Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
725/08.2TVLSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL CÍVEL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. Extrai-se no artigo 4º do ETAF o princípio de que a jurisdição administrativa e fiscal está vocacionada para o conhecimento de todos os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas ou jurídico-tributárias e não de relações privatísticas, pois neste caso compete o seu conhecimento à jurisdição comum.
2. A Central de Responsabilidades de Crédito, base de dados gerida pelo Banco de Portugal com a informação, obrigatória, prestada pelas entidades participantes e relativa às responsabilidades dos seus clientes por créditos concedidos, está subordinada ás regras legais de protecção do tratamento de dados pessoais estabelecidas no Decº-Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, impondo-se o direito de acesso do beneficiário do crédito à informação que a seu respeito consta da base de dados, permitindo-lhe solicitar à entidade participante a sua rectificação ou actualização.
(OCA)
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

RELATÓRIO

F..., instaurou acção declarativa com processo ordinário contra BANCO S.A., e o BANCO DE PORTUGAL, através da qual pede seja declarado nulo o título executivo que se encontra na posse do 1º réu, seja retirado o nome do autor dos registos informáticos do 2º réu e sejam, ambos os réus, condenados a pagar sanção pecuniária compulsória por cada mês que o nome do autor se mantenha nesses registos.
Pede ainda o autor a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 12.300,00, a título de danos patrimoniais e a indemnizá-lo ainda dos danos que venha a ter, derivados da conduta dos réus, em quantia a liquidar em execução de sentença.
Fundamentou, o autor, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de o 1º Réu ter comunicado ao 2º réu, em meados do ano de 1997, um suposto “montante em débito”, por parte do autor, ficando o nome do autor, desde então, a constar nos registos informáticos do 2º réu.
Em 15.12.1997, o 1º réu, na altura Banco D SA, deu entrada no Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa do processo de injunção nº..., tendo o autor apresentado oposição.
Na base de dados relativa à centralização de responsabilidades de crédito do 2º réu, encontra-se discriminado como “Tipo de Crédito 9, um montante de 908 Euros”, cuja entidade comunicante é o 1º réu, tendo tal informação sido levada ao conhecimento do 2º réu, há mais de 10 anos, pelo 1º réu, com o “tipo de crédito 5 ou 7”.
Nos termos do Ponto 9.3 da instrução 16/2001 do Manual da Instrução do Banco de Portugal, ao abrigo do artigo 1º, nº2 do DL 29/96 de 11 de Abril e da Lei Orgânica do Banco de Portugal, “os dados relativos às responsabilidades de crédito são guardados em suporte informático por um período de 10 anos, findo os quais são apagados”, mas já se passaram mais de 10 anos, verificando-se a permanência deste registo.
O Autor tem vindo a encetar várias diligências no sentido de ser retirado o seu nome da lista, mas o mesmo continua nos registos informáticos transmitidos a nível nacional a todas as instituições bancárias e de crédito, fazendo com que o autor tenha o seu nome denegrido injustamente junto das mesmas.
Mais alega que o 1º réu se encontra munido de um “título executivo” criado de forma ilegal, nada devendo ao 1º réu, já que lhe comunicou atempadamente, por via telefónica, o extravio do seu cartão de crédito, tendo procedido ao seu cancelamento e que a sua imagem se encontra denegrida, injustamente, perante as instituições bancárias e de crédito, visto que o recurso do autor ao crédito, está condicionado pela “resolução” da questão que o 1º réu criou.
O autor já recorreu ao crédito pessoal para liquidar importâncias de penhora e para fazer face a outras dificuldades que atravessa, sendo-lhe sempre recusado, adoptando como alternativa, vender alguns dos seus bens, o que, esse propósito, lhe causou um prejuízo de cerca de 12.000,00 Euros, razão pela qual deverá o autor ser indemnizado solidariamente pelos réus, em 20.000,00 Euros, a título de danos não patrimoniais e 12.300,00 Euros, a título de danos patrimoniais, devendo igualmente os réus indemnizar o autor em todas as despesas que este venha a ter em virtude da presente situação, por não ser possível apurar de momento, em quantia a liquidar em execução de sentença, devendo igualmente ser anulado o “título executivo” na posse do 1º réu e retirado o nome do autor dos registos informáticos do 2º réu.
Citados, cada um dos réus apresentou contestação. O Banco de Portugal excepcionou a incompetência absoluta das Varas Cíveis, sendo competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e, para o caso de assim se não entender, impugnou os factos articulados pelo autor.
Também o réu Banco, S.A. contestou, impugnando motivadamente a factualidade vertida na petição, propugnando pela improcedência da pretensão.
O Tribunal a quo proferiu decisão, considerando-se incompetente em razão da matéria para dirimir o presente litígio, no segmento respeitante ao réu Banco de Portugal, sendo competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, o que determinou a absolvição do referido réu da instância.
Julgou, por outro lado, o Tribunal a quo, improcedentes os pedidos formulados pelo autor, absolvendo, em consequência, o réu Banco, S.A., Sociedade Aberta, da totalidade dos referidos pedidos.

Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:

i) O “título executivo” junto aos autos é ilegal, devendo ser anulado;

ii) O autor recorreu a esta acção com o objectivo de anular este suposto título, tendo em conta que o procedimento de oposição que utilizou não foi considerado;

iii) O despacho saneador-sentença não fundamenta minimamente a rejeição deste pedido do autor;

iv) Deveria ter havido um despacho saneador-sentença, mas no sentido inverso, nomeadamente para anular o “título executivo”;

v) As instruçãões 16/2001 e 7/2006 têm que ser analisadas face à legislação existente sobre a protecção de dados pessoais, nomeadamente a Lei 67/98 de 26 de Outubro;

vi) As Varas Cíveis são competentes para julgar o réu Banco de Portugal;

vii) O tribunal recorrido deveria ter proferido, em alternativa, despacho saneador ou designado audiência preliminar, uma vez que existe prova e matéria controvertida que tem que ser produzida em sede de julgamento;

viii) Foram violadas as seguintes normas: artigos 158º, nºs 1 e 2, 510º, nº 1, alíneas a) e b) do CPC e artigos 5º e 34º, nº 1 da Lei 67/98, de 26 de Outubro e artigos 483º e seguintes do Código Civil.

Propugna, portanto, o autor, que seja revogada a decisão recorrida, ordenando-se a prolação de decisão nos moldes supra descritos ou, em alternativa, a prolação de despacho saneador ou designação de data para audiência preliminar.
Respondeu o 2º réu, Banco de Portugal, defendendo a manutenção do decidido, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

i. O Tribunal a quo é incompetente em razão da matéria para dirimir litígios relativos à CRC e dos quais o Banco de Portugal seja parte;

ii. Esta incompetência absoluta assenta no facto de a actuação do Banco de Portugal, no que à CRC concerne, se inscrever no exercício do poderes de autoridade enquanto Banco Central, para a prossecução do interesse público (que é o da minimização dos riscos de crédito);

iii. Assim resulta claramente dos art.os 17.º e 39.º da LOBP;

iv. Estas normas, conjugadas com o art.º 4.º, n.º 1, do ETAF e com o art.º 3.º, n.º 1, do CPTA, determinam que a competência para apreciar a conduta do Banco de Portugal pertence aos tribunais administrativos;

v. Por isso, o Tribunal a quo absolveu bem o Banco de Portugal da instância e tal douta decisão deve ser mantida.

vi. A segunda questão suscitada refere-se aos objectivos da CRC;

vii. Nesta base de dados, o Banco de Portugal apenas centraliza e divulga as informações comunicadas pelas entidades participantes;

viii. Tais informações reportam-se a crédito potencial ou concedido, em situação regular ou em incumprimento;

ix. As informações constantes da CRC visam apoiar as entidades participantes na avaliação do risco de concessão de crédito;

x. Mas não determinam a concessão ou não desse crédito – quem o determina livremente são as entidades participantes;

xi. Nos termos da lei, só as entidades participantes podem alterar ou rectificar os dados que comunicam à CRC;

xii. E é faculdade dos beneficiários do crédito solicitarem a rectificação e actualização da informação junto da entidade participante responsável pela informação transmitida ao Banco de Portugal, que não ao próprio Banco de Portugal;

xiii. Por outro lado, as entidades participantes comunicam as responsabilidades mensalmente, pelo que as comunicações relativas a um mês são independentes das dos demais meses;

xiv. Nos termos da lei, os dados comunicados à CRC são armazenados por dez anos, findos os quais são apagados;

xv. O recorrente apenas fez prova de dados comunicados há menos de dez anos;

xvi. A terceira questão suscitada é a da responsabilidade civil extra-contratual do Banco de Portugal;
xvii. Já se viu que não há nenhuma ilegalidade na conduta do Banco de Portugal;

xviii. Além disso, o recorrente não fez prova do nexo de causalidade entre os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais que, alegadamente, terá sofrido e a conduta do Banco de Portugal, prova indispensável para a condenação do Banco em sede de responsabilidade civil extra-contratual;

xix. Nem fez prova da culpa (que afirma ser dolo) do Banco de Portugal, prova que lhe incumbia fazer.
Entende, por isso, o apelado, que a decisão recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos, na parte em que aprecia a incompetência absoluta do Tribunal a quo para julgar a causa contra o Banco de Portugal ou, se assim não se entender, deverá ser ordenada a prolação de sentença que aprecie a conduta do Banco de Portugal nos termos acima explanados.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


I. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i) DA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS COMUNS PARA CONHECER DE ACÇÕES EM QUE ESTEJA EM CAUSA ACTUAÇÕES DO BANCO DE PORTUGAL RELATIVAS AO SERVIÇO DE CENTRALIZAÇÃO DE RISCOS DE CRÉDITO;

ii) A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA INCLUSÃO DO AUTOR NO SERVIÇO DE CENTRALIZAÇÃO DE RISCOS DE CRÉDITO.

III . FUNDAMENTAÇÃO

A - OS FACTOS

Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido e ainda:

§ No dia 27/4/1998 foi aposta a expressão «execute-se» no processo de injunção nº ..., do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa, em que foi requerente Banco D, S.A. e requerido o ora autor;

§ O 1º réu comunicou ao 2º réu, responsabilidades do autor de tipos diversos, as quais têm datas de centralização de Agosto de 2000 e de Dezembro de 2007, conforme documentos de fls. 7 e 19.

B - O DIREITO

i) DA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS COMUNS PARA CONHECER DE ACÇÕES EM QUE ESTEJA EM CAUSA ACTUAÇÕES DO BANCO DE PORTUGAL RELATIVAS AO SERVIÇO DE CENTRALIZAÇÃO DE RISCOS DE CRÉDITO;

Como esclarece Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 1987, 197, o requisito da competência resulta de necessidade de se repartir o poder jurisdicional pelos vários tribunais segundo critérios diversos.
No plano interno, à frente de todos, surge o critério da especialização. A lei, em função do reconhecimento da vantagem em reservar para cada um dos tribunais aquelas matérias que constituem o núcleo preferencial da sua actividade, fixa a regra da competência.
De acordo com o disposto no art. 211º da Constituição da República Portuguesa, «1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurisdicionais».
Estabelece também em termos idênticos o artigo 18º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei 3/99, de 13.1, que São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuladas a outra ordem jurisdicional. E, idêntica disposição consta do artigo 66º do Código de Processo Civil.
E, decorre do artigo 212.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa que compete aos tribunais administrativos o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.

Aos tribunais judiciais cabe, pois, a título residual, julgar as acções que não competirem aos outros tribunais.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 814, em comentário ao art. 212.º a competência dos tribunais administrativos deixou de ser especial ou excepcional face aos tribunais judiciais, tradicionalmente considerados como tribunais ordinários ou comuns. A letra do preceito constitucional parece não deixar margem para excepções, no sentido de consentir que estes tribunais possam julgar outras questões, ou que certas questões de natureza administrativa possam ser atribuídas a outros tribunais. Nesta conformidade pode dizer-se que os tribunais administrativos passaram a ser verdadeiros tribunais comuns em matéria administrativa.”.

O princípio consagrado constitucionalmente no nº 3 do artigo 212º da CRP é reafirmado no artigo 1º, nº 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, 19/02, já rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 18/2002, de 12/04 e alterada pela Lei 107-D/2003, de 31/12), que entrou em vigor em 01.01.2004 - cfr. artigo 9º da Lei nº 4-A/2003, de 19.02, diploma aqui aplicável, porque a competência se fixa no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.
Estabelece, com efeito, o nº 1 do artigo 1 do ETAF que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Segundo Freitas de Amaral, Direito Administrativo, III vol., 423 e segs. (poligrafado), a relação jurídica administrativa é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração.

Este tipo de relação jurídica, pressupõe assim a intervenção da Administração Pública investida do seu poder de autoridade “jus imperium”, impondo aos particulares restrições que não têm na actividade privada. É para dirimir os conflitos de interesses surgidos no âmbito destas relações e com vista à garantia do interesse público que se atribui competência específica aos tribunais administrativos.
Para Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, 2007, 117-118, Por relação jurídico administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas.
E, para J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa”, Lições, 79, apesar dos vários sentidos que pode ser tomado o conceito de relação jurídica administrativa, define-a como sendo “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.

Tal significa que o foro administrativo apenas é competente quando estão em causa litígios emergentes de relações jurídico-administrativas.
Como esclarecem Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., loc. cit. a aludida qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras:
(1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração);
(2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal.
Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil».
Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal.

Como é sabido, a Administração pode actuar na esfera de direito público ou na esfera do direito privado, pode praticar actos de gestão pública e actos de gestão privada.

Para Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., II, pags. 122, entende-se por gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e por gestão privada a actividade da Administração que decorra sob a égide do Direito Privado”.

Mais esclarece que pode dizer-se que reveste a natureza de gestão pública, toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para o efeito”.

O ETAF aponta, designadamente, nas várias alíneas do seu artigo 4º, a fracção do poder jurisdicional que pode ser exercida pelos tribunais administrativos e fiscais.

Estatui, consequentemente, o aludido preceito que: 1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomea­damente por objecto:
a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos parti­culares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração;
c) Fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das regiões autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, desig­nadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos;
e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público;

f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto admi­nistrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público;
g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colec­tivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servi­dores públicos;
i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime especí­fico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público;
j) Relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir;
l) Promover a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens
constitucionalmente prote­gidos, em matéria de saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas, e desde que não cons­tituam ilícito penal ou contra-ordenacional;
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito
público para que não seja compe­tente outro tribunal;
n) Execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal.

Pela análise das diversas alíneas do artigo 4º do ETAF se conclui que o legislador pretendeu consagrar o princípio de que a jurisdição administrativa está vocacionada para o conhecimento de todos os litígios emergentes de relações administrativas.

Decorre do elenco supra que, para a atribuição da competência dos tribunais administrativos e fiscais, importa, como acima ficou dito, que subjacente aos aludidos litígios esteja em causa relações jurídico-administrativas ou jurídico-tributárias e não questões de direito privado.

É certo que a reforma do contencioso administrativo alargou o âmbito da jurisdição administrativa. E, pese embora nas diversas alíneas do ETAF supra elencadas não se fazer nenhuma alusão aos actos de gestão pública, tal não significa que já não haja que ponderar se as situações ali previstas são, ou não, regidas por um regime de direito público ou de direito privado.

Não é, pois, de abandonar completamente a distinção entre a supra referida qualificação de gestão pública e gestão privada, já que sempre se poderá defender, por exemplo, que uma pessoa colectiva demandada com base na responsabilidade civil extracontratual, sê-lo-á na jurisdição administrativa apenas no caso de o acto lesivo dos interesses do terceiro demandante ser qualificado como acto de gestão pública, devendo, ao invés, tal demanda ocorrer nos tribunais comuns no caso de tal acto ser qualificado como de gestão privada.

É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que a competência em razão da matéria tem de ser averiguada em função dos termos em que o autor configura a acção, a qual se define através do pedido, da causa de pedir e da natureza das partes.

É necessário, portanto, ponderar, como justamente se refere no despacho recorrido, quanto aos elementos objectivos e subjectivos da acção, ou seja, em relação aos primeiros, a natureza da providência solicitada, natureza do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde resulta o invocado direito; e, em relação aos segundos, a identidade e a natureza das partes.

No caso vertente, propôs o autor contra o Banco de Portugal a presente acção com vista, designadamente, que seja retirado o nome do autor dos registos informáticos do Banco de Portugal e ainda a condenação dos réus a pagarem-lhe uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, por virtude dos prejuízos alegadamente sofridos.

De acordo com a sua Lei Orgânica, aprovada pelo Decº-Lei nº 337/90, de 30/10, estabelece o artigo 1º na redacção dada pela Lei nº 5/98 de 31/01, com as alterações do Dec. Lei nº 118/01 de 17/04, do Decº-Lei nº 50/2004, de 10.03 e Decº-Lei nº 39/2997, de 20.02 que « O Banco de Portugal ... é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio».

Dispõe o art. 39º do mesmo diploma legal que « Dos actos praticados pelo ... conselho de administração e demais órgãos do Banco, ou por delegação sua, no exercício de funções públicas de autoridade, cabem os meios de recurso ou acção previstas na legislação própria do contencioso administrativo ».

Resulta ainda do preceituado no artigo 64.º do referido diploma que: « 1 - Em tudo o que não estiver previsto na presente Lei Orgânica e nos regulamentos adoptados em sua execução, o Banco, salvo o disposto no número seguinte, rege-se pelas normas da legislação reguladora da actividade das instituições de crédito, quando aplicáveis, e pelas demais normas e princípios do direito privado. 2 - No exercício de poderes públicos de autoridade, são aplicáveis ao Banco as disposições do Código do Procedimento Administrativo e quaisquer outras normas e princípios de âmbito geral respeitantes aos actos administrativos do Estado. 3 - Aos procedimentos de aquisição e alienação de bens e serviços do Banco é aplicável o regime das entidades públicas empresariais.
4 - O Banco está sujeito a registo comercial nos termos gerais, com as adaptações que se revelem necessárias.»

Pode assim concluir-se que a competência dos tribunais administrativos se reconduz, actualmente, à questão de saber o que deve entender-se por litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.

É que, a par dos órgãos da administração propriamente ditos, existem inclusivamente entidades privadas que praticam actos de gestão pública, bem como actos de interesse público e do próprio Estado que, em princípio, lhe caberiam directamente, mas que são actos da natureza administrativa.

O Banco de Portugal, enquanto Banco Central Nacional (art. 102° da CRP) é garante do sistema financeiro português, rege-se por normas de direito público. Sendo, como acima ficou dito, uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e património próprio (art. 1° do DL 337/90, de 30/10, na redacção dada pelo Decº-Lei nº 5/98, de 31 de Janeiro), o interesse público que prossegue significa que a sua acção se inscreve no âmbito de uma verdadeira gestão pública.

Disso é exemplo, precisamente, o poder público de elaborar uma lista na qual se efectua a centralização de responsabilidade de crédito.

Com efeito, a Central de Responsabilidades de Crédito (CRC) é uma base de dados gerida pelo Banco de Portugal, com informação prestada pelas entidades participantes sobre os créditos por estas concedidos e que obedece aos requisitos de protecção de dados individuais, de acordo com o estabelecido no Decº-Lei nº 67/98, de 26 de Outubro.
A CRC contém informação sobre responsabilidades de crédito contraídas no sistema financeiro, independentemente de se encontrarem em situação regular (informação positiva) ou em incumprimento (informação negativa).

A Central de Responsabilidades de Crédito, dentro do quadro legal –Decº-Lei nº 29/96, de 11 de Abril, actualmente revogado pelo Decº-Lei nº 204/2008, de 14 de Outubro; Instrução do Banco de Portugal nº 7/2006, publicada no BNBP nº 7, de 16.07.2001 e respectivos anexos, recentemente revogada pela Instrução nº 21/2008, publicada no BO nº 1, de 15.01.2009 e Autorização nº 160/2002, de 25 de Junho, concedida pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, nos termos da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro - encontra-se subordinada aos seguintes princípios:

a) Obrigatoriedade de comunicação ao Banco de Portugal, por parte das entidades participantes, das responsabilidades dos seus clientes, por crédito concedido;
b) Confidencialidade no tratamento e na divulgação da informação individual de cada beneficiário do crédito;
c) Reciprocidade no acesso à informação por parte das entidades participantes;
d) Direito de acesso de cada beneficiário à informação que a seu respeito consta da base de dados e de solicitar à entidade participante a sua rectificação ou actualização.

Ora, sendo um dos sujeitos da relação jurídica em apreciação – o 2º réu - uma entidade que realiza actos de natureza e interesse públicos e, uma vez que o pedido e a causa de pedir, incidem sobre actos praticados por essa entidade, no uso do seu “jus imperium”, forçoso é concluir que o mesmo actua, neste caso, claramente no interesse público, pelo que a relação jurídica reveste a natureza administrativa e não civil.

Assim, e considerando que o Banco de Portugal exerce funções de natureza pública, a questão em apreciação integra-se na jurisdição administrativa e fiscal e não na jurisdição cível, já que a situação gizada nos autos, enquadra-se na previsão das alíneas a) e i) do n.° l do artigo 4.° do ETAF, que confere a competência para a apreciação da pretensão, designadamente, a relativa à eventual responsabilidade civil extracontratual, requerida pelo autor com relação ao 2º réu, aos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Improcede, consequentemente, o recurso de apelação, no que concerne ao 2º réu, mantendo-se a decisão recorrida.

ii) A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA INCLUSÃO DO AUTOR NO SERVIÇO DE CENTRALIZAÇÃO DE RISCOS DE CRÉDITO.


Em relação ao 1º réu os pedidos formulados pelo autor incidem sobre as relações que o recorrente mantém com essa pessoa colectiva de direito privado. Tratam-se de relações inequivocamente privatísticas. E, essa sua natureza privada não se descaracteriza pelo facto, aliás normal, das relações estarem enquadradas por normas que tutelam interesses gerais. Daí que tais pedidos não devessem nem pudessem ser deduzidos na jurisdição administrativa e fiscal, competindo o seu conhecimento à jurisdição comum.

No caso vertente, formula, o autor, um pedido de indemnização, designadamente contra o 1º réu. Mostra-se, por isso, a acção estruturada como uma acção de responsabilidade civil extracontratual.

Constituem pressupostos da responsabilidade extracontratual prevista no art. 483º do CC, eventualmente geradores da indemnização e decorrente de ofensa ao bom nome e crédito do autor:

a) Facto voluntário, que é essencialmente a conduta controlável pela vontade do agente, ou seja, a prática de um facto humano, ilícito, porque violador de um direito de outrem ou de disposição legal;

b) A culpa, traduzida no juízo de reprovabilidade da conduta do agente que podia e devia ter agido de outra forma e que deve ser apreciada, segundo o artigo 487º, nº 2 do C.C., pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso concreto;

c) O dano, prejuízo material ou moral sofrido por alguém, por facto de terceiro, sendo os danos não patrimoniais os que resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado e que, de acordo com o preceituado no artigo 496º, nº 1 do C.C., são indemnizáveis desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito;

d) O nexo de causalidade entre o facto ilícito culposo e o dano, devendo apurar-se, para o efeito, se em face das circunstâncias concretas conhecidas pelo lesante, era previsível para um homem médio que do facto praticado derivasse aquele resultado – v. artigo 563º do CC.

Importa também ter em consideração o que decorre do preceituado no artigo 484º do CC que estatui que, quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.

Prevê o aludido normativo um caso especial de facto anti-jurídico definido pelo supra citado artigo 483.º do Código Civil, o que significa que a sua verificação está também sujeita aos requisitos gerais da responsabilidade civil por facto ilícito – cfr. entre muitos, Ac. STJ de 14.05.2002, C.J./STJ, Ano X, t. 2, pág. 63.

Na verdade, é comummente entendido na doutrina e na jurisprudência que constitui conduta antijurídica, aquela que lesa o crédito ou o bom-nome de outrem, desde que seja dolosa ou culposa e susceptível de afectar o aludido crédito ou o bom nome, e com virtualidade para atingir ou diminuir a confiança na capacidade da pessoa para cumprir as suas obrigações, afectando dessa forma o crédito ou a imagem e reputação ou a integridade moral da pessoa visada -
v. Ac. STJ de 20.06.1996, CJ/STJ 1996, II, 277 e Rabindranath Capelo Sousa, Direito Geral de Personalidade, 596 e ss.

O facto voluntário traduz-se, no caso em análise, na comunicação efectuada pelo 1º réu ao Banco de Portugal da eventual responsabilidade do autor face ao réu.

Prevê-se no artigo 3º do Decreto-Lei nº 29/96, de 11 de Abril (actualmente artigo 3º do Decº-Lei nº 204/2008, de 14 de Outubro) que as entidades participantes no Serviço de Centralização de Riscos do Crédito, criado pelo Decreto-Lei nº 47.909, de 7 de Setembro de 1967, para centralizar os elementos informativos respeitantes ao risco da concessão e aplicação de créditos, ficam obrigadas a fornecer ao Banco de Portugal, os elementos informativos referentes a operações de crédito que tenham concedido em Portugal ou no estrangeiro.

Tal obrigação está igualmente prevista na Instrução nº 7/2006 (actualmente Instrução nº 21/2008), dimanada do Banco de Portugal e na qual igualmente se discriminam as classes e tipos de créditos (códigos 1 a 14) nas quais as responsabilidades comunicadas serão classificadas, em conformidade com os anexos 1 e 2 da aludida Instrução e de acordo com o Plano de Contas do Sistema Bancário, a informação abrangida, a forma de comunicação e acesso à informação centralizada e o modo como a mesma será disponibilizada pelo Banco de Portugal.

Considerando a supra referida obrigatoriedade de comunicação ao Banco de Portugal, por parte das entidades participantes, como é o 1º réu, enquanto instituição bancária, das responsabilidades dos seus clientes por crédito concedido, sempre se poderia concluir que o 1º réu, ao efectuar tal comunicação, estava a actuar no cumprimento de obrigação legal.

Resulta do nº 8. 4 da Instrução nº 7/2006 (actualmente Nº 11. 4 da Instrução nº 21/2008), que os dados mensais de responsabilidades de crédito dos beneficiários são guardados em suportes informáticos e conservados durante um período de dez anos, findo o qual são apagados.
Estando em causa dados pessoais os mesmos estão abrangidos pela protecção legal conferida pela Lei de Protecção de Dados Pessoais – Decº-Lei nº 67/98, de 26 de Outubro.

De acordo com o artigo 5º, nº 1, alínea d) do citado diploma, os dados pessoais devem ser exactos e, se necessário, actualizados, devendo ser tomadas as medidas adequadas para assegurar que sejam apagados ou rectificados os dados inexactos ou incompletos, tendo em conta as finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente.

E, decorre do artigo 11º, nº 1 alínea b) do Decº-Lei nº 67/98, de 26 de Outubro que o titular dos dados tem o direito de obter do responsável pelo tratamento, livremente e sem restrições, com periodicidade razoável e sem demoras ou custos excessivos, nomeadamente a rectificação, o apagamento ou o bloqueio dos dados cujo tratamento não cumpra o disposto na presente lei, nomeadamente devido ao carácter incompleto ou inexacto desses dados.

Acresce que prevê a própria lei que a falta de cumprimento dessa obrigação estabelecida no artigo 5º, nº 1, alínea d) do Decº-Lei nº 67/98 será punida com coima pela prática de contra-ordenação prevista e punível no artigo 38º, nº 1 alínea b) do mesmo diploma legal.

Assim, e dada a gravidade do não cumprimento da obrigação de apagar, findo o prazo previsto para a guarda da informação ou rectificar os dados inexactos ou incompletos, ou ainda de, neste caso, a entidade participante, por negligência ou dolo, não ter dado cumprimento à obrigação de informação ao Banco de Portugal para apagar, findo o prazo previsto para a guarda da informação, ou rectificar os dados inexactos ou incompletos, sempre a conduta do 1º réu seria susceptível de integrar a prática de uma conduta ilícita e culposa desencadeadora de prejuízos.

Sucede, porem, que muito embora o autor alegue que nada deve ao 1º réu, a verdade é que, no dia 27/4/1998 foi aposta a expressão «execute-se» no processo de injunção nº ..., do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa, em que foi requerente Banco D, S.A., antecessor do 1º réu e requerido o ora autor.


O procedimento de injunção, criado pelo DL 404/93, de 10/12 (revogado pelo DL 269/98, de 1/99, estabeleceu um regime jurídico dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância.

E, pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17/2 (que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29/6), foi alargado o âmbito da sua aplicação não apenas às “obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância” como às “obrigações emergentes de transacções comerciais”, de qualquer valor, previstas nos artigos 1º e 2º, nº 1 do aludido diploma, que alterou o artigo 7º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 269/98 e que passou a preceituar que: “considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”.

Caracterizou-se desde sempre este procedimento por um processado simples, uma fase desjurisdicionalizada, em que não intervém um juiz, e nem é proferida qualquer decisão sobre o mérito da pretensão, sem que fiquem diminuídas as garantias das partes, asseguradas “quer pela via da apresentação obrigatória dos autos ao juiz quando se verifique oposição do devedor, quer pelo reconhecimento do direito de reclamação no caso de recusa, por parte do secretário judicial, da aposição da fórmula executória na injunção”.

Com tal procedimento ultrapassa-se a necessidade da prévia fase declarativa, por forma a permitir ao credor de uma prestação consubstanciada numa obrigação pecuniária, obter, de forma célere, um título executivo, apressando deste modo a possibilidade de se exigir o cumprimento pela via coactiva, sem perda de garantias para as partes.


E, o procedimento atinge a sua plenitude e finalidade com a criação de um título executivo através da aposição no próprio requerimento de injunção, pelo Secretário de Justiça, da fórmula executória “este documento tem força executiva», o que somente sucederá se depois de notificado, o requerido não tiver deduzido oposição ao requerimento de injunção.

Aposta a fórmula executória, finda o procedimento de injunção, passando o credor/requerente a poder instaurar execução contra o requerido, com base nessa obrigação “certificada”.
Ora, no caso vertente, a operação de crédito mostra-se consubstanciada num procedimento de injunção que decorreu ainda na vigência do Decreto-Lei nº 404/93, de 10.12.
Detém, pois, o 1º réu um título executivo, o qual enquanto não for impugnado pelas vias adequadas – que não a presente acção, cuja causa de pedir não é essa, e tão pouco se mostram alegados factos para consubstanciar tal desiderato – é válido, não se mostrando ilícita e muito menos culposa a conduta do 1º réu ao efectuar a comunicação ao Banco de Portugal no sentido de incluir o autor no Serviço de Centralização de Riscos de Créditos, como bem se esclarece na sentença recorrida.
Nestes termos, o recurso de apelação não pode deixar de improceder.
O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, muito embora ao mesmo haja sido concedido apoio judiciário, como decorre de fls. 50 e 51.
O patrono do autor/apelante, nomeado no quadro do apoio judiciário para patrocinar o recorrente, tem direito a honorários, a
suportar pelo sucessor do Cofre Geral dos Tribunais, pelo valor decorrente da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro (1.3.1).

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Condena-se o apelante no pagamento das custas respectivas, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.


Fixa-se ao patrono do apelante, nomeado no quadro do apoio judiciário para patrocinar o recorrente, os honorários decorrentes do ponto 1.3.1 da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro.
Lisboa, 2 de Abril de 2009
Ondina Carmo Alves – Relatora
Ana Paula Boularot
Lúcia Sousa