Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1/14.1T1LSB.L1-9
Relator: MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA
Descritores: LEI DE SAÚDE MENTAL
MEDIDA DE INTERNAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário:

I - Nos termos do disposto no artº 2º, nº 1 da Lei de Saúde Mental, as medidas, nela consagradas, visam assegurar ou restabelecer o equilíbrio psíquico dos indivíduos.

II – Tendo o internado sido diagnosticado com psicose paranóide que impõe o uso de medicação antipsicótica, e consentindo este no internamento, impõe-se a substituição da medida de internamento pela de tratamento ambulatório compulsivo sempre que essa substituição seja necessária para assegurar o êxito do tratamento já iniciado.

III – Havendo risco elevado de abandono do tratamento, o Tribunal ao reapreciar a aplicação da medida, obtido o consentimento do requerido para o internamento e para o tratamento em regime ambulatório compulsivo, deve, ainda assim, ponderar os interesses do doente, substituindo a medida como sugerido pelos peritos médicos que analisaram o doente, ao invés de decidir pela inutilidade superveniente de lide, e consequente arquivamento dos autos.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

Relatório:
1. O MºPº não se conformando com o teor dos despachos proferidos a fls 99, 100 e 122 dos presentes autos de medida de internamento compulsivo de M.O.M.M.M., veio interpor o presente recurso.
Entende que a decisão proferida a fls. 100 enferma de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Pede a revogação dos despachos recorridos e sua substituição por outras que determinem a junção aos autos do relatório promovido e do documento junto com a motivação de recurso, devolvido em cumprimento do despacho de fls 122 e determinem a reapreciação da situação da internanda, em obediência ao disposto no artº 17º, nº 5 da Lei de Saude Mental e a prolacção de uma decisão adequada aos elementos constantes dos autos.

2. A recorrida não respondeu ao recurso do MºPº.
3. Nesta Relação, o MºPº acompanhou a posição assumida pelo MºPº da 1ª instância.


4. Apreciando:

A questão objecto do recurso, tal como delimitada pelas conclusões do MºPº, é a de saber se a decisão de indeferir o pedido de internamento compulsivo se deve manter ou se deve ser revogada, e determinada a realização de diligências adequadas a garantir que a recorrida mantenha o acompanhamento proposto pela médica que a acompanha, em regime ambulatório compulsivo.

Analisando os autos, verifica-se que M., requerida nos autos, foi conduzida ao Hospital de S. Francisco Xavier, na execução de mandado emitido pela autoridade de saúde competente para o efeito, em 10 de Outubro de 2014.

Naquele Hospital, a médica de serviço declarou que a mesma carecia de internamento, …”nos termos do artº 12º da Lei de Saude Mental, nº 36/98, por apresentar sintomatologia que o justifica”.

A medida de internamento foi considerada justificada, por decisão proferida a 11 do referido mês de Outubro, uma vez que a requerida constituía perigo eminente para os bens jurídicos próprios e alheios de natureza pessoal e patrimonial, e recusava-se a submeter ao necessário tratamento médico, apresentando deterioração do estado de saúde.

Foi notificado o parente mais próximo.

Foi realizada perícia no prazo legal, por dois profissionais que não haviam intervindo na anterior.

Entretanto, foi junto aos autos relatório do internamento compulsivo, datado de 20.10.2014, que informa que o diagnóstico provisório é “psicose esquizofrénica paranóide” e que a requerida “precisa de manter tratamento com fármacos antipsicóticos”,

Desse modo, conclui o mesmo relatório que “ desde que foi internada e iniciou medicação psicótica, o doente apresentou melhorias muito significativas do seu comportamento. No entanto, mantém…necessidade de tratamento, pelo que deve manter-se tratamento em regime ambulatório compulsivo”.

A requerida deu o seu consentimento para actos médicos, mais concretamente, declarou “aceitar e compreender que a alta era dada em regime deambulatório compulsivo, responsabilizando-se por estar presente nas consultas agendadas e a realizar a terapêutica conforme prescrição”.

Posteriormente, o relatório dos peritos médicos refere que …”ainda não foi atingida a fase da manutenção, estando ainda a ser efectuados ajustes na terapêutica. …consideramos mais prudente a manutenção do tratamento em regime compulsivo ambulatório…se bem que tenhamos ficado com a ideia que a decisão poderia ser a transição para regime voluntário, ainda não fomos notificados da decisão final”…

Ora, a decisão final foi “…não se verificando a situação de recusa de internamento deixa de subsistir um dos pressupostos do internamento compulsivo que se retira do disposto no artº 12º, nº 1 da Lei de saúde Mental, razão pela qual, ao abrigo do disposto no artº 34º, nº 2 da citada Lei, se declara cessado o citado internamento compulsivo.

Cessado o internamento em apreço, é evidente a inutilidade superveniente dos presentes autos, razão pela qual se determina o seu arquivamento.”

Vejamos, então:

Nos termos do disposto no artº 2º, nº 1 da Lei de Saúde Mental, as medidas visam assegurar ou restabelecer o equilíbrio psíquico dos indivíduos.

Tendo a decisão recorrida constatado que a requerida deu o seu consentimento ao internamento que havia sido determinado por mandado de condução emitido pela autoridade de saúde competente, em virtude de, à data, representar um perigo para si e para terceiros, entendeu julgar cessada a medida, declarar a inutilidade superveniente da lide e determinar o arquivamento dos autos.

Todavia, nos termos do disposto no artº 33 da mesma Lei, a medida de internamento é substituída por tratamento compulsivo em regime ambulatório sempre que seja possível manter esse tratamento em liberdade.

Analisados os relatórios clínicos, havia cessado o pressuposto da falta de consentimento por parte do requerido nos autos mas não a necessidade de manter o tratamento até estabilizar e atingir a “fase de manutenção”.

Aliás, todos os peritos salientam que a taxa de abandono do tratamento é elevada, e que em caso de recidiva, o tratamento já não produz efeito tão rapidamente, tornando-se necessário lançar mão de terapêutica mais forte.

Ou seja, ponderados os interesses do doente, a conciliação da aplicação da medida com o respeito pelos seus direitos fundamentais, ainda assim, conclui-se que para não inutilizar todo o investimento já feito pela requerida no restabelecimento do seu equilíbrio, e bem estar mental, se deve antes proceder à substituição da medida de internamento compulsivo pela de tratamento compulsivo em regime ambulatório, pelo período de tempo mínimo adequado a assegurar a transição já mencionada para o regime ambulatório voluntário sem colocar em crise o esforço já efectuado pela doente na sua recuperação.

Nos termos do disposto no artº 428º do CPP esta Relação conhece de facto e de direito, e só reenvia para novo julgamento devido à existência de vícios de conhecimento oficioso como o que vem invocado pelo MºPº no seu recurso quando não for possível decidir da causa – artº 426º, nº 1 “a contrario”.

No caso vertente, estão reunidos os elementos necessários, sobretudo, consta o consentimento prestado pela requerida ao seu tratamento em regime ambulatório compulsivo.

Assim, é de manter a decisão recorrida na parte em que declara cessada a medida de internamento compulsivo mas é de substituir a mesma decisão na parte em que declarou a inutilidade superveniente dos autos, quando vinha pedido pelos peritos médicos que examinaram a requerida que a medida de internamento fosse substituída pela de tratamento compulsivo em regime ambulatório. (que pode até já não ser necessário, atendendo ao tempo decorrido, devendo os Exmos Peritos que acompanham a requerida informar o Tribunal para se dar como cessada a medida)

O recurso merece, pois, parcial provimento.


5. Decisão:

Termos em que acordam, após conferência, em julgar procedente o recurso interposto pelo MºPº, e em revogar parcialmente a decisão recorrida que substituem por outra que substitui a medida de internamento declarada cessada pela de tratamento compulsivo em regime ambulatório pelo período mínimo necessário a assegurar a transição para o regime de tratamento voluntário.

Sem custas.

Notifique, nos termos legais, sendo a requerida pessoalmente, por carta simples, para a residência da Mãe, Rua xxx Lisboa, e na pessoa do IL Defensor nomeado.

Comunique ao médico que acompanha a requerida, Srª Drª S…, Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa Oriental- Hospital Egas Moniz – fls 67 e 178 a 180 dos autos.

Comunique à Comissão de Acompanhamento – artº 42º, nº 1 da Lei de Saúde Mental.

Lisboa, 23 de Abril de 2014

Margarida Vieira de Almeida

Maria da Luz Batista