Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1327/12.4TBCSC.L1-2
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA NACIONALIDADE
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO CE
RESIDÊNCIA DO MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Em matéria da competência para a regulação da responsabilidade parental relativa a menor que se encontra a viver, desde há cerca de 2 meses, com outros familiares num país terceiro da comunidade europeia, filha de cidadãos portugueses separados entre si mas residentes em Portugal, a norma do art.º 8º do Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27 de Novembro, que estipula que o foro apropriado é o do Tribunal competente do Estado-Membro da residência habitual do menor à data da instauração do processo, só é de aplicar se não existir um outro Tribunal melhor colocado em função do superior interesse da criança, o que não é o caso já que o Tribunal português é claramente o mais próximo e portanto mais bem colocado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.
“A”, residente em A..., veio, invocando representação e interesse da menor “B”, propor acção especial de regulação das responsabilidades parentais contra “C”, também residente em A..., alegando que viveram juntos até 2010 e são ambos progenitores da “B”, nascida em 2.1.2005, a qual vive desde Dezembro de 2011 em ..., França, com as tias paternas “D” e “E”, não havendo acordo dos pais relativo ao exercício das responsabilidades parentais.
O MºPº defendeu a incompetência internacional dos tribunais portugueses porquanto a criança reside em França, nos termos do disposto no art.º 8º, n.º 1, do Reg. CE n.º 2201/03, do Conselho, de 27.11.
O Tribunal indeferiu liminarmente a petição, nos seguintes termos:
Nos termos do disposto no art.8º do REG CE nº 2201/03 de 27.11, os tribunais de cada Estado membro são competentes em matéria de responsabilidade parentais relativamente a uma criança que resida habitualmente nesse Estado na altura em que o processo é instaurado.
Face ao exposto, declaro este Tribunal incompetente, em razão da nacionalidade, para julgar esta acção ( art. 497º, al.a) do CPC).
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A requerida apelou, tendo apresentado motivação na qual formulou as seguintes conclusões:
2 – A Recorrente alegou (tão só), no artigo 4º da PI o seguinte: “A menor encontra-se, desde Dezembro de 2011, a viver com a Tia paterna “D” e “E”, na seguinte morada: 7 Rue ..., porte … au 5 étage, 00000 ... – França.”.
3 – O Tribunal “ a quo” declarou-se incompetente, em razão na nacionalidade, para julgar a presente acção, alicerçando-se no disposto no artigo 8º, nº 1, do Reg. (CE) nº 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003, sob a epígrafe “competência geral”, que consagra o seguinte: “Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.”.
4 – Ora, residência habitual do menor é, no fundo, o local onde se encontra organizada a sua vida, em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, onde está radicado.
5 – Como consagra o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/01/2001 (Col. Jur. Do STJ, ano 2001, T-I, pág. 69) “… E o local de maior permanência do menor é aquele em que o mesmo possua o centro de uma vida organizada em termos de estabilidade, aferida esta pelas respectivas duração e continuidade e onde, também, ocorreram as circunstâncias justificativas do desencadeamento da acção tutelar e onde possam, na prática, produzir-se os efeitos da decisão final a proferir.”.
6 - A menor apenas está a viver com a tia materna desde Dezembro de 2011 (conforme se alegou na PI), mas daí não se poderá jamais concluir (como concluiu o Tribunal “a quo”) ser essa a sua residência habitual.
7 - Pelo contrário, os pais da menor vivem em Portugal; a menor sempre viveu em Portugal (actualmente com 7 anos de idade); está há pouquíssimo tempo com a tia em França (desde Dezembro de 2011); foi para França apenas para passar uns dias; numa situação precária; sem estabilidade; onde não vai e frequenta a escola e, por último, ao abrigo de um “diferendo” familiar que foi gerado (a tia materna tem-se recusado em trazer a menor para Portugal, bem como a encetar contactos com a Recorrente).
8 - Pelo que, a residência habitual da menor, no momento da propositura da acção, é em Portugal.
9 – O Tribunal “a quo”, ao indeferir liminarmente a petição, violou a disposição inserta no artigo 234º-A, nº 1, do CPC, uma vez que a excepção de incompetência absoluta do Tribunal é tudo menos evidente e inquestionável, devido, desde logo, à redacção dada ao artigo 4º da Petição Inicial (concretamente ao alegar-se que a menor apenas estava a viver com a tia em França desde Dezembro de 2011).
10 - Mais, alegando a Requerente, na Petição Inicial, que os pais da menor vivem Portugal (intróito); que a menor tem 7 anos de idade (conforme avulta da competente certidão de nascimento) e que (apenas) desde “Dezembro de 2011” a menor encontra-se a viver em França com a tia materna (artigo 4º da PI), o Tribunal “a quo” in casu deveria ter ouvido previamente a Requerente/Autora, ao abrigo do Princípio (basilar) do Contraditório, uma vez que não se verifica uma situação de “manifesta desnecessidade” (Cfr. artigo 3º, nº 3, do CPC).
11 – Normas violadas pela decisão recorrida: artigos 234º-A, nº 1, e 3º, nº 3, todos do CPC.
Pede que o despacho de indeferimento liminar da petição seja revogado e substituído por outro que declare o Tribunal de Família e Menores de Cascais competente, em razão da nacionalidade, para julgar a presente acção, ou em alternativa, que conceda à Requerente a possibilidade de se pronunciar previamente, ao abrigo do nº 3 do artigo 3º do CPC.
O MºPº respondeu, nos seguintes termos:
1, 2, 3. Adecisão não merece censura encontrando-se a solução em consonância com a norma que rege sobre esta matéria, nomeadamente o art. 8° do REO CE n.° 220 1/03 de 27.11, que estabelece que os tribunais de cada estado membro são competentes em matéria de responsabilidades parentais relativamente a uma criança que resida habitualmente nesse estado membro na altura em que o processo é instaurado;
4. Ora à data em que o processo é instaurado 15.02.2012, dúvidas não há de que a menor residia com a tia paterna em França, desde Dezembro de 2011;
5. Pelo que tem de se considerar a sua residência habitual em França;
6. Assim, a decisão recorrida não violou, nem o art. 3°, n°3 do CPC, nem nenhuma outra disposição legal, ao contrário do que é referido nas doutas alegações de recurso, apenas se limitou a aplicar uma norma comunitária.
7. Pelo que deve ser mantida decisão proferida a fls. 16.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II
Factos provados: os referidos em 1, aditando-se ainda, atento o teor dodocumento de fls 7, que “B” nasceu em Cascais no dia 2.1.2005.
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O Direito
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes, importa em conformidade decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, 660º, nº 2, e 713º, todos do Código de Processo Civil), e que consistem em saber se a residência habitual da menor é em França e, em face disso qual o Tribunal competente ou porventura ainda se a decisão não foi precedida de contraditório.
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1. Residencia
Alega a recorrente que a menor tem residencia habitual em Portugal, já que será aqui que sempre viveu, encontra-se em França de modo precário desde Dezembro de 2011.
Aceita-se habitualmente que “a residência habitual (é) a residência no local onde o menor tiver a sua maior permanência (Supremo Tribunal de Justiça, acórdão de 19-09-1991 Acórdãos mencionados sem indicação da fonte disponíveis em www.dgsi.pt).
No entanto, a noção de residência habitual em causa no Regulamento CE n.º 2201/2003, do Conselho, de 27.11.2003.
E aqui resulta nomeadamente do art.º 10º que mesmo a retenção ilícita da criança é susceptível de gerar logo uma nova residência habitual, ainda que o Tribunal do Estado “onde a criança residia imediatamente antes da deslocação ou da retenção ilícita” mantenha durante um certo período a sua competência.
Destarte, dizendo a recorrente na pi (apresentada em 16.2.12) que a criança vive desde Dezembro em território francês, é lícita a conclusão de que tem aí a sua residência habitual.
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2. Competência.
Tendo em atenção a nota 12 daquele Regulamento, verificamos, porém, que o critério decisivo para a determinação da competencia em sede de responsabilidade parental não é tanto a residencia habitual mas sim a proximidade. I. é, a residencia habitual é uma decorrencia ou manifestação da proximidade, enquanto critério aferidor, e não o contrário.
E, portanto, se a maior proximidade do menor for a outra ordem jurídica, será o Tribunal desta o competente (art.º 15), já que é o que melhor corresponde ao superior interesse na criança (nota 12), na medida em que é “o que se encontra mais bem colocado para conhecer do processo (art.º 15).
A noção de ligação particular da criança a um Estado é-nos dada pelo n.º 3 do art.º 15, podendo destacar-se (al. c.) a nacionalidade da criança (a menor nasceu em Portugal e é portuguesa) e (al. d) um dos titulares da responsabilidade parental residir no país (pai e menor residem, segundo a requerente em A...).
Ora, como se exarou no recente acórdão desta Relação de Lisboa de 27-03-2012, justifica-se que “o mérito de um processo seja julgado por tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, pois que prima facie estará ele melhor colocado/preparado para conhecer do processo. Ou seja, em sede de aferição da competência internacional do tribunal de um Estado-Membro para conhecer de uma acção de regulação do exercício do poder paternal, as regras comunitárias não devem ser aplicadas de uma forma mecânica, simplista, antes se impõe que a regra geral do nº 1, do artº 8º, seja aplicada sob reserva (como o refere o nº 2, do artº 8º), não olvidando nunca o superior interesse da criança e o critério da proximidade (ou como refere o artº 15º, o tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular)”.
In casu a menor é portuguesa, só passou a residir em França cerca de 2 meses antes da propositura da acção, e os pais são portugueses e vivem em Portugal.
Manifestamente a sua ligação mais próxima é com a ordem jurídica portuguesa.
Assim, e nos termos do disposto no art.º 15/1, 2 e 3/c e d, do Regulamento CE n.º 2201/2003, do Conselho, de 27.11.2003, o Tribunal de menores a quo tem competência para apreciar o caso.
Fica prejudicada a questão do contraditório.
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III
Pelo exposto o Tribunal julga a apelação procedente, revoga a decisão recorrida declara o tribunal a quo competente para conhecer da acção.
Não são devidas custas.

Lisboa, 12 de Julho de 2012

Sérgio Almeida
Lúcia Sousa
Farinha Alves