Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1305/12.3PAALM-B.L1-9
Relator: MARIA DA LUZ BATISTA
Descritores: EFEITOS DO RECURSO
EFEITO DEVOLUTIVO
INSTRUÇÃO CRIMINAL
NULIDADES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Efeito devolutivo do recurso significa que a sua interposição serve para que a instância superior analise, total ou parcialmente, a matéria controvertida. Ou seja, é a garantia de uma segunda opinião sobre o tema.

II - Quando se impugna uma decisão judicial por via de recurso, tem-se em vista um certo efeito útil, que se traduz, em primeira linha, na fiscalização da decisão pelo Tribunal superior e, em segunda, na modificação dela.

III - Uma das finalidades da Instrução é a de permitir ao arguido evitar o gravame de uma audiência pública, demonstrando, numa fase logicamente anterior, que a acusação não tem fundamento.

IV - A violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina nulidade do acto quando esta for expressamente cominada por lei.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:            I.

           No processo comum colectivo n.º 1305/12.3PAALM, o arguido F…, inconformado com a decisão constante do despacho proferido no dia 14.04.2016 (certidão a fls. 2 a 5 destes dos autos), pela qual o Mm.º Juiz a quo decidiu não admitir a instrução ordenada por esta Relação (conforme acórdão da 3.ª Secção e que se encontra junta a fls. 33 e segs), com fundamento na inutilidade superveniente da lide e por desistência do pedido de instrução, veio interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação e conclusões que aqui se dão por integralmente reproduzidas pugnando pela necessidade de se proceder à instrução como ordenado pela Relação.

          O Digno Magistrado do Ministério Público a a Assistente responderam.

           Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer.

           II.

           Analisando os autos verifica-se que:

           - O arguido F…, em prisão preventiva desde 25.03.2015, foi acusado da prática de um crime de violação, p.p. pelo artigo 164.º n.º 1, b e um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131.º e 132.º 1, 2, c, d, i todos do Código Penal.

           - Notificado da acusação em 28.07.2015, veio, em 09.10.2015, requerer a abertura de instrução.

           - Por despacho, veio o Mmo Juiz de Instrução Criminal indeferir a requerida abertura de Instrução por extemporânea, por despacho notificado ao arguido em 26-11-2015.

           - O arguido recorreu deste despacho, recurso que foi aceite com efeito meramente devolutivo e que foi distribuído à 3.ª secção do TRL.

          - Os autos foram remetidos a julgamento, foi realizado e proferido acórdão condenatório em 04.03.2016 (certidão a fls.896 a 922 destes autos) e depositado em 07.03.2016.

          - Em 16.03.2016, foi, pela 3.ª secção deste TRL proferido acórdão no referido recurso pendente, no qual se determina o recebimento do requerimento para abertura de instrução (certidão de fls.950 a 954 verso destes autos).

          - Em 18.04.2016, veio o arguido a recorrer do Acórdão condenatório proferido a 04.03.2016.

           - Em 26.04.2016, veio o arguido apresentar o recurso sub judice.

                                                 ***

           Cumpre decidir.

           Dizer que um recurso tem efeito devolutivo significa que a sua interposição serve para que a instância superior analise, total ou parcialmente, a matéria controvertida. Ou seja, é a garantia de uma segunda opinião sobre o tema.

           O efeito do recurso, suspensivo ou meramente devolutivo, tem, naturalmente, que ver com os interesses em jogo e, portanto, com a natureza da decisão impugnada, sendo muito claro que, em direito processual criminal, a lei, ao fixar o efeito, teve em consideração tanto aqueles como esta, o que, aliás, resulta do disposto no artigo 408.º do Código de Processo Penal, vendo-se dele que das decisões penais condenatórias contidas em sentença ou acórdão o recurso tem efeito suspensivo, e isto porque tais decisões não devem ser executadas sem que transitem em julgado (Assento DD79, de 11 de Março, STJ, DR - 1.ª SERIE, Nº 59, de 11.03.1978, Pág. 505).

          Efectivamente, quando se impugna uma decisão judicial por via de recurso, tem-se em vista um certo efeito útil, que se traduz, em primeira linha, na fiscalização da decisão pelo Tribunal superior e, em segunda, na modificação dela. Ora, no caso em apreciação, o efeito útil do recurso, na hipótese de modificação da decisão, só teria interesse se o efeito do recurso fosse suspensivo, tal como nos casos do referido artigo 408.º, pois, de contrário, ou seja, com efeito meramente devolutivo, pode vir a perder qualquer interesse.

           É que a Instrução, de natureza facultativa e realizada, em virtude de requerimento, por um Juiz de Instrução (art. 288°,1 CPP), visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art. 286°,1 CPP).

          Como bem refere o despacho recorrido, “ … não desconhecemos que uma das finalidades da Instrução é a de permitir ao arguido evitar o gravame de uma audiência pública, demonstrando, numa fase logicamente anterior, que a acusação não tem fundamento. E é verdade que esse direito do arguido, no entendimento do Tribunal da Relação, já foi postergado. Mas sobre isso já nada há a fazer, pois o tempo flui num só sentido, e o recurso foi interposto, recebido e julgado com efeito meramente devolutivo.

          Resumindo, quando o Tribunal superior determinou que o processo voltasse para a fase da Instrução, (em 16/3/2016), já a audiência de julgamento estava concluída (em 4/3/2016 - fls. 922), depositado o acórdão condenatório (em 7/3/2016 - fls. 924), e a decorrer o prazo para a interposição de recurso.”.

          Acresce ao facto que o poder jurisdicional do Juiz de Instrução Criminal, até dado o efeito meramente devolutivo do recurso interposto e a realização do julgamento e a prolacção do acórdão condenatório, se esgotou. Não tem aquele Mmo Juiz competência funcional para anular actos posteriores, e só em sede de recurso da decisão final, o Tribunal ad quem o poderia determinar.

           Finalmente, a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina nulidade do acto quando esta for expressamente cominada por lei – artigo 118.º do CPP.

           E, apesar da alínea d) do artigo 119.º, a nulidade, pressupondo a “obrigatoriedade”, não pode abranger a “falta” de instrução; como se disse, nos termos do artigo 286.º, n.º 2, a “instrução tem carácter facultativo” – cfr anotação 7 ao artigo 119.º, pag.389, CPP comentado, António Henriques Gaspar e outros, Almedina.

           III.

          1.º E é por tudo o que fica exposto, que, neste momento, este Tribunal não pode seguir outro caminho que não seja o de considerar que com a prolacção do acórdão condenatório em primeira instância se esgotou, em concreto, toda e qualquer utilidade prática da fase da Instrução, donde necessariamente decorre que a instância de recurso se tornou supervenientemente inútil (art. 277°,e CPC, ex vi do art. 4° CPP).

          2.º Custas a cargo do recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC’s com 1/3 de procuradoria e legal acréscimo.

Lisboa, 15.09.2016

(Maria da Luz Batista)

(Cláudio Ximenes)