Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
324/14.0TELSB-S.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: OPOSIÇÃO AO ARRESTO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I.A oposição ao arresto preventivo é decidida por despacho, constituindo a falta de fundamentação do mesmo irregularidade, a invocar no prazo do art.123, nº1, do CPP;
II.Não se considera fundamentado o despacho em que o Juiz, ao apreciar a oposição a arresto preventivo decretado, se limita a aderir aos fundamentos do requerente dessa providência, procedimento incompatível com o juízo crítico e pessoal que é exigível a um despacho judicial, insuficiente para um adequado convencimento dos destinatários, susceptível de causar dúvidas sobre a independência constitucionalmente garantida dos tribunais e sobre a efectiva garantia de um processo equitativo.
(Sumário elaborado pelo relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


Iº-1.-Nos presentes autos de arresto preventivo nº324/14.0TELSB, após requerimento do Ministério Público, por despacho de 15Maio15 (fls.174 e segs. deste apenso), foi decretado o arresto preventivo dos bens especificados nesse mesmo despacho.

A Sociedade S.P.N., S.A., deduziu oposição, invocando a nulidade da citação, alegando que o Ministério Público não tinha legitimidade activa para requerer o arresto, que é proprietária dos bens imóveis que identifica, que não existe receio de perda da garantia patrimonial e pedindo que os autos sejam remitidos à jurisdição cível.

O Ministério Público pronunciou-se sobre essa oposição, promovendo que seja mantida a medida de arresto e indeferida a remessa dos autos à jurisdição cível.

Conclusos os autos, o Mmo JIC, proferiu o seguinte despacho, datado de 24Ago.15 (fls.1090v. deste apenso):
"…
Fls.7570 e segs. (oposição apresentada por Sociedade S.P.N., S.A.):
Renovo o supra decidido no tocante a oposição de JS.
Consequentemente dou por reproduzida a posição do Mº.Pº. não reconhecendo a "nulidade de citação arguida", indeferindo o requerido, mantendo a medida de arresto provisório nos termos em que foi decretado.
Indefiro, nos termos promovidos a remessa dos presentes autos para a jurisdição cível, reputando a questão sob apreciação como de natureza eminentemente criminal.
Notifique.
…".

Notificada deste despacho, a SP.N., S.A. (fls.1092 e segs. deste apenso), invocou nulidade, por violação do art.120, nº1, CPP (denegação do direito da requerente produzir prova), subsidiariamente, irregularidade do art.123, CPP e, ainda, falta de fundamentação do mesmo, em violação dos arts.205, CRP e 607, 294, nº5 e 365, nº3, do CPC.

O Ministério Público respondeu, pronunciando-se pelo não reconhecimento das nulidades e irregularidade invocadas, após o que o Mmo. JIC, com data de 17Set.15 (fls.1100 deste apenso), proferiu o seguinte despacho:

"…
Fls.10340 a 10341 (ponto 14), com referência a fls.10318 a 10321 (Requerimento apresentado pela SP.N., SA) - Atentei e louvo-me na posição assumida pelo MºPº, à qual me arrimo e aqui dou por reproduzida, para todos os legais efeitos, não por falta de avaliação e ponderação própria da questão, mas por simples economia processual (remissão admitida pelo próprio Tribunal Constitucional - vidé Ac. TC de 30/07/2003, proferido no Pº485/03, publicado no DR II Série de 04/02/2004 e pela própria Relação de Lisboa, vide Ac. TRL de 13/10/2004, proferido no Pº5558/04-3), indeferindo-se o requerido.
Conclusivamente, com os fundamentos supra aduzidos, não se reconhece qualquer das irregularidades invocadas pelo requerente.
…".

2.-A requerida, SP.N., S.A., interpôs recurso, concluindo:

2.1-Tendo a recorrente sido notificada da douta decisão sob recurso em 31Ago.15 e sendo o prazo para interpor tal recurso da mesma de trinta dias contados da data daquela notificação - cfr. art.411, nº1, al.a), mostra-se o presente recurso tempestivo porque expedido não depois 30Set.15 (como aliás expressamente resulta do Despacho proferido a fls. 6509-6524);
2.2-Na douta Sentença recorrida fez-se ilegal aplicação das regras da distribuição do ónus da prova, tendo-se feito impender sobre a Recorrente o ónus de ilidir os pressupostos sobre que, alegadamente, teria assentado a decisão de decretar o arresto sobre três imóveis pertencentes à e registados a favor da Recorrente;
2.3-Diversamente, a correcta distribuição do ónus da prova impunha, à partida, reconhecer-se não estarem provados, na promoção do referido arresto preventivo, factos comprovativos da verificação dos mesmos pressupostos;
2.4-Mais, impunha-se, ante a matéria alegada e documentalmente provada pela Recorrente, ao Tribunal "a quo", a conclusão de que tais pressupostos, efectivamente, não se verificavam e, consequentemente, extinguir o arresto sobre os imóveis da Recorrente;
2.5-Isto porque a decretação do mesmo arresto assentou em premissas não sustentadas em qualquer facto e em conjecturas extraídas de tais falsas premissas, o que não poderia deixar de conduzir, como foi o caso, à decretação de um arresto ilegal;
2.6-Em contraponto, dois dos imóveis arrestados há muito não pertencem ao arguido e, seguramente, não lhe pertenciam à data em que, alegadamente, teria iniciado a prática dos ilícitos penais sob investigação;
2.7-O terceiro imóvel arrestado à Recorrente foi por esta directamente comprado a terceiro, tendo o preço sido pago através de cheque sacado sobre conta bancária de que era titular e por administradora diversa do arguido;
2.8-Os meios com que o arguido participou inicialmente no capital social da Recorrente e aqueles com que subscreveu sucessivos aumentos daquele capital foram por ele adquiridos antes do eventual início da actividade delitual pela qual é investigado;
2.9-Ainda antes do alegado início de tal actividade, o arguido era, consabidamente e aos olhos de todos, uma pessoa de posses avultadas e que auferia rendimentos devidamente declarados muito elevados;
2.10-Pretendendo-se, com a promoção e, sobretudo, com a decretação do arresto preventivo a garantia do perdimento, a favor do Estado e, eventualmente e ao abrigo do art.° 130.°, n.° 2, do Cód. Penal, também a favor de terceiros, das vantagens adquiridas pelo arguido com a sua alegada prática delitual, em passo nenhum do processo se indica que vantagens foram estas nem tal indicação, consequentemente, fundamentou a decretação do mesmo arresto;
2.11-Nos termos do art.° 111.°, do Cód. Penal, apenas as vantagens da actividade ilícita podem ser objecto de perdimento a favor do Estado e, não se indicando, mormente na douta Sentença posta em crise, que vantagens teriam sido estas, forçosamente os três imóveis da Recorrente não podem, validamente, ser arrestados;
2.12-Independentemente do mais, a Recorrente é terceira relativamente ao arguido e nada teve que ver, mesmo sob o prisma do titular da acção penal e promotor do arresto e do Tribunal "a quo", com a alegada prática, por este último, de qualquer ilícito que possa levar a que lhe seja aplicado o disposto no art.° 111.°, do Cód. Penal;
2.13-Não tendo o promotor do arresto preventivo intentado qualquer procedimento judicial tendente à impugnação dos negócios celebrados entre o arguido e a Recorrente nem tendo, por outro lado e ao abrigo do disposto no art.° 392.°, n.° 2, "in fine", do Cód. Proc. Civil, indicado que iria "lançar mão" de qualquer expediente impugnatório - acção de declaração de nulidade, de anulação, impugnação pauliana, etc. -, não pode o arresto tendente a assegurar o desiderato do referido art.° 111.°, do Cód. Penal, atingir o património adquirido e registado a favor desta última;
2.14-Mesmo o património do cônjuge do arguido, também ele administrador da Recorrente e agora presidente do seu Conselho de Administração, uma vez que o regime patrimonial do seu casamento é o da separação de bens, não se confunde com o do seu marido e, muito menos, com o da Recorrente;
2.15-Os direitos do arguido face à Recorrente tiveram a natureza de direitos de participação social e de direitos de crédito por suprimentos e nunca de direitos sobre o património imobiliário desta, pelo que, sem prejuízo do não cumprimento da parte final do art.° 392.°, n.° 2, do Cód. Proc. Civil, o arresto do património do arguido, no tocante à Recorrente nunca poderia, em abstracto, incidir sobre mais do que aquela participação accionista ou este crédito por suprimentos;
2.16-Porém, não tendo sido promovido o arresto de tais direitos de participação accionista nem de crédito por suprimentos, nem uns nem outros poderiam, agora, ser arrestados no âmbito do procedimento "sub judice";
2.17-Assim e por motivos substantivos, não devendo a douta Sentença recorrida ser mantida, deverá ela ser objecto de douto aresto revogatório que, dando provimento a este recurso, determine o levantamento do arresto decretado sobre o património imobiliário da Recorrente e a extinção dos registos que o exteriorizam; subsidiariamente,
2.18-Determinando a lei - cfr. art.° 228.°, n.° 4, do Cód. Proc. Penal - que, em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode ser determinada a remessa dos autos de arresto preventivo para o tribunal civil, é fora de dúvida que, no caso dos autos, essa controvérsia é gritante, afirmando-se na promoção do arresto que os três imóveis arrestados pertencem ao arguido e afirmando e provando documentalmente a Recorrente que os mesmo imóveis lhe pertencem a si;
2.19-Ao contrário do entendido na douta Sentença recorrida, não é a natureza criminal do arresto preventivo que é susceptível de determinar ou não a remessa do procedimento para o tribunal civil mas, como se disse, a eventual verificação de controvérsia sobre a titularidade dos bens arrestados;
2.20-A douta Sentença sob impugnação fez errada interpretação e aplicação do disposto no art.228, n°4, do Cód. Proc. Penal ao indeferir a requerida remessa dos autos para o tribunal civil com fundamento na natureza eminentemente criminal da causa, pelo que também neste segmento não pode ser mantida;
2.21-Em qualquer caso, na douta Sentença foi violado o direito da Recorrente de produzir a prova testemunhal que requereu, do que resultou nulidade do tipo previsto no art.120, n° 1, do Cód. Proc. Penal - que expressamente se invoca - e violação do disposto nos art.ºs 20, n°1, 32.°, n°5, da Constituição da República Portuguesa e 8.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, por denegação à Recorrente do direito a um processo justo e equitativo (ou "due process oflaw"), pelo que, ainda subsidiariamente, se justifica a revogação daquela douta decisão para que o direito violado seja garantido à Suplicante;
2.22-Também a citação da ora Recorrente se mostra ferida de nulidade - arguida já aquando da apresentação da oposição e não reconhecida na douta Sentença sob impugnação - uma vez que, não tendo sido acompanhada de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos necessários à plena, compreensão, pela primeira do seu objecto, nulidade essa resultante da previsão do art.° 219.°, n°3 e expressamente cominada no art.° 191°, n.° 1, ambos do Cód. Proc. Civil;
2.23-Uma vez mais a título subsidiário, juridicamente justifica-se a revogação da douta Sentença por douto aresto que determine a repetição da citação da Recorrente e a subsequente marcha dos autos, expurgada desta e de quaisquer outras nulidades.

Termos, sempre doutamente supridos pelo Venerando Tribunal "ad quem", em que,
a)concedendo provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida por douto acórdão que decrete o levantamento do arresto sobre os três imóveis que são propriedade da Suplicante e a extinção dos registos que o exteriorizam; subsidiariamente,
b)concedendo parcial provimento a este recurso, revogando a decisão recorrida por douto acórdão que reconheça a nulidade da citação e a nulidade consistente no  impedimento  do  direito  de  produzir  a prova.

3.-Admitido o recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, o Ministério Público respondeu, concluindo pelo seu não provimento.
4.-Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-geral Adjunto, apôs visto.
5.-Após os vistos legais, realizou-se a conferência.

6.-O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reconduz-se à apreciação das seguintes questões:
-nulidade do despacho recorrido;
-pressupostos da providência decretada e mérito da oposição deduzida.
-remessa dos autos ao tribunal cível;
*     *     *

IIº-1.-Em causa está arresto preventivo, medida de garantia patrimonial prevista no art.228, do Código de Processo Penal.

Será este o regime processual aplicável, só nos casos omissos se justificando apelo ao CPC (art.4, do CPP), ao contrário do que parece resultar das motivações do recorrente, que faz referência a normas do processo civil, nomeadamente ao art.607 do CPC (sentença), quando não existe lacuna no CPP que o justifique.

O arresto é decretado por despacho, como de forma expressa resulta do nº3, do citado art.228, pelo que a oposição ao mesmo também por despacho deve ser apreciada, o que retira fundamento à pretensão da recorrente de ver aplicado ao caso o regime das nulidades da sentença.

Invoca a recorrente a nulidade por não ter sido produzida prova que requereu, citando o art.120, nº1, do CPP.

Contudo, em relação ao incidente que está em causa, a lei não impõe a obrigação de tribunal produzir todas as provas indicadas pelas partes, podendo o tribunal apreciar a sua necessidade, razão por que a simples omissão de produção de provas não conduz à nulidade invocada.

Em relação à fundamentação, de acordo com o art.205, nº1, da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Em cumprimento desse preceito constitucional, o art.374, nº2, do CPP, consagra os requisitos da fundamentação da sentença, estabelecendo o art.97, nº5, do CPP, para os outros actos decisórios, que “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.

No caso, no despacho de 24Ago.15, proferido sobre a oposição da recorrente ao arresto, o Mmo Juiz decidiu "… não reconhecendo a "nulidade de citação arguida", indeferindo o requerido, mantendo a medida de arresto provisório nos termos em que foi decretado...", mas quanto ao fundamento dessa decisão limitou-se a dar por reproduzida a posição do Ministério Público, renovando o decidido no tocante a oposição de José Bastos Salgado, onde também não fora além da adesão àquela posição, acrescentado "… que acolho não por falta de ponderação própria da questão, mas por mera economia processual".

Ou seja, ao arrepio do exigido pelo citado art.97, nº5, há total omissão dos motivos de facto e de direito da decisão, assim deixando de satisfazer as exigências de fundamentação impostas por esse preceito legal.

Isso não significa, porém, que ocorra nulidade, pois a lei adjectiva penal consagrou em matéria de invalidades o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular – nºs 1 e 2 do art. 118° do CPP.

Ora, a falta de fundamentação das decisões, com excepção da sentença (al. a, do nº1 do art. 379.º do CPP), não se mostra cominada com a sanção da nulidade, razão pela qual constitui mera irregularidade.

Estas estão sujeitos ao regime do art.123, nº1, do CPP, o que a recorrente cumpriu, já que a invocou no prazo previsto nesse preceito legal.

O Mmo JIC não reconheceu esta irregularidade, para o efeito, aderindo, de novo, à posição do Ministério Público "… louvo-me na posição assumida pelo MºPº, à qual me arrimo e aqui dou por reproduzida….".

Em abono da legitimidade deste procedimento, apela ao Ac. TC de 30/07/2003, proferido no Pº485/03, publicado no DR II Série de 04/02/2004.

De facto, nesse acórdão (nº396/2003), o Tribunal Constitucional, seguindo o entendimento já expresso nos acórdãos nºs189/99 e 223/98, considerou não ser inconstitucional o procedimento do JIC ao remeter, no despacho de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, para a promoção do Ministério Público, por razões de economia processual, desde que não se suscitem dúvidas que é uma decisão pessoal do juiz e ponderando ainda o facto de, no processo penal, o Ministério Público não ser titular de interesses contrapostos aos do arguido.

O Tribunal Constitucional veio a manter este entendimento, no Ac. 391/2015 (Diário da República n.º 224/2015, Série II de 2015-11-16, reafirmando que "…não viola qualquer parâmetro constitucional, designadamente o princípio da reserva de juiz e o dever de fundamentação das decisões judiciais, a norma constante do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação da decisão que decreta a medida de prisão preventiva, pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público…", assim como no nº684/15 (Diário da República n.º 42/2016, Série II de 2016-03-01), este quando ao despacho relativo aos prazos máximos de prisão preventiva.

No caso em apreço, porém, não está em causa nenhuma das situações subjacentes aos mencionados acórdãos, nem equivalente a um despacho que por lei tem de ser proferido imediatamente ao termo do interrogatório do arguido e sem demoras nem hiatos que acarretem uma dilação desrazoável da decisão.

Em causa está decisão relativa a oposição a arresto preventivo, que o julgador profere no sossego do seu gabinete e não em acto processual equiparável a 1º interrogatório de arguido detido.

Por outro lado, o Ministério Público, embora agindo sempre com imparcialidade e objectividade, ao requerer o arresto, pretendendo assegurar interesses patrimoniais apresenta-se mais como uma parte de que como um órgão de justiça, o que deve levar o julgador a não deixar quaisquer dúvidas aos destinatários de que emite uma decisão pessoal e que não se deixou "ir atrás" de uma das partes, o que no caso pode suscitar dúvidas pois, além de se louvar na posição do Ministério Público, em relação a ela expressamente declara "…à qual me arrimo….".

Embora ao caso se apliquem as normas do processo penal, estando em causa um pedido controvertido de natureza cível e tendo em conta o princípio da unidade do sistema jurídico, não será despropositado invocar o art.154, nº2, do Código de Processo Civil que, em relação à fundamentação de despachos que não sejam interlecutórios, nem de manifesta simplicidade, impõe que a fundamentação "… não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição …".

Este procedimento, de remeter para a promoção do Ministério Público, com justificação em economia processual e atestando que não ocorre por falta de ponderação da própria questão, é prática de tal modo repetida em processos do tribunal recorrido que nos chegam para apreciação de recursos, que já começa a ser visto como despacho tabelar, incompatível com o juízo crítico e pessoal que é exigível a uma despacho judicial, proferido nos termos do art.202, da Constituição da República Portuguesa.

Ao tribunal incumbe assegurar a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos, no caso interesses patrimoniais relevantes (nº2, do citado art.202, da CRP), do que os destinatários poderão não ficar suficientemente convencidos com a simples adesão do julgador aos argumentos da parte contrária, por daí poderem resultar dúvidas sobre a independência constitucionalmente garantida (art.203, CRP).

Por outro lado, tal procedimento suscita, ainda, dúvidas sobre a efectiva garantia de um processo equitativo (art.20, nº4, CRP), o qual pressupõe, no âmbito jurisdicional, igualdade de armas, ou seja, paridade de condições entre as partes que reclamam justiça, o que não acontece quando o julgador adere acriticamente à posição de uma das partes, segundo as suas próprias palavras "…à qual me arrimo…", deixando sem resposta os argumentos aduzidos pela parte contrária.

Concluindo, por falta de fundamentação do despacho recorrido, reconhece-se verificada a irregularidade tempestivamente invocada pela recorrente e, em consequência, anula-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro apreciando a oposição apresentada pela recorrente em relação ao arresto de bens por ela identificados.

Em consequência, ficam prejudicadas as outras questões suscitadas pela recorrente.
*     *     *

IIIº-DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em dar provimento ao recurso interposto por SP.N., S.A., anulando o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro apreciando a oposição apresentada pela recorrente em relação ao arresto decretado quanto aos bens por ela identificados.
Sem tributação.


Lisboa, 17 de Maio de 2016


(Relator: Vieira Lamim)
(Adjunto: Ricardo Cardoso)