Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1095/16.0T8PDL-A.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: RESOLUÇÃO CONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIODICAMENTE RENOVÁVEIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Para que se torne efectiva a resolução contratual é necessária declaração nesse sentido de um dos contraentes, comunicada à outra parte, salvo quando a resolução é requerida judicialmente.
O art. 310º do Código Civil aplica-se a casos de prestações periodicamente renováveis.
Constando do contrato de mútuo que a falta de pagamento de uma das parcelas implica o vencimento da totalidade do capital mutuado e respectivos juros, e efectuando os contraentes, um negócio jurídico de dação em cumprimento, em que os mutuários reconhecem que a sua dívida ao Banco corresponde à totalidade do capital e juros ainda não pagos, não é aqui aplicável o prazo de prescrição do art. 310º mas sim o prazo geral de 20 anos do art. 309º.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:



Banco ..., propôs ação executiva contra S... e R...

Fundamenta a pretensão executiva em uma escritura de mútuo.

Os executados S... e R... deduziram a presente oposição à execução, alegando, em síntese, que não contestam a factualidade constante do requerimento executivo, mas que não são interpelados para proceder ao pagamento desde 2002, pelo que a dívida se encontra prescrita, porquanto nos termos do disposto no artigo 310.° do Código Civil, as quotas de amortização de capital pagável com juros e os juros convencionais prescrevem no prazo de 5 anos. Mais alega que a ação foi intentada em Abril de 2016, pelo que as prestações e juros anteriores a Abril de 2011 estão prescritas e que em Abril de 2011 o capital não prescrito se computava em € 38.405,51.

Terminam peticionando a procedência dos embargos e, em consequência sejam declarados prescritos todos os créditos reclamados pelos exequentes; ser declarada extinta a ação executiva e ser ordenado o cancelamento da(s) penhora(s) e da hipoteca (fls. 2/5).

A exequente contestou, em síntese, impugnando o alegado pelos embargantes e dizendo que resulta expressamente da escritura celebrada (cfr. cláusula 18ª do Documento Complementar anexo á mesma): "O Banco reserva-se o direito de resolver unilateralmente o contrato e considerar vencido todo o empréstimo, tornando-se imediatamente exigível toda a dívida, se os Mutuários deixarem de cumprir alguma das obrigações resultantes do presente contrato".

Mais alega que por força do incumprimento e consequente resolução contratual, a dívida peticionada deixou de ser liquidável em prestações mensais, traduzindo-se numa obrigação única correspondente ao pagamento da totalidade do empréstimo ainda em dívida, pelo que não é aplicável o prazo de 5 anos de prescrição (do aludido artigo 310.° do Código Civil), mas o prazo ordinário de prescrição.

Sem prejuízo, defende ainda que a prescrição se interrompe pela citação e pelo reconhecimento do direito, o que sucedeu em 03.10.2005, pelo que os cálculos realizados pelos embargantes estão errados e são impugnados (fls. 20/25).

Conclui pugnando pela improcedência da oposição.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou prescritas as prestações mensais de capital e juros anteriores a 09/04/2011, determinando o prosseguimento da execução apenas quanto às prestações posteriores a essa data. 

Foram dados como assentes os seguintes factos:

A)Constitui título executivo na ação executiva uma escritura pública datada de 26.05.2000 celebrada entre executados como primeiros outorgantes e exequente segundo outorgante com o seguinte conteúdo:
O Banco concede aos primeiros outorgantes (...) um empréstimo no montante de 10.000.000$00.
Consta do documento complementar:
Terceira
2.O período de utilização decorrerá desde a data do contrato até à primeira das seguintes datas: data da última utilização ou 24 meses após a data do contrato.
Quinta: o empréstimo é concedido pelo prazo de 348 meses a contar do termo do período de utilização e vence juros postecipadamente nos seguintes termos:
Durante o prazo previsto para a realização dos trabalhos de construção (que não poderá ir além de dois anos a contar desta data) serão cobradas prestações mensais de juros, a primeira com vencimento no dia 15 do mês seguinte ao início da contagem do prazo.
Após o termo do período de utilização, o empréstimo será amortizável em prestações mensais de capital e juros.
Os mutuários optaram pelo regime de prestações constantes, alterando-se o valor destas no mês seguinte ao da alteração da taxa.
Oitava:
Não obstante se entender que o prazo de amortização fica estabelecido a favor de ambas as partes, os mutuários podem antecipar, no todo ou em parte, a amortização do empréstimo(...).
Décima Sétima:
Em caso de mora os juros serão calculados à taxa que estiver em vigor, acrescida de uma sobretaxa de 4%.
Décima Oitava:
O Banco reserva-se o direito de resolver unilateralmente o contrato e considerar vencido todo o empréstimo, tomando-se imediatamente exigível toda a dívida, se os mutuários deixarem de cumprir alguma das obrigações do presente contrato.
(documento junto aos autos principais a fls. 4/10).

B)Através de tal Contrato, o Exequente emprestou aos Mutuários quantia de 10.000.000$00 (€ 49.879,79).
C)Os Mutuários utilizaram a quantia mutuada para a finalidade prevista na Escritura Pública.
D)As prestações convencionadas deixaram de ser pagas em 15.07.2002 (inclusive) .
E)Ficou em dívida de capital a quantia de € 48.479,13.
F)Em 03 de Outubro de 2005, executados e exequente celebraram um Contrato Promessa de Dação em Cumprimento" que tinha por objeto o imóvel hipotecado a favor do Banco Exequente e penhorado na presente ação executiva do qual consta:
1.Os clientes são devedores à data de 04.11.2004 do montante global de € 75.000,00:
a)- empréstimo  MLS 288247153 - € 48.479,13 de capital, € 6.054,72 de juros e € 436,54 de juros de mora .
3."Que o pagamento da dívida acima descrita se encontra negociado entre as partes, que o aceitam., com recurso à dação em cumprimento do referido imóvel pelos Clientes".
Cláusula 6ª: Nos termos e para os efeitos do previsto no nº 4 do Art. 92º do Código de Registo Predial, considerando que irá ser requerido o registo provisório de aquisição com base nesta contrato, as partes acordam o prazo de 1 ano para a celebração do contrato definitivo".
(documento junto aos autos a fls. 25/27).
G)Em 03.09.2005, as partes igualmente celebraram um "Contrato-Promessa de Locação Financeira Imobiliária" (documento junto aos autos principais a fls. 30/31).
H)Desde Outubro de 2005 até à propositura da presente açào, a exequente não a interpelou os Executados para procederem ao pagamento.
I)Os Contratos Definitivos não chegaram a ser outorgados.

Inconformado, recorre o exequente, concluindo que:
Constitui título executivo na ação executiva uma escritura pública datada de 26.05.2000.
Resulta do Documento Complementar anexo à Escritura e que, da mesma, faz parte integrante, mais concretamente da cláusula décima oitava, que o Banco reserva-se o direito de resolver unilateralmente o contrato e considerar vencido todo o empréstimo, tornando-se imediatamente exigível toda a dívida, se os mutuários deixarem de cumprir alguma das obrigações do presente contrato.
Ora, o art. 436º nº 1 do Código Civil prescreve que a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte.
O tribunal a quo decidiu que se exigia uma declaração de resolução do banco.
Como se sabe, a validade da declaração negocial (de resolução) não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei exigir.
Ora, o caso em apreço não exige uma forma especifica para a declaração de resolução.
Uma vez que, dentro dos limites da lei e ao abrigo da liberdade contratual, os Executados assinaram a escritura pública e o documento complementar que sustentou o empréstimo dispensando a realização de qualquer interpelação como condição do vencimento da totalidade do crédito e da respetiva constituição em mora.
Infelizmente, os Embargantes em 15.07.2002 (inclusive) deixaram de pagar as prestações convencionadas, tal como ficou provado na al. D) da sentença de que se recorre.
Pelo que, uma vez incumprida a prestação, todas as outras se venceram também, entrando os Executados em mora sem necessidade de qualquer interpelação, tal como ficou convencionado.
Aliás, isso mesmo resulta do artigo 781.° do Código Civil, que dispõe: "Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas ".
Nessa mesmo sentido, vide, por exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-12-2002, Processo n° 03B1911: "Numa dívida a prestações, estando transaccionado que a falta de pagamento de qualquer prestação importa o vencimento automático de todas as que estiverem em dívida, o credor tem direito a receber a totalidade destas quando se verifica a falta de pagamento tempestivo de uma das prestações ", bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo nº 2839108.0TJCBR.Cl:  “ ... a necessidade de interpelação no entanto, não existe por força do clausulado contratual ".
O art. 436.° nº 1 do Código Civil não é imperativo quanto à forma como se efetiva a resolução, muito menos quando as partes convencionaram como e quando a resolução se efetivava.
Pelo que, se tornou imediatamente exigível toda a dívida, a partir do momento em que os mutuários deixarem de cumprir as obrigações do contrato.
O Tribunal a quo decidiu que assiste aos executados o privilégio de poderem recusar o cumprimento da prestação pedida na execução contra eles movida relativamente à quantia prescrita (prestações anteriores a 08.04.2011, porquanto a conduta do Banco Exequente enquadra-se no artigo 310.°, alíneas d) e e) do Código Civil.
Ora, o Banco não pode concordar com o supra decidido, uma vez que o Tribunal a quo afirma que "Não tendo existido resolução do contrato de mútuo, este é amortizável em prestações mensais de capital e juros. "
Ora, conforme supra se explanou e como também resulta do Requerimento Executivo, uma vez incumprida a prestação que se venceu em 15.07.2002, todas as outras se venceram também.
Ora, dispõe o artigo 310º do Código Civil um prazo de prescrição especial, de apenas 5 anos, prazo este bastante inferior ao prazo ordinário de prescrição.
Como é entendimento unânime da Doutrina e da Jurisprudência, a fixação desse prazo mais curto, tem como razão de ser o interesse de proteção do devedor, prevenindo que o credor, retardando a exigência dos créditos periodicamente renováveis, os deixe acumular tornando excessivamente oneroso o pagamento a cargo do devedor.
Acontece que, no caso em apreço, por força do incumprimento e consequentemente vencidas todas as prestações, a dívida peticionada deixou de ser liquidável em prestações mensais, traduzindo-se numa OBRIGAÇÃO ÚNICA correspondente ao pagamento da totalidade do empréstimo ainda em dívida.
Nesse mesmo sentido, vide, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26-04-2016, Processo na 525/14.0TBMGR-AC1: “No mútuo bancário (. . .) se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito  o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20  anos.
E mesmo que assim não fosse, a dívida dos executados estaria sempre fora do âmbito de aplicação do artigo 310º do Código Civil,
Pois que, conforme é defendido na Doutrina (nesse sentido, veja-se a título meramente exemplificativo, Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", I, 6ª ed., 94 e seguintes): "o campo típico de aplicação do Artº 310º  do CC diz respeito aos frutos civis ou rendimentos de uma coisa ou a créditos emergentes de contratos de prestação de serviços - designadamente fornecimentos de bens essenciais, com vencimento periódico e reiterado, em regra representativos de contrapartidas de utilização de bens ou serviços. São exemplos dos mesmos os créditos por fornecimento de energia elétrica, de internet, água ou aquecimento, utilização de TV por cabo (. . .) "
Nesse sentido, Galvão Telles, in "Direito das Obrigações",  7ª ed., pag.39 e seguintes, refere que "as prestações periódicas resolvem-se em actos sucessivos, com intervalos regulares ou irregulares, como a obrigação do inquilino de pagar as rendas ou a do fornecedor de fazer entregas à medida que forem solicitadas ", Refere ainda que "não se confunde com esta última categoria o caso de uma obrigação única dividida ou fracionada em parcelas. Existe então uma obrigação global que é efetuada por partes, escalonadas no tempo, as quais se dizem "prestações" num sentido especial da palavra: pode apontar-se como exemplo (. . .) um empréstimo de dinheiro em que se convencione o pagamento parcelado ".

No caso em concreto estamos perante uma obrigação única dividida ou fracionada em parcelas.
Estamos perante uma única obrigação única e não uma prestação periodicamente renovável, de valor predeterminado, apenas repartida ou fracionada em várias prestações parcelares.
Nessa conformidade, entende o Banco que à dívida exequenda é aplicável o prazo ordinário de prescrição, de 20 anos, previsto no artigo 309.° do Código Civil, estando fora do âmbito de aplicação do artigo 310.° pelas razões supra descritas.
Caso assim não se entenda, e sem prescindir, dispõe o artigo 311.° do Código Civil que: "O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto de que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo".
O artigo 703° do C.P.C. prevê taxativamente as espécies de títulos executivos.
Ora, a Escritura de Mútuo com Hipoteca em que os Executados se confessam devedores da quantia mutuada é título executivo em conformidade com o artigo 703°, alínea b) do C.P.C.
Estabelecendo o supra citado artigo que "À execução apenas podem servir de base (...) b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação ".
Logo, ao abrigo do supra citado artigo, existindo no caso em apreço uma Escritura de Mútuo com Hipoteca, título executivo que reconhece a existência do direito de crédito dos Executados, também por esta via deveria ser afastado o prazo de prescrição mais curto dos cinco anos, aplicado quer ao pagamento dos juros devidos em virtude do contrato celebrado, quer ao próprio capital mutuado.
Por último, mesmo que se entenda ser o prazo de prescrição disposto no artigo 310º aplicável aos presentes autos (hipótese que o Banco Exequente desde já refuta) a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente; mas é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido ( ... ) - cfr. arts. 323.° e 325.° do Código Civil.
De todo o exposto, não pode o Banco ficar indiferente a uma decisão em que os Embargantes que validamente assumiram perante o Banco uma responsabilidade e agora, devido à sua conduta de protelamento, ficam com a divida praticamente liquidada,
Ao dar-se acolhimento à decisão do tribunal a quo estar-se-ia a dar acolhimento a uma decisão completamente contrária aos deveres que a ética, a lei e os bons costumes ditam para os negócios jurídicos e seus intervenientes.
É uma decisão que apenas vai beneficiar os executados em vários milhares de euros, quando, como ficou provado eles sempre souberam da divida e sempre tentaram evitar o seu pagamento.

Cumpre apreciar.

O presente recurso coloca duas questões essenciais: saber se existiu resolução contratual por parte do exequente e, numa segunda linha, apurar se o art. 310º do Código Civil é aplicável ao contrato de mútuo dos autos.
Quanto ao primeiro caso, há que começar por dizer que as partes celebraram em 26/05/2000, por escritura pública, um contrato mediante o qual o Banco emprestou aos ora embargantes a quantia de 10.000.000$00.

Na cláusula 18ª de tal contrato pode ler-se:
“O Banco reserva-se o direito de resolver unilateralmente o contrato e considerar vencido todo o empréstimo, tornando-se imediatamente exigível toda a dívida, se os mutuários deixarem de cumprir algumas das obrigações do presente contrato.”
E, na realidade, os mutuários deixaram de pagar as prestações convencionadas em 15/07/2002, ficando em dívida a quantia de € 48.479,13.
Como assinala Almeida Costa - “Direito das Obrigações”, pág. 236 - “a resolução consiste no acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não houvesse sido celebrado. Essa faculdade pode resultar da lei ou da convenção dos contraentes (...) Por outro lado, a resolução efectiva-se extrajudicialmente por declaração à contraparte ou mediante recurso ao tribunal”.

O direito à resolução no caso dos autos está, como vimos, convencionalmente previsto no cláusula 18ª do contrato celebrado entre as partes. Daí que a resolução opere mediante simples declaração comunicada ao outro contraente, sem necessidade de recurso à via judicial. A declaração não tem de seguir a forma prescrita para o contrato – diferente é o caso da convenção em si mesma, onde se prevê a faculdade de resolução do contrato por um dos contraentes por incumprimento do outro – ver Acórdão do STJ de 09/05/1995, CJ/STJ, 2º, pág. 66/68.

No caso em apreço a convenção de resolução integra o próprio contrato celebrado por escritura pública. A declaração podia ser realizada por qualquer meio, através de comunicação à parte contrária.

Contudo, não se mostra que o Banco exequente tenha comunicado aos executados tal vontade de resolução contratual.

E o Banco nada comunicou aos mutuários desde 2005. Ora, a resolução é um acto jurídico que tem de ser declarado e comunicado, pois essa é a única maneira de poder produzir efeitos. O que está em causa não é, como alega o Banco, a forma da comunicação – a qual, como vimos, não tem de obedecer a requisitos especiais e, sobretudo, não tem de ser feita no âmbito do formalismo exigido para o contrato – mas sim a existência da própria declaração e ser a mesma levada ao conhecimento do outro contraente.

Não tendo o Banco declarado pretender resolver o contrato e, consequentemente, nada tendo comunicado aos mutuários nesse sentido, não faz sentido falar-se em resolução contratual.

A cláusula 18ª do contrato fornece ao Banco o fundamento da resolução mas, como é evidente, não opera automaticamente, carecendo de um acto de vontade do Banco para a efectivar e comunicando tal vontade aos mutuários em dívida.  
                      
No tocante à aplicabilidade do art. 310º do Código Civil ao contrato dos autos.

Dispõe este artigo na sua alínea e) que “prescrevem no prazo de cinco anos (...) as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.

No contrato em apreço, o empréstimo foi concedido pelo prazo de 348 meses a contar do termo do período de utilização, vencendo juros postecipadamente, nos seguintes termos: durante o prazo previsto para a realização dos trabalhos de construção – que não poderá ir para além de dois anos contados da data de celebração do contrato – seriam cobradas prestações mensais de juros. Após o termo do período de utilização, o empréstimo seria amortizável em prestações mensais de capitais e juros.

Entendeu-se na sentença recorrida que “a obrigação assumida pelos signatários do contrato compartimentada num mútuo e respectivos juros, converteu-se numa prestação mensal de fraccionada quantia global que, desta forma, iria sendo amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento, e esta factualidade está abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310º alínea e) do Código Civil”.

Contudo, há que ter em conta que em 03/10/2005, os contraentes celebraram um contrato de promessa de Dação em Cumprimento que tinha por objecto o imóvel hipotecado a favor do Banco.

Nesse contrato, o Banco e os mutuários acordaram que:
1.os clientes são devedores à data de 04/11/2004 do montante global de € 75.000,00:
a)- Empréstimo (...)  € 48.479,13 de capital, € 6.054,72 de juros e € 436,54 de juros de mora (...);
3.“Que o pagamento da dívida acima descrita se encontra negociado entre as partes, que o aceitam, com recurso à dação em cumprimento do referido imóvel pelos Clientes”.

Não nos estamos tanto a referir ao reconhecimento pelos mutuários do direito do Banco, com o efeito interruptivo da prescrição previsto nos artigos 325º e 326º do Código Civil, mas antes ao facto de que, desde 04/11/2004, ambos os contraentes assumem que a dívida já não se encontra repartida em prestações pagáveis num dado decurso temporal periódico, mas sim que a mesma consiste no montante total do capital ainda não pago e igualmente no montante total de juros ainda não pagos. Este reconhecimento abrange a totalidade do empréstimo ainda em dívida, incluindo verbas que ainda não se teriam vencido nos termos do contrato de mútuo com hipoteca que haviam celebrado em 26/05/2000.  

No fundo, tudo se passa como se ambos os contraentes aplicassem a segunda parte da cláusula 18ª do contrato de mútuo, assumindo que se tornou “imediatamente exigível toda a dívida”.  
                                                        
Estamos perante um acordo negocial, no âmbito de um contrato promessa de dação em cumprimento, que faz nascer um novo quadro obrigacional entre as partes, não já amortizável em prestações periódicas de capital e de juros, mas devido de imediato na sua totalidade.

E isto afasta, indiscutivelmente, a aplicabilidade do art. 310º e) do Código Civil.

O facto de o contrato definitivo de dação nunca ter chegado a ser efectivado tem reflexos no pagamento mas não na natureza da dívida acordada por ambas as partes no contrato promessa.

Em nosso entender, desde 04/11/2004, que o prazo de prescrição é o previsto no art. 309º do Código Civil, ou seja, de 20 anos.

Assim, o título executivo, escritura pública de mútuo com hipoteca, integrando a totalidade do capital e dos juros, corresponde ao acordo que as partes celebraram em 03/10/2005, assumindo que os mutuários deviam todo o capital e juros ainda em dívida. Já não estamos perante prestações periodicamente renováveis mas antes perante um valor unitário global.

Uma vez que o prazo de 20 anos do art. 309º do Código Civil ainda não decorrera à data da propositura da execução e citação dos executados, terá de soçobrar a invocada excepção de prescrição.

Conclui-se assim que:
  Para que se torne efectiva a resolução contratual é necessária declaração nesse sentido de um dos contraentes, comunicada à outra parte, salvo quando a resolução é requerida judicialmente.
O art. 310º do Código Civil aplica-se a casos de prestações periodicamente renováveis. Constando do contrato de mútuo que a falta de pagamento de uma das parcelas implica o vencimento da totalidade do capital mutuado e respectivos juros, e efectuando os contraentes, um negócio jurídico de dação em cumprimento, em que os mutuários reconhecem que a sua dívida ao Banco corresponde à totalidade do capital e juros ainda não pagos, não é aqui aplicável o prazo de prescrição do art. 310º mas sim o prazo geral de 20 anos do art. 309º.

Termos em que procede a apelação, julgando-se improcedente a excepção de prescrição.
Custas pelos embargantes.



LISBOA, 18/01/2018



António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais                                                                                                            
Decisão Texto Integral: