Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12724/17.9T8LSB.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: HABITABILIDADE DO LOCADO
DESPEJO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Não se comprovando a total falta de habitabilidade do locado enquanto violação do dever do senhorio de proporcionar ao inquilino o gozo do arrendado e fundamento da excepção de não cumprimento do pagamento de rendas, procede o despejo fundado na falta deste pagamento.

II. Ainda que a falta de meios económicos do inquilino e a dificuldade de encontrar solução social habitacional alternativa seja notória, quando o fundamento da oposição apresentada ao despejo evidencia fraca capacidade de alterar o prognóstico certo do despejo, de há muito assente na falta de pagamento de rendas, o diferimento da desocupação por dois meses mostra-se adequado, não se justificando aumentar o prazo respectivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório

MI…, mediante requerimento apresentado no Balcão Nacional de Arrendamento veio requerer a desocupação do locado sito na Calçada … nº …, … em Lisboa de que é proprietária contra FA… e FA… por força do não pagamento das rendas acordadas.
A Requerida FA… veio apresentar oposição invocando que pagou parte das rendas mas não recebeu o recibo correspondente, a casa está deteriorada com infiltrações, apodrecimento de madeiras, buracos, falta de isolamento, bichos, não reunindo o locado condições de habitabilidade, admitindo-se pois a invocação da excepção de não cumprimento contra a senhoria que não procede às obras, pelo que as rendas devem ser reduzidas ou totalmente suspendidas, não sendo devidas nos termos peticionados. Em função da sua situação de carência económica, peticiona o deferimento da desocupação.
O Requerido não deduziu oposição.
A Requerente pronunciou-se sobre a oposição deduzida, impugnando a falta de habitabilidade do locado, alegando que incumbiu um empreiteiro e uma empresa de exterminação de se deslocarem ao local mas que nenhum aí conseguiu aceder por razão imputável à Requerida, e impugnando que a Requerida tenha pago rendas até Agosto de 2016. Invoca que a excepção de não cumprimento só seria admissível em caso de privação total do direito de gozo da coisa locada. Quanto ao diferimento do pedido, invocou que a Requerida tem conhecimento da vontade da Requerente há mais de um ano, nada tendo feito para encontrar alternativa habitacional, e que se mostram transcorridos quase dois anos sem receber rendas.
Procedeu-se a julgamento com gravação da prova nele prestada, e em cuja audiência se proferiu despacho indeferindo a inspecção ao locado, face às fotografias que estão juntas aos autos, e seguidamente foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
Pelo exposto, julgo:
A) Improcedente a oposição apresentada por FA… ao Procedimento Especial de Despejo contra si formulado;
B) Procedente e válida a resolução do contrato efectuada pela MI…, condenando-se os Requeridos à entrega do locado livre de pessoas e bens e ao pagamento das rendas vencidas e não pagas, tal como devidamente notificados;
Custas pela Requerida, sem prejuízo do apoio judiciário.
Do deferimento da desocupação
Afigura-se que dos motivos invocados pela Requerida apenas pode ter alguma relevância a perturbação que a mudança de residência pode provocar na sua filha menor.
Ainda assim não pode o Tribunal deixar de ter em atenção que a situação é manifestamente insustentável para a A. há já inúmeros meses.
Assim sendo, afigura-se justificada a concessão de algum prazo de dilação que se fixa em dois meses, prazo este que se afigura razoável para que a Requerida possa reorganizar a sua vida noutro local.
Informe o Fundo de Socorro Social do IGFSS”.
Inconformada, a requerida interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1. Vem a presente Apelação interposta da douta Sentença, com cujo teor a Recorrente não concorda nem tão pouco se pode conformar, quer quanto à decisão da matéria de facto, quer quanto ao Direito, pois, para além de haver ampla prova acerca da falta de habitabilidade do imóvel, no caso de se manter o despejo, o diferimento da desocupação do imóvel devia ter sido por prazo nunca inferior a 5 meses e não apenas dois meses.
2. Aliás, é do domínio público que existe grande espera para atribuição de casas da CML e, ainda, que a procura de casas em Lisboa excede a oferta e portanto, a Apelante precisa pelo menos de cinco meses para arranjar outro local para morar.
3. A Apelante não aceita a Sentença porque encontra nela erros de julgamento conforme se demonstrará e também contradições, com relevo para o ponto 7 dos factos provados e alínea b) dos factos não provados.
4. Ora, uma coisa é a casa apresentar humidades sendo que, apenas isso não compromete a habitabilidade do locado.
5. Outra coisa, como se irá verificar pelo depoimento das testemunhas, fotografias juntas aos autos na sessão de Julgamento de 8-01-2018 e fotografias dos docs 4 até 9 da oposição, é estarmos perante uma casa velha, com rachas nas paredes, completamente degradada e com buracos, empolamentos, com paredes a cair e azulejos arrancados do chão e da parede, baratas e bichos, sem que a Apelada tenha mostrado interesse em a reparar e arranjar.
6. A única coisa que a Apelada fez foi mandar arranjar um cano roto (que brotava água) e que foi reparado tendo o canalizador deixado um buraco na parede e, ainda, tentar agendar a desinfestação das baratas. Pensa a Apelante que é manifestamente insuficiente face ao que devia ter sido feito pela Apelada.
7. No sentido de que devia dar-se como provado o facto 7 com a amplitude da matéria alegada no artº 25º da oposição e o facto da alínea b) dos factos não provados, invoca-se o depoimento de AM…, atrás transcrito, e que se encontra gravado digitalmente no sistema áudio da sessão de julgamento de dia 12-01-2018, com inicio aos 00.01.06 minutos e términos aos 00.06.06 minutos.
8. Ainda a confirmar a falta de habitabilidade do locado, invoca-se a testemunha NC…, atrás transcrito, e gravado digitalmente no sistema áudio da sessão de julgamento de dia 12-01-2018, com inicio aos 00.07.03 minutos e términos aos 00.09.48 minutos.
9. Ora, a par dos depoimentos atrás invocados, as fotografias juntas aos autos, docs 4 até 9 da Oposição e juntas na sessão de julgamento de 8-01-2018, não deixam margem para dúvidas de que não estamos perante apenas umas humidades nas paredes e armários, como julgou a MMª Juiz 7 da Instância Local de Lisboa.
10. Por fim, se havia dúvidas sobre o estado do imóvel, devia a MMª Juiz ter admitido a inspecção ao locado, sendo que tal diligência confirmaria a total degradação do locado.
11. De resto, a Sentença incorre em contradições na matéria de facto provada e na fundamentação pois, a MMª Juiz invocou no despacho de fls que indeferia a inspecção ao locado porque se encontravam juntas aos autos fotografias do estado do imóvel e, como tal, tal diligência era inútil e dilatória. Porém, não obstante tais fotografias juntas na audiência de julgamento do dia 8-01-2018, e que demonstram o mau estado do imóvel e a degradação, a MMº Juiz apenas considerou que o imóvel tinha humidades nas paredes e armários.
12. Sendo assim, dada a prova testemunhal e documental invocada, deve ser alterado o ponto 7 dos factos provados passando a incluir não apenas as humidades nas paredes e armários mas também a matéria alegada no art 25º da Oposição, pelo menos em parte, nomeadamente: “Que o locado apresenta paredes com humidades e empolamentos, a casa de banho tem a parede a cair, a cozinha tem falta de azulejos no chão e na parede, no corredor existe um buraco, os armários e portas da cozinha estão a empenar com a humidade e a casa tem baratas e bichos.”
13. Deve, ainda, ser dada como provada a alínea b) dos factos não provados.
14. Caso o Presente Tribunal tenha dúvidas sobre a prova da total falta de habitabilidade do imóvel, deve revogar o despacho da MMº Juiz de 1ª Instância que indeferiu a inspecção ao locado e ordenar a baixa dos autos para inspecção ao locado, e ulteriores termos do processo.
15. Confirmada que seja a falta de habitabilidade do imóvel, seja pela modificação da matéria de facto requerida seja pela inspecção ao locado, com baixa dos autos, em qualquer situação, deve ser revogado o despejo e procedente a exceptio deduzida em sede de oposição, para se fazer justiça.
16. Se for mantida a decisão no sentido da resolução por falta de pagamento de rendas, deve o Tribunal da Relação de Lisboa, atenta a matéria dos autos e a localização do locado – Lisboa, alterar a decisão e fixar 5 meses de prazo para o diferimento, única hipótese da Apelante não ir para a rua com a filha menor no prazo de 2 meses.
17. Para tal dever ser tido em conta as dificuldades económicas da Apelante, o facto de residir com uma filha menor, a dificuldade em se arrendar casa na cidade de Lisboa e a dificuldade em conseguir uma casa social, sendo que estes dois fundamentos são factos notórios e os outros estão provados.
18. A Apelante já se dirigiu aos serviços sociais da Câmara Municipal de Lisboa mas o processo é um processo burocrático e moroso que nunca poderia ser concluído a contento da Apelante com a disponibilização de uma casa no prazo de dois meses.
19. Deve, assim, ser revogada a sentença que ordena o despejo julgando pela exceptio do não pagamento das rendas por total falta de habitabilidade do locado imputável à Apelada.
20. Se assim não se entender, deve este Tribunal de recurso fixar o prazo de 5 meses para a Apelante desocupar o locado atendendo às dificuldades económicas que vive, ao facto de viver com uma filha menor e à dificuldade em arrendar casa em Lisboa ou conseguir que lhe seja atribuída uma casa no âmbito dos programas sociais da CML.
Nestes termos atrás expostos e nos doutamente supridos por V. Ex.as, deve ser concedido provimento ao presente recurso de Apelação, revogando-se a decisão da 1.ª instância nos termos peticionados, revogando-se o despejo ordenado ou, se assim não for, fixar-se o diferimento da desocupação do imóvel em prazo nunca inferior a 5 meses, (…)

Contra-alegou a recorrida, invocando a inexistência de fundamento para a alteração da decisão de facto, a irrelevância da alteração factual para a decisão jurídica da causa e pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a excepção de não cumprimento do contrato e o diferimento da desocupação.
III. Matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido é a seguinte:
“Estão provados os seguintes factos:
1. A A. é possuidora do prédio urbano sito na Calçada … nº …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artº …, da freguesia do Beato.
2. Por contrato de arrendamento celebrado a 27 de Agosto de 2014 a A. deu de arrendamento aos RR. o primeiro andar esquerdo do prédio, mediante a renda mensal de 350,00 €.
3. Os requeridos não pagaram as rendas referentes aos meses de Dezembro de 2015, Janeiro de 2016, Março a Novembro de 2016.
4. Ficando por liquidar até Novembro de 2016 a quantia de 3.850,00 €.
5. A A. resolveu o contrato, notificando os AA. da sua resolução a 21.12.2016.
6. A requerida ganha menos que o ordenado mínimo, vive com a sua filha menor, e sobrevive com dificuldades.
7. O locado tem humidades nas paredes e armários.

Factos Não Provados
a) Até Agosto de 2016 a R. pagou as rendas à irmã da A. por várias e sucessivas entregas em dinheiro que esta recebeu.
b) A requerida não pode morar no locado devido ao seu estado.

Motivação
A convicção do Tribunal teve por base os elementos documentais juntos ao processo, nomeadamente:
- Fls. 76 a 78 - contrato de arrendamento celebrado pelas partes;
- Fls. 7 a 9, 19, 20 a 22, 32 – Notificação judicial de resolução do contrato avulsa pelo não pagamento das rendas;
- Fls. 81 v – recibo vencimento da R.
- Fls. 85 – Assento de nascimento da filha
- Fls. 95, 96, 112 a 126 – comunicações trocadas entre as partes sobre a necessidade de obras, notificação da R. para desinfestação, fotografias.
A Ré não efectuou qualquer prova do alegado pagamento parcial das rendas a quem quer que seja, ou sequer da entrega à Autora do valor que lhe era dado pela Camara como ajuda para pagamento da renda. As declarações de parte não permitem aferir qualquer credibilidade ao alegado pagamento sendo que a Ré sequer sabia quanto teria alegadamente pago. Nada nos autos nos permite afirmar a veracidade dos alegados pagamentos ou do seu montante. Quando as condições de habitabilidade do locado as fotografias e os depoimentos das testemunhas permitem concluir pela existência de humidades no locado, armários velhos na cozinha, queda de um azulejo, mas nenhuma prova foi feita de que a R. não possa residir no locado, ou que os problemas verificados seja efectivamente graves e que comprometam a habitabilidade. Quanto à existência de insectos e bichos no locado foi feita prova que foi arranjado pela A. uma deslocação ao local pelo técnico da R… que não conseguiu aceder ao interior da casa porque a Ré ali não se encontrava. Também ML…, canalizador, referiu que fez reparações no locado mas que era difícil o agendamento com a Ré. Estes elementos de prova apenas demonstram que a Autora tinha vontade e empenho em colaborar na manutenção do locado.
Os elementos de prova carreados para os autos, seja das declarações de parte da A. seja dos testemunhos ouvidos permitiram concluir que apesar da vetustez do imóvel as obras e reparações necessárias não são sequer urgentes, e não comprometem a habitabilidade do mesmo tanto assim é que a R. ali reside.
Os factos não provados decorrem da inexistência de qualquer meio de prova que com suficiente força ou credibilidade permita aferir da sua veracidade”.

IV. Apreciação
1ª Questão:
Considerações prévias:
A recorrente invoca contradições na matéria de facto provada e na fundamentação pois, “a MMª Juiz invocou no despacho de fls que indeferia a inspecção ao locado porque se encontravam juntas aos autos fotografias do estado do imóvel, como tal, tal diligência era inútil e dilatória. Porém, não obstante tais fotografias juntas na audiência de julgamento do dia 8.01.2018, e que demonstram o mau estado do imóvel e a degradação, a MMª Juiz apenas considerou que o imóvel tinha humidades nas paredes e armários. Ora, as fotografias que constam dos autos do imóvel em conjugação com os depoimentos atrás transcritos não deixam margem para dúvidas de que não estamos perante meras humidades nas paredes e nos armários”
A recorrente invoca ainda que “Por fim, se havia dúvidas sobre o estado do imóvel, devia a MMª Juiz ter admitido a inspecção ao locado, sendo que tal diligência confirmaria a total degradação do locado”. No corpo do seu recurso, e mais adiante, refere “Caso o Presente Tribunal tenha dúvidas sobre a prova da total falta de habitabilidade do imóvel, deve revogar o despacho da MMª Juiz de 1ª Instância que indeferiu a inspecção ao locado e ordenar a baixa dos autos para inspecção ao locado e ulteriores termos do processo”.
Como é claro, as questões da contradição e da revogação do despacho inserem-se antes no domínio da reapreciação de decisão de facto, sem se apresentarem como questões autónomas.
A recorrente não invocou autonomamente a nulidade da sentença – que enquanto vício na construção do raciocínio, quer fáctico, quer jurídico, não se evidencia, antes podendo apenas tratar-se dum erro na apreciação da prova – nem de resto em bom rigor recorre do despacho que indeferiu a inspecção ao local, sendo que apenas o faz condicionalmente – se o tribunal recorrido e se este tribunal de recurso não se convenceram/convencerem, pelos meios que estão no processo, não só daquilo que foi alegado quanto ao estado da casa como, em consequência, da total falta de habitabilidade, então diga-se que há contradição entre a fundamentação de facto e a fundamentação do despacho que indeferiu a inspecção e revogue-se este despacho e ordene-se ao tribunal recorrido que proceda à inspecção.
Ora, os recursos não são interpostos de forma condicional, ou se concorda ou aceita a decisão ou não se concorda e se impugna a mesma, e neste caso têm de ser apresentados os fundamentos dessa discordância. 
A inspecção ao local não é um meio de prova obrigatório, sendo apenas deferida quando o tribunal o entenda conveniente – artigo 490º do CPC. A recorrente haveria de ter indicado porque razão, ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, a diligência não era inútil nem dilatória: por exemplo, porque não havia nenhum outro meio de prova, nenhuma testemunha havia que pudesse depor sobre o estado da casa, porque não tinha conseguido fornecer melhores ou mais fotografias, porque as fotografias não permitem apreender o estado de humidade. Não tendo sido alegado nada disto, e sendo que, como resulta da motivação do tribunal, foram apreciados diversos meios de prova sobre a questão do estado da casa, não resulta que se deva revogar o despacho que indeferiu a inspecção. Até porque, repare-se, a total inabitabilidade do locado é um conceito, uma conclusão, e para o/a fundamentar a Ré, e ora recorrente, forneceu as fotografias e alegou diversos aspectos da degradação, sendo porém evidente que a descrição feita e as fotografias fornecidas dificilmente aportariam a tal conclusão de inabitabilidade, donde se compreende que o tribunal recorrido tenha considerado que a diligência de inspecção era dilatória e inútil. 
Acresce que essa mesma ponderação conjugada e concatenada de diversos meios de prova – fotografias, depoimentos testemunhais, trocas de comunicação entre as partes e até o pedido de intervenção de uma empresa de exterminação – não permite concluir por uma contradição entre indeferir-se a inspecção e dar-se apenas como provado o que foi dado como provado quanto ao estado da casa.
Em ambos os casos – revogação do despacho e contradição – a recorrente parte do princípio que o resultado da inspecção teria de ser exactamente o que pretende, isto é, um tal estado de degradação que permitisse concluir pela inabitabilidade, esquecendo que a inspecção é presidida pelo juiz e como tal é subjectiva: não só as rachas podem ser vistas como meras fissuras, por exemplo, como a impressão geral de inabitabilidade pode não ser sentida pelo juiz. Ou seja, a inspecção não é um meio de prova infalível da versão apresentada por uma das partes.
Portanto, não procede a questão da contradição nem a questão da eventual revogação do despacho que indeferiu a inspecção ao locado.
Pretende a recorrente que, ao invés da versão simples do ponto 7 dos factos provados, se dê como provado o teor do artigo 25º da oposição ou, ao menos, que “o locado apresenta paredes com humidades e empolamentos, a casa de banho tem a parede a cair, a cozinha tem falta de azulejos no chão e na parede, no corredor existe um buraco, os armários e portas da cozinha estão a empenar com a humidade e a casa tem baratas e bichos.”
A redacção do artigo 25º da oposição é a seguinte: “Desde Agosto de 2016 que as paredes apresentam humidades, a cozinha tem buracos, nas divisões da casa entra o vento, as paredes da casa têm empolamentos, os armários e portas da cozinha estão podres e a desfazerem-se, a casa tem baratas e bichos que saem pelas paredes e que não se conseguem eliminar, cf. doc 4 até 9, que se juntam, a título meramente exemplificativo, justificando-se sim uma visita/inspecção ao locado, que se requer, para constatação pelo Tribunal da falta de condições do local, se assim for entendido”.
Pretende ainda a recorrente que se dê como provado que “A requerida não pode morar no locado devido ao seu estado”.

Ora bem, esta última matéria é absolutamente conclusiva, como dela própria consta – “devido ao seu estado”. Por isso, e nos termos do artigo 607º do CPC, não pode constar da matéria de facto, não devia sequer constar dos factos não provados – o que porém é indiferente, porque se queda por uma incógnita e não corresponde à afirmação contrária – e por isso não será reapreciada.
Ademais, a capacidade de viver num local degradado varia de pessoa para pessoa, e só pode estabelecer-se juridicamente mediante um patamar mínimo objectivo, ou seja, mediante uma conclusão de que determinado estado de degradação é objectivamente, em termos médios, em termos do locatário médio normal, intolerável.

Vejamos então a pretensão quanto ao facto alegado sob 25º da oposição.
1ª pretensão: - deve dar-se como provado tudo quanto alegado nesse artigo:
               
Este tribunal procedeu à audição integral da audiência de julgamento, incluídas as alegações dos ilustres mandatários.
Depuseram o canalizador/empreiteiro, o técnico da empresa de exterminação R…, a avó da filha da Ré e uma amiga da Ré.
Resultou assim que a fracção locada se localiza no 1º andar dum prédio de placa de 1951. Admitamos que o prédio é antigo e que o seu estado geral não será bom. O canalizador bem afirmou que no r/c, que anda agora a reparar, existem muitas humidades. E na fracção locada?
Salvo o devido respeito, as fotografias ilustram armários a fachada do armário sob a bancada do lava louças com a madeira bastante estragada por humidade, identicamente mais à esquerda, tinta descascada e já caída, faltas de tinta na porta do armário logo abaixo, uma racha com empolamento de tinta numa parede, a falta de um azulejo numa parede, falta de mosaicos no chão na zona duma umbreira de porta que se mostra também deteriorada, falta de tinta num empolamento de parede, identicamente com fundo negro no interior dos espaços onde falta tinta. Nas fotografias juntas em audiência vemos, mais uma racha em parede, pequeníssimas borbulhas de tinta numa parede, a repetição de fotografia junta com a oposição, um buraco junto ao topo do que parece ser a caixa do contador, no interior do qual se vê um cano (parte inferior), falhas de tinta na umbreira duma porta (duas fotos), novamente a fotografia dos armários da cozinha, uma fotografia do que parece ser o varão da cortina de banho na casa de banho, em que o mesmo está deslocado, na fixação, da parede, num dos lados, percebendo-se que os parafusos deste lado não vão até ao fim do seu devido aparafusamento, nova fotografia do azulejo em falta no que é alegado ser a cozinha, uma fotografia dum chão de taco de madeira, na zona duma porta, ao qual se segue uma área negra, falhas ligeiras de estuque na parede que encima o que parecem ser mosaicos ou azulejos, repetição da fotografia sobre mosaicos em falta.
O arrendamento data de 27 de Agosto de 2014.
Disse o canalizador que foi arranjar a tomada do quarto no início do arrendamento, e que a casa estava boa. Disse a avó da filha da Ré que a casa era velha, estava mais ou menos, disse a amiga da Ré que os defeitos estavam bem escondidos.       Ora, em dois anos a casa degradou-se assim tanto?
Vamos descartar a hipótese do mau uso, porque é despropositada porque não foi oferecida qualquer prova, directa ou indirecta, disso.
Em dois anos uma casa degrada-se muito? Não: em dois anos, num prédio antigo, a casa degrada-se nas zonas mais sensíveis, isto é, em cozinhas e casas de banho afectadas por infiltrações devidas ao mau estado das condutas de água e esgotos. A zona do prédio é particularmente húmida? Não. Portanto, a existência de humidades tem relação apenas com essas zonas mais sensíveis – até porque numa situação de normalidade, aos invernos húmidos sucedem-se os verões mais quentes, e mesmo relativamente a pessoas que trabalham, em alguma altura de cada dia as janelas serão abertas.
Ninguém falou em vento a entrar nas divisões da casa, ninguém falou em buracos na cozinha (falou-se no buraco deixado pela reparação do cano), dos armários e portas da cozinha podres resulta, entre a falta de especificação das testemunhas (só a avó falou na bancada do lava louças) e as fotografias juntas, que se trata apenas do armário por baixo do lava-louças, foram afirmadas as baratas e quanto a outros bichos a amiga falou em aranhas e assim, ou seja, com o devido respeito, os “bichos” que existem em qualquer casa normal, e que sugerem a necessidade das chamadas limpezas de primavera, e quanto à impossibilidade de eliminar os bichos e as baratas ninguém falou. É normal que em zonas particularmente húmidas e localizadas junto aos canos, apareçam baratas, mas é também sabido que a utilização diária das águas correntes torna mais difícil às baratas subirem pelos canos. Portanto, não temos evidência que as baratas fossem incontroláveis, nem que fosse preciso realmente a intervenção de empresa especializada – até porque, se somos sensíveis ao argumento de que a Ré tem dificuldade em trocar horários no emprego, em todo o caso há motivos que justificam faltas, ainda que não estejam previstos na lei laboral, sendo porém certo que o poder de considerar uma falta mesmo não prevista na lei laboral como justificada pertence à entidade patronal, e que por mais difíceis que sejam os tempos, se se apresentar precisamente o documento que comprova a intervenção de empresa exterminadora duma praga com a qual se não consegue mesmo viver, muito possivelmente tal falta é considerada justificada. Seja como for, a Ré também não demonstrou que não pudesse pedir a Fábio, que tem de ficar com a sua filha de vez em quando para a Ré ir trabalhar, ou à mãe de Fábio, ou até à vizinha de cima, irmã da Autora que diligenciou pela ida do técnico da R…, que abrissem a porta, ou seja, não há fundamento particularmente sério para considerar que havia baratas e bichos que saem pelas paredes (até porque as baratas em geral não saem pelas paredes, mas pelos canos) e que não se conseguiam eliminar.
Portanto, da primeira versão (integral do artigo 25º) o tribunal deu como provado que havia humidades nas paredes e armários, podendo apenas dizer-se que as humidades provocam empolamentos de tinta, sendo por isso irrelevante afirmar como provado que as paredes têm empolamentos. O armário sob a bancada do lava-louças está a desfazer-se, está podre? Está com muito mau aspecto, é verdade, mas não se consegue perceber se está mesmo podre ou se com lixa e nova pintura não ficaria bem. O canalizador afirmou que sendo os armários de madeira acontecia que as portas estevam empenadas, fechando em baixo mas não assentando totalmente em cima, mas nem isso se vê nas fotografias. E de resto, com o devido respeito, qual seja a gravidade disso em termos de habitabilidade é relativamente difícil de perceber.
Mesmo na 2ª versão de alteração pretendida, onde se acrescenta o não alegada, mas falada em audiência, queda da parede da casa de banho, a fotografia não o demonstra e foi a avó da filha da Ré que veio dizer que um primo seu tinha reparado a parede. Admitimos que por via das humidades provadas nas paredes, e com naturalidade na casa de banho, o estuque da parede não esteja particularmente seguro para aguentar o varão da cortina, mas isso não é a parede estar a cair. A falta de azulejos é apenas, nas fotografias, de um azulejo, e as testemunhas referem que o mesmo era colado e voltava a cair. Também as fotografias reflectem a falta de mosaicos/azulejos no chão, mas na zona limitada duma umbreira de porta. Ora, sendo o prédio de placa, o que está por baixo dos mosaicos é cimento armado, e não vem alegado que haja buracos, ou sequer que a criança pudesse tropeçar no desnível. Existe de facto um buraco na parede do corredor, ao alto (vê-se que se situa mais perto do tecto) e não se percebe, ao contrário da afirmação da avó, porque é tal buraco na parede é um perigo para a neta (que se tem 4 anos, não tem altura sequer para chegar ao buraco (onde de resto passa um cano, e portanto não há perigo absolutamente nenhum). Admitimos que armários e portas da cozinha (e número que não sabemos qual) estejam a empenar com a humidade, assim resulta aliás do depoimento do canalizador. 
Assim, aditamos à matéria de facto provada um número 8 com o seguinte teor:
“8. Na parede da cozinha falta um azulejo, numa zona limitada a uma passagem duma porta existe falta de mosaicos no chão, no corredor está um buraco na parede, mais perto do tecto, que resulta duma reparação de um cano, número não apurado de armários e portas da cozinha estão a empenar com a humidade”.

2ª Questão:
A sentença recorrida discorreu:
“Resulta da factualidade provada que a Autora e os Réus celebraram entre si um contrato de arrendamento, a Autora como senhoria e os Réus como arrendatários, uma vez que declararam celebrar contrato de arrendamento mediante o pagamento de uma renda mensal (arts. 1.º e 3.º do Regime do Arrendamento Urbano).
Nos termos do art. 1038.º a) do Código Civil é obrigação do arrendatário, entre outras, pagar a renda. Assim, nos casos em que o arrendatário não paga a renda no dia do vencimento desta constitui-se em mora, podendo fazê-la cessar mediante o pagamento da renda no prazo de oito dias (art. 1041.º n.º 2 do Código Civil). No entanto, é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda. É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses. A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês. Ora, também no presente caso, o não pagamento da renda ou dos encargos constitui uma infracção grave praticada pelo arrendatário, que põe em causa o nexo sinalagmático que caracteriza o contrato de arrendamento, pelo que se justifica que possa determinar a resolução do contrato.
No caso dos autos, verifica-se que os arrendatários não procederam ao pagamento de inúmeras rendas, não se tendo sequer provado o seu pagamento parcial, conforme alegado.
O arrendamento, na perspectiva do senhorio, é um contrato de prestação continuada, na medida em que tem a obrigação de proporcionar o gozo da coisa ao locatário (art. 1031.º b) do Código Civil) e, na óptica do arrendatário, de execução periódica, pois a sua obrigação fundamental é pagar as rendas devidas, em regra, mensalmente (art. 1038.º a) do Código Civil).
No presente caso, mostram-se efectivamente incumpridas a obrigação básica do locatário, dado que, sem qualquer justificação, não paga qualquer valor pela fruição do locado.
No que se refere à invocada falta de habilidade do locado que justificaria o não pagamento da integralidade das rendas, e portanto a existência de uma excepção de não cumprimento, também nada se apurou.
Diga-se que os problemas do imóvel identificados pela Ré não põem sequer em causa a sua habitabilidade e tanto assim é que a Ré ali reside.
Para melhor compreensão nada como a leitura do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.03.3016, in www.dgsi.com, onde se refere:
“Ora, se assim é, inexiste, em nosso julgamento, um qualquer desequilíbrio contratual que justifique, de um ponto de vista de proporcionalidade e boa-fé, a exceptio em apreço. De facto, ao invés, mantendo-se os inquilinos no gozo e fruição do locado, a despeito dos seus vícios ou anomalias, que prejudicam a sua habitabilidade, [...] o equilíbrio contratual, a proporcionalidade entre as prestações, obrigava ou exigia que os mesmos mantivessem o pagamento da renda (ou, pelo menos, de uma sua parte significativa), não sendo aceitável, por desproporcionado e contrário à boa-fé, que, nesse circunstancialismo, pura e simplesmente, tivessem os mesmos – como sucedeu – suspendido ou cessado, em absoluto, o pagamento da renda devida.
Uma tal conduta não merece o acolhimento da ordem jurídica e, concomitantemente, o não pagamento das rendas em apreço só podia conduzir, como conduziu, à resolução do contrato e consequente despejo do locado, sem prejuízo, ainda, do pagamento das rendas vencidas e vincendas, precisamente enquanto contrapartida pelo gozo do imóvel locado.”
Ou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.03.2017, in www.dgsi.com:
“O sinalagma do contrato de arrendamento verifica-se entre a obrigação do senhorio de proporcionar ao arrendatário o gozo temporário do imóvel e a obrigação do arrendatário de pagar a renda acordada. Em conformidade, o arrendatário apenas poderá alegar excepção de não cumprimento do contrato no contrato de arrendamento, quando o senhorio não proceder à entrega do prédio, não podendo alegar tal instituto quando está em causa a obrigação de realização de obras no locado a cargo do senhorio. Nestes termos, a alegação de incumprimento quanto à obrigação de realização de obras de conservação e de reparação no locado por parte da senhoria não constitui um meio de defesa legítimo e eficaz da arrendatária contra o incidente de despejo imediato por falta de pagamento de rendas.”.
De facto, sendo a renda a contrapartida ou o correspectivo do gozo do locado – que o senhorio é obrigado a assegurar – e mantendo-se os inquilinos, a despeito das deficientes condições de habitabilidade do locado, nesse gozo (portanto, sem qualquer privação total ou parcial), constituiria uma situação de evidente má-fé e abuso de direito poderem os inquilinos ali permanecer e ali manter a sua habitação, sem, em contrapartida, pagarem, durante anos e meses a fio, uma qualquer contrapartida, ou seja gratuitamente.
Termos em que deve o presente procedimento especial proceder pela improcedência da oposição apresentada”. (fim de citação e sublinhado nosso).
               
Como se vê do recurso, não vem posta em causa a matéria de facto relativa ao não pagamento de renda. Portanto, toda a problemática do recurso passa pela alegada inabitabilidade total da casa, enquanto incumprimento da obrigação principal do senhorio, e fundamento por isso da exceptio.
As alterações feitas à decisão da matéria de facto, ou mesmo o que o tribunal recorrido já havia dado como provado, alteram ou não justificam a conclusão do tribunal de que não está demonstrada a total falta de habitabilidade do locado?
Não. Salvo o devido respeito, não há nenhum padrão legal sobre o estado em que uma casa tem de estar para ser arrendada, não decorre da lei que o senhorio só pode arrendar uma casa de 1951 se a tiver remodelado integralmente. Está na livre vontade das partes arrendaram as casas no estado em que se encontrarem, desde, obviamente, que esse estado não comprometa a possibilidade de gozo da casa pelo inquilino. Se algum padrão ou referência pode resultar da lei, é precisamente na decorrência do dever de proporcionar o gozo, o uso e fruição, para o fim a que se destina, que implica que haja condições mínimas de habitabilidade segundo os padrões de vida modernos, ou seja, que a casa tenha luz, água, seja segura, esteja protegida dos elementos da natureza. Isto nada tem a ver com o tipo de armários, o tipo de revestimentos. Isto nada tem a ver com faltar um azulejo na parede da cozinha. Ou melhor dizendo: - em que é que a falta dum azulejo na cozinha, a falta de nem meia dúzia de mosaicos no chão, pequenas rachas e ligeiros empolamentos na tinta, ou um armário de cozinha degradado, um buraco na parede que não foi tapado, impedem o gozo, uso e fruição do locado? Em nada. Em que é que humidades nas paredes impedem o gozo, uso e fruição do locado? Se tais humidades fossem generalizadas na casa toda, se os tectos estivessem cobertos de bolores negros, se das paredes escorresse, Inverno e Verão, água, ainda se poderia compreender, e em todo o caso sempre se diz que, mesmo com a “questão social” que marca o processo, se não há meios para comprar um desumidificador, nem mesmo um termo-ventilador ou um aquecedor a gás, então a solução tradicional é a abertura frequente das janelas. Repare-se que a Ré não apresenta fotografia nem alega sequer que o tecto da casa de banho tem humidade, que o tecto da cozinha tem humidade, que as roupas estão absolutamente inutilizáveis pelo cheiro a mofo.
Em suma, não se demonstra a total falta de habitabilidade do locado, não se demonstra que a recorrente não possa morar no locado, e como tal improcede a fundamentação da alegada excepção que permitira à recorrente não pagar as rendas.
Nada sendo posto em causa quanto ao restante fundamento do despejo decretado, terá de se confirmar a sentença recorrida.
3ª Questão:
Do diferimento da desocupação:
Não vamos pôr em causa – resulta do facto provado nº 6, ainda que em julgamento se tivesse falado que a recorrente recentemente teria tido uma melhoria económica – que a recorrente tem falta de meios económicos, que tem uma filha a cargo, e que o seu ordenado não lhe permite arrendar uma casa, possivelmente aos preços de hoje, nem um quarto, em Lisboa, e simultaneamente pagar as suas demais despesas de sobrevivência e as da filha. Que estamos perante um problema ou questão social estamos. Que há falta de casas para pessoas carenciadas de habitação há, que também não é sério afirmar que é inevitável a deslocação para os mais afastados subúrbios ou para a província, não é, porque a oferta de emprego em tais locais é limitada e porque é insustentável, do ponto de vista da resistência física e mesmo do custo de transporte, alguém manter o emprego no centro de Lisboa e residir a vários meios de transporte e várias horas de distância.
Mas, sendo o problema social – e mais correctamente político – e sendo verdade que estamos todos implicados na sua resolução ou nas consequências da sua não resolução, ainda assim o modo dessa implicação não está previsto na lei em mais do que a necessidade participativa, seja pelo voto no funcionamento das instituições, seja por actividade em associações cívicas, mas não como uma atribuição pessoal sacrificial partida do acaso, ou seja, a senhoria tem o dever de votar nas eleições, tem o dever de cidadã de participar pelo melhor modo possível na luta para que todos tenham condições mínimas de sobrevivência (e não apenas de habitação), mas não tem o dever de ser ela, sozinha, a suportar o encargo que o acaso lhe trouxe, duma inquilina que deixou de ter capacidade económica para pagar a renda. De resto, a lei também não prevê a imposição forçada dum abaixamento de renda.
Assente-se portanto no princípio bastante duro de que quem arrenda uma casa tem de pagar a renda e se não a paga tem de sair. Na lógica do funcionamento deste princípio, teria de sair logo que fosse decretado o despejo. A sentença recorrida foi sensível ao problema social e conjuntural, ou seja, à falta de meios e à falta de casas e soluções de habitação social, e diferiu a desocupação do locado por dois meses.
A recorrente entende que a desocupação tem de ser diferida por cinco meses.
Dir-se-ia: no rigor dos princípios a recorrente lutou com todas as suas forças jurídicas, só com o presente acórdão fica derrotada, só a partir dele terá de enfrentar o problema de arranjar nova habitação e esse problema é muito complicado.
Porém, sendo claro que a recorrente também sabe que não pode ficar no arrendado sem pagar rendas, para ela já há muito tempo que se prefigura como possível que teria mesmo de sair, e a sermos inteiramente francos, a tese da total falta de habitabilidade não tinha, mesmo em face dos concretos defeitos apontados e mesmo que tivesse sido feita uma inspecção ao local, qualquer solidez, isto é, a probabilidade do desfecho desfavorável era não 50% mas, com razoabilidade, 90%.
O papel dos tribunais não é moral, mas o seu raciocínio procede sim duma abstracção que se faz a partir da normalidade das coisas. De acordo com um padrão de normalidade, a recorrente já podia e por isso já devia ter começado a tratar da questão da nova habitação há muito tempo. Não se justifica assim alterar a decisão do diferimento por dois meses.
Nestes termos, improcede o recurso na sua totalidade. 
Tendo nele decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC – sem prejuízo de apoio judiciário com que litigue.

V. Decisão

Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso e em consequência confirmam integralmente a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, sem prejuízo de apoio judiciário.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Setembro de 2018

Eduardo Petersen Silva

Cristina Neves

Manuel Rodrigues