Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
249/19.2T8FNC.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: CUSTAS DE PARTE
RECLAMAÇÃO À NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA
DEPÓSITO DO VALOR DA NOTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.O incidente de reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte só se inicia com a apresentação da reclamação à nota de custas, que impõe a apreciação pelo juiz.
2. Não havendo reclamação, ao tribunal não compete pronunciar-se sobre a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, seja quanto ao seu conteúdo, seja quanto à sua tempestividade.
3. O nº 2 do art. 26º-A do RCP, que condiciona a apreciação da reclamação à nota discriminativa e justificativa de custas de parte ao depósito da totalidade do valor da nota, não é materialmente inconstitucional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

         RELATÓRIO
Nos presentes autos em que são AA. R, J, C, RJ, e JN, e R. Região …, apresentada nota discriminativa e justificativa de custas de parte pela R., reclamaram os AA., pedindo, a final, que: a) se conheça da alegada preclusão do direito de praticar o ato, por extemporaneidade, e, consequentemente, não produzindo os devidos efeitos legais; Ou, caso assim não se entenda, b) por inobservância do previsto nos arts. 25º, nºs 1 e 2 e 26º, nº 3, alínea c), do RCP, por enfermar de erro, deve a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, apresentada pela R., ser julgada improcedente.
Em 23.10.2019, foi proferido o seguinte despacho: “Na presente ação vieram os autores reclamar da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelo réu. Estabelece o art. 26º-A, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pela Lei nº 27/2019 de 28 de março, que tal reclamação da nota justificativa “está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota”. Ora, compulsados os autos, verifica-se que os autores não procederam àquele depósito.   Em face do exposto, por falta do depósito da totalidade do valor da nota, não admito a reclamação apresentada pelos autores, determinando-se o seu desentranhamento.  Notifique”.
 Não se conformando com o despacho, apelaram os AA., formulando, no final das alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. Os Autores, ora recorrentes, intentaram uma ação de processo comum contra a recorrida, que posteriormente, findos os articulados, foi proferida sentença a 31 de maio de 2019 que julgou o tribunal absolutamente incompetente, em razão da matéria, para a apreciação da causa e, em consequência, absolveu a R. da instância;
2. Por força das disposições conjugadas dos arts. 628º, 638º, nº 1, 1ª parte e 644º, nº 1, todos do CPC, a decisão final transitou em julgado a 6 de setembro de 2019;
3. A 23 de Setembro de 2019, foram as partes notificadas da conta de custas, na qual informa que foi dispensada a elaboração da mesma;
4. Nesse mesmo dia a Ré apresentou a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, peticionando o valor global de 7.600,50€ (sete mil e seiscentos euros e cinquenta cêntimos);
5. De acordo com arts. 26º-A, nº 1, do Regulamento de Custas Processuais (doravante RCP) e 33º, nº 1, da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de abril, os recorrentes apresentaram reclamação, invocando, sucintamente, a intempestividade da apresentação da suprarreferida nota e peticionando a final que fosse declarada a “alegada preclusão do direito de praticar o ato, por extemporaneidade, e, consequentemente, não produzindo os devidos efeitos legais.”;
6. O objeto do presente recurso incide sobre o despacho proferido nos autos pelo Tribunal a quo a 18/10/2019, que não admitiu a reclamação da nota discriminativa e justificativa apresentada pelos recorrentes, determinando o seu desentranhamento;
7. Atendendo que a nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelos recorridos é intempestiva, nos termos dos arts. 579º e 608º, nº 2, ambos do CPC, tratando-se de uma exceção perentória e impondo-se o conhecimento oficioso, deve o Tribunal de a apreciar;
8. Sendo a decisão totalmente omissa quanto à pronúncia de tal exceção e tendo o Tribunal a quo se limitado a não admitir a reclamação da nota discriminativa de custas de parte apresentada pelos recorrentes, está a admitir a nota discriminativa de custas de parte apresentada pela recorrida, sendo esta intempestiva;
9. Pese embora a reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas apresentada pelos recorrentes não tenha sido admitida pelo Tribunal a quo, impõe-se ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à apreciação, excetuando aquelas cuja esteja prejudicada pela solução dada a outras, bem como as que sejam de conhecimento oficioso – ex vi do art. 608º, nº 2, do CPC.
10. Consideramos estar violado, diretamente, o previsto nos arts. 579º e 608º, nº 2, o que determina a nulidade de tal despacho, face ao disposto nos arts. 613º, nº 3 e 615º, nº 1, alínea d), todos do CPC, nulidade que expressamente se invoca;
11. Devendo assim o despacho recorrido ser revogado;
12. Por outro lado, e sem prejuízo da nulidade invocada, os recorrentes discordam do fundamento de direito invocado, que determina a inadmissibilidade e respetivo desentranhamento da reclamação da nota discriminativa de custas de parte;
13. O Tribunal a quo no despacho recorrido fundamenta a sua decisão invocando o art. 26º-A, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais, redação introduzida pela Lei nº 27/2019 de 28 de março, que prevê que “a reclamação da nota discriminativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.”;
14. O princípio fundamental ao acesso ao direito visa salvaguardar que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos” – cfr. art. 20º, nº 1, da CRP (sublinhado nosso).
15. Nessa medida, não poderá o exercício do contraditório, por via da reclamação da nota discriminativa de custas de parte, estar dependente da suficiência económica da parte, sendo assim uma violação do direito fundamental do acesso ao direito, e, consequentemente, uma violação do princípio geral do direito ao contraditório.
16. Contrariamente às custas processuais, que estão limitadas pela necessidade de proporcionalidade constitucionalmente exigida para assegurar a realização da justiça, a norma em crise não tem qualquer limite ou ponderação dos interesses/direitos em causa.
17. Por força das disposições do nº 1 e 4, do arts. 20º, e nº 2, do art. 18º, todos da CRP, a norma em crise afigura-se-nos ser materialmente inconstitucional, na medida que a interpretação e aplicação, no caso sub judice, é uma violação do princípio fundamental ao acesso ao direito, do princípio da proporcionalidade e adequação, do princípio da equidade e lealdade processual, bem como do princípio do contraditório.
18. Assim, por força do princípio geral do contraditório, previsto no art. 3º, nº 3, do CPC, deve a decisão recorrida quanto à inadmissibilidade da reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelos recorrentes ser revogada e, em consequência, substituída por outra que a admita e aprecie a exceção invocada, sem dependência de qualquer depósito.
Terminam pedindo que seja declarada a nulidade do despacho que determina a inadmissibilidade e respetivo desentranhamento da reclamação da nota discriminativa de custas de parte, e, sempre e em qualquer caso, por força do princípio geral do contraditório, ser substituído por outro que a admita e aprecie a exceção invocada, sem dependência de qualquer depósito.
O MP contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
I –  Recurso interposto pelos Apelantes reside na sua não conformação com o douto despacho proferido pela Mmª Juiz de Direito do Juízo Central Cível do Funchal – J2, proferido em 23.10.2019, sob a Ref. Citius 47736003, que não admitiu a reclamação apresentada pelos AA/Apelantes da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela Ré Região …, com fundamento na falta de depósito da totalidade do valor da nota, em conformidade com o disposto no art. 26º - A, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pela Lei nº 27/2019 de 28 de Março.
II - A matéria respeitante à reclamação da nota justificativa das custas de parte tem, tal como alegam os Apelantes, uma natureza restritiva de um direito fundamental - o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva (neste sentido cfr. Acórdão nº 237/90 de 3 de julho de 1990, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, que considera este direito como análogo a um direito, liberdade e garantia). 
III - Os pressupostos para admissão da reclamação das custas processuais, onde se integram as custas de parte, tratam-se de inequívocas restrições/condicionantes ao exercício de um direito fundamental e, nessa medida, tal matéria está sujeita a regulamentação por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado, por força do artigo 165º, nº 1, alínea b), da CRP, e tem de respeitar a reserva de lei, prevista no artigo 18º, nº 2, da CRP.
IV - Presentemente, a lei que regula a matéria das custas judiciais é o Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais. 
V - E efetivamente, o artigo 26º- A, nº 2, na redação dada pela Lei nº 27/2019, de 28 de março introduz a exigência do depósito da totalidade da conta de custas de parte como uma condicionante do acesso ao direito. Resulta agora, inequívoca, a vontade do legislador que regulou especificamente este aspeto restritivo do direito, liberdade e garantia do acesso ao direito por lei da Assembleia da República; o legislador afastou, por esta via, a inconstitucionalidade orgânica – formal apontada pelo Tribunal Constitucional ao nº 2 do art. 33º da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de abril, na redação dada pela Portaria nº 82/2012, de 29 de março, que se mostrava ferido de inconstitucionalidade por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República, decorrente da alínea b) do nº 1 do artigo 165º da CRP, em conjugação com o artigo 20º, nº 1, da CRP, e introduziu a exigência do depósito da totalidade do valor da nota em diploma legal suficiente, atenta a hierarquia das leis, para operar a tal restrição ao referido direito fundamental de acesso ao direito.
VI - No douto despacho recorrido a Mmª Juiz procedeu ao exame prévio das condicionantes legais para poder se pronunciar sobre a reclamação apresentada pelos Apelantes e não tendo estes procedido ao depósito na totalidade do valor da nota, outro, cremos, não poderia ter sido o desfecho que não a prolação de despacho a não admitir a reclamação, já que a apreciação da tempestividade ou intempestividade da apresentação da nota discriminativa da conta de custas de parte consubstanciaria uma apreciação/juízo que não poderia deixar de incidir sobre a procedência/improcedência da nota discriminativa apresentada pelo Apelado.
VII - Em suma, tendo em conta que a matéria da reclamação das custas de parte se encontra regulada no Regulamento das Custas Processuais, onde se passou a impor o depósito da totalidade das custas de parte para se poder reclamar da nota justificativa apresentada, o que foi observado no douto despacho sob recurso, deve o douto despacho recorrido ser mantido na íntegra, por não padecer das propaladas nulidade e inconstitucionalidade, estando o mesmo fundamentado de facto e de direito, com suficiência e adequação.
A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e manutenção do despacho recorrido.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são:
a) a nulidade do despacho recorrido;
b) da inconstitucionalidade material do o art. 26º-A, nº 2, do RCP.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade relevante é a constante do relatório.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Começam os apelantes por sustentar que o despacho recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, por o tribunal recorrido não ter apreciado da tempestividade da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, exceção perentória de conhecimento oficioso, e uma vez que, tendo “no incidente de liquidação de custas de parte, o Tribunal a quo se limitado a não admitir a reclamação da nota discriminativa apresentada pelos recorrentes, está inevitavelmente a admitir a nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela recorrida, quando esta é intempestiva”.
Dispõe o art. 529º do CPC que “1 - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte” [1], compreendendo estas últimas “o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais” (nº 4)
Por seu turno, estatui o art. 533º do mesmo diploma legal, que “sem prejuízo do disposto no nº 4, as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais” (nº 1), compreendendo, designadamente, as despesas com as taxas de justiça pagas, os encargos efetivamente suportados pela parte, as remunerações pagas ao AE e as despesas por este efetuadas, e os honorários do mandatário e as despesas por este efetuadas (nº 2) [2], as quais são objeto de nota discriminativa e justificativa, nos termos do nº 3.
Estatuindo sobre a referida nota discriminativa e justificativa, o nº 1 do art. 25º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26.02, com as alterações introduzidas pelo DL nº 86/2018, de 29.10, determina que “até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas”.
Apresentada a referida nota discriminativa e justificativa, a parte vencida paga-as diretamente à parte vencedora, no prazo de 10 dias, salvo o disposto no art. 540º do CPC [3] (art. 26º, nº 2 do RCP), ou, no mesmo prazo, pode reclamar nos termos do art. 26º-A do RCP, aditado pela Lei nº 27/2019, de 28.3.
Dispõe este preceito legal que “1 - A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes. 2 - A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota. 3 - Da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC. 4 - Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31º” [4].
No caso sub judice e como resulta do relatório, a R. apresentou nota discriminativa e justificativa de custas de parte, da qual os AA. reclamaram, não tendo o tribunal recorrido admitido a reclamação por falta do depósito da totalidade do valor da nota.
Sustentam os AA./apelantes que ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido está, inevitavelmente, a admitir a nota discriminativa e justificativa apresentada pela R./apelada, sem que apreciasse da sua tempestividade, como estava obrigado a fazer, não conhecendo de exceção perentória de conhecimento oficioso.
Para que se verifique a nulidade apontada ao despacho recorrido, é necessário que se conclua que o tribunal recorrido omitiu pronúncia sobre matéria de conhecimento oficioso.
Não sufragamos tal entendimento, por entendermos que ao juiz só compete pronunciar-se sobre a nota discriminativa e justificativa de custas de parte se for apresentada reclamação da mesma.
É certo que o nº 4 do art. 26º-A do RCP [5] manda aplicar, subsidiariamente, com as devidas adaptações, para efeitos de reclamação da nota justificativa, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31º, o qual estatui, no nº 2, que “oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou dos interessados, o juiz mandará reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais”.
Já em anotação ao nº 4 do art. 33º da Portaria nº 419-A/2009, de 17.04, escrevia Salvador da Costa, em As Custas Processuais, Análise e Comentário, 6ª ed., pág. 323, que “há quem interprete este normativo no sentido da aplicação à reclamação da nota de custas de parte, subsidiariamente, o disposto no nº 4 do artigo 31º do RCP, concernente à reclamação da conta. Na realidade, tendo em conta a estrutura da reclamação da conta e a da nota justificativa das custas de parte, não se vislumbra a possibilidade de aplicação, subsidiária de algumas das normas do artigo 31º do RCP, salvo a da primeira parte da alínea a) do nº 3”.
E após a publicação da Lei nº 27/2019, de 28.3, pronunciou-se o referido autor, em artigo intitulado ALTERAÇÃO DO REGIME DAS CUSTAS PELA LEI Nº 27/2019, DE 28 DE MARÇO, consultável no blog do IPPC, no sentido referido, acrescentando que “…, não tem apoio legal o entendimento, com base no normativo ora em análise, no sentido de que a nota de custas de parte é suscetível de correção ou de reforma oficiosa, além do mais, porque aquele normativo remissivo não se reporta ao da reforma oficiosa da conta que consta do nº 2 do artigo 31º deste diploma”.
Por outro lado, o fundamento da remessa da nota discriminativa e justificativa das custas de parte também ao tribunal, prende-se, apenas, com o estabelecido nos arts. 540º do CPC e 29º, nº 2 da Portaria 419º-A/2009, de 17.4 [6].
Neste sentido, em anotação ao art. 31º da mencionada Portaria [7], escreve Salvador da Costa, na ob. cit., pág. 319, que “Dele resulta que a parte vencedora deve enviar, para o tribunal e para a parte vencida, a referida nota discriminativa e justificativa. Aparentemente visa regular o disposto no artigo 25º, nº 1, mas dele reproduz algumas normas. A remessa para o tribunal, pela parte vencedora, da aludida nota, visa prevenir, ao que parece, a hipótese de a primeira requerer naquela nota que as suas custas de parte sejam pagas por via do remanescente a devolver à parte vencida, ou de os seus mandatários judiciais ou técnicos requererem o pagamento dos honorários, despesas ou adiantamentos por via do crédito de custas de parte dela no confronto com a parte vencida (arts. 29º, nºs 2 e 3; e 540º do CPC)”.
Nesta perspetiva, o incidente em causa só se inicia com a apresentação da reclamação à nota de custas, que impõe a apreciação pelo juiz.
Não havendo reclamação, ao tribunal não compete pronunciar-se sobre a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, seja quanto ao seu conteúdo, seja quanto à sua tempestividade (com interesse sobre esta matéria, cfr. o Ac. da RP de 9.1.2020, P. 9323/14.0T8PRT-A.P1 (João Venande), em www.dgsi.pt).
Não estava, pois, o tribunal, obrigado a apreciar, oficiosamente, da tempestividade da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela R., e perante a rejeição da reclamação apresentada, pelo que se conclui não padecer o despacho recorrido da nulidade invocada.
2. Insurgem-se os apelantes contra a decisão recorrida sustentando que, no caso, o depósito do valor total da nota não é exigível, quer pela intempestividade da nota discriminativa, quer por os reclamantes apenas terem invocado tal exceção perentória, fazendo apelo aos Acs. da RC de 6.10.2015, P. 1466/14.7T8CBR-E.C1 (Anabela Luna de Carvalho) e da RG de 9.2.2017, P. 473/10.3TBVRL-B.G1 (Ana Cristina Cerdeira), ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
Por outro lado, acrescentam, a norma em causa é “materialmente inconstitucional, na medida que a interpretação e aplicação, no caso sub judice, é uma violação do princípio fundamental ao acesso ao direito, do princípio da proporcionalidade e adequação, do princípio da equidade e lealdade processual, bem como do princípio do contraditório”.
Apreciemos.
Importa sublinhar que, ao contrário do que sustentam, os apelantes não se limitaram a invocar a extemporaneidade da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela R., tendo, também, reclamado do seu teor, pelo que as circunstâncias não são as mesmas que estavam subjacentes aos acórdãos invocados, sempre se dizendo que não se sufraga inteiramente o entendimento pugnado nestes.
Face ao que supra se deixou escrito, e tendo em conta que o tribunal só aprecia as questões suscitadas se a reclamação for admissível por satisfizer os requisitos legais, nomeadamente o pagamento exigido no nº 2 do art. 26º-A do RCP, não se mostrando este cumprido, não incumbia ao tribunal apreciar os fundamentos invocados na reclamação.
No que respeita à invocada inconstitucionalidade material do nº 2 do art. 26º-A do RCP, por violação do princípio fundamental ao acesso ao direito, do princípio da proporcionalidade e adequação, do princípio da equidade e lealdade processual, bem como do princípio do contraditório, sufragamos o entendimento expendido nos Acs. da RP de 15.1.2013, P. 511/09.2TVPRT.P2 (António Martins), da RE de 8.10.2015, P. 681/14.8T8PTM-D.E1 (Conceição Ferreira), da RP de 26.1.2016, P. 8043/06.4TBVNG.P1 (Rui Moreira), e da RE de 27.2.2020, P. 502/14.1T8PTG-A.E1 (Mário Silva), todos em www.dgsi.pt [8], remetendo-se para a argumentação aí amplamente expendida, a que aderimos.
O tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a matéria, nomeadamente no Ac. do TC nº 678/2014, de 15.10.2014 (Pedro Machete), em www.dgsi.pt, no sentido de a norma contida no artigo 33º, nº 2, da Portaria nº 419-A/2009, de 17.04, na redação dada pela Portaria nº 82/2012, de 29.03, não sofrer da inconstitucionalidade invocada, em termos abstratos, afigurando-se-nos que os argumentos se transpõem para o atual art. 26º-A do RCP.
O artigo 20º, nº 1, da CRP estabelece que a justiça não pode ser negada por insuficiência de meios económicos.
Como se escreveu no referido Ac. da RE de 8.10.2015, “A interpretação que deste art. 20º vem sendo feita pelo Tribunal Constitucional pode condensar-se na seguinte doutrina: não há uma imperatividade constitucional de se assegurar a gratuitidade da justiça e ao direito subjetivo de acesso aos tribunais corresponde um dever correlativo do Estado de garantir condições para assegurar a efetividade da tutela jurisdicional. Daqui decorre que a liberdade do legislador, na disciplina do regime das custas, goza de uma relativa margem, sendo limitada, porém pela demonstração de que os custos por ele fixados para a utilização da máquina judiciária não sejam de tal modo onerosos ou excessivos que funcionem como um travão ou inibição, por parte do cidadão comum, no acesso ao tribunal. Só quando tal demonstração for feita é que se pode afirmar que o regime fixado pelo legislador é desproporcional e quebra o “equilíbrio interno ao sistema” que é reclamado pelo citado princípio constitucional de tutela jurisdicional efetiva.
O que é determinante é saber se, em concreto, o montante que o reclamante tinha que depositar, a título de custas de parte, se pode considerar excessivamente oneroso, ou arbitrário e absolutamente injustificado, por forma a que se possa concluir que nesses termos haveria uma denegação do acesso à justiça, nomeadamente por insuficiência de meios económicos.”.
Ora, dos elementos constantes dos autos não é possível formular tal juízo, considerando o valor atribuído à ação pelos AA./apelantes (€230.000,00), que não invocaram em concreto dificuldades económicas ou insuficiência de meios para depositar o valor da nota discriminativa de custas de parte e, ainda, o valor em concreto desta (€7.600,50), que não pode ser qualificado de arbitrário.
Por quanto se deixa escrito, improcede a apelação, devendo manter-se o despacho recorrido.
As custas da apelação, na modalidade de custas de parte, ficam a cargo dos apelantes, por terem ficado vencidos – art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, mantém-se o despacho recorrido.
Custas pelos apelantes.
*
Lisboa, 2020.09.15
Cristina Coelho                      
Luís Filipe Pires de Sousa
Carla Câmara

[1] No mesmo sentido dispondo o nº 1 do art. 3º do RCP.
[2] Nos termos previstos nos nºs 3, 4 e 5 do art. 26º do RCP.
[3] Caso em que o pagamento deve ser feito diretamente ao mandatário judicial e/ou técnicos da parte vencedora, se estes o requererem nos termos do referido artigo.
[4] Este artigo aditado pela L. 27/2019, de 28.3, reproduz o art. 33º da Portaria nº 419-A/2009, de 17.04, ultrapassando os problemas de inconstitucionalidade orgânica do nº 2 deste artigo, declarada, com força obrigatória geral, pelo Ac. do TC nº 280/2017, de 6.6.2017.
[5] Tal como determinava o nº 4 do art. 33º da Portaria nº 419-A/2009, de 17.04.
[6] Na sequência, aliás, do que já anteriormente se previa no âmbito do Código das Custas Judiciais, em cujo art. 33º-A, nº 2 se estipulava que “Nos casos em que o pagamento deva ser efetuado por quantias depositadas à ordem do processo, a nota discriminativa e justificativa referida no número anterior é igualmente remetida ao tribunal, o qual, observado o disposto nos números seguintes, procede ao respetivo pagamento”.
[7] Que estabelece no nº 1 que “As partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazo do artigo 25º do RCP”
[8] Alguns pronunciando-se, ainda, sobre o nº 2 do art. 33º da Portaria 419-A/2009, de 17.4, na redação dada pela Portaria nº 82/2012, de 29.3.