Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
324/14.0TELSB.L1-9
Relator: MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA
Descritores: DURAÇÃO DAS MEDIDAS DE COAÇÃO
DEDUÇÃO DE ACUSAÇÃO
PROCESSO DE ESPECIAL COMPLEXIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- Os prazos previstos para a aplicação das medidas cautelares e sua duração temporal encontram-se intimamente ligados com os prazos previstos para as diversas fases do processo, designadamente, os prazos para deduzir acusação em processo de especial complexidade. E este tendo decorrido por inteiro, tem por ratio que o legislador, em obediência às várias convenções internacionais, pretende que a compressão dos direitos fundamentais se prolongue pelo menor prazo possível;
II-Logo, mantendo-se o receio legítimo de que uma pessoa com residência no Dubai se não apresente mais, o que deveria ter acontecido de forma a justificar a alteração da medida cautelar imposta, aparentemente menos gravosa mas aplicada de forma igualmente gravosa, por impedir a saída do recorrente do País, era ter sido deduzida uma acusação dentro do prazo consentido por lei;
III- Ao invés mantendo-se o processo ainda em fase de investigação decorridos mais de  quatro anos após a sua instauração, conforme refere o art° 212° do CPP, para serem aplicadas novamente as mesmas medidas, necessário se torna que o prazo respectivo não tenham decorrido por inteiro e para se aplicar outra menos grave, ou para se substituir por uma forma menos gravosa de execução necessário se torna que que tenha ocorrido ..." uma atenuação das exigências cautelares", o que não foi o caso;
IV-Tendo presente que os autos foram declarados de especial complexidade em 31 de Julho de 2015, que decorreram 4 anos sem que tenha sido deduzida acusação (pelo menos, tal não consta nos autos de recurso, e à data da prolacção do despacho recorrido, como nele se refere, ainda o não tinha sido) entende-se que após o decurso por inteiro do prazo do inquérito não é possível continuar a impor medidas cautelares ao recorrente, em substituição de outra, sem que se tenham verificado os pressupostos de diminuição de exigências exigido pela lei, por a tal se opor o estatuído nos preceitos contidos nos art°s 212°, n°s  2 e 3, 215° e 218°, todos do CPP, não sendo o respectivo prazo cumulativo, conforme parece pretender o despacho recorrido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9a Secção Criminal da Relação de Lisboa:
Relatório:
1. AA…., residente em ………………..Dubai,não se conformando com o, aliás douto, despacho de fls 40.142 e segs que determinou lhe fosse aplicada a medida de obrigação de apresentação periódica, a concretizar-se uma vez por semana, dele interpôs o presente recurso, por entender, em síntese, que o mesmo não manteve nem substituiu qualquer medida de coacção, e que viola o disposto no art° 193°, n° 4 do CPP.
Mesmo que se entendesse que a aplicação da medida de coacção era de manter, o que admite por mera cautela, então, deveria ser reduzida a respectiva periocidade para permitir ao recorrente continuar a sua actividade profissional no Dubai.
O M°P° pugna pela manutenção da decisão recorrida.

Vejamos, então:
A única questão objecto do recurso é a de saber se ainda é possível aplicar ao recorrente a medida de coacção de apresentações semanais, e, em caso afirmativo, se se justifica a periodicidade imposta.
Analisando:
No despacho em que propõe a aplicação da medida de obrigação de apresentações semanais agora imposta, faz o M°P° uma resenha das medidas cautelares anteriormente impostas ao recorrente, designadamente, a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, que foi imposta em 28 de Junho de 2017 .
O presente processo foi declarado de excpcional complexidade por despacho de 31 de Julho de 2015, nos termos e para os efeitos do disposto no art° 276°, n° 2 c) e 215°, n°s 1 a 3 do mesmo CPP.
Em 17 de Maio de 2018, o arguido foi restituído à liberdade, mediante a imposição da obrigação de se não ausentar para o estrangeiro com a entrega do respectivo passaporte, ..." e tal despacho foi fundamentado na circunstância de embora estivesse a aproximar-se o limite da duração máxima da medida de coacção de permanência na habitação com vigilância eletrónica e ainda não ser possível encerrar o  inquérito, não se tinham atenuado os perigos enunciados no primeiro despacho.
Em consequência, o M°P° promoveu a extinção da medida de coacção de proibição de ausência para o estrangeiro e promoveu que a mesma seja substituída pela de obrigação de apresentação periódica, a concretizar-se uma vez por semana no posto policial mais próximo da residência do arguido.
Sobre esta promoção recaiu o despacho ora posto em crise, que refere ... "verificando-se que a medida de coacção de proibição de se ausentar foi imposta em 17.05.2018 e não foi ainda proferido despacho final do inquérito, se, necessidade de mais considerações, declaro formalmente extinta tal medida de coacção ...
Na sequência desta promoção, foi o arguido recorrente notificado para se pronunciar sobre a aplicação da medida de apresentações.
Pronunciou-se no sentido de que a medida proposta era desadequada e desproporcional às exigências de natureza cautelar do caso...
Entende ainda que esta é uma forma dissimulada encontrada para manter a proibição de se ausentar para o estrangeiro, considerando os custos insuportáveis das viagens que teria de fazer para cumprir as injunções impostas.
Uma vez que prestou TIR de onde consta que tem residência e local de trabalho no DUBAI, a entender-se que a medida cautelar se deve manter, solicita que a mesma seja alterada para medida de apresentações periódicas mensais num posto da polícia situado em território nacional.
O despacho recorrido indeferiu esta pretensão e manteve a medida de apresentações semanais no posto policial da área mais próxima da residência.
Aqui chegados, o que resulta evidente é que esgotada uma medida de coacção, é imposta a seguinte, com o fundamento em que se não alteraram os pressupostos que determinaram a aplicação da medida anterior.
Esta a pedra de toque da situação.
Com efeito, o art° 212°, n° 2 do CPP dispõe que ..." as medidas revogadas podem, de novo, ser aplicadas, sem prejuízo da unidade dos prazos que a lei estabelecer, se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua aplicação..."
E dispõe o n° 3 do mesmo artigo que..." quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.
Como pode ler-se na anotação 2a ao art° 193° do CPP Comentado da autoria dos Srs Juízes Conselheiros do STJ, cuja autoria é do Conselheiro Maia Gonçalves, ..." O princípio da necessidade ... determina que seja selecionada a medida de coacção estritamente indispensável para a promoção do fim cautelar visado; por outras palavras, o fim visado não poderia ser obtido por outra medida menos gravosa para o arguido.
Este princípio vale para todas as medidas de coacção. Donde, as medidas de coacção devem ser escalonadas segundo um grau de restrição de direitos, escalonamento esse estabelecido em gravidade crescente pelo legislador nos art°s 196° a 202°. Assim, a medida só é legítima se a que se segue (na escala decrescente de gravidade) já não assegurar o fim cautelar visado."
No caso vertente, encontramos aqui dois elementos chave para resolver a questão colocada no recurso.
A primeira é a ideia de que o Juiz pode voltar a aplicar medidas revogadas mas sem prejuízo da uniformidade dos prazos.
Quer isto dizer, conforme ensinam os Exmos Conselheiros do STJ ainda pela pena do Exmo Conselheiro Maia Gonçalves em anotação 4
..."Por força dos princípios referidos na nota 1 (adequação, necessidade e proporcionalidade) as medidas revogadas podem ser de novo aplicadas, a requerimento do M°P°, se se mostrarem necessárias. Nesse caso, porém, o prazo (das medidas sujeitas a limitação temporal) o prazo conta-se como um só, adicionado-se, portanto, os diversos segmentos temporais de execução da medida de coacção...."
No caso vertente, entendem o M°P° requerente e o Mmo Juiz decisor que se não alteraram os pressupostos que levaram à aplicação da medida, mas resta saber de qual medida? A declarada extinta? Para a aplicação dessa decorreu o prazo por inteiro, não podendo, pois, voltar a ser aplicada, de acordo com o disposto no art° 212°, n° 2 do CPP.
Por outro lado, a substituição de medidas por outras menos gravosas não assente, nem podia, em qualquer discutível cláusula "rebus sic stantibus" pela simples razão de que a letra da lei afasta essa possibilidade.
O legislador faz assentar a aplicação de medida cautelar menos gravosa na ideia exactamente de que se atenuaram as exigências cautelares, logo, na ideia de que as coisas não permaneceram iguais, antes sofreram uma alteração.
O que sucede é que os prazos previstos para a aplicação das medidas cautelares e sua duração temporal se encontram intimamente ligados com os prazos previstos para as diversas fases do processo, designadamente, os prazos para deduzir acusação em processo de especial complexidade decorreu por inteiro, uma vez que o legislador, em obediência às várias convenções internacionais, pretende que a compressão dos direitos fundamentais se prolongue pelo menor prazo possível.
Logo, mantendo-se o receio legítimo de que uma pessoa com residência no Dubai se não apresente mais, o que deveria ter acontecido de forma a justificar a alteração da medida cautelar imposta, aparentemente menos gravosa mas aplicada de forma igualmente gravosa, por impedir a saída do recorrente do País, era ter sido deduzida uma acusação.
Conforme refere o art° 212° do CPP, para serem aplicadas novamente as mesmas medidas, necessário se torna que o prazo respectivo não tenham decorrido por inteiro.
Para se aplicar outra menos grave, ou para se substituir por uma forma menos gravosa de execução necessário se torna que que tenha ocorrido ..." uma atenuação das exigências cautelares", o que não foi o caso.
O recorrente afirma que sempre cumpriu e que se quisesse fugir, tê-lo-ía feito.
É verdade, mas não é menos verdade que só poderia tê-lo feito por meios não legais, uma vez que estava proibido de se ausentar do País, e tinha o passaporte apreendido.
Logo, dessa perspectiva, a afirmação de que as exigências cautelares diminuíram não é rigorosa.
Tendo presente que os autos foram declarados de especial complexidade em 31 de Julho de 2015, que decorreram 4 anos sem que tenha sido deduzida acusação (pelo menos, tal não consta nos autos de recurso, e à data da prolacção do despacho recorrido, como nele se refere, ainda o não tinha sido) entendemos que após o decurso por inteiro do prazo do inquérito não é possível continuar a impor medidas cautelares ao recorrente, em substituição de outra, sem que se tenham verificado os pressupostos de diminuição de exigências exigido pela lei, por a tal se opor o estatuído nos preceitos contidos nos art°s 212°, n°s  2 e 3, 215° e 218°, todos do CPP, não sendo o respectivo prazo cumulativo, conforme parece pretender o despacho recorrido.
O recurso interposto por AA procederá, pois.

Decisão:
Termos em que acordam, após vistos e conferência, em conceder provimento ao recurso interposto por João …, revogando o despacho recorrido que impôs ao recorrente, já depois de decorrido por inteiro o prazo do inquérito em processo de especial complexidade, e os prazos máximo de duração das medidas cautelares, medida cautelar de apresentações semanais.
Não é devida taxa de justiça.
Registe e notifique, nos termos legais.
Lisboa, 3 de Outubro 2019

Margarida Vieira de Almeida
Maria da Luz Batista