Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
97231/15.8YIPRT.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: ASSOCIAÇÃO
PODERES DE REPRESENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: É aplicável às associações o disposto no art. 163º, nº1, do C.Civil, em cujos termos a representação de pessoa colectiva cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado.
Igualmente se lhes aplica o regime do art. 268º, nº1, do mesmo diploma, ao dispor que o negócio que alguém, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se por ele não for ratificado.
Resultando dos estatutos da associação que, para obrigar a respectiva direcção, são necessárias as assinaturas conjuntas de dois dos seus membros, uma das quais será a do presidente, e não integrando a pessoa que subscreveu a aceitação de proposta contratual a direcção daquela, deve entender-se que tal aceitação é ineficaz relativamente à mesma.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.



Relatório:


1.M... SA, propôs, contra Associação ..., requerimento de injunção, distribuído à comarca de Lisboa - Instância Local, pedindo o pagamento da quantia de € 27.851,10, acrescida de juros, alegadamente devida por serviços àquela prestados.

Deduziu a R. oposição, sustentando não ter efectuado qualquer contrato com a A. - concluindo pela improcedência do pedido.

Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a acção procedente, condenando-se a R. no pagamento da quantia peticionada.

Inconformada, veio a R. interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :
O art. 607°, n°4, do C.P.C. determina que na fundamentação da resposta à matéria de facto o tribunal realize um exame critico das provas em confronto, tarefa essa que teria de concluir com a emissão de um juizo valorativo sobre a prova analisada de forma a que as partes possam saber por que motivo o tribunal deu mais crédito a uns meios de prova, em detrimento de outros.
Tal como consta da fundamentação da resposta à matéria de facto dos pontos n° 7, 13 e 14, o tribunal apoiou-se no depoimento das testemunhas da apelada, L... e J..., que confirmaram a realização dos trabalhos, sendo certo que quanto aos mesmos pontos da matéria de facto o tribunal refere que o depoimento da testemunha da apelante R... foi determinante, também, para a prova dos mesmos factos.
Sobre esta concreta questão - da realização dos trabalhos pela apelada - a versão das testemunhas da apelada e da apelante são distintas, sendo certo que o tribunal acolheu a versão das testemunhas da apelada, sem que no entanto explicasse as razões de ser de não ter acolhido a versão do R... que referiu que a solução da A. estava incompleta.
Ora a apelante não sabe - porque o tribunal o não disse - por que razão o depoimento do R... foi desvalorizado em detrimento dos depoimentos das testemunhas J... e L..., o que significa que o tribunal a quo não efectuou um exame criterioso das provas em confronto e que utilizou na prova dos pontos 7 e 9, o que viola o art. 607°, n°4, do C.P.C.
Do mesmo modo ocorreu quanto aos factos provados com os n° 8, 9, 10 e 11 em que o tribunal acolheu o depoimento da testemunha L..., no sentido da questão dos  € 10.000 terem sido pagos com a conclusão do início dos trabalhos, sendo certo que as testemunhas da R. - ora apelante – A..., C... e A... explicaram que a Direcção da A... não tinha tido conhecimento de que a factura efectivamente paga era destinada ao projecto em causa.
Também aqui o tribunal não efectuou o juizo crítico sobre a prova em confronto, designadamente por que motivo valorou o depoimento de L... em detrimento do depoimento das testemunhas A..., C... e A..., o que violou o art. 607° n° 4 do C.P.C. gerando a nulidade da resposta à matéria de facto nos termos do art. 618°, n°1 b), do C.P.C., que agora se invoca.
Na contestação apresentada a apelante alegou determinados factos, nos arts. 3°, 4°, 6°, 8° a 11°, 14º, 17º, 25º, 27º, 28º a 31º, 36º, 38º, 39º, 45º e 46º, que constituem matéria indispensável à boa decisão da causa, designada- mente à prova de toda a versão da apelante, matéria essa que não consta no elenco dos provados e não provados.
Sendo certo que se trata de matéria necessária à prova da pretensão da R., devia ter sido ponderada pelo tribunal e incluída no elenco dos factos provados e não provados, como o impõe a lei.
Ao omitir tal factualidade, quando sobre ela está obrigado a pronunciar-se, incorre o tribunal na nulidade de omissão de pronúncia, que agora se invoca nos termos e para os efeitos do art. 615°, n°1 d), ocorrendo também a violação do art. 607°, n°4, do C.P C.
Das respostas aos pontos 7, 9 e 10 da matéria de facto provada parece dar-se como assente que a apelada instalou todo o software ou realizou a sua prestação.
Acontece que ao concluir deste modo o tribunal a quo errou na apreciação que fez da matéria de facto provada, pois a prova disponível demonstra o contrário.
O depoimento da testemunha R... demonstra claramente que o tribunal errou na apreciação da matéria de facto que fez nos n° 7, 8, 9 e 11, na parte em que se refere à realização dos trabalhos pela apelada, uma vez que o depoimento da referida testemunha determina resposta diferente.
Daí que seja necessário adicionar outro número à matéria de facto provada com a seguinte redacção: “A Autora realizou apenas cerca de 30% dos trabalhos a que se alude nos nº 7, 8, 9 e 11, sem que esses trabalhos possam permitir à Ré utilizar a solução informática em causa”.
Relativamente ao facto referido nos n° 8, 9 e 10, no que respeita ao pagamento dos € 10.000,  como afectos ao pagamento do projecto em causa, não se pode dar como provada tal factualidade já que a Direcção da apelante de nada sabia ao mandar liquidar aquela factura.
Veja-se neste ponto particular o depoimento da A..., e também o depoimento de A..., os quais demonstram efectivamente que a Direcção da A..., órgão com poderes para vincular a apelante, desconhecia que os € 10.000, que estavam a pagamento, se destinavam ao projecto em causa, designadamente, ao pagamento da factura mencionada em 8 dos factos provados.
O tribunal a quo efectuou uma incorrecta apreciação do material probatório disponível, pois o depoimento das testemunhas A... e A..., atrás mencionado, determina resposta diversa. o que implica se adicione à factualidade provada no n° 11 " ... desconhecia a Ré que aquela quantia se destinava ao pagamento de parte da factura a que se alude no ponto 8 dos factos provados".
Invoca a apelante a nulidade de omissão de pronúncia dos factos alegados na contestação e não incluídos no elenco dos factos provados e não provados.
Todavia, além de gerar a respectiva nulidade, importa que, nos termos do art. 662°, n°1 e 2 c), do C.P.C., e porque existe prova disponível no processo, designadamente testemunhos, para que os factos constantes das als. a), b), c), d), e), f) e h), sejam adicionados à matéria de facto, ampliando-se a mesma e considerando-se como provada toda aquela factualidade.
Determina que assim aconteça o depoimento de C..., de A..., de A... e de R....
O tribunal, ao não incluir nos factos provados a referida factualidade, além de ter incorrido na nulidade de omissão de pronúncia, efectuou uma errada interpretação e análise da prova disponível, impondo a respectiva ampliação da matéria de facto provada com a inclusão nesta dos factos constantes das als. a) a h).
O tribunal a quo em sede de descrição da matéria de direito analisou a questão com recurso ao conceito de culpa do devedor nos termos do art. 798º do C.C.
Acontece que tal conclusão juridica não está suportada por nenhum facto provado, isto é, não é possível extrair da matéria de facto provada que a apelante actuou com culpa e que foi uma sua actuação culposa, ou falta de colaboração, que tomou impossível a prestação, o que conduz à violação do art. 607º, n°4, do C.P.C., por existir uma insuficiência clara da matéria de facto provada para a conclusão jurídica final que dela se extraiu.
Tal insuficiência gera o vício da nulidade de fundamentação por insuficiência da matéria de facto provada que suporta a conclusão jurídica, o que agora se argui nos termos do art. 615º, n°1 b) 1ª parte, do C.P.C.
O tribunal refere, em sede de fundamentação de direito da decisão recorrida, a este propósito que "a Ré inviabilizou a concretização de elementos, sendo que, aquando da facturação, os mesmos já estariam escolhidos".
O tribunal a quo retirou do sentido negativo da prova daquele facto o seu sentido inverso, isto é, deu como não provado que a apelada não escolheu os ditos elementos mas concluiu que aquando da facturação já estariam escolhidos.
É diferente e contraditória a resposta à matéria de facto daquele facto não provado com a solução juridica que o tribunal acolheu, o que viola o art. 607°, n°3 e 4, do C.P.C., tendo efectuado incorrecta análise e subsunção ao direito da matéria de facto.
O tribunal concluiu que a assinatura e carimbo apostas na ficha de aceitação e a proposta em si corporiza uma proposta e uma aceitação, o que configura a celebração de um contrato.
Acontece que da ficha de aceitação resulta algo diverso : "Através da assinatura desta ficha de aceitação, da Associação ..., declara conhecer e aceitar os termos da proposta da PT, ref. 000120507 com a data de 2011.11.25, relativamente à prestação de serviços de gateway e pagamento de sms, considerando-se estabelecida a partir desta data uma relação de natureza contratual suficiente para que a PT proceda à preparação das condições técnicas necessárias para a prestação dos serviços, incluindo investimento em equipamentos, a qual produziria efeitos até assinatura do contrato entre as partes que explicitasse detalhadamente todos os componentes do acordo".
Do exposto não se pode considerar como celebrado o contrato em causa, já que o facto (n°5 dos factos provados) constante do documento em causa não autoriza a conclusão jurídica a que o tribunal chegou, devendo reconhecer-se que estamos perante uma promessa de contrato ou negócio preliminar com vista à celebração de contrato, mas não de um contrato propriamente dito que nunca ocorreu.
Foi essa a vontade das partes ao incluir o texto da ficha de aceitação.
Do facto provado com o n°15 resulta que a apelante só se pode vincular perante terceiros por duas assinaturas dos membros da Direcção, sendo uma do Presidente, sendo certo que a Drª A... não era membro da Direcção.
O acto consubstanciado na assinatura da ficha de aceitação por pessoa sem poder para vincular a apelada determina que o mesmo quanto a ela seja ineficaz.
Em face da alteração da matéria de facto provada atrás mencionada, terá de ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue improcedente a acção, absolvendo a apelante.

Em contra-alegações, pronunciou-se a apelada pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :
1.A A. presta bens e serviços de comunicações electrónicas, bem como outros associados a este, isoladamente ou em parceria com outras entidades - conforme doc. junto a fls. 280 a 319, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
2.O Mega e Payment é uma plataforma de pagamentos eletrónicos com funcionalidades out of the box, que suporta pagamentos por cartão de crédito (VISA e MasterCard), Multibanco, Paypal, Payshop e cheque e numerário. A plataforma funciona em integração com os sistemas da UNICRE, SIBS, Paypal e Payshop para, de uma forma segura, suportar os vários métodos de pagamento.
3.O Global Channel é uma plataforma agregadora de meios de comunicação que permite as empresas acederem de um único ponto e de uma forma directa a um vasto portefólio de canais de comunicação. Com o Global Channel pode interagir com os seus clientes através de diversos canais de comunicação - SMS, MMS, email (newsletters) e voz.
4.A A., em Novembro de 2011, a pedido da R. (na pessoa de A...) entregou a esta, uma proposta para prestação dos serviços de Gateway de pagamentos e SMS com a referência P000120507 conforme doc. junto a fls. 162 a 231 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
5.A ficha de aceitação da proposta para prestação dos serviços de Gateway de pagamentos e SMS com a referência P000120507 foi assinada a 25/11/2011 por A... - cf. docs. juntos a fls. 162 a 231 e fls. 235, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
6.Mostrando-se a assinatura aposta sobre o carimbo identificativo da R.
7.Mediante a aceitação da proposta, imediatamente a A. instalou e configurou os equipamentos para utilização da R., tendo iniciado os trabalhos contratados - conforme doc. junto a fls. 363 a 369, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
8.A 28/12/2011, foi emitida a factura nº 800013414, no montante de 37.851,10 (IVA incluído) com vencimento a 30 dias - conforme doc. junto a fls. 236, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
9.A A. continuou a configurar os sistemas pedidos, apesar da factura não ter sido paga na data limite de pagamento.
10.Para dar início aos trabalhos a A. aceitou que a R. pagasse a factura de forma faseada - conforme doc. junto a fls. 237, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
11.A 3/5/2012, foi paga a quantia de € 10.000 - conforme doc. junto a fls. 105, cujo conteúdo se dá por integral- mente reproduzido.
12.Em Novembro de 2011 a Directora Executiva da R. era A..., a qual, em final de Agosto de 2012, deixou de exercer essas funções em litígio com a R. - conforme doc. junto a fls. 108 a 134,  cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
13.Em Novembro de 2011 a Directora Executiva solicitou à então PT Prime, uma proposta para a instalação de uma Gateway de pagamento e SMS destinada a servir todos os Municípios associados, quer da R. quer da CIMAA (Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo) e que iria ser instalada nos servidores da R.
14.Em finais de 2011 (Setembro/Outubro) é admitido para a CIMAA um colaborador informático, R..., que após analisar a situação da execução do projecto contratado entre a Cilnet com a ClMAA, descobriu que não estavam instaladas no servidor da APDD as gateways de pagamento nem os demais serviços.
15.No art. 27° dos estatutos da R., consta: "Para obrigar a Direcção são necessárias duas assinaturas conjuntas de dois membros da Direcção, uma das quais será a do Presidente" - conforme doc. junto a fls. 257 a 269, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

3.Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. 

A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação do incumprimento contratual, imputado à R., ora apelante.

Sustenta, antes de mais, a apelante não ter efectuado qualquer contrato com a A., ora apelada - uma vez que, tendo sido a aceitação da proposta da iniciativa de pessoa sem poderes para a vincular, se deverá, quanto a si, considerar tal acto ineficaz.

Tratando-se a apelante de uma associação, é-lhe aplicável o disposto no art. 163º, nº1, do C.Civil, em cujos termos a representação de pessoa colectiva cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado.

Igualmente se lhe aplicando o regime do art. 268º, nº1, do mesmo diploma, ao dispor que o negócio que alguém, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se por ele não for ratificado.

No caso concreto, resulta dos estatutos da apelante (fls. 257 a 269) que, para obrigar a respectiva direcção, são necessárias as assinaturas conjuntas de dois dos seus membros, uma das quais será a do presidente.

Sendo que se não mostra haja a pessoa (A...) que, de acordo com a matéria provada,  subscreveu a aceitação da proposta contratual integrasse então a direcção daquela.

Aplicando o supracitado regime legal, se haverá, assim, de entender que, tratando-se de acto praticado por quem totalmente carecia de poderes para a representar, a aceitação da aludida proposta contratual é ineficaz relativamente à apelante.

Não sendo de considerar o pagamento da quantia, a que se refere o ponto 11 da matéria provada, como traduzindo ratificação da sua parte, uma vez que de tal matéria não resulta haja esse pagamento sido efectuado em cumprimento do contrato invocado.
Em tais termos, forçoso se torna, pois, concluir pela improcedência do pedido formulado contra a apelante - quedando-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

4.Pelo acima exposto, se acorda em, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, julgando a acção improcedente, absolver do pedido a R. apelante.
Custas, em ambas as instâncias, pela apelada.



Lisboa,26.10.2017



Ferreira de Almeida - relator
Catarina Manso - 1ª adjunta
Alexandrina Branquinho - 2ª adjunta
Decisão Texto Integral: