Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4794/17.6T8SNT-A.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: REQUERIMENTO PROBATÓRIO
ALTERAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – A alteração pelo autor do requerimento probatório , ao abrigo do nº2, in fine, do artº 552º, do CPC, tanto pode corresponder a uma substituição de provas anteriormente requeridas como a um aditamento de provas novas , ainda que testemunhal e mesmo que na petição não tenha arrolado uma qualquer testemunha.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

A [ Carla ….]  e outros  intentaram a presente acção contra B [ Gilberto ……]  e outros  tendo formulado pedido de declaração de nulidade por simulação das compras e vendas invocadas na petição inicial e com os fundamentos também ali articulados .
 Com a petição inicial, os autores juntaram diversos documentos destinados a fazer prova dos factos alegados.
A acção foi contestada.
Dentro do prazo de 10 dias a contar da  notificação, da contestação do 1º Réu aos autores vieram, estes, apresentar requerimento probatório requerendo a junção de mais documentos, a junção de documentos em poder da parte contrária, requerendo depoimentos de parte e arrolando testemunhas.
Foi designada audiência prévia e nesta a seu tempo foram  organizados os temas de prova.
Subsequentemente foi proferido o seguinte despacho, sobre o requerimento probatório apresentado pelos AA:
“Nos termos do disposto no art. 552.º, n.º 2, do CPC, “No final da petição inicial deve o autor apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; caso o Réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação”.
Acontece que, conforme resulta cristalino do referido n.º 2 ao Autor é permitido alterar o requerimento inicialmente apresentado. Ora, os Autores nos presentes autos, no seu requerimento inicial, não apresentaram qualquer rol de testemunhas, e não tendo apresentado o mesmo não podem alterar aquilo que não chegaram a formular.
Por esta razão é manifestamente intempestiva a apresentação de primitivo rol de testemunhas sem o ser com a petição inicial.
Já o mesmo não se diga da prova testemunhal (que os Autores juntaram) e da prova por confissão, na medida em que relativamente a estes a lei processual não só permite a junção tardia (prova documental) como mão obriga a que a mesma seja requerida com a petição inicial (depoimento de parte).
Assim sendo:
- admite-se a junção aos autos dos documentos efectuada por requerimento de 09-06-2017;
- admite-se o depoimento de parte …”

Deste despacho apelaram os AA que lavraram as conclusões que seguem:
Com a petição inicial, os Apelantes apresentaram o seu requerimento probatório, requerendo a junção de outros meios de prova – extractos bancários que comprovavam que o vendedor não tinha recebido qualquer montante pelas vendas simuladas, no valor declarado de € 78.054,98 e que, pelo contrário, tinha sido o suposto vendedor a pagar ao suposto comprador diversas quantias, ao longo de vários meses; além de terem sido levantadas, da mesma conta do pai dos autores, por um dos réus e utilizando um procuração caducada, a quantia de € 20.000,00, após a morte daquele.
Face à contestação apresentada, no prazo de 10 dias a contar da sua notificação, os autores vieram apresentar alteração ao requerimento probatório inicialmente apresentado. O que fizeram, juntando mais documentos, requerendo a junção de documentos em poder da parte contrária, requerendo depoimentos de parte e arrolando testemunhas.
Os autores fizeram por isso a alteração ao requerimento probatório inicialmente apresentado, nos termos do art. 552º, nº 2, do CPC, que refere expressamente o dever de apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.
Aquele preceito não obriga a apresentar necessariamente o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; podem ser apresentados só o rol de testemunhas, o rol de testemunhas e requeridos outros meios de prova, ou só requeridos outros meios de prova, cumprindo-se a primeira parte do disposto naquela disposição legal .
Aquele preceito não visa obrigar a parte a apresentar também necessariamente outros meios de prova. Os mesmos podem até não existir ou vir a revelar-se desnecessários face ao teor da contestação ou réplica que venham a ser apresentadas
Nos termos do disposto no art. 552º, nº 2 do CPC, tendo-se apresentado rol de testemunhas ou oferecido outras provas, o requerimento probatório pode ser alterado no prazo de 10 dias após a notificação da apresentação da contestação: requerendo a junção de documentos, de depoimentos de parte, apresentando-se o rol de testemunhas, ou alterando-se e aditando o anteriormente apresentado.
Se a legislação quisesse proibir a apresentação do rol de testemunhas aquando da alteração do requerimento probatório prevista no nº 2 do art. 552º teria utilizado uma redacção semelhante à formulada no art. 598º do CPC.
A diferente redacção do art. 552º nº 2 do CPC é por isso significativa e não pode, nem deve ser desprezada. Não é legal interpretar-se o disposto no nº 2 do art. 552 do CPC, como se o mesmo tivesse a redacção dada ao art. 598º do CPC, que rege um momento processual distinto.
A interpretação do art. 552º nº 2 do CPC é, no nosso modesto entender, abusiva e desproporcionada.
O despacho do Tribunal a quo viola por isso a justa composição do litígio a que os Apelantes têm direito, coartando os mecanismos processuais instituídos.
O art. 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o direito à tutela jurisdicional efectiva, em coerência com estatuições semelhantes do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, referindo a necessidade de disponibilização de mecanismos de pleno acesso dos cidadãos à Justiça e aos Tribunais.
A  interpretação dada ao referido art. 552º, no sentido de o mesmo proibir a alteração do requerimento probatório com a apresentação do rol de testemunhas, no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação, apesar de se terem requerido outros meios de prova com a petição inicial viola o art. 20º da CRP e é por isso inconstitucional.
Não foram juntas contra alegações
Objecto do recurso:
São as conclusões dos apelantes  que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Nesta senda a única questão cuja reapreciação se suscita a este Tribunal é a de saber se em face do disposto no artigo 552º do cpc, podem os autores, que na petição inicial apenas juntaram documentos  para prova dos factos alegados podem agora, nos 10 dias subsequentes à notificação da contestação arrolar testemunhas.
Conhecendo:
Fundamentação de facto:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade processual constante do relatório supra.
Fundamentação de direito:
A questão que o recurso coloca merece provimento. A nosso ver, a interpretação que o tribunal à quo faz das normas aplicáveis não é a melhor.
A norma aqui em causa é a constante do artigo 598º do Código de Processo Civil (diploma para onde se remete doravante, sem qualquer menção) segundo a qual: “1 - O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591.º ou nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 593.º.“
Da sua simples leitura se depreende que o CPC não estabelece qualquer limite à alteração do requerimento de prova na audiência prévia, pelo que o mesmo pode ser completamente alterado, de tal forma que o requerimento probatório definitivo pode ser em tudo distinto do inicialmente apresentado,  assim facultando a apresentação de diferente meio de prova,  e salvaguardando o contraditório.
O único requisito que a lei exige é o que tenha sido apresentado requerimento de prova nos termos do artigo 552º.
Este sentido da lei é também defendido por Paulo Pimenta In Processo Civil Declarativo, 2016, pág. 296 “não parece conhecer restrições, apenas se exigindo que a parte tenha apresentado inicialmente requerimento probatório, condição para se falar em alteração” e nota 679 “inclui-se, naturalmente, a hipótese de requerer meios de prova não indicados inicialmente. E também constitui alteração de requerimento probatório (permitida, pois) a circunstância de a parte vir agora arrolar testemunhas ou requerer perícia, quando (apenas) juntou à petição ou à contestação documentos para prova dos fundamentos da acção ou da defesa.”
Logo, apesar dos AA. apenas terem apresentado prova documental com a sua petição inicial, não estavam impedidos  de apresentar outros meios de prova no momento processual previsto no art. 598.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, como a confissão, a perícia, a inspecção judicial ou, como foi o caso, a testemunhal.
São do entendimento ora perfilhado, nomeadamente, as decisões constantes dos Acórdãos desta Relação de Lisboa de 15.09.2016 e de 23.03.2017, proferidos, respectivamente, nos Procs. 1130-14.7TVLSB-A.L1-8 e 425-16.0YIPRT-A.L1-6, ambos publicados em www.dgsi.pt.
Estatuição diversa ( e só aplicável quando existe prévio rol é a prevista no nº 2 desta norma, ( 2 - O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias ) mas de que se não cuida por não ser a situação dos autos.

Segue deliberação:
Em face do exposto, revoga-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que admita a alteração ao requerimento probatório dos AA, requerida.
Custas pela parte vencida a final dado que ao recurso não foi apresentada resposta.

Lisboa, 12 de Setembro de 2019
Isoleta Almeida Costa
Carla Mendes
Octávia Viegas