado no processo de insolvência do BES, deve ser considerado como crédito sob condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da presente acção, e ser acautelado, nesse processo, nos termos do artigo 181º do CIRE para efeitos de rateio e pagamento.
4ª– Prosseguindo sempre a presente acção contra o Ré Novo Banco, a deslocação para o processo de insolvência do apuramento da responsabilidade do BES – devedor solidário – poderia levar a decisões contraditórias relativamente aos mesmos factos.
5ª– Nos termos da parte final do artigo 536º, nº 3, do Código de Processo Civil, as custas de liquidação do BES são da sua responsabilidade, pelo que deverá ser este, ou melhor, a massa insolvente, a suportar as custas da extinção da instância.    

Analisando:
Pontos 1º a 3º - A situação em apreço, no que se refere ao Réu Banco Espírito Santo, S.A., em liquidação, integra-se de pleno no âmbito de aplicação do acórdão uniformizador nº 1/2014, de 8 de Maio de 2013, nos termos do qual: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287º do Código de Processo Civil”.
Nesse aresto enfatizou-se que “…não dispondo a A., ao tempo da declaração de insolvência da R., de sentença proferida na acção pendente, a mesma, enquanto credora da insolvente, apenas poderá exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código (CIRE) e durante a pendência deste processo, como prescreve o seu artigo 90º”.

É precisamente o que sucede in casu: já transitou em julgado a sentença que declarou a liquidação do Réu Banco Espírito Santo, S.A., encontrando-se agora pendente a presente acção declarativa proposta por alegados credores destinada a ver reconhecido e obter o mesmo crédito que deverá ser reclamado, obrigatoriamente (artigo 128º, nº 3, do CIRE), no processo de insolvência/liquidação respectivo.
Nos precisos termos do artigo 8º[1], nº 2, do Decreto-lei nº 199/2006, de 25 de Outubro[2], a decisão de revogação da autorização de actividade bancária produz os efeitos da declaração de insolvência.
Tal liquidação/insolvência do Banco Espírito Santo, S.A., resulta igualmente da circunstância do Banco Central Europeu (BCE), em 13 de Julho de 2016, haver revogado a autorização do Banco Espírito Santo, S.A. (“BES”) para o exercício da actividade de instituição de crédito[3].
Tendo os créditos que ser reclamados no processo de insolvência, ficando sujeitos à impugnação dos interessados, nos termos do artigo 130º, nº 1, do CIRE, perdeu naturalmente toda a sua utilidade a presente acção declarativa.
Cumpre tomar em especial consideração que a sentença que verifique o crédito reclamado tem força executiva fora e dentro do processo em que teve lugar, diferentemente do que sucede com a sentença que venha a ser proferida na acção pendente por crédito anterior à liquidação do Banco Espírito Santo, S.A.
A solução processual que se impõe é assim lógica e clara: a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil, seguindo a orientação definida pelo acórdão uniformizador em referência[4].
Contrariamente ao defendido pelos recorrentes, não se vislumbra que a actual redacção do artigo 50º, nº 1, do CIRE, ao estabelecer que “Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou não de um acontecimento futuro e incerto, por força de lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico”, tenha dado azo à invalidade/inutilidade da doutrina consagrada nesse acórdão uniformizador, tornando-o pretensamente inaplicável à situação sub judice, conforme defendem os ora recorrentes.
Na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, dispunha o artigo 50º, nº 1 do CIRE: “Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto tanto por força da lei como de negócio jurídico”.
Entendeu o legislador por bem acrescentar agora à configuração dos créditos sob condição suspensiva aqueles cujo acontecimento futuro e incerto assente (para além de disposição legal ou de negócio jurídico) numa decisão judicial.
O único propósito proclamado e assumido pelo legislador ao aprovar a citada Lei foi o de “simplificar formalidades e procedimentos e instituir o processo especial de revitalização”, nada mais esclarecendo acerca dos seus concretos desígnios inovatórios.
A nosso ver, o que está aqui em causa terá a ver, designadamente, com a possibilidade de prolação de sentenças de condenação condicional, devendo os respectivos créditos serem absolutamente equiparados aos créditos sujeitos a condição suspensiva por força de negócio jurídico ou da lei.
Sendo certo que o nosso ordenamento jurídico não admite as denominadas sentenças condicionais[5], é contudo pacífico que comporta, sem qualquer problema ou dificuldade, a prolação de sentenças condenatórias condicionais[6].
Na sentença condenatória condicional não é colocada sob condição a declaração do direito, mas apenas a eficácia ou a exigibilidade da pretensão judicialmente reconhecida.
Da simples introdução da referência a “decisão judicial” no elenco dos factos que estão na base dos créditos sujeitos a condição suspensiva, nos termos do artigo 50º, nº 1, do CIRE, não resulta que todos os créditos controvertidos, objecto de futuro (eventual) reconhecimento em acção declarativa comum, e que, por isso mesmo, aguardam a prolação de decisão judicial (favorável) deixem, por esse motivo, de ser reclamados no processo e em conformidade com as regras próprias do processo de insolvência e de ser abrangidos pelos efeitos que resultam directamente da aplicação do artigo 90º, do CIRE, o qual é absolutamente peremptório ao estabelecer que: “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”.
Em suma um crédito controvertido não constitui um crédito condicional, conforme parece pressupor a tese ora defendida pelos apelantes.
Neste preciso sentido, vide ... Fernandes e João Labareda, in “ CIRE Anotado”, página 236, onde referem: “Não foi intenção do legislador considerar que todas as acções declarativas individualmente intentadas contra o insolvente sejam fundamento de graduação do respectivo crédito sob condição suspensiva”.

De resto, o crédito objecto de acção declarativa destinada ao seu reconhecimento judicial não pode ser considerado exigível relativamente à pessoa demandada nessa acção – in casu o Banco Espírito Santo, S.A -, estando precisar por apurar os respectivos pressupostos de facto e de direito, que podem demonstrar-se ou não.

Conforme, com total clarividência, se escreve a este respeito no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Abril de 2017 (relatora Ondina Alves), publicado in www.dgsi.pt: “No caso dos autos mostra-se invocada a responsabilidade do BES, enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, perante o autor, através da verificação dos pressupostos desta responsabilidade e da determinação do valor a ressarcir e do sujeito devedor, o que pressupõe o reconhecimento da existência do crédito, e não a declaração ou reconhecimento de uma condição suspensiva ou resolutiva, pelo que o Tribunal apenas poderia emitir, se for caso disso, um juízo declarativo sobre a existência do crédito invocado pelo autor e a consequente condenação do Réu".

Os créditos que os AA. pretendem ver reconhecidos em juízo não se integram portanto, juridicamente, nos denominados créditos sob condição suspensiva a que aludem os artigos 50º e 181º do CIRE.

O seu reconhecimento – a prosseguir a presente acção declarativa de condenação – depende apenas e só da prova dos fundamentos de facto e de direito que deverão sustentar a pretensão indemnizatória.

Não se encontram, na sua substância, subordinados a qualquer evento futuro e incerto de que dependa a produção dos respectivos efeitos, conforme a figura genérica da condição, prevista no artigo 270º do Código Civil, pressupõe.

Não se pode considerar, de modo algum, que a sentença judicial proferida na acção declarativa, que – a ser procedente - se limita a reconhecer a pré-existência do crédito de que os AA. se arrogavam – acontecimento verificado no passado -, assuma, originariamente, a natureza de facto constitutivo desse mesmo direito subjectivo, o que constituiria uma flagrante e insanável contradição nos seus próprios termos.

Nem a própria liquidação da quantificação do crédito invocado[7] – pressupondo a procedência da acção –, embora futura, pode tecnicamente constituir qualquer tipo de condição, desde logo pelo seu carácter absolutamente certo (os pressupostos de facto e jurídicos do direito indemnizatório encontram-se, então e desde logo, definitivamente definidos e assentes).

Por outro lado, é o artigo 128º, nº 3, do CIRE, que obriga o credor que tenha em seu favor uma sentença definitiva - de reconhecimento do seu crédito - a reclamá-lo no processo de insolvência, sob pena de nele não obter pagamento, sendo certo que a qualquer dos restantes credores do insolvente assiste a faculdade de impugná-lo, nos termos gerais do artigo 130º, nº 1, do CIRE.

Logo, as razões para a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide que presidiram ao acórdão uniformizador nº 1/2014, de 8 de Maio de 2013 mantêm-se totalmente incólumes e vigentes na situação sub judice

Refira-se outrossim que não colhe o argumento de que a ”celeridade e urgência do processo de insolvência, incompatíveis com a conhecida complexidade da liquidação do Banco Espírito Santo (havendo já entrado mais de 20.000 reclamações) e a perda de toda a tramitação processual já decorrida, são as razões que aconselham tal reconhecimento em acção autónoma”.

A imperatividade da regra consignada no artigo 90º do CIRE é totalmente independente da circunstância de se impor celeridade e urgência na tramitação do processo especial de insolvência, o qual – não obstante presumivelmente célere - terá forçosamente que compaginar-se com a enorme complexidade dos autos de verificação e graduação de créditos perante a mais de 20 mil reclamações que já deram entrada em juízo.

Convém não esquecer que nos encontramos perante uma situação de contornos absolutamente excepcionais e invulgares – a inesperada queda de um império financeiro de referência, a nível nacional e internacional -, de incontrolável complexidade, que por si não pode obviar ao funcionamento e aplicação pelo intérprete das regras gerais e comuns estabelecidas para qualquer processo especial de insolvência, sem tratamento preferencial, particular, ou procedimentos processuais singulares ou exclusivos.

Fundamental, sim, é evitar a violação do princípio “par conditio creditorum” – isto é, a necessidade de conferir tratamento igualitário a todos os credores da mesma categoria - garantindo a plenitude da instância insolvencial, concentrando nessa sede todas as pretensões de todos os credores, assegurando um tratamento processual de plena e absoluta paridade (que se justifique) entre todos e cada um deles[8]

Ponto 4º - A circunstância da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, não obstar, por si, ao prosseguimento da acção contra o Ré Novo Banco, S.A. – banco de transição, fruto da operação de resolução bancária operada pelo Banco de Portugal, enquanto entidade reguladora e de supervisão competente -, constitui uma consequência inerente ao enquadramento jurídico aplicável.

Acontece nesta situação particular como em todas as outras de características similares, sem que alguma vez se haja suscitado conclusivamente – ao que se sabe - qualquer objecção relacionada com a, sempre possível, eventual contraditoriedade de julgados.

Tal possibilidade (de contraditoriedade de julgados) – que é real – constitui apenas um risco que o sistema, existindo tal como existe, aceitou comportar, tal como sucederá em todos os outros casos semelhantes.

Por si, não obsta, como é óbvio, ao reconhecimento dos fundamentos legais para a declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo da alínea e) do artigo 277º, do Código de Processo Civil.

Ponto 5º– Quanto à responsabilidade pelas custas da extinção da instância com tal fundamento:
Dispõe o artigo 536º, nº 3, do Código de Processo Civil: “Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se a impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.

Na situação sub judice, não pode considerar-se que a impossibilidade do prosseguimento da lide se tenha ficado a dever a qualquer tipo de acção ou conduta do Réu Banco Espírito Santo, S.A, em liquidação, mas a factores que lhe são externos, mormente a intervenção, necessária e urgente, do Banco de Portugal através da resolução bancária e a posterior revogação da sua licença para o exercício da actividade bancária, o que foi realizado pelo Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da esfera das suas competências próprias.

Não foi a actividade a entidade bancária em causa que directamente provocou a extinção da instância, mas a actuação das entidades de controlo supervisão bancários que obrigaram, pelos motivos publicamente conhecidos, à respectiva liquidação (sem que exista qualquer certeza acerca da existência de fundamento substantivo para o atendimento da pretensão dos ora AA.).

Ora, a vigência do artigo 145º-L, nº 2, do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, onde se previa que: 2 - Se o Banco de Portugal aplicar as medidas referidas nas alíneas a) ou b) do n.o 1 do artigo 145.º-E isoladamente e transferir apenas parte dos direitos e obrigações, que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, deve revogar a autorização da instituição de crédito objecto de resolução num prazo adequado, tendo em conta o disposto no artigo 145.º-AP, seguindo-se o regime de liquidação previsto na lei aplicável” (em 31 de Março de 2015) é anterior à data da propositura da presente acção (28 de Fevereiro de 2016), sendo assim absolutamente previsível, para os AA., o quadro jurídico que veio a colocar-se, os quais, se houvessem analisado correctamente o enquadramento aplicável à pretendida responsabilização do Banco Espírito Santo, S.A., em liquidação, configurariam seguramente como inevitável, a breve trecho, a extinção da instância e a consequente responsabilidade pelo pagamento das custas do processado. 

Pelo que a responsabilidade pelo pagamento das custas segue a regra geral prevista no corpo da norma, isto é, a cargo dos AA.

Improcede, portanto, por todos estes motivos, a apelação dos recorrentes relativamente ao Réu Banco Espírito Santo, S.A. – em liquidação.
2– Da ilegitimidade substantiva do Réu Novo Banco. Respectiva absolvição do pedido.
2.1.– A resolução bancária enquanto acto administrativo cuja apreciação da respectiva validade compete ao foro administrativo e não aos tribunais comuns.
2.2.– Apreciação dos juízos de inconstitucionalidade invocados pelos recorrentes.
2.3.– Ausência de transferência dos créditos invocados pelos AA. do Banco Espírito Santo, S.A., em liquidação para o Novo Banco, S.A.
2.4.– Pretensa aplicação do regime do Código das Sociedade Comerciais (artigos 118º, nº 1, alínea a) e 112º, nº 2).
2.5.– Alegado agravamento da posição dos AA. em paralelo com o que sucede na liquidação do Banco Espírito Santo. 

A discordância dos recorrentes relação ao decidido em 1ª instância, quanto a esta matéria, assenta essencialmente nos seguintes argumentos:
1ª– A Constituição da República Portuguesa é clara no sentido de determinar que só os regulamentos do Governo, que revestem a forma de decreto regulamentar, são actos normativos (artº 112º, n.ºs 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa). Os artigos 145º-C, 145º-G e 145º - H do RGIF não podem ser interpretados e aplicados no sentido de o Banco de Portugal ter poderes para eliminar ou restringir os direitos patrimoniais dos AA., interpretação essa que seria inconstitucional por violação dos direitos e garantias fundamentais, nomeadamente o artigo 62º da Constituição, bem como o artigo 101º, e ainda o artigo 17º da Carta dos Direitos Fundamentais.
2ª– Nos termos da alínea b) do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2104, do Conselho de Administração do Banco de Portugal: “As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, S.A., com excepção dos seguintes (“Passivos Excluídos”). Dos “Passivos Excluídos” desta deliberação não constam os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por uma SPV criada pelo BES e vendidos aos seus balcões. Portanto, a deliberação de 3 de Agosto de 2014, na sua correcta interpretação, transferiu para o Novo Banco as responsabilidades para com os AA.
3ª– A transferência de activos para o Novo Banco, sem a transferência de responsabilidades, violaria o disposto no artigo 118º, nº 1, alínea a) e o artigo 122º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais e ainda o artigo 12º da 6ª Directiva (82/891/CEE), que não podem ser derrogados por decisão do Banco de Portugal.
4ª– Não obstante o Banco de Portugal poder seleccionar “os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição” (artigo 145º-H, nº 1, do RGIF), a lei não lhe atribuiu, nem poderia atribuir, poderes discricionários para determinar quais as responsabilidades do banco e transição que recebeu aqueles activos patrimoniais, sem respeito por direitos patrimoniais de terceiros constitucionalmente garantidos. O que está em causa no presente processo não é a invalidade da decisão do Banco de Portugal, que não se peticiona, mas os direitos de crédito dos AA. perante o BES e o Novo Banco, com protecção constitucional.
5ª– A obrigação de recompra das acções preferenciais Euro Aforro,Top Renda,Poupança Plusnão só se transmitiu para o Novo Banco, por efeito da respectiva operação de resolução, como se encontra reconhecida no respectivo balanço.
6ª– As deliberações de 29 de Dezembro de 2015 conduzem, no caso concreto, a que os AA. suportem um prejuízo superior ao que suportariam caso a instituição tivesse entrado em liquidação, violando, assim, o artigo 145º-D, nº 1, alínea c) do RGICSF.

Apreciando:

Concorda-se, basicamente, com a posição assumida pela 1ª instância, a qual apresenta fundamentação plenamente sólida e suficientemente convincente.
Passa a desenvolver-se a nossa análise sobre cada um dos pontos jurídicos fulcrais que se mostram decisivos para a improcedência da apelação:
2.1.– A resolução bancária enquanto acto administrativo cuja apreciação da respectiva validade compete ao foro administrativo e não aos tribunais comuns.
Cumpre, em primeiro lugar, salientar que as deliberações do Banco de Portugal (adoptadas ao abrigo de lei própria habilitadora), concretamente a resolução bancária (que constitui uma figura própria e específica do direito bancário, regulado especialmente pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF)[9]), traduzem-se  materialmente na prática de actos administrativos por sua natureza, os quais são da estrita e exclusiva competência da entidade reguladora e de supervisão nacional (o Banco de Portugal).
Trata-se, com efeito, de uma intervenção que o Banco de Portugal se encontra legalmente habilitado a assumir, nos precisos termos dos artigos 139º, nº 1, 140º, 140º-E, nº 4, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), tendo por objectivo a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, no especial contexto da prossecução do desígnio da defesa dos interesses dos depositantes e da estabilidade do sistema financeiro.
Não subsistem, desta forma, quaisquer dúvidas de que se encontram sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, conforme expressamente resulta do artigo 145º-AR, nº 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), com as alterações introduzidas pela Lei nº 23-A/2015, de 26 de Março, onde pode ler-se: “Sem prejuízo do disposto no artigo 12º, as decisões do Banco de Portugal que apliquem medidas de resolução, exerçam poderes de resolução ou designem administradores para a instituição de crédito objecto de resolução estão sujeitos aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, com ressalva das especialidades previstas nos números seguintes, considerando os interesses públicos relevantes que determinam a sua adopção”.
No mesmo sentido, vide o artigo 39º da Lei Orgânica do Banco de Portugal[10] que estipula: “Dos actos praticados pelo governador, vice-governadores, conselho de administração e demais órgãos do Banco, ou por delegação sua, no exercício de funções públicas de autoridade, cabem os meios de recurso ou acção previstos na legislação própria do contencioso administrativo, incluindo os destinados a obter a declaração de ilegalidade de normas regulamentares”.
Assim, competirá, em exclusivo, à jurisdição administrativa o conhecimento da eventual acção de nulidade ou anulação que seja proposta com vista à declaração de invalidade da transferência de activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um banco de transição[11].
É nessa especial e própria sede que tal matéria deverá ser discutida e decidida[12].
Terão os AA. à sua disposição essa via de tutela jurisdicional com vista a invocar a invalidade da deliberação constitutiva do banco de transição, designadamente através de algum do argumentário que desenvolvem nas presentes alegações de recurso[13].
Em contrapartida, não compete aos tribunais comuns pronunciarem-se acerca da invalidade substantiva ou formal desses mesmos actos administrativos[14].

2.2.– Apreciação dos juízos de inconstitucionalidade invocados pelos recorrentes.
Independentemente da circunstância da validade/invalidade dos mencionados actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal dever necessariamente realizar-se no foro administrativo, não poderá a jurisdição comum deixar, por aquele motivo, de apreciar da constitucionalidade material das disposições legais que habilitaram o Banco de Portugal a enveredar pela medida de resolução bancária relativamente ao Banco Espírito Santo, S.A., na medida em que os AA. sustentam que os respectivos efeitos ofenderam, substantiva e directamente, o seu direito de propriedade privada[15], garantido constitucionalmente nos termos do artigo 62º, da Constituição da República Portuguesa.
Tal discussão é inevitável e incontornável, atendendo ainda a que o artigo 204º da Constituição da República Portuguesa determina: “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.

Vejamos, portanto:

Adiantamos que, no que concerne à matéria de alegada violação de comandos de natureza constitucional que os AA. acusam (ofensa ao direito consignado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o imperativo constante do artigo 101º do mesmo diploma fundamental), entendemos não existir fundamento sério, do ponto de vista técnico jurídico, para extrair qualquer juízo de inconstitucionalidade relativamente à interpretação e aplicação das normas subjacentes às deliberações tomadas pelo  Banco de Portugal que estão aqui em causa e que foram indicadas supra.

Desenvolvendo e concretizando:

Dispõe o artigo 62º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa: “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”, acrescentando o seu nº 2: “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”[16].
Conforme sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada – artigos 1º a 107º”, a página 801: “O direito de propriedade é garantido “nos termos da Constituição” (nº 1, in fine). A fórmula parece supérflua, mas não o é: trata-se de sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e com as restrições previstas e definidas noutros lugares da Constituição (e na lei, quando a Constituição possa ela remeter ou quando se tratar de revelar limitações constitucionalmente implícitas) por razões ambientais, de ordenamento territorial e urbanístico, económicas, de segurança, de defesa nacional”.

Pode ler-se, sobre este ponto e com particular pertinência, no acórdão do Tribunal Constitucional de 13 de Julho de 1992 (relator Monteiro Diniz), publicado in www.tribunalconstitucional.pt:
“(…) não obstante o particular regime de que beneficia, o direito de propriedade privada está sujeito a diversas restrições.
A este respeito, poderá afirmar-se que além dos limites estabelecidos pela própria Constituição (…) deve entender-se que o direito de propriedade está indirectamente sob reserva das restrições estabelecidas por lei, dado que a Constituição remete em vários lugares para a lei (cfr. artigos 82º, 87º e 99º). Aliás, o próprio artigo 62º, inclui, ele mesmo, uma cláusula geral de expropriação por utilidade pública (nº 2) sendo esta evidentemente um caso limite das possíveis restrições legais ao direito de propriedade privada.
(…) uma coisa é a promoção do acesso de todas as pessoas à propriedade, outra o acesso de todos a todos os bens ou a qualquer extensão dos bens, assim como uma coisa é o acesso à propriedade e o direito de transmissão de bens em vida ou por morte, outra a não dependência dessa transmissão de quaisquer regras ou de quaisquer condições ou a não consideração na formulação das regras de outros interesses ou valores.
Quando o artigo 62º garante o direito à propriedade privada “nos termos da Constituição” quer sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares do texto constitucional”. 

Ora, não se vislumbra que o conteúdo das normas em que assentaram as deliberações tomadas pelo Banco de Portugal e a sua corresponde interpretação pelo tribunal a quo, tenha efectivamente redundado, de forma directa e efectiva, numa qualquer situação de privação ou remoção da propriedade privada sem contrapartida, mormente em relação aos clientes da entidade bancária em causa.

Tão pouco se consegue seriamente configurar a situação sub judice (ainda que em termos aproximados) como um caso de expropriação sem pagamento da respectiva compensação, ou de puro e inaceitável confisco, nos moldes sustentados pelos ora apelantes.

Nada disso se passa in casu, como nos parece óbvio.

A eventual ou presumível afectação patrimonial dos valores em que se consubstancia o direito invocado pelos AA. prende-se, directa e necessariamente, e nesse sentido tem que ser entendida, com os especiais motivos conjunturais subjacentes à necessidade de resolução bancária do Banco Espírito Santo, S.A., concretamente com a fundamentação, finalidades e alcance da deliberação da adopção pela entidade reguladora e fiscalizadora competente, o Banco de Portugal, de um conjunto de medidas que tiveram por objectivo acudir, sem delongas, a uma grave situação de crise bancária, procurando a todo o transe assegurar a continuidade da actividade da instituição sob resolução e obviar aos enormes riscos sistémicos que poderiam advir para a economia nacional, para a credibilidade da banca em geral e para a confiança dos agentes económicos em geral[17].

Consta sintomaticamente dos considerandos vertidos na acta da Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014:
“No dia 30 de Julho de 2014, o Banco Espírito Santo, S.A., divulgou, mediante comunicação à Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM), os resultados do Grupo Espírito Santo relativos ao primeiro semestre de 2014, que registam um prejuízo de 3.577, 3 milhões de euros.
(…) o Banco Espírito Santo, S.A. encontra-se numa situação grave de insuficiência de liquidez, sendo que, desde o fim de Junho até 31 de Julho, a posição de liquidez do Banco Espírito Santo, S.A. diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros. Na impossibilidade de esta acentuada pressão sobre a liquidez do BES ser acomodada pela instituição com recurso a fundos obtidos em operações de política monetária, por esgotamento dos activos de garantia aceites para o efeito e também pela limitação imposta pelo BCE em relação ao aumento do recurso ao BES às operações de política monetária, o Banco Espírito Santo, S.A., viu-se forçado a recorrer à cedência de liquidez em situação de emergência (ELA-Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, na data de 1 de Agosto, cerca de 3,500 milhões de euros.
No dia 1 de Agosto, o Conselho do Banco Central Europeu (BCE) decidiu suspender o estatuto de contraparte do Banco Espírito Santo, S.A., com efeitos a partir de 4 de Agosto de 2014, a par da obrigação de este reembolsar integralmente o seu crédito junto do Eurosistema, de cerca de 10 milhões de euros, no fecho das operações no dia 4 de Agosto.
Assim, a decisão do BCE de suspensão do Banco Espírito Santo, S.A., como contraparte de operações de política monetária tornou insustentável a situação de liquidez deste, que já o tinha obrigado a recorrer excepcionalmente, com especial incidência nos últimos dias, à cedência de liquidez em situação de emergência por parte do Banco de Portugal.
Os factos descritos nos números anteriores colocam o Banco Espírito Santo, S.A., numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade (…) não sendo tomada, com urgência, a medida de resolução ora adoptada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23º do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira.
Tal situação tornou imperativa e inadiável uma medida de defesa dos depositantes, de forma a evitar uma ameaça à segurança dos fundos depositados. Além deste objectivo primordial, é imprescindível ter em conta que a dimensão do Banco Espírito Santo, S.A., a sua qualificação como instituição de crédito significativa para efeitos de supervisão europeia e a sua importância no sistema financeiro nacional e no financiamento à economia, são factores que têm associado um inequívoco risco sistémico”. 
   
Foi este, portanto, o quadro factual e objectivo que conduziu, num contexto profundamente excepcional e de eminente crise sistémica, à criação do Novo Banco, S.A., enquanto banco de transição, e à discussão em torno da transferência para a nova entidade das responsabilidades anteriormente contraídas pelo Banco Espírito Santo, S.A.

A situação económica, financeira e comercial altamente críticas em que o Banco Espírito Santo, S.A.[18], se viu infelizmente mergulhado – e que são publicamente conhecidas – obrigou a uma acção rápida e coordenada para manter a confiança nos mercados e minimizar o contágio, não podendo e não devendo as autoridades de resolução adiar a adopção de medidas adequadas de resolução na prossecução do interesse público geral.

Neste contexto, a actuação do Banco de Portugal não poderia, logicamente, passar, na primordial salvaguarda do interesse público[19], por operar uma mera, inócua e inconsequente transmissão das relações jurídicas financeiras tituladas pela instituição financeira para outra entidade que as recebesse integralmente, passando precisamente a arcar com as dificuldades pré-existentes, sujeitando-se dessa forma à perda da confiança dos mercados e a potenciar ilimitadamente o contágio.

Importa ainda tomar em primordial consideração, a este propósito, a Directiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia de 15 de Maio de 2014, que “estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento”, que veio a ser objecto de transposição para o direito nacional através do Decreto-lei nº 114-A/2014, de 1 de Agosto, e da Lei nº 23-A/2015, de 26 de Março, (que veio, por sua vez, a ser objecto de alteração pela Lei nº 66/2015, de 6 de Julho), que previu inclusivamente, no seu artigo 40ª, nº 1/3:
“Os Estados-Membros asseguram que as autoridades de resolução tenham poderes para transferir para uma instituição de transição” “a totalidade ou parte dos activos, direitos ou passivos de uma ou mais instituições objecto de resolução” e que “ao aplicar o instrumento de criação de uma instituição de transição, a autoridade de resolução deve assegurar que o valor total dos passivos transferidos para a instituição de transição não exceda o valor total dos direitos e activos transferidos a partir da instituição objecto de resolução ou disponibilizados por outras fontes”[20].

Daí a criação, através da intervenção do Banco de Portugal e segundo as orientações gerais das autoridades da União Europeia, do denominado banco de transição que prosseguiria as finalidades da instituição objecto de resolução, servindo igualmente de veículo temporário para a sua alienação futura.

O que verdadeiramente se passou, através da contundente e enérgica intervenção da entidade reguladora e de supervisão nacional, teve a ver com a premente necessidade de repor equilíbrios e evitar a todo o custo o contágio da negatividade financeira e das imparidades verificadas.

Simultaneamente, impunha-se, sem outra solução no horizonte, plausível, credível ou cabal, blindar o restante tecido social face à desagregação interna de uma das mais reputadas instituições de crédito nacionais.

A confirmar a enorme e indisfarçável gravidade da situação que obrigou à intervenção do Banco de Portugal, ocorreu a do Banco Central Europeu, de 13 de Julho de 2016, que revogou a autorização do Banco Espírito Santo, S.A. (“BES”) para o exercício da actividade de instituição de crédito, sendo certo que desta deliberação não foi interposto recurso para o Tribunal Geral da União Europeia, conforme possibilitava o artigo 263º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tendo por isso mesmo transitado em julgado.

Logo, o próprio princípio do primado do direito comunitário/europeu na ordem jurídica nacional, plasmado no artigo 8º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa[21], justificou, legitimou e consolidou juridicamente as soluções adoptadas pelo Banco de Portugal na intervenção de resolução bancária a que teve de proceder, numa situação de inegável emergência e excepcionalidade.

No mesmo sentido, não podendo o direito de propriedade ser considerado como um direito absoluto[22] - e face a todo o circunstancialismo de que se deu nota -, não deve considerar-se que a transferência das situações patrimoniais do BES para o Novo Banco de transição, através dos critérios de selecção concretamente seguidos, haja resultado em qualquer tipo de inconstitucionalidade, mormente pela violação do comando ínsito no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.

Quanto a este ponto, não se poderá esquecer que o Novo Banco, S.A, não é uma instituição bancária comum, a desenvolver actividade em condições de normalidade no plano do exercício da actividade financeira e comercial.

Trata-se, ao invés, de um mero banco de transição, criado num contexto de grave emergência, com finalidades de interesse público, e respondendo a especiais exigências europeias/comunitárias que vinculam, directamente e com primazia, a ordem jurídico nacional portuguesa.

Neste mesmo sentido e conforme resulta do disposto nos artigos 145º, nº 3 e 4 a 145º-O do RGICSF este banco de transição rege-se por uma disciplina especial e própria.

 Acresce, ainda, que constituindo as deliberações do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015 simples concretização e clarificação do sentido da anterior deliberação de 11 de Agosto de 2014, as mesmas não acrescentaram, nem retiraram, quaisquer direitos aos particulares, mormente aos clientes do Banco Espírito Santo, S.A., sendo que a garantia de que estes, em abstracto, dispõem está directamente conectada ao capital social da instituição[23].

De salientar que a garantia constitucional à propriedade privada estabelecida no artigo 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, não obriga ao reconhecimento genérico de direito subjectivo do credor à satisfação do seu crédito, precisamente por tal não constituir uma faculdade nuclear do seu direito de crédito, o que apenas sucede com os meios ou instrumentos essenciais à tutela da garantia patrimonial do credor[24].

Escreve certeiramente, sobre esta matéria, Mafalda Miranda Barbosa, in “A propósito do caso BES. Algumas notas acerca da medida de resolução”, publicado no “Boletim de Ciências Económicas”, V, 58, ano de 2015, a páginas 230 a 231: “Não existe, entre nós, um direito ao património. Ele é, nas palavras de Mota Pinto, “um conjunto atomístico de relações jurídicas e não uma unidade”. Isto fez com que, ocorrendo a lesão de um interesse patrimonial, não acompanhada da violação de um direito de protecção absoluta, não seja ressarcível o prejuízo pelo lesado, que se vê assim, onerado por aquilo que se chama um dano puramente patrimonial.
Se não existe um direito de cada um ao seu próprio património, também não se poderá falar de um direito dos credores ao património do devedor”.

Afigura-se-nos totalmente apodíctico que a operação de transferência dos activos do Banco Espírito Santo, S.A., sem alguns dos seus passivos, determinada pelo Banco de Portugal ao abrigo das suas competências próprias e exclusivas e com base nas normas legais em referência, não constitui, em si, qualquer tipo de supressão ou alteração dos meios ou instrumentos essenciais à tutela da garantia patrimonial dos ora AA. que reclamarão os seus créditos – como aliás já fizeram – no âmbito da verificação e reconhecimento dos créditos na liquidação/insolvência do BES.

A actuação do Banco de Portugal foi desenvolvida no âmbito da sua esfera de competência própria, gozando do imprescindível respaldo legal, não lhe devendo ser dirigido, a nosso ver, qualquer pretenso juízo de inconstitucionalidade por violação do artigo 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

Note-se que a tal intervenção – e em concreto a resolução bancária[25] operada –, tendo em conta todo o circunstancialismo factual que se deixou enfatizado, respeitou indiscutivelmente os princípios gerais da adequação, necessidade e proporcionalidade[26], encontrando-se em estreita conformidade com o princípio constitucional ínsito no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo a restrição limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”[27].

Estabelece, a este respeito, o artigo 139º, nº 2, do RGICSF:
A aplicação das medidas previstas no presente título está sujeita aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como a gravidade das respetivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro”.

Tais finalidades essenciais foram efectivamente ponderadas e prosseguidas, havendo sido as medidas adoptadas aquelas que a gravidade da situação e os ditames do interesse público geral (manutenção em funcionamento da instituição de crédito; salvaguarda dos depositantes; defesa do erário público; afastamento do risco sistémico e da desagregação do tecido social, empresarial e económico) claramente exigiam e impunham, sem outro tipo de alternativas viáveis, seguras e realistas.~

Neste ponto, importa deixar claras as seguintes considerações fundamentais:
1ª– O Banco de Portugal, enquanto entidade responsável pela aplicação das medidas de resolução e intervenção correctiva, não se encontrava condicionado por qualquer prévio critério de hierarquização dos mecanismos de que poderia fazer uso em situação de grave necessidade.
Dispunha, nos termos da lei, de larga margem de discricionariedade bastante para optar pela intervenção que tivesse por mais adequada, eficaz e equilibrada.
É o que resulta expressamente do artigo 140º do RGICSF: Na adopção das medidas previstas no presente título, o Banco de Portugal não se encontra vinculado a observar qualquer relação de precedência, estando habilitado, de acordo com as exigências de cada situação e os princípios indicados no artigo anterior, a combinar medidas de natureza diferente, sem prejuízo, em qualquer caso, da verificação dos respectivos pressupostos de aplicação”.
2ª– A medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao Banco Espírito Santo, S.A. teria que ter necessariamente como objectivo a extinção ordenada e criteriosa da actividade da entidade bancária intervencionada e a atempada transição para um novo veículo (o banco de transição) que assegurasse a continuidade daquela actividade em termos de previsível rentabilidade[28], com a inevitável recapitalização interna.
Conforme se estabeleceu nos artigos 145º-M e 145º-N do RGICSF, haveria necessariamente que criar condições comerciais que possibilitassem um alienação parcial ou total da actividade em termos minimamente rentáveis e atractivos para os potenciais interessados.
3ª– A criação do Fundo de Resolução que, nos termos do artigo 145º-U, do RGICSF, constitui um importante reforço dos fundos próprios da instituição de crédito, possibilitando basicamente a recapitalização interna a que se aludiu, satisfazendo as responsabilidades que venham a ser, legítima e fundadamente, invocadas e que se demonstrem, porventura judicialmente, verdadeiramente atendíveis.
Em todo este percurso encetado com a cobertura legal mencionada – designadamente com o respaldo da interpretação e aplicação do direito da União Europeia - não se vê que se possa seriamente configurar qualquer ofensa, directa e substantiva, ao direito de propriedade privada de quem quer que fosse, não sendo beliscado o núcleo fundamental e imperativo presente no artigo 62º, da Constituição da República Portuguesa.
No mesmo sentido, não poderá aceitar-se que as ditas deliberações do Banco de Portugal hajam consubstanciado uma pretensa violação ao disposto no artigo 101º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual: “o sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social”, na medida em que as mesmas se dirigiram, por todos os motivos já relatados, à preservação da estabilidade do sistema financeiro no seu todo, defendendo os respectivos depositantes, o erário público e a continuidade das funções bancárias da entidade de crédito em indisfarçável débacle.
Advertem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in obra citada supra, a página 1082: “Este preceito constitucional representa uma típica norma-tarefa, contendo uma obrigação constitucional de legislação, com vista à consecução de certos objectivos, deixando ao legislador uma ampla margem de escolha dos meios e mecanismos para os atingir. Todavia, para além da possível inconstitucionalidade por omissão, por inércia legislativa, não está também excluída, em abstracto, a possibilidade de inconstitucionalidade por acção, por violação da norma no caso de legislação patentemente contrária aos seus objectivos. Para além disso, esta norma constitui uma amplíssima credencial constitucional para a intervenção, regulação e supervisão pública das actividades financeiras, com as necessárias limitações restrições da liberdade económica nesta área, com a extensão e a intensidade que os interesses em causa podem justificar (desde a autorização administrativa para a entrada na actividade até, no limite, a intervenção na gestão das instituições financeiras. De resto, não estão aqui em causa somente valores constitucionais ligados à estabilidade financeira e ao desenvolvimento económico e social mas também a protecção dos direitos dos aforradores e investidores e clientes das instituições financeiras, a começar pelo seu direito de propriedade”.
Conforme se pode ler ainda in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Tomo II, de Jorge Miranda e Rui Medeiros, a página 207: “A criação de mecanismos específicos de regulação e supervisão destes mercados constitui, de facto, a forma mais importante de concretização da directiva constitucional que foi encontrada pelo legislador ordinário.
A regulação assente em entidades independentes – característica mais nítida no caso do Banco de Portugal – viabilizou profundas transformações nestes mercados, anteriormente sujeitos a uma intensa regulamentação administrativa e agora funcionando com uma grande margem de liberdade, tendo resultado dessa transformação ganhos significativos de eficiência e proveitos acrescidos para as instituições e para os consumidores”.

Ora, a actuação, sustentada e coerentemente, prosseguida pelos órgãos competentes e habilitados para o efeito, tendente a preservar a estabilidade e solidez do sistema financeiro, não pode, ao mesmo tempo, ser vista como ofensiva do direito à propriedade privada dos particulares que a ele recorrem.

Não faz naturalmente qualquer sentido.

Não há, pois, dúvidas que a aplicação dos normativos em referência concorreram francamente para o reforço do sistema financeiro, não sendo neste domínio minimamente configurável qualquer juízo de inconstitucionalidade.
2.3.– Ausência de transferência dos créditos invocados pelos AA. do Banco Espírito Santo, S.A., em liquidação para o Novo Banco, S.A.
A ausência da transferência dos créditos em causa para o Novo Banco resulta inequivocamente da deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, através da qual foi rectificado o anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014[29], ajustando e clarificando o perímetro dos activos, passivos elementos extrapatrimoniais do BES que se mantiveram na sua esfera jurídica, não tendo sido transferidos para o Novo Banco S.A.

Com efeito, consideraram-se expressamente excluídos:
“(…) (v)- Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;
(vi)- Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a acções, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o BES;
(vii)- Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”.
Acresce que no dia 29 de Dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, “(…) foi adoptada a seguinte deliberação (deliberação contingências) relativa ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”:
Deliberação
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados.

Não restam, assim, dúvidas de que as responsabilidades invocadas pelos AA. não transitaram para o Novo Banco, S.A., mantendo-se no Banco Espírito Santo, S.A. – em liquidação.
É assim perfeitamente claro e indiscutível que toda a responsabilidade a imputar ao Banco Espírito Santo, S.A., em liquidação, em virtude dos seus deveres funcionais próprios, relativos à comercialização e intermediação financeira, incluindo possíveis violações do direito de informação e esclarecimento – tal como os mesmos se encontram concretamente descritos na petição inicial – não se transferiu para o Novo Banco, S.A., havendo antes sido expressamente excluída no âmbito das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal no exercício legítimo das suas competências (passíveis de serem questionadas no foro administrativo).
Relativamente à questão colocada de que, “não obstante o Banco de Portugal poder seleccionar “os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição” (artigo 145º-H, nº 1, do RGIF), a lei não lhe atribuiu, nem poderia atribuir, poderes discricionários para determinar quais as responsabilidades do banco e transição que recebeu aqueles activos patrimoniais, sem respeito por direitos patrimoniais de terceiros constitucionalmente garantidos”, remete-se para o que se disse relativamente à competência da jurisdição administrativa para apreciar da validade das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, bem como para a toda a restante argumentação já desenvolvida supra a este respeito.
Outrossim a circunstância de a obrigação de recompra das acções preferenciais Euro Aforro, Top Renda, Poupança Plus, por efeito da respectiva operação de resolução, se poder encontrar reconhecida no respectivo balanço, tal é completamente irrelevante face à supra mencionada deliberação do Banco de Portugal que as excluiu da transmissão operada, a qual, repete-se, só poderá ser questionada em sede administrativa.
2.4.– Pretensa aplicação do regime do Código das Sociedade Comerciais (artigos 118º, nº 1, alínea a) e 112º, nº 2).
Alegam os recorrentes que a lei geral das Sociedade Comerciais não permite destacar parte do património de uma sociedade comercial para com ela constituir outra sociedade, afirmando, em qualquer circunstância que a sociedade beneficiária das entradas resultantes da cisão responde solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cessão no registo comercial, nos termos das disposições legais citadas.

Apreciando:
Não assiste, mais uma vez, razão aos apelantes neste ponto.
Não é aplicável, na situação sub judice, o disposto no artigo 118º, nº 1, alínea a) e o artigo 122º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais, na medida em que a especial natureza do banco de transição (o Novo Banco, S.A.) a afasta, conforme resulta expressamente do nº 10, do artigo 145º-O do RGICSF[30], tal como é corroborado no Aviso do Banco de Portugal nº 13/2012, de 8 de Outubro de 2012[31].

Cumpre não esquecer que nos encontramos perante normas jurídicas pertinentes a um regime jurídico especial ao qual não é aplicável directamente (apenas subsidiariamente e quando se justificar) o regime geral constante do Código das Sociedades Comerciais.

Relativamente à apreciação desta matéria, importa notar outrossim que a cisão de sociedades comerciais constitui um instrumento jurídico de reorganização e reestruturação societária[32] através do qual uma sociedade se converte em duas ou mais sociedades, encontrando-se ligada ao processo de especialização da economia e de outsourcing, consubstanciando-se no destaque de parte do património de uma sociedade para com ele formar outra sociedade ou ser incorporado numa sociedade já existente[33].

É esta a sua natureza e é este o seu recorte jurídico essencial e definidor.

Diferentemente, a figura da resolução bancária consiste na forçada reestruturação de uma instituição de crédito, servindo finalidades profundamente diversas da mera cisão de sociedades comerciais, a saber: a de assegurar a continuidade dos serviços financeiros essenciais; acautelar o risco sistémico; salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público; salvaguardar a confiança dos depositantes[34].

Trata-se de realidades, absolutamente díspares, que não se misturam nem confundem.

Por outro lado, a nomeação dos membros para os órgãos sociais do Novo Banco, S.A., conforme resulta do artigo 7º, nº 1, dos respectivos Estatutos, aprovados em Anexo (I) à deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, compete ao Banco de Portugal, sob proposta da comissão directiva do Fundo de Resolução, na deliberação de constituição do Novo Banco, S.A.

O que significa que não se verifica, na situação sub judice, um dos requisitos essenciais da cisão de sociedades comerciais, concretamente o da integração dos anteriores accionistas na nova sociedade[35].

Conforme refere António Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito das Sociedades”, Volume I, página 792: “Tal como no caso da fusão e por razões paralelas, é de entender que a cisão implica uma continuidade com as autoridades envolvidas. Assim – e salvo a presença de vectores especiais, como a transmissão do estabelecimento no Direito do trabalho – deve entender-se que opera uma verdadeira transformação entre as entidades resultantes da cisão e sua (ou suas) antecessora(s)”.

Não tem, assim, cabimento legal a pretendida aplicação in casu da regra prevista nos artigos 118º, nº 1, alínea a) e o artigo 122º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais. 
2.5.– Alegado agravamento da posição dos AA. em paralelo com o que sucede na liquidação do Banco Espírito Santo. 
Não se vê, ainda, que a deliberação de resolução do Banco Espírito Santo, S.A., tenha, por si, penalizado ou agravado a posição jurídica dos AA., quando comparada com a que se verificaria perante a liquidação do Banco Espírito Santo, S.A., sendo certo que dispõe o artigo 145-D, nº 1, alínea c) e 21 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) :
“Nenhum accionista ou credor da instituição de crédito objecto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação”.
Note-se que, nos termos do artigo 145º H, nº 16[36], do RGICSF competirá ao Fundo de Resolução suportar a diferença caso se venha a concluir que os Autores tiveram um prejuízo com a resolução superior ao que teriam tido se o Banco Espírito Santo, S.A., entrasse em liquidação (como sucedeu).
Ou seja, enquanto o direito de crédito de que os AA. se arrogam apenas beneficia da garantia geral prevista no artigo 601º, nº 1, do Código Civil, não se tratando de um crédito privilegiado ou objecto de garantia real, já o Fundo de Resolução[37], cujos recursos têm a sua fonte prevista nos artigos 153º-F[38] e 153ºM[39], do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dispõe claramente de condições para adquirir liquidez necessária a procurar responder aos compromissos que legalmente lhe incumbam.
Não é seguramente possível afirmar que os AA., uma vez reconhecido o seu direito de crédito – se e quando -, se encontrassem mais acautelados, em termos da sua efectivação, no processo de liquidação do Banco Espírito Santo, S.A., que nos termos que resultaram da concreta resolução bancária operada.
Quod erat demonstradum.
Falecem, por conseguinte, todas e cada uma das razões invocadas pelos apelantes, devendo concluir-se que, estando apenas em causa a invocada transmissão das posições jurídicas existente no Banco Espírito Santo, S.A., em liquidação para o Novo Banco, S.A., e cumprindo concluir que tal transferência não ocorreu, impõe-se determinar a ilegitimidade substantiva do banco de transição, conforme decidiu – e bem – a 1ª instância.
Daí a sua correspondente absolvição do pedido.
A apelação improcede, portanto, neste particular.

3–Do valor a fixar à causa.
Decidiu o juiz a quo, neste particular:
“Na presente acção os AA. pedem a condenação solidária dos RR. a indemnizá-los dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e dos danos morais, que computam simbolicamente em € 5.000,00.
Alegam, em síntese, que, são titulares de acções preferenciais no valor de € 389.000,00, que adquiriram nos balcões do Banco Espírito Santo, S.A. (BES), com base em conselhos e informações falsas dos respectivos funcionários e em contrário do perfil e instruções dos AA., que estavam convencidos de que o seu dinheiro estava a ser investido em aplicações com garantia de capital e taxa de juro, nos mesmos termos que um depósito a prazo, sendo certo que até ao momento os AA. não foram reembolsados da quantia investida, nem dos juros à taxa contratada.
Atribuem à acção o valor de € 50.000,01, sem explicitar os critérios em que assentam tal valor.
Ora, nos termos do artigo 296.°, n.° 1 do NCPC, “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”, sendo que, “se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa” e que “cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles (...)” (cfr. art. 297.°, n.° 1 e n.° 2 do NCPC).
A circunstância de os AA. deduzirem um pedido ilíquido (condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais a apurar posteriormente), não invalida o exposto, pois que, mesmos os pedidos genéricos, deduzidos nos termos previstos no art. 556.° do NCPC, hão-de ter um valor (cfr. art. 299.°, n.° 4 do NCPC).
Tal valor, sendo desconhecido à data da propositura da acção, terá de ser presumido e  determinado de acordo com critérios de probabilidade, assentes em juízos de prognose  póstuma, com apelo aos dados de facto disponíveis e às regras da experiência (cfr., neste sentido, Salvador da Costa, Dos Incidentes da Instância, Almedina, 1999, p. 33 e 34).
É este, também, o ensinamento de Alberto dos Reis, Comentário, volume III, página 643, segundo o qual o A. deve fixar o valor inicial em quantitativa correspondente “ao valor económico provável que atribui à acção.”
De resto, diga-se, tal valor é essencial para, nomeadamente, se calcular a sucumbência das partes e, desta forma, apurar da recorribilidade da decisão que apreciar os pedidos formulados (cfr. art. 629.°, n.° 1 do NCPC).
Ora, no caso vertente, os AA. defendem que é impossível, neste fase, quantificar os danos por si sofridos, por não se ter procedido, ainda, à liquidação das sociedades a que respeitam as acções preferenciais, desconhecendo se, nesse processo de liquidação, reverterá alguma quantia para si.
Tal não impede, salvo melhor opinião, que atribuam à acção um valor provável, nos termos sobreditos.
Com efeito, analisada a petição inicial requerimento dos AA. de 31.10.2016 (fls. 361 e segs.), é possível concluir que os AA. consideram que o seu prejuízo consiste no valor do investimento que fizeram acrescidos dos juros remuneratórios acordados e dos juros moratórios legais contabilizados desde a maturidade das aplicações.
Desta forma, o montante do prejuízo dos AA. há-de corresponder, desde logo, à quantia de € 389.000,00.
Quanto aos invocados lucros cessantes, mostra-se impossível proceder ao cálculo dos vencidos à data da propositura da acção (nos termos impostos pelo art. 297.°, n.° 2 do NCPC), por os AA. não alegarem quais as taxas de juro contratadas.
De resto, o facto de os AA. desconhecerem se algo receberão no processo de liquidação não os impede de quantificar os danos que sofreram.
É que mesmo que os AA. desconheçam quanto irão receber no âmbito do processo de liquidação, sabem, com certeza, que o seu prejuízo, à data da propositura desta acção, atingia,  pelo menos, € 389.000,00, na medida em que, nessa data, nada haviam ainda recebido.
Destarte, parece-nos linear que, seguindo a própria tese defendida pelos AA., a indemnização por danos patrimoniais a arbitrar nestes autos, ainda que em sede de liquidação de sentença, poderá ascender à quantia de € 389.000,00 (quantia que, de resto, balizará o montante máximo a arbitrar em liquidação posterior, se for esse o caso).
A esse valor há, ainda, que somar a quantia pedida a título de danos morais.
E, assim, ao abrigo do disposto no artigo 306.° do NCPC, fixo à acção o valor de € 394.000,00”.

Em sentido oposto, referem sobre esta matéria os ora apelantes:
A fixação do valor em € 394.000,00 vai ter reflexos nas custas processuais e naturalmente condicionaria os lesados a recorrer a tribunal, tanto mais que puseram no BES todas as suas poupanças de uma vida inteira de trabalhos e sacrifícios e encontram-se em situação e carência económica.

O art.º 297.º, n.º 1/CPC, com a interpretação da douta sentença recorrida, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio constitucional do direito de acesso à justiça mediante um processo justo e equitativo, consignado no art.º 20.º da Constituição.

A douta sentença recorrida, neste segmento, violou os art.ºs 297º, n.º 1 e 306.º/CPC, assim como o art.º 20º da Constituição.

Apreciando:
Nos temos gerais do nº 1 do artigo 296 do Código de Processo Civil  “A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.
Acrescenta o nº 1, do artigo 297º, do Código de Processo Civil :“Se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela acção se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício”.

Neste contexto, e em estreita conformidade com o artigo 552º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Civil, encontra-se o demandante obrigado a atribuir um valor à causa, o qual poderá ser impugnado pelo réu, oferecendo um outro em substituição (artigo 305º, nº 1, do Código de Processo Civil).

A falta de impugnação do valor atribuído pelo A. à causa significará a aceitação daquele em conformidade com o nº 4, do artigo 305º, do Código de Processo Civil.

De todo o modo, não se encontra o juiz vinculado ao valor acordado entre as partes (artigo 306º e 308º, do Código de Processo Civil, segundo o qual “Quando as partes não tenham chegado a acordo ou o juiz o não aceite, a determinação do valor da causa faz-se em face dos elementos do processo ou, sendo estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar”). 

O artigo 299º, nº 4, do Código de Processo Civil estabelece que: “Nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.”

Na situação sub judice, os AA. formularam o pedido de condenação solidária dos RR. a pagar-lhe uma indemnização para ressarcimento de danos patrimoniais sofridos, a apurar em execução de sentença, e por danos morais no montante de € 5.000,00, invocando, no essencial, que por influência e insistência do BES e da respetiva gestora de conta, foi levado a aplicar as quantias pecuniárias que discriminam na sua petição inicial, respeitantes às suas economias, em produtos que correspondem a ações preferenciais de sociedades veículo, pensando tratar-se de aplicações seguras, depósitos a prazo, sendo que tais montantes nunca lhe foram reembolsados nos moldes contratados.

Nesta sequência, e cumprindo a obrigação processual estatuída no artigo 552º, nº 1, alínea f), atribuem à causa o valor de € 50.000,01.

Tendo por certa alegação pelos peticionantes de um prejuízo que, à data da propositura desta acção, que atingia, pelo menos, € 389.000,00, (na medida em que, nessa data, nada haviam ainda recebido), o juiz a quo concluiu que a indemnização por danos patrimoniais a arbitrar nestes autos, ainda que em sede de liquidação de sentença, poderá ascender à quantia de € 389.000,00 (quantia que, de resto, balizará o montante máximo a arbitrar em liquidação posterior, se for esse o caso).

Vejamos:
Consideramos ser de conceder razão aos AA. neste tocante.
Importa, a este propósito, tomar em especial consideração que o pedido formulado não deixa de ser, neste momento processual, ilíquido – o que significa que não atinge nenhuma expressão pecuniária certa e determinada (embora determinável em função da prova que seria produzida).
Resta, neste sentido, atender apenas à causa de pedir apresentada na petição inicial que indiciará, nos seus concretos termos, a noção da utilidade económica da pretensão.
Outrossim não é possível olvidar que o Réu Banco Espírito Santo encontra-se actualmente em liquidação (facto público e notório).
O quadro processual em que a presente acção – à semelhança de muitas outras exactamente com as mesmas características que se encontram pendentes neste Tribunal da Relação – revela-se particularmente complexo sendo totalmente previsível que os AA. venham a final a receber montantes muito inferiores aos investimentos que dizem ter realizado (máximo das quantias a liquidar ulteriormente), o que acontecerá em momento absolutamente incerto.
É ostensivamente irrealista sustentar a conclusão contrária e antever a possibilidade de os AA. virem a retirar, para si, a utilidade económica concreta do pedido na avultada expressão que o juiz a quo, para estes feitos, precocemente antecipou.
Assim sendo, é evidente que somente no âmbito do processo de liquidação do Banco Espírito Santo, no contexto processual intrincado que o mesmo certamente revestirá, será finalmente possível configurar verdadeiramente qual efectiva e real utilidade económica do pedido.
Por tudo o que se deixou escrito supra, tal utilidade económica do pedido (ilíquido) formulado pelos AA. não é susceptível da menor concretização na presente causa.
Fazê-lo é pura e simplesmente ficcionar a existência de algo que seguramente não sucederá.
Esta evidente constatação arreda, por si só, qualquer possibilidade de recurso ao critério definido no artigo 299, nº 4, do Código de Processo Civil, cuja aplicação automática, perante todo o circunstancialismo enunciado, deixa pura e simplesmente de fazer o menor sentido, nem recolhendo a menor réstea de razoabilidade ou credibilidade. 
Havendo os AA. alegado não ser possível quantificar os danos sofridos, à data da propositura da acção, não se compreende, tendo presente todo o circunstancialismo enunciado, o fundamento para afirmar desde já que o valor do prejuízo deve equivaler à soma aritmética dos valores investidos em ações preferenciais de sociedades veículo e dos danos não patrimoniais reclamados (€ 5.000,00).
Nem a causa de pedir tal como os AA. a configuram, nem a pretensão formulado, na sua específica vertende de crédito ilíquido, permitem sustentar a desfasada conclusão extraída pelo juiz a quo de que o prejuízo sofrido pelos AA. se reconduz necessariamente à mera soma daquelas parcelas, como limite mínimo.
Trata-se de uma conclusão precipitada e simplista que esquece a prévia necessidade de determinação do valor das referidas acções discriminadas na petição inicial, o que igualmente permite compreender o pedido ilíquido formulado a título de danos patrimoniais.
Tudo sopesado, face à manifesta impossibilidade da referida determinação no âmbito destes autos, é absolutamente legítimo e inteiramente equilibrado o recurso a critérios de equidade para a fixação do valor da causa, em plena harmonia com a regra geral ínsita no  artigo 566º, nº 3, do Código Civil, avocando então a oportuna ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso, não podendo ignorar a complexidade e especificidade das questões que envolvem a lide, bem como a indiscutível e inegável dificuldade na efectivação imediata do crédito de que os AA. se arrogam.
Esta solução técnico-jurídico, plenamente consistente, evita ainda a injusta penalização dos AA., designadamente no que respeita aos pesados encargos processuais.
Ao invés, a solução oposta, sufragada pelo juiz a quo, acaba por redundar num profundo e injusto gravâme económico, através do valor excessivo de pagamento de custas que implicará, sem possibilidades algumas de vir a acarretar, nos tempos mais próximos, real vantagem económica para os peticionantes.
Concordando-se, nesta medida, com os apelantes, fixar-se-á à causa o valor de € 50.000,01 indicado na petição inicial.
No mesmo sentido, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Junho de 2017 (relatora Maria Amélia Ribeiro), no processo n.º 21131/16.0T8LSB-A.L1, que, versando questão similar, referiu: “(…) de acordo com critérios de razoabilidade apoiados na equidade, não parece fazer sentido onerar a parte - com o impacto daí decorrente em termos de custas processuais - com um valor muito superior ao que ela indica e que no fundo, além de viabilizar as portas do recurso a todos os intervenientes, não deixe de preservar a competência do tribunal ao qual, a ser tido em conta o valor do pedido, caberia o processamento da presente acção [artº 117º/1/a)] da Lei 62/2013, de 26.08), ou seja, o valor de 50.000,01€.(…)”.
Corroborando o presente entendimento, vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2017 (relatora Maria da Conceição Saavedra – ora 1ª adjunta).
Procede, portanto, a apelação neste ponto.

IV–DECISÃO: 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação julgar parcialmente procedente a presente apelação, apenas relativamente ao valor a fixar à presente causa – que é de € 50.000,10 (cinquenta mil euros e um cêntimo), julgando-se improcedente a apelação em toda a parte sobrante, confirmando-se, nessa medida e nessa parte, a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.



Lisboa, 28 de Novembro de 2017.
 

(Luís Espírito Santo)                                                       
(Conceição Saavedra).
   

(Dina Monteiro – relatora vencida que junta infra a sua declaração de voto).
 


VOTO DE VENCIDA

A única discordância do Coletivo em relação à decisão a proferir neste recurso reporta-se à fixação do valor da ação.

Assinala-se, desde já, a alteração de posição jurídica quanto a esta matéria por parte da aqui relatora. Com efeito, enquanto adjunta no acórdão proferido no âmbito da Apelação 21131/16.0T8LSB-A.L1, deste Juízo e Secção, tinha subscrito a posição aqui defendida pelos Apelantes mas que, está alterada por aquela que aqui se defende, e cujos fundamentos, de seguida, se passam a transcrever e constam já do acórdão proferido no âmbito da Apelação com o n.º 653/16.T8SLSB.L1 desta Seção e cujo coletivo é também integrado pela aqui relatora.

Assim, parece-nos incontestável que o critério geral para a fixação do valor duma ação deve resultar da correlação entre o valor económico do pedido formulado [utilidade económica do pedido] e a causa de pedir ali invocada - artigos 296.º, n.º 1, 297.º, n.º 1, 299.º, ns.º 1 e 4, 552.º, n.º 1, alínea f), 556.º, n.º 1, alínea b) e 558.º, alínea e), todos do Código de Processo Civil Revisto.

No presente caso, estamos perante a formulação de um pedido em parte genérico [a liquidar a final], e noutra parte, líquido [danos não patrimoniais].

Nesta ação os AA. pretendem obter, para além do mais, o reembolso do capital investido, sem prejuízo doutras pretensões patrimoniais que ali são deduzidas, mantendo a expectativa de virem a ser ressarcidos dos seus prejuízos, em parte no processo de liquidação judicial do BES e em parte através da presente ação.
Concretizando, temos como certo que no processo há já um valor apurado, que corresponde ao montante desembolsado com a aquisição das ações preferenciais [indemnização equivalente ao investimento efetuado], e que deverá ser somado ao montante peticionado a título de indemnização pelos danos morais [simbolicamente indicado como sendo de € 5.000,00]. O valor resultante desta soma deverá ser inicialmente aceite no processo por corresponder ao binómio pedido e causa de pedir, sem que com tal procedimento haja qualquer ofensa à equidade e sem que com tal se impeça a futura correção deste valor, logo que o processo forneça os elementos necessários para esse efeito.

Com efeito, a dedução de um pedido ilíquido por parte dos AA. – para tal invocando não se ter procedido ainda à liquidação da SPV e o facto de o BES ter entrado em liquidação antes de ali terem reclamado o seu crédito - não pode sustentar a tese que preconizam e, muito menos, permitir o recurso à equidade para a fixação de um valor distinto à causa, quando no processo existem já elementos que nos permitam a fixação de um valor real muito próximo do pedido formulado.

Acolher a posição preconizada pelos AA. seria - salvo o devido respeito - a descoberta de um recurso para quem não quisesse suportar os custos decorrentes da instauração da ação em que se discutisse a fixação de valores elevados, bastando, para esse efeito, concluir que o pedido formulado era ainda ilíquido e que o recurso à equidade se impunha.

Como se referiu no acórdão 653/16.T8SLSB.L1, já citado:

“Não temos dúvida que, no caso de pedidos ilíquidos, a equidade tem um papel preponderante na determinação dos critérios relevantes para a fixação do valor da causa. No entanto, o recurso à equidade não é um exercício de arbitrariedade do poder judicial.

(…)

Em primeiro lugar, a solução legal deste problema é que que resulta do Art. 4º do C.C., que estabelece que os tribunais só poderão resolver segundo a equidade quando haja disposição legal que o permita, quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja sobre direitos indisponíveis ou quando elas a tenham previamente convencionado.

No caso dos autos a permissão legal para o recurso à equidade não resulta de norma expressa, mas da competência que a lei atribui ao juiz da causa para fixar o valor da causa (Art. 306º n.º 1 do C.P.C.) conjugado com elasticidade que o próprio legislador confere ao caso específico das ações em que são formulados pedidos ilíquidos (v.g. Art. 299º n.º 4 do C.P.C.).

O exercício da equidade está, no entanto, balizado pelo pedido e causa de pedir, tendo por referência o benefício económico concretamente pretendido, que é o critério geral da fixação do valor da causa (Art. 297º n.º 1 do C.P.C.), ou o benefício meramente expectável, se não houver elementos que permitam objetivar esse benefício doutro modo. Só neste último caso a equidade assume papel relevante”.

Ressalvado o devido respeito, entendemos, assim, que não pode o Tribunal lançar mão da equidade para a fixação do valor de uma ação quando, ali já se encontrarem presentes elementos que permitam, com segurança, concluir pela dedução de um pedido, ainda que apenas em parte, líquido.

Desconhece-se, também o porquê dos AA. terem procedido à indicação do valor de € 50.000,01 para esta ação quando o valor de € 30.000,01 já lhes permitiria a possibilidade de recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça (artigo 44.º, n.º 1,da LOSJ - Lei Orgânica do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26/8).

Por fim, entendem os AA. que a interpretação realizada pelo Tribunal de 1.ª Instância relativamente ao artigo 297.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto, sempre teria de ser tida como inconstitucional por se traduzir numa inibição do recurso aos tribunais por parte dos lesados, violando-se, assim, o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito de acesso à justiça mediante um processo justo e equitativo.

Também neste segmento defendemos o que já antes tínhamos referido no âmbito do citado acórdão 653/16.T8SLSB.L1:

“Sucede que, as regras da fixação do valor da causa em processo civil são objetivas e aplicáveis a todos os cidadãos.

A regra de fazer corresponder custas mais elevadas a quem pretende obter benefícios económicos mais elevados é perfeitamente conforme à realização duma Justiça equitativa. Sendo que, o efeito indireto de inibição de acesso à Justiça por alguns cidadãos que tenham maiores dificuldades económicas não é obtido pela criatividade do juiz ou pela fixação do valor da ação com recurso a regras meramente subjetivas, mas sim pela aplicação do instituto do benefício de apoio judiciário e pela aplicação da correção decorrente do Art. 6.º n.º 7 do R.C.P., que permite a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça em casos que o justifique. O que, no caso, até foi aplicado pelo Tribunal a quo e de forma absolutamente correta e pertinente.

Julgamos assim que o Art. 297º n.º 1 do C.P.C. não viola a Constituição, nomeadamente o direito ao acesso aos tribunais mediante um processo justo e equitativo”.

Concluindo, entendo que o valor da ação deve corresponder ao valor do benefício pretendido pelos AA. - e já constante nos autos como correspondendo ao pedido e à causa de pedir invocados, no caso, o capital entregue ao BES para aquisição das ações preferenciais -, independentemente de os AA. formularem, a final, um pedido ilíquido.

Compreendendo a situação dos lesados do BES, entendo, porém, que não podem beneficiar de condições distintas dos demais cidadãos que recorrem à Justiça sob pena de, com esse distinto entendimento, violar-se o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Face ao exposto, manteria a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância que fixou o valor da presente ação em € 394.000,00.
*****




[1]Esta disposição legal tem a seguinte redacção:
“Artigo 8.º Liquidação judicial
1- A liquidação judicial das instituições de crédito fundada na revogação de autorização pelo Banco de Portugal faz-se nos termos do presente diploma e, em tudo o que nele não estiver previsto, nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
2- A decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal produz os efeitos da declaração de insolvência.
3- Cabe em exclusivo ao Banco de Portugal requerer, no tribunal competente, a liquidação da instituição de crédito, no prazo máximo de 10 dias úteis após a revogação da autorização, proferida nos termos do artigo 22.º do RGICSF.
4- Se tiverem sido nomeados administradores pré-judiciais ao abrigo do disposto no artigo 7.º-A, o prazo para o Banco de Portugal requerer a liquidação da instituição de crédito é de seis meses após a revogação da autorização, renovável por igual período, se tal renovação for necessária à conclusão, em condições de eficácia e celeridade, de operações em curso.
5- O requerimento deve ser instruído com cópia da decisão de revogação e com a proposta de liquidatário judicial ou comissão liquidatária a designar pelo juiz, nos termos e para os efeitos dos artigos seguintes”.
[2]Trata-se do diploma que regula a liquidação das instituições de crédito e sociedades financeiras com sede em Portugal e suas sucursais criadas num Estado-Membro, transpondo para a ordem nacional a Directiva 2001/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia de 4 de Abril de 2001, relativo ao saneamento e liquidação de instituições de crédito.
[3]O Banco Central Europeu, com sede em Frankfurt, Alemanha, tem, entre outras, por missão garantir uma supervisão adequada dos mercados e instituições financeiras pelas autoridades nacionais, preservando ainda a segurança e a solidez do sistema bancário europeu. A partir de Novembro de 2014 foi iniciada oficialmente a actividade do Mercado Único de Supervisão (MUS) composto pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelas Autoridades Nacionais Competentes (ANC) dos países de área euro, com o objectivo predefinido de promover a convergência pela definição de um conjunto único de regras de supervisão prudencial das instituições de crédito, a fim de aumentar a solidez do sistema bancário da área euro. Neste contexto, e no âmbito dos poderes de supervisão, detém o Banco Central Europeu (BCE) de competência para conceder e revogar a autorização de participação em instituições de crédito da área euro. Essas competências são exercidas conjuntamente com as Autoridades Nacionais Competentes (ANC). Ao Banco Central Europeu (BCE) incumbe assegurar o cumprimento da regulação bancária da União Europeia e do Regulamento da Autoridade Bancária Europeia (EBA), cabendo-lhe assim aplicar um conjunto único de regras a nível europeu. Quando for caso disso, pode considerar a possibilidade de impor às instituições de crédito requisitos prudenciais adicionais, a fim de salvaguardar a estabilidade financeira (para mais desenvolvimentos sobre este tema, consultar https://www.bankingsupervision.europa.eu.ecb/pub/pdf/ssmguidebankingsupervision201409pt.pdf).
[4]Acresce que resulta do disposto nos artigos 629º, nº 2, alínea d), “in fine”, 671º, nº 2, alínea b), 672º, nº 1, alínea c), 686º, nº 1, 687º e 688º a 695º, todos do Código de Processo Civil, a vinculação tendencial ao conteúdo, sentido e alcance expressos nos acórdãos de uniformização de jurisprudencial, sob pena de absoluta inutilidade ou irrelevância da figura, ressalvando-se apenas as situações em que existem muito fundadas razões que obriguem, em consciência, à excepcional divergência com a jurisprudência uniformizada.
[5]Ou seja, aquelas decisões em que é o próprio direito a reconhecer que é sujeito à verificação de determinada condição. Vide, sobre esta matéria, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2009 (relator Sousa Peixoto), publicado in www.dgsi.pt.
[6]Quanto a esta diferenciação, vide Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado“, Volume II, pags. 653 a 654 ; Antunes Varela in “Manual de Processo Civil “ “, 2ª edição, página 683, nota um; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 2013 (relator Silva Gonçalves), publicado in www.dgsi.pt ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 2011 (relator Lopes do Rego), publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Maio de 2001 (relator João Bernardo), publicado in www.dgsi.pt ;  acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 5 de Maio de 2014 (relator Carlos Gil), publicitado in www.jusnet.pt ; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Setembro de 2011 (relator Teles Pereira), publicado in www.dgsi.pt.
[7]Vide artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil.
[8]Vide artigo 604º, nº 1, do Código Civil.
[9]Decreto-lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, que sofreu as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 31-A-2012, de 10 de Fevereiro, o qual procedeu à transposição das Directivas 2014/49/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia de 16 de Abril e 2014/59/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 15 de Maio.
[10]Lei Orgânica esta (Lei nº 5/98, de 31 de Janeiro) que no seu artigo 1º refere que o Banco de Portugal é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, fazendo, nos termos do artigo 3º, nº 1, do respectivo diploma, como banco central da República Portuguesa, parte integrante do Sistema Europeu de Bancos Centrais.
[11]Sobre a tutela jurisdicional a efectivar no plano da acção administrativa especial de impugnação da legalidade e a acção administrativa comum de indemnização, vide Luís Cabral de Moncada, in “Os poderes de resolução do Banco de Portugal e o Banco Espírito Santo”, página 61.
[12]Vide sobre esta matéria o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 21 de Novembro de 2013 (relator António Vasconcelos), publicado in www.dgsi.pt, onde se refere que: ”Dos actos praticados pelo Conselho de Administração e demais órgãos do Banco de Portugal, ou por delegação sua, no exercício de funções públicas de autoridade, cabem os meios de recurso ou acção previstos na legislação própria do contencioso administrativo”; no mesmo sentido vide acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26 de Janeiro de 2017 (relatora Ana Cristina Duarte), publicitado in www.jusnet.pt. onde se salienta que: “…convém verificar que o Fundo de Resolução é accionista único do Novo Banco, não com base em actos ou normas de direito civil ou comercial, mas sim, enquanto pessoa colectiva de direito público, com base em actos administrativos (cfr. designadamente (…) os artigos 153º e 154º do RGICSF, bem como as deliberações do Banco de Portugal que o sustentam, todas elas tipicamente de direito administrativo, estabelecendo-se nelas a disciplina de relações jurídicas administrativas, das quais são sujeitos obrigatórios o Fundo de Resolução e o Banco de Portugal”.
[13]O direito de qualquer pessoa afectada de contestar a medida de resolução aplicada é, ainda, objecto de especial previsão na Directiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia de 15 de Maio de 2014, no seu artigo 85º, nº 4 com as seguintes particularidades:
A interposição de recurso não deve acarretar a suspensão automática dos efeitos da decisão contestada (alínea a);
A decisão da autoridade de resolução é imediatamente aplicável e dá origem à presunção refutável de que a suspensão da sua execução será contra o interesse público (alínea b)).
[14]Cfr. artigos 211º, nº 1 e 212º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa.
[15]Que, no seu dizer, afectaram gravemente, equiparando a presente situação à de um verdadeiro confisco.
[16]Dispõe igualmente o artigo 17º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Resolução 217-A (III), da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de Dezembro de 1948: “Toda a pessoa, individual ou colectiva, tem direito à propriedade” (nº 1); “Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade”.
[17]Escreve sobre esta matéria Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, in “Direito Civil e Sistema Financeiro”, 2016, página 26: “No âmbito de uma medida de resolução, bem como da medida de intervenção correctiva e da administração provisória, o Banco de Portugal actua orientado por dois princípios-vectores: o princípio da legalidade e o princípio da eficácia administrativa, que se condicionam mutuamente. O primeiro reflecte-se na necessidade de se verificarem os pressupostos de aplicação das medidas enunciadas anteriormente; o segundo tem expressão na ampla liberdade de decisão que lhe é conferida a este nível. (…) embora sujeito à lei, o Banco de Portugal actua de forma livre. Tal liberdade é balizada por um princípio de eficácia. Se os objectivos das medidas de resolução são assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais para a economia; prevenir a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente prevenindo o contágio entre entidades; salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio financeiro público extraordinário; proteger os depositantes cujos depósitos sejam garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e os investidores cujos créditos sejam cobertos pelo Sistema de Indemnização aos Investidores; e proteger os fundos e os activos detidos pelas instituições de crédito em nome e por conta dos seus clientes e a prestação de serviços de investimento relacionados, a decisão de adoptar a medida e a conformação dessa mesma medida só são legítimas se e quando tais finalidades puderem ser alcançadas por essa via. Daqui decorrerem duas consequências: a liberdade do Banco de Portugal (…) é uma liberdade funcionalizada, por um lado; e, por outro, o sistema tem de oferecer ao regulador uma regra de actuação tal que não condicione os resultados a obter. Tudo isto implica, por seu turno, que a actuação do regulador não possa ser objecto de uma fiscalização judicial prévia, tanto quanto a aplicação de uma medida de resolução não seja compatível com dilações temporais; e que se proscrevem todas as actuações abusivas, isto é, que não sejam ditadas por uma lógica de necessidade e de proporcionalidade, atentas as finalidades das medidas de resolução previstas no artigo 145º-C do RGICSF”.
[18]Instituição financeira pertencente a um grupo empresarial que, pela sua envergadura e influência económica e social, teria sempre que ser considerado “too big to fail”.
[19]Escreve João Calvão da Silva, in “Banca, Bolsa e Seguros”, Tomo I, Parte Geral, a página 36: “Depois de expor ao argumentos correntemente invocados contra a participação de Bancos Centrais na supervisão prudencial (…) e a preferência pela atribuição da supervisão a autoridade única neles não integrada, o Banco Central Europeu, a mais dos tradicionais argumentos a favor daquela participação – sinergia de informações entre supervisão e as principais funções dos Bancos Centrais; riscos sistémicos; independência e competência técnica – escuda-se nas mudanças desencadeadas pela zona Euro e consequente necessidade de um quadro institucional em que as responsabilidades do Eurosistema pela política monetária se interliguem com as responsabilidades alargadas da supervisão dos Bancos Centrais nos mercados nacionais e correspondente cooperação reforçada na zona Euro. Com especial enfase no facto de o risco sistémico ter repercussões transnacionais e ser dada vez mais relevante no quadro da União Económica e Monetária, dada a interligação das infraestruturas dos sistemas de pagamento e liquidação de grandes transacções, a participação dos bancos nos mercados de valores mobiliários europeus crescentemente integrados, a complexidade e refinamento de grupos heterogéneos e polifuncionais (conglomerados)”.
[20]No considerando (3) da Directiva em referência é dito: Os mercados financeiros da União têm um nível elevado de integração e interligação, com várias instituições a desenvolverem importantes operações para além das fronteiras nacionais. A situação de insolvência de uma instituição transfronteiriça poderá afectar a estabilidade dos mercados financeiros nos diferentes Estados-Membros em que opera. A incapacidade dos Estados-Membros para assumirem o controlo de uma instituição em situação de insolvência e para procederem à sua resolução de uma forma que evite efectivamente maiores danos sistémicos pode prejudicar a confiança mútua entre os Estados-Membros e a credibilidade do mercado interno no setor dos serviços financeiros. A estabilidade dos mercados financeiros é, por conseguinte, uma condição essencial para o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno”, acrescentando-se no ponto (5): “é necessário um regime que ponha à disposição das autoridades um conjunto credível de instrumentos para uma intervenção suficientemente precoce e rápida nas instituições em situação precária ou de insolvência, de modo a garantir a continuidade das suas funções financeiras e económicas críticas, minimizando o impacto da situação de insolvência de uma instituição sobre o sistema económico e financeiro. Esse regime deverá assegurar que os acionistas sejam os primeiros a suportar as perdas e que os credores suportem as perdas a seguir aos acionistas, desde que nenhum credor sofra perdas superiores às que teria sofrido se a instituição tivesse sido liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência, em conformidade com o princípio segundo o qual «nenhum credor deverá ficar em pior situação», tal como especificado na presente diretiva. As autoridades deverão ser dotadas de novos poderes que lhes permitam, por exemplo, manter em permanência o acesso aos depósitos e às operações de pagamento, vender partes viáveis da instituição, se for caso disso, e distribuir as perdas de forma justa e previsível. Estes objetivos devem ajudar a evitar a desestabilização dos mercados financeiros e a minimizar os custos para os contribuintes”; prosseguindo em (50): A interferência nos direitos de propriedade não deverá ser desproporcionada. Os acionistas e credores afetados não deverão suportar perdas mais elevadas do que aconteceria se a instituição tivesse sido liquidada no momento em que é tomada a decisão de desencadear a resolução. Em caso de transferência parcial dos ativos de uma instituição objeto de resolução para um adquirente do setor privado ou para uma instituição de transição, a parte remanescente da instituição objeto de resolução deverá ser liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência. Para proteger os acionistas e os credores remanescentes no quadro dos procedimentos de liquidação da instituição, estes deverão ter direito a receber em pagamento ou em indemnização pelos seus créditos, e no quadro dessa liquidação, um valor não inferior ao que se estima que receberiam se a instituição tivesse sido totalmente liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência; acrescentando em (53): É necessária uma ação rápida e coordenada para manter a confiança dos mercados e minimizar o contágio. Quando se considerar que uma instituição está em situação ou em risco de insolvência e não houver qualquer perspetiva razoável de que qualquer alternativa do setor privado ou ação de supervisão pudesse impedir a situação de insolvência da instituição num prazo razoável, as autoridades de resolução não deverão adiar a adoção de medidas adequadas e coordenadas de resolução no interesse público. As circunstâncias que possam resultar na situação de insolvência de uma instituição, em particular tendo em conta a eventual urgência da situação, deverão permitir que as autoridades de resolução adotem medidas de resolução, não sendo obrigatório que tenham aplicado previamente os seus poderes de intervenção precoce; concluindo em (59): “Os instrumentos de resolução deverão incluir a alienação de atividades ou de ações da instituição objeto de resolução, a criação de uma instituição de transição, a separação entre os ativos da instituição em situação de insolvência que têm um bom desempenho e os que se encontram em imparidade ou cujo desempenho é fraco, e a recapitalização interna (bail-in) dos acionistas e credores da instituição em situação de insolvência”.
[21]Sobre esta matéria, vide Miguel Gorjão-Henriques in “Direito da União – História, Direito, Cidadania, Mercado Interno e Concorrência”, a páginas 378 a 379, onde é salientado o facto da revisão constitucional de 2004, operada pela Lei nº 1/2004, de 24 de Julho, ter introduzido o nº 4 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa. Segundo o autor, a referencia final da norma consagra claramente a primazia da aplicação do direito da União sobre o direito interno, incluindo a própria Constituição, por expressa devolução do legislador constituinte português, com ressalva apenas para os “princípios fundamentais do Estado de direito democrático”. Sobre este mesmo ponto, vide João Calvão da Silva, in “Banca Bolsa e Seguros”, Tomo I, Parte Geral, páginas 5 e 6,
[22]Versando sobre a análise ao carácter não absoluto da protecção do direito de propriedade privada tal como a Constituição da República Portuguesa a consagra no artigo 62º, nº 1, vide o acórdão do Tribunal Constitucional nº 187/2001, de 2 de Maio de 2001 (relator Paulo Mota Pinto); acórdão do Tribunal Constitucional nº 491/2002, de 26 de Novembro (relator Paulo Mota Pinto); acórdão do Tribunal Constitucional nº 4/96, de 16 de Janeiro (relator Armindo Ribeiro Mendes), todos publicados in www.tribunalconstitucional.pt.
[23]Cfr. artigo 601º do Código Civil.
[24]Vide sobre este ponto essencial, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 620/2004 (relator Gil Galvão), de 20 de Outubro de 2004. publicado in www.tribunalconstitucional.pt, na esteira do acórdão do Tribunal Constitucional nº 273/2004, publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Junho de 2004.
[25]Conforme escreve Marta Coimbra in “No caminho da união bancária: o Mecanismo Único de Resolução”, publicado in “Revista da Faculdade de Direito de Lisboa”, página 125 a 150: “Em sentido amplo, o conceito de resolução abrange vários graus de intervenção nos destinos dos bancos que atravessam dificuldades financeiras, podendo definir-se como o regime aplicável ao processo de gestão de crises bancárias.
Contudo, numa acepção mais restrita, a resolução consubstancia-se num processo de reestruturação e suspensão da actividade do banco, ao mesmo tempo que se tenta evitar a liquidação da instituição intervencionada, assegurando a manutenção das suas funções essenciais (…) Enquanto instituições financeiras, os bancos desempenham um papel central na provisão de recursos às famílias e às empresas, especialmente na Europa, em que o crédito bancário é, por tradição, largamente preferido ao financiamento através do mercado de capitais. Neste sentido, pode dizer-se que fornecem um verdadeiro “serviço público” o que transforma as falências bancárias numa fonte perigosa de externalidades negativas e vem justificar a intervenção do poder estatal neste domínio.
Por outro lado, ao reconhecermos que o elemento “confiança” constitui a base da sustentação do negócio bancário, percebemos que ele deve ser imperativamente protegido aquando do processo de insolvência, sob pena de ocorrerem processos de contágio interbancário, afectando não apenas a instituição insolvente, mas todos os serviços conexos com o sector financeiro, que naturalmente se estendem à economia no seu todo”.
[26]Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in obra citada supra, a página 392 a 393: “O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três sub-princípios: princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados na lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionais, excessivas, em relação aos fins obtidos. Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de “direitos, liberdades ou garantias”, que consiste no respeito do “conteúdo essencial” dos respectivos preceitos”.
[27]Referem André Figueiredo e Manuel Sequeira, in “Medidas de resolução bancária bail-in e governance da instituição de crédito sujeito a resolução”:Acresce que ao aplicar estas medidas o Banco de Portugal se encontra vinculado a princípios de adequação e proporcionalidade, tendo em conta o risco e o grau de incumprimento das disposições legais e regulamentares pela Instituição de Crédito, bem como a “gravidade das respectivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro (artigo 139º, nº 2, do RGICSF).
Contudo, no recurso às medidas de resolução, e com vista à salvaguarda da solidez da Instituição de Crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro, devem ser prosseguidos princípios orientadores (artigo 145º, nº 1, do RGICSF):
a)- os prejuízos da instituição devem ser suportados em primeiro lugar pelos accionistas;
b)- tais prejuízos devem ser suportados de seguida, em condições equitativas, pelos credores da instituição objecto de resolução, de acordo com a graduação dos seus créditos;
c)- nenhum accionista ou credor da instituição objecto de resolução deverá sofrer, por força da aplicação da medida de resolução, um prejuízo superior ao que teria sofrido se a instituição tivesse entrado em processo de liquidação.
d) os depositantes não deverão sofrer prejuízos relativamente aos depósitos garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos, nos termos do artigo 166º do RGICSF.
e)- salvo situações excepcionais, os órgãos de administração e direcção de topo devem ser substituídos.
f)- as pessoas singulares ou colectivas respondem, em termos de direito civil ou pena nacional, pela sua responsabilidade na situação da insolvência da Instituição de Crédito objecto de resolução”.
[28]Sendo certo que a imagem comercial (altamente negativa) associada ao banco liquidado sempre dificultaria acentuadamente, em quaisquer circunstâncias, a afirmação e pujança comerciais do novo.
[29]Que referia, no anexo 2, alínea b), subalínea v), na categoria “Passivos Excluídos” (responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que se mantiveram na sua esfera jurídica, não tendo sido transferidos para o Novo Banco): “quaisquer responsabilidades ou contigências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais”.
[30]Dispõe o mencionado preceito:
“Artigo 145.º-O Transferência parcial ou total da atividade para instituições de transição
1- O Banco de Portugal pode determinar a transferência parcial ou total de direitos e obrigações de uma instituição de crédito, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, e a transferência da titularidade das ações ou de outros títulos representativos do seu capital social para instituições de transição para o efeito constituídas, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação.
2- O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência parcial ou total de direitos e obrigações de duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo e a transferência da titularidade de ações ou de outros títulos representativos do capital social de instituições de crédito incluídas no mesmo grupo para instituições de transição, com a mesma finalidade prevista no número anterior.
3- A instituição de transição é uma pessoa coletiva autorizada a exercer as atividades relacionadas com os direitos e obrigações transferidos.
4- A instituição de transição assegura a continuidade da prestação de serviços financeiros inerentes à atividade transferida, bem como a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais, ativos sob gestão e ações ou outros instrumentos de propriedade transferidos nos termos do disposto nos n.os 1 e 2, com vista à valorização do negócio desenvolvido, procurando proceder à sua alienação, logo que as circunstâncias o aconselhem, em termos que maximizem o valor do património em causa.
5- A decisão de transferência prevista nos n.os 1 e 2 produz, por si só, o efeito de transmissão da titularidade dos direitos e obrigações da instituição de crédito objeto de resolução para a instituição de transição, sendo esta considerada, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessora nos direitos e obrigações transferidos.
6- A eventual transferência parcial dos direitos e obrigações para a instituição de transição não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação e de novação.
7- A decisão de transferência prevista nos n.os 1 e 2 produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência.
8- A decisão de transferência prevista nos n.os 1 e 2 não depende do consentimento dos acionistas ou titulares de outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito, das partes em contratos relacionados com os direitos e obrigações a transferir nem de quaisquer terceiros, não podendo constituir fundamento para o exercício de direitos de vencimento antecipado, resolução, denúncia, oposição à renovação ou alteração de condições estipulados nos contratos em causa.
9- Sem prejuízo do disposto na secção v do presente capítulo, os acionistas e credores da instituição de crédito objeto de resolução, e outros terceiros cujos direitos e obrigações não sejam transferidos, não têm qualquer direito sobre os direitos e obrigações transferidos para a instituição de transição.
10- O Código das Sociedades Comerciais é aplicável às instituições de transição, com as necessárias adaptações aos objetivos e à natureza destas instituições. (sublinhado nosso).
11- A instituição de transição deve obedecer, no desenvolvimento da sua atividade, a critérios de gestão que assegurem a manutenção de baixos níveis de risco.
12- A instituição de transição, sucedendo à instituição de crédito objeto de resolução, exerce os direitos relativos à participação e acesso aos sistemas de pagamentos, compensação e liquidação, aos mercados de valores mobiliários, aos sistemas de indemnização dos investidores e aos sistemas de garantia de depósitos, bem como à participação e adesão a outros sistemas ou associações de natureza pública ou privada, necessários ao desenvolvimento da atividade transferida, não podendo o exercício desses direitos ser negado com fundamento na ausência ou insuficiência de notação de risco da instituição de transição por uma agência de notação de risco.
13- O exercício dos direitos previstos no número anterior inclui todos os serviços, funcionalidades e operações de que a instituição de crédito objeto de resolução dispunha no momento da aplicação da medida de resolução prevista no n.o 1.
14- Se a instituição de transição não reunir os critérios de adesão ou participação em qualquer um dos sistemas referidos no n.o 12, os respetivos direitos são exercidos pela instituição de transição durante um período fixado pelo Banco de Portugal, não superior a 24 meses, prorrogável mediante pedido da instituição de transição ao Banco de Portugal.
[31]Consta do artigo 2º, nº 1, do Aviso do Banco de Portugal nº 13/2012, de 8 de Outubro de 2012:
“Os bancos de transição são instituições de crédito com duração limitada, com a natureza jurídica de banco e a forma de sociedade anónima, que se regem pelos estatutos aprovados por deliberação do Banco de Portugal, pelas disposições legais e regulamentares que lhe são especialmente aplicáveis, pelas normas aplicáveis aos bancos e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações necessárias aos objectivos e natureza destas instituições” (sublinhado nosso).
[32]Escreve sobre esta matéria António Menezes Cordeiro, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, página 474: “À semelhança da fusão, a cisão é, sobretudo, uma modificação de sociedades envolvidas mediante processos de desconcentração económica. Em causa está “uma transformação entre sociedades resultantes da cisão e a sua (ou suas) antecessoras”. À semelhança da fusão, não existe na cisão qualquer animus extintivo ou qualquer vontade de constituir uma realidade económica e empresarial ex novo. Existe, tão somente, a necessidade e vontade dos sócios reestruturarem a sua empresa societária, fragmentando os centros de imputação jurídica e o modo colectivo de funcionamento do direito em que consiste a personalidade colectiva”.
[33]Vide Pinto Furtado in “Curso de Direito das Sociedades”, página 555; António Pereira de Almeida in “Sociedades Comerciais”, página 281.
[34]Vide Pedro Lobo Xavier, in “Das medidas de resolução de Instituições de Crédito em Portugal – Análise do Regime dos Bancos de Transição”, publicado na Revista da Concorrência e Regulação, Ano V, nº 18, Abril-Junho de 2014, a páginas 158 a 160.
[35]Sobre a figura da cisão de sociedades, sua natureza e características, vide, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Outubro de 2007 (relator Torres Vouga); o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Setembro de 2009 (relator Pinto dos Santos); acórdão do Tribunal Constitucional nº 194/2003, de 9 de Abril de 2003 (relator Paulo Mota Pinto), publicitados in www.jusnet.pt.
[36]Onde se prevê: Caso a avaliação prevista no n.o 14 determine que os acionistas, os credores, o Fundo de Garantia de Depósitos ou o Fundo de Garantia do Crédito de Agrícola Mútuo suportaram um prejuízo superior ao que suportariam caso não tivesse sido aplicada a medida de resolução e a instituição de crédito objeto de resolução entrasse em liquidação no momento em que aquela foi aplicada, têm os mesmos direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução, nos termos do disposto na alínea f) do n.o 1 do artigo 145.º-AA.”.
[37]Escreve sobre o Fundo de Resolução, natureza, contexto do seu surgimento e finalidades que serve, José Manuel Quelhas, in “Especificidades e Vicissitudes do Mecanismo de Resolução Bancária”, publicado in “Boletim de Ciências Económicas”, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, “Homenagem ao Professor António José Avelãs Nunes”, a páginas 2777 a 2778: “A graduação, em concreto, do mecanismo de intervenção dependo do juízo, que o Banco de Portugal faça, acerca da viabilidade de uma instituição de crédito, bem como a ponderação dos interesses dos depositantes, dos contribuintes e do próprio sistema financeiro como um todo.
Acresce que estes interesses podem não ser conciliáveis: com efeito, a viabilização de um banco protege os depositantes e salvaguarda a estabilidade sistémica, mas também ameaça os interesses dos contribuintes que, em última instância, suportam o apoio financeiro à instituição em apuros.
Ao contrário, a não concessão de apoio público resguarda os interesses dos contribuintes, mas desprotege o dos depositantes, podendo desencadear corridas bancárias e gerar uma crise sistémica.
Assim, justifica-se plenamente que o Decreto-lei nº 31-A/2012 tenha introduzido um título específico sobre o Fundo de Resolução imediatamente após o título que rege a própria resolução.
Em princípio, os custos da resolução de uma instituição de crédito são suportados pelo Fundo de Resolução, não se repercutindo sobre os contribuintes, o que permite conciliar a estabilidade sistémica com a protecção dos depositantes e com a integridade das finanças públicas”.
[38]Com a seguinte redacção:
“1- O Fundo dispõe dos seguintes recursos:
a)-As receitas provenientes da contribuição sobre o setor bancário;
b)-Contribuições iniciais das instituições participantes;
c)-Contribuições periódicas das instituições participantes;
d)-Importâncias provenientes de empréstimos;
e)-Rendimentos da aplicação de recursos;
f)-Liberalidades;
g)-Quaisquer outras receitas, rendimentos ou valores que provenham da sua atividade ou que por lei ou contrato lhe sejam atribuídos, incluindo os montantes recebidos da instituição de crédito objeto de resolução ou da instituição de transição.
2- Os recursos financeiros do Fundo devem ter como nível mínimo o montante correspondente a 1 % do valor resultante da soma do montante dos depósitos garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos, dentro do limite previsto no artigo 166.º, de todas as instituições de crédito autorizadas em Portugal e do montante dos depósitos garantidos pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, dentro do limite previsto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.o 345/98, de 9 de novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 126/2008, de 21 de julho, 211-A/2008, de 3 de novembro, 162/2009, de 20 de julho, 119/2011, de 26 de dezembro, e 31-A/2012, de 10 de fevereiro.
3- Se, depois de ser atingido o nível mínimo previsto no número anterior, os recursos financeiros do Fundo se tornarem inferiores a dois terços desse nível mínimo, o Banco de Portugal fixa o montante das contribuições periódicas de forma a atingir o referido nível mínimo num prazo de seis anos.
4- O Fundo pode contrair empréstimos ou outras formas de apoio junto das instituições participantes, das instituições financeiras ou de terceiros caso as contribuições cobradas nos termos do disposto no artigo seguinte e no artigo 153.º-H não sejam suficientes para cumprimento das suas obrigações e para cobertura das perdas, dos custos ou de outras despesas decorrentes da utilização dos mecanismos de financiamento e as contribuições previstas no artigo 153.º-I não estejam imediatamente acessíveis ou não sejam suficientes.
5- Os empréstimos previstos na alínea d) do n.o 1 não podem ser concedidos pelo Banco de Portugal.
6-O Fundo pode contrair empréstimos junto dos demais mecanismos de financiamento de resolução da União Europeia caso:
a)-Os recursos provenientes das contribuições iniciais e periódicas das instituições participantes não sejam suficientes para cumprimento das suas obrigações e para cobertura das perdas, dos custos ou de outras despesas decorrentes da utilização do Fundo;
b)-As contribuições especiais previstas no artigo 153.º-I não estejam imediatamente acessíveis; e
c) Os meios de financiamento previstos no n.o 5 não estejam imediatamente acessíveis em condições razoáveis.
7- O Fundo pode igualmente conceder empréstimos a outros mecanismos de financiamento de resolução da União Europeia a pedido destes e nas circunstâncias especificadas no número anterior, devendo a decisão de concessão do empréstimo requerido ser tomada com urgência.
8- O Fundo, sempre que requeira um empréstimo e sempre que decida conceder um empréstimo, acorda a taxa de juro, o prazo de reembolso e as restantes condições do mesmo com os demais mecanismos de financiamento de resolução envolvidos.
9- Sempre que o Fundo conceda um empréstimo a um mecanismo de financiamento de resolução de outro Estado membro da União Europeia e outros mecanismos de financiamento de resolução na União Europeia decidam também participar, os empréstimos devem ter o mesmo prazo de reembolso, taxa de juro e demais condições, sendo o montante emprestado por cada mecanismo participante proporcional ao montante dos depósitos garantidos pelo sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nesse Estado membro da União Europeia, dentro de um limite equivalente ao previsto no artigo 166.º, no que respeita ao montante agregado dos depósitos garantidos pelos sistemas de garantia de depósitos oficialmente reconhecidos nos Estados membros da União Europeia participantes, dentro de um limite equivalente ao previsto no artigo 166.º, salvo acordo em contrário de todos os mecanismos de financiamento participantes.
10- Os empréstimos concedidos pelo Fundo nos termos do disposto no n.o 8 são tratados como um activo do Fundo e podem ser contabilizados para o seu nível mínimo.
11- Os recursos provenientes das contribuições referidas nas alíneas b) e c) do n.o 1 só podem ser utilizados para os efeitos previstos no n.o 1 do artigo 145.º-AB, para reembolsar os empréstimos contraídos pelo Fundo para esses efeitos ou para conceder empréstimos a outros mecanismos de financiamento nos termos do disposto no n.o 8”.
[39]Com a seguinte redacção:
“Disponibilização de recursos
1- O Fundo disponibiliza os recursos determinados pelo Banco de Portugal para efeitos da aplicação de medidas de resolução.
2- Os recursos disponibilizados nos termos do disposto no número anterior que não sejam utilizados para a realização do capital social da instituição de transição conferem ao Fundo um direito de crédito sobre a instituição de crédito objecto de resolução, sobre a instituição de transição, sobre o veículo de gestão de activos ou sobre a instituição adquirente, conforme os casos, no montante correspondente a esses recursos, beneficiando do privilégio creditório previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 166.º-A.
3- A disponibilização de recursos financeiros nos termos do disposto no presente artigo processar-se-á com observância dos princípios, regras e orientações da União Europeia em matéria de auxílios de Estado”.