Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6261/19.4T8ALM-A.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
LIVRANÇA
CONTRATO DE CRÉDITO
PRESTAÇÕES MENSAIS
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - O prazo de prescrição ordinário é de vinte anos (artigo 309.º CC);
- Prescreve, porém, no prazo de cinco anos, o débito concretizado numa quota de amortização mensal de 60 prestações (iguais, mensais e sucessivas) referente ao capital de 4.119.287$00 (artigo 310.º, e), CC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A e B deduziram embargos à execução que lhe foi movida por C  pugnando pela extinção da execução com fundamento na inexigibilidade do pagamento da quantia exequenda por prescrição.
O exequente respondeu defendendo a improcedência da oposição.
O tribunal julgou improcedente a oposição.
Inconformados, os executados interpuseram competente recurso, cuja minuta concluira da seguinte forma:
“i. No contrato de crédito ao consumo ficou estipulado que o Reembolso seria em prestações MENSAIS iguais e sucessivas de capital e juros, podendo a primeira prestação ser de valor diferente;
ii. O dito contrato foi outorgado em 20-03-2000, data, igualmente, de emissão da livrança;
iii. O prazo prescricional de 5 anos é aplicável “sempre que se tenha estipulado o pagamento do capital em prestações, com os juros”;
iv. Segundo Ana Filipa Morais Antunes, “Na situação prevista na alínea e), não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizado num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido”.;
v. Foram acordadas 60 mensalidades, devendo a última ser paga a 21 de Março de 2005, e, tendo desde 21 de Junho de 2003 os executados M e L deixado de cumprir com o pagamento das prestações/mensalidades devidas, apenas em 30 de Maio de 2019 vem a exequente denunciar o mencionado contrato e a comunicar que iria preencher a livrança;
vi. A exequente age em momento em que o plano de pagamento acordado há muito que se encontrava já esgotado, não havendo, sequer, lugar a prestações vincendas, porque todas as inicialmente fixadas se mostram já vencidas;
vii. O início do incumprimento dos executados ocorreu há 16 anos;
viii. A última das prestações contratualmente estabelecidas e acordada venceu-se há 14 anos;
ix. O débito concretizado numa quota de amortização mensal de 60 prestações (iguais, mensais e sucessivas) referente ao capital de 4.119.287$00, enquadra-se na previsão legal do disposto no artigo 310.º, alínea e) do C.Civil;
x. Tal como sumariado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 29 de Setembro de 2016 (disponível in www.dgsi.pt) [...] apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, – a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
xi. A sentença revidenda violou o disposto no artigo 310.º do Código Civil.
xii. Deve a Sentença ora em crise ser nesta parte revogada, proferindo-se douto Acórdão que declare aplicável o prazo prescricional de 5 anos e, por conseguinte, prescrita a quantia exequenda, procedendo os embargos deduzidos.
Destarte, nestes termos e nos melhores que vós, Excelsos Desembargadores munificentemente suprirão, deve a Sentença a quo ser revogada, declarando-se prescrita a quantia exequenda, procedendo os embargos deduzidos, assim se fazendo JUSTIÇA!!’’
O Banco contraminutou pugnando pela confirmação do julgado.
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A única questão decidenda consiste em saber se a quantia exequenda está ou não prescrita.    
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São de considerar assentes os seguintes dados de facto:
- O título dado à execução é uma livrança emitida em 21/03/2000, subscrita pelos executados M e L, à qual os ora oponentes deram o seu aval, e que se destinava a garantir as obrigações assumidas por aqueles no âmbito de um contrato de crédito ao consumo celebrado com a exequente.
- Tal livrança, subscrita em branco, viria a ser preenchida pela exequente, somente, em 30/05/2019 conforme, aliás, dela consta.
- Igualmente nessa data, 30/05/2019, foram os ora oponentes notificados, por carta, da denuncia pela exequente do contrato celebrado com M e L, sendo devido o pagamento da totalidade do contrato e que, seria preenchida a livrança pelo montante de € 31.869,58, (cfr. doc. nº 1 que se junta e dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos).
- Ainda de acordo com aquela carta e, bem assim, igualmente decorrendo do requerimento executivo, a quantia total é composta pelas seguintes parcelas (no que a esta oposição releva):
a) capital - € 8.587,14;
b) juros remuneratórios devidos desde 21/06/2003 - € 22.223,50;
- O contrato de crédito subjacente à emissão da livrança ora título executivo foi outorgado em 21/03/2000, pelo prazo de 60 meses, amortizável em igual número de prestações de capital e juros remuneratórios (cfr. doc. nº 2 que se junta e dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos).
- Os executados M e L entraram em incumprimento em 21/06/2003 – data desde a qual se mostram computados os juros remuneratórios ínsitos na livrança (cfr. doc. nº 1).
- A presente execução deu entrada em juízo a 11/09/2019.
- É título executivo uma livrança entregue em branco à exequente, emitida em 21/03/200, com data de liquidação de 30/05/2019, e data se vencimento em 21/06/2019, com valor “caução”.
- Tal livrança, como se referiu, foi entregue em branco à exequente para “garantia e segurança do cumprimento das obrigações ora assumidas” (cfr. doc. nº 2), concretamente, para garantir/caucionar, o pagamento de um crédito ao consumo que a exequente, concedeu, a M e L, no valor de €20.546,91 ( 4.119.287$00 ) de capital, respetivos juros e demais encargos, o qual foi formalizado, entre aqueles, através de contrato datado e assinado, em 21 de Março de 2000.
- Foram acordadas 60 mensalidades, devendo a última ter sido paga a 21/03/2005.
- Desde 21/06/2003 os aqui executados M e L deixaram de cumprir com o pagamento daquelas mensalidades.
- A exequente denunciou o mencionado contrato em 30/05/2019, nessa data comunicando aos ora embargantes que iria preencher a livrança (cfr. doc. nº 1).
- No referido contrato ficou acordado que, em sede de crédito ao consumo: «[…] Montante (Inclui prémio de seguro, se aderiu) 4 119 287,00PTE prazo: 60 Meses Carência: 0 Meses Amortização: 60 Meses Taxa de Juro: a taxa de juro anual e nominal será de 14,0000%; a taxa de juro anual de encargos efectiva global inicial (TAEG) será de 16,052%. Reembolso: em prestações MENSAIS sucessivas de capital e juros, podendo a primeira prestação ser de valor diferente, por débito da vossa conta a ordem nº 210/35594/000.0. Garantia: para garantia e segurança do cumprimento das responsabilidades ora assumidas, o(s) Beneficiário(s) – e cônjuges e avalistas – subscrevem uma livrança em branco, declarando desde já, e por esta via, autorizar o seu preenchimento pelo Banco se e quando este considerar oportuno, pelo montante que compreenderá o saldo em dívida, comissões, juros remuneratórios e de mora. [...]»
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Do direito
É tradicional a distinção entre prestações instantâneas e prestações duradouras (v.g. A. Varela. Das Obrigações em Geral, Vol I, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 1986:85, Jorge Leite Areias Ribeiro de Faria, direito das Obrigações, Vol I, Almedina, Coimbra, 1990:81, Luís Meneses Leitão, Direito das Obrigações, 5.ª ed., Vol I, Almedina, Coimbra, 2006:135 Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008:699). Porém, os critérios definidores das prestações segundo esta classificação nem sempre coincidem. Vamos seguir Pessoa Jorge (Lições de Direito das Obrigações, AAFDL, Lisboa, 1975/1976:84).
Para este autor, o critério de distinção deve radicar na forma como é satisfeito o interesse do credor.
A partir deste critério, Pessoa Jorge distingue as prestações instantâneas das permanentes: “a prestação é instantânea quando interesse do credor é totalmente satisfeito num momento, extinguindo-se a obrigação’’; “a prestação é permanente quando o interesse do credor é satisfeito durante certo tempo e, portanto, vai reclamando certo novos actos do credor’’.
Observe-se que sob este ponto de vista a prestação de um empreiteiro, para utilizar o exemplo do autor, pode ser considerada instantânea ainda que implique o desenvolvimentos de actividades complexas e demoradas.
As prestações permanentes, na classificação de Pessoa Jorge, comportam duas espécies: i) “Prestação contínua, em que o interesse do credor é satisfeito momento a momento, ou seja, de forma constante. São contínuas a obrigação do locador de proporcionar ao locatário o gozo pacífico da coisa (artigo 1031.º CC) e, em geral, as obrigações negativas’’
ii) “Prestação sucessiva, em que o interesse do credor é satisfeito com intervalos regulares (prestação periódica) ou irregulares (prestação reiterada); será o caso da obrigação do arrendatário pagar mensalmente a renda ou de a entidade patronal pagar todas as semanas o salário dos trabalhadores’’.
Pessoa Jorge chama ainda a atenção­ para a necessidade de se não confundirem as prestações permanentes periódicas com as obrigações pagas a prestações. O pagamento a prestações, diz o autor, “pressupõe que a prestação tem por objecto coisa divisível e que o pagamento se faz fraccionadamente’’; “há aqui uma única obrigação, que em regra se paga duma só vez, mas relativamente à qual as partes acordaram, em geral para beneficiar o devedor, que fosse paga a prestações’’. “Todavia, a unidade fundamental mantém-se subjacente, de tal forma que, se o devedor deixar de pagar uma das prestações, o credor pode exigir o pagamento imediato de todas as que faltam (artigo 781.º CC)’’.
No caso sujeito discute-se no essencial se o prazo prescricional é de 5 anos ex artigo 310.º, e) CC, como pretendem os recorrentes, ou se é o prazo ordinário de 20 anos ex artigo 309.º como sustenta o Banco.
A alínea e) do citado artigo 310.º dispõe que prescrevem no prazo curto de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
Deve interpretar-se esta norma de acordo com um método objectivo-teleológico. Ora qual é a razão deste prazo de 5 anos?
Explica Manuel Andrade, por referência ao regime pretérito, mas que se aplica, sem sombra de dúvida ao nosso caso: “a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixa acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar’’ (Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol II, Almedina, Coimbra,1972:452).
Ou seja, estando a lidar com créditos periódicos, o que não seria o caso, o recurso improcederia (cfr. neste sentido, entre outros, Acs. RC de 01.07.2008, CJ, III:39, RC. de 26-04-2016, proc. n.º 525/14.0TBMGR-AC1, RL de 11.12.1997, CJ, V:124, de 12.07.2001, CJ, IV:85, de 05/03/2016, proc. n.º 3180/13.1TBOER.L1-1, de 03.10.2017, proc. n.º 203/16.6T8MTR.L1-7, estes em www.dgsi.pt e da RP de 03.04.2000, BMJ:311).
Acontece que o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido aplicar-se o prazo de prescrição quinquenal previsto no art. 310.º, al. e), do CC, às dívidas fracionadas, liquidáveis em prestações e, por isso, às obrigações híbridas ou mistas, normalmente acordadas no mútuo bancário. O objeto global está previamente determinado e não depende da duração da relação contratual, não influenciando o decurso do tempo o seu conteúdo.
Tratando-se de uma obrigação unitária, em que o pagamento do capital tem lugar ao mesmo tempo que o pagamento dos juros vencidos, aplica-se-lhe o prazo quinquenal de prescrição (Acs. de 26.01,2021, proc. n.º 20767/16.3T.8PRT-A.S2, de 16.06.2020, proc. n.º 23762/15.6T8PRT-A.P1.S1; de 29.09.2016, proc. n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1; de 27.03.2014, proc. n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1; de 05.06.2018, proc. n.º 9678/16.0T8PRT.P1.S1, de 18.10.2018, Proc. n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1).  .
Concluímos, pois, que tendo podido o recorrido reclamar o seu crédito desde 21.06.2003 (cfr. artigo 306.º CC) o prazo quinquenal já se encontrava esgotado quando em 11.09.2019 a execução deu entrada em juízo.
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Pelo exposto, acordamos em julgar procedente o recurso, e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida que substituímos por outra que julga procedente a excepção de prescrição e consequentemente os embargos com extinção da execução.
Custas pelo recorrido.
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18.03.2021
Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura