Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
507/14.2TBFUN-B.L1-1
Relator: JOÃO RAMOS DE SOUSA
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
TRESPASSE
INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. É de qualificar como afetada pela insolvência culposa de uma sociedade comercial a gerente que outorgou um contrato trespassando para uma outra sociedade, de que a filha era a única sócia e gerente, todos os bens da insolvente, à exceção das dívidas e créditos sobre clientes.
2. Tal trespasse agravou a situação patrimonial da insolvente, qualificando a insolvência como culposa – art. 186.2.f do CIRE.
3. O disposto no art. 189.2.e do CIRE não viola o princípio constitucional da proporcionalidade ou proibição do excesso, num Estado de direito democrático – art. 2º da CRP.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


 
I-Relatório:


O 2º Juízo Cível do Funchal declarou insolvente G., Lda, por sentença da 2014.03.26, transitada em julgado.

Aberto incidente de qualificação de insolvência, a Secção de Comércio da Instância Central da Comarca da Madeira, por sentença de 2015.03.04, qualificou como culposa aquela insolvência, declarando a gerente AB, afetada pela qualificação, inibida por três anos para administrar patrimónios de terceiros; para exercer o comércio e para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; e condenou-a a indemnizar os credores da sociedade devedora insolvente, no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, a efetuar em liquidação de sentença.

A referida gerente AB recorreu desta sentença, invocando nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto; e pedindo que ela seja revogada, qualificando-se a insolvência como fortuita.

O credor EP contra-alegou, pronunciando-se pela improcedência do recurso e pedindo a ampliação do seu objeto, considerando que face à matéria provada, devem responder, pela indemnização em que foi condenada a recorrente, também os gerentes dos últimos três anos da G., Lda, JF e JB.

A recorrente pediu o desentranhamento das contra-alegações, por ilegitimidade do credor, na totalidade ou na parte referente à ampliação do objeto do recurso; ou o indeferimento desta ampliação.

O Tribunal recorrido julgou parte legítima na apelação a recorrente AB; indeferiu a ampliação do objeto do recurso pedida pelo credor EP; e indeferiu a nulidade de sentença invocada pela recorrente.

Cumpre decidir se é ou não de admitir a referida ampliação do objeto do recurso; se procede a nulidade de sentença referida pela recorrente; se é de alterar a matéria de facto provada; e se é de modificar a qualificação da insolvência e a decisão relativa à recorrente AB.

Fundamentos:

Factos:

Provaram-se os seguintes factos, apurados pelo Tribunal a quo:

A.  G., Lda, pessoa colectiva nº ..., com sede na ..., foi declarada insolvente por sentença datada de 26 de Março de 2014, transitada em julgado, conforme fls. 347 a 372 dos autos principais, e cujo teor se dá por reproduzido;
B. Tem por objecto social a actividade de serviços de contabilidade, gestão informática e representações de material informático (fls. 15 dos autos principais);
C. A declaração de insolvência foi requerida em 11 de Fevereiro de 2014 por MR (fls. 3 dos autos principais);
D.  Mostram-se nomeados como gerentes, respectivamente desde 22 de Junho de 1988 JF e JB, desde 31 de Janeiro de 2012 apenas JB, e desde 31 de Janeiro de 2012 apenas AB (fls. 15 dos autos principais);
E. Não foram apreendidos para a massa insolvente quaisquer bens;
F.  Por despacho proferido nos autos principais em 27 de Fevereiro de 2015, determinou- se o encerramento do presente processo de insolvência por insuficiência da massa;
G. A Insolvente efectuou cessação de actividade nas Finanças, para efeitos de pagamento de IVA, no dia 30 de Setembro de 2013 (fls. 29 dos autos principais);
H. Em 17 de Setembro de 2013, a Insolvente registou na Conservatória do Registo Comercial a mudança da sua sede, do … para a … (fls.18 dos autos principais);
I. Em 26 de Setembro de 2013, foi registrada a constituição da sociedade comercial por quotas denominada C., Unipessoal, Lda (fls. 30 e 31 dos autos principais);
J.  A sociedade referida em I supra tem a sua sede na … (fls. 30 dos autos principais);
K. A sociedade referida em I supra dedica-se à actividade de contabilidade e fiscalidade (fls. 30 dos autos principais);
L.  A sociedade referida em I supra tem por única sócia e gerente, FB (fl. 31 dos autos principais);
M.  FB é filha da sócia gerente da Insolvente AB (por acordo);
N.   No dia 30 de Setembro de 2013, a Insolvente e a sociedade C., Unipessoal, Lda, subscreverem um acordo, designado por “contrato de trespasse”, com as seguintes cláusulas com relevância para a boa decisão da causa:

“(...)

CLÁUSULA SEGUNDA (TRESPASSE):

1. O estabelecimento é trespassado a favor da segunda contraente e por esta adquirido/aceite com a universalidade de todos os direitos e elementos do activo corpóreo e incorpóreo que integram e constituem o referido Estabelecimento, com excepção dos créditos sobre clientes, emergentes da actividade exercida pela Primeira Contraente, designadamente:

a) Os pertences, nomeadamente equipamentos, móveis, utensílios, peças e acessórios necessários à normal prossecução da actividade comercial constante do Anexo I ao presente contrato;
b) Cessão de posição contratual da PRIMEIRA CONTRAENTE como empregadora da trabalhadora MP;
c) Posição contratual da Primeira Contraente no contrato de locação financeira celebrado com o Banco E., S.A., relativamente aos equipamentos electrónicos objecto do contrato de locação financeira celebrado, que se junta como Anexo II ao presente contrato;

2. O presente trespasse não inclui qualquer passivo / dívidas, declarando expressamente a PRIMEIRA CONTRAENTE que não incidem quaisquer ónus, encargos, penhoras ou direitos de terceiros sobre o Estabelecimento, nem de outra forma sofre qualquer limitação ou diminuição de valor.

3. A cessão da posição contratual da Primeira no contrato de locação financeira mobiliária celebrado com o Banco E., S.A., relativamente a equipamentos electrónicos fornecidos pela empresa M., LDA, será obtida pela Primeira Contraente, junto daquela instituição bancária.

CLÁUSULA TERCEIRA (PREÇO E MODO DE PAGAMENTO)
1. O preço global acordado para o trespasse é de 10.183,53 (dez mil, cento e oitenta e três euros e cinquenta e três cêntimos).

2. O preço será pago em nove prestações mensais de 1.131,50€, sendo a primeira liquidada ainda durante o presente mês de Setembro, e a última em 30 de Maio de 2014. (...)” (fls. 301 a 304 dos autos principais).

Análise jurídica

Considerações do Tribunal recorrido:

O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações:

Nos termos do disposto no art. 185 do CIRE, a insolvência é qualificada como culposa ou fortuita, não sendo porém a qualificação vinculativa para efeitos da decisão de causas penais ou acções de responsabilidade contra o devedor, terceiros e responsáveis legais.

A insolvência será culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo – art. 186 nº 1 do CIRE.

No presente caso é proposta a qualificação da insolvência como culposa, abrangendo como afectados pela qualificação a gerente AB.

Analisando os factos apurados, nos quais se inclui a matéria de facto apurada na sentença que decretou a insolvência, atento o facto dado como provado sob o nº 1, à luz do preceito citado temos assim como período temporal relevante para os efeitos do nº 1 do art. 186 do CIRE o decorrido entre 11 de Fevereiro de 2011 a 11 de Fevereiro de 2014.

Prevê o art. 186 nº 2 alínea f) do CIRE que se considera sempre culposa, na modalidade de dolo ou culpa grave, a insolvência do devedor, que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:

“f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;”

Ora, da matéria de facto considerada como provada resultou claro, que a dado momento da vida da sociedade insolvente, nomeadamente em Setembro de 2013, esta transferiu o seu estabelecimento comercial para uma sociedade comercial cuja quota única é titulada pela filha dos sócios da sociedade insolvente, mediante contrato celebrado entre a sócia gerente da insolvente (em sua representação) e a gerente daquela nova sociedade comercial, a qual, por sua vez, é filha daquela.

Ambas as sociedades têm o mesmo escopo comercial, tendo a insolvente, após transferir o seu estabelecimento comercial, entenda-se, a universalidade dos bens corpóreos e incorpóreos (no qual se incluiu o local onde laborava e os bens móveis com os quais trabalhava), encerrado a sua actividade em sede de IVA.

Cessou a sua actividade, esvaziando-se de todos os seus bens, assim como do local onde laborava e por fim, da sua clientela, tal como resultou claro na sentença que declarou a devedora insolvente e cujo teor se considera como reproduzido na decisão sobre a matéria de facto considerada supra, e isto a favor de uma outra sociedade comercial criada de novo, titulada e gerida por um elemento do agregado familiar dos sócios e gerência da sociedade aqui insolvente.

Aliás não é despiciendo mencionar que em sede de oposição ao requerimento de insolvência, a sociedade devedora referiu, no seu art. 56, que “na sequência das grandes dificuldades económico-financeiras sentidas pela Requerida, os seus sócios e gerentes entenderam que a única via para a recuperação da empresa por si detida era a sua transmissão a outra pessoa, mais jovem e com mais genica para levar a bom porto o grande desafio que se apresentava pela frente: a recuperação da empresa detida pela G., Lda, ora Requerida”.

Em suma, a sociedade insolvente era devedora perante diversos credores, não conseguia cumprir com as suas obrigações, tal como verificado aquando da prolação da sentença que declarou a insolvência, mas em Setembro de 2013, após a constituição de uma sociedade titulada por um familiar dos sócios e gerente da Insolvente, transfere o seu património mediante o contrato de trespasse junto aos autos, transferindo “... a universalidade de todos os direitos e elementos do activo corpóreo e incorpóreo que integram e constituem o referido Estabelecimento, com excepção dos créditos sobre clientes...” (negrito nosso).

Não se logrou detectar quaisquer créditos sobre clientes que fossem passíveis de ressarcir os créditos titulados pelos credores da insolvente, tendo esta, com o contrato de trespasse, retirado da sua esfera jurídica tudo o que dispunha para laborar, transferência essa feita para terceiros com uma relação privilegiada com os seus sócios e gerentes.

Na prática, retira-se da matéria de facto considerada como provada que tal acto fez com que a insolvente ficasse apenas com dívidas por pagar a terceiros, sem quaisquer bens que as garantissem, nem com património corpóreo ou incorpóreo que permitisse a continuação da sua laboração.

Ficou impossibilitada de trabalhar a partir do momento em que transferiu “a universalidade de todos os direitos e elementos do activo corpóreo e incorpóreo que integram e constituem o referido Estabelecimento, com excepção dos créditos sobre clientes”, a favor de uma sociedade terceira com a qual os seus sócios e gerente tinham interesse indirecto (familiar), estando assim preenchido a previsão contida no art. 186 nº 1 al. f) do CIRE.

Um acto que impossibilite a insolvente de exercer a sua actividade, mediante a transferência de todo o seu património corpóreo e incorpóreo deixando-a apenas com dívidas é prejudicial à mesma, tendo este sido feito em proveito de terceiros com os quais os seus sócios e gerência mantêm uma relação privilegiada.

***
Assim sendo, nos termos do disposto no art. 186 nº 1 e nº 2 al. f) do CIRE, a insolvência de G., Lda é culposa, sendo afectados por esta qualificação a sua gerente, AB, uma vez que foi esta quem à data subscreveu o contrato de trespasse que transferiu todo o património corpóreo e incorpóreo da sociedade insolvente para um sociedade titulada pela sua filha, (...)

Conclusões do recorrente:

A isto, opõe a recorrente as seguintes conclusões:

I. A Recorrente argui, para todos os efeitos legais, a nulidade da sentença por falta de fundamentação da decisão proferida quanto à matéria de facto julgada provada, nulidade prevista no art. 615, nº 1, al. b) do CPC.
II. O Tribunal a quo não elencou os factos julgados não provados, tendo-se limitado apenas a elencar os factos que julgou provados.
III. O Tribunal a quo também não analisou criticamente as provas produzidas na audiência de julgamento, nem toda a prova documental adquirida para os autos, nomeadamente, a constante dos autos principais de insolvência. Em consequência, o Tribunal recorrido violou o disposto no art. 607, nº 4 do CPC, ex vi do disposto no art. 17 do CIRE.
IV. A Recorrente impugna a matéria de facto julgada não provada, entendendo deverem ser julgados provados os factos descritos sob as alíneas a. a s. do ponto I.II das presentes alegações, com base nos meios probatórios constantes do processo, melhor identificados no ponto I.III, nomeadamente, a prova testemunhal das testemunhas JT e MP e, bem assim, dos documentos juntos aos autos igualmente identificados no sobredito ponto I.III das presentes alegações.
V. Sem conceder em relação à impugnação da matéria de facto julgada provada, a verdade é que mesmo atendendo apenas à matéria de facto constante da sentença proferida, nem assim se poderia considerar preenchidos os requisitos normativos necessários à verificação da presunção inilidível de insolvência culposa, previstos no art. 186, nº 2, al. f) do CIRE, preceito que a sentença recorrida violou.
VI. O disposto na al. f) do nº 2 do artigo 186 do CIRE não faz equivaler o conceito de “feito do crédito ou dos bens do devedor, uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros” a qualquer actuação se a mesma for realizada de forma informada, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial.
VII. Como considerou o acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, de 10-02-2011, processo nº 1283/07.0TJPRT-AG.P1 (in www.dgsi.pt): “A mera alegação de alguma das situações descritas nos nºs 2 e 3 do art 186 do CIRE não é suficiente para a qualificação da insolvência como culposa, exigindo-se, ainda, a alegação e prova do nexo de causalidade entre a actuação ali presumida e a situação da insolvência nos termos previstos no nº 1 do mesmo artigo. Verificada a existência de factos que se reconduzam às situações previstas no nº 2 do artº 186º do CIRE, extrair-se-á em princípio (a lei extrai, ficciona) a ilação da verificação da insolvência culposa, sem necessidade de comprovação (ou alegação) de outros factos. E dizemos em princípio porquanto, analisadas as situações previstas nas várias alíneas do no2 do artº 186º do CIRE, somos levados a concluir que, em algumas das situações aí previstas será preciso alegar algo mais.”
VIII. Esta avaliação impõe-se sempre casuisticamente, considerando a pessoa em concreto da administradora da Insolvente, o seu comportamento e conhecimentos, bem como outras circunstâncias que permitam avaliar o grau de exigibilidade e correspondente censurabilidade (ou falta dela) que enformaram a conduta da Recorrente na situação sub judice.
IX. A aplicação da hipótese prevista na al. f) do nº 2 do artigo 186 do CIRE à actuação da Recorrente implicaria que a mesma tivesse “feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto.”, o que não resulta da matéria de facto julgada provada.
X. O interesse do devedor, a que a al. f) do nº 2 do art. 186 do CIRE faz referência, é o interesse social, entendido este, de acordo com a teoria contratualista, como sendo o interesse comum dos sócios, equivalente à obtenção de lucro, conforme decorre do disposto nos arts. 64, nº 1, al. b) do CSC e do art. 980 do CC. Ao entender de forma diversa, a sentença recorrida violou o disposto, quer no art. 186, nº 2, al. f) do CIRE, quer no art. 64, nº 1, al. b) do CSC e no art. 980 do CC.
XI. A outorga de um contrato de trespasse não pode ser considerada como qualquer utilização de crédito ou de bens de uma qualquer sociedade, na medida em que o uso destes não comporta, à partida, o poder de disposição.
XII. A ora Recorrente não utilizou de qualquer forma o crédito da sociedade ora insolvente, na medida em que os créditos desta não foram objecto do contrato de trespasse. Ao entender o contrário, violou a sentença recorrida o disposto na al. f) do nº 2 do art. 186 do CIRE.
XIII. O que foi objecto do contrato de trespasse foram bens móveis e equipamentos existentes nas antigas instalações da insolvente, que não tinham valor comercial, de acordo com a informação do próprio Administrador da Insolvência, após “peritagem” às instalações e aos equipamentos da sociedade trespassária C, Lda., conforme consta de documento junto aos autos principais de insolvência.
XIV. O Administrador da Insolvência concluiu que os bens móveis e equipamentos têm um valor nulo, pelo que as probabilidades de garantia dos credores em caso de resolução em benefício da massa insolvente “são matemática, económica e financeiramente nulas” razão pela qual não procedeu à referida resolução em benefício da massa.
XV. Assim, este acto de gestão está, como se comprovou no presente recurso, inserido no conceito de business judgment rule, conceito introduzido na ordem jurídica portuguesa pelo nº 2 do artigo 72 do CSC, tendo sido um acto por parte da Recorrente, na qualidade de administradora da Insolvente, baseado em critérios de racionalidade empresarial.
XVI. O contrato de trespasse foi celebrado pelo preço de € 10.183,53 (dez mil, cento e oitenta e três euros e cinquenta e três cêntimos), sendo que o valor comercial dos bens alienados seria de zero euros ou, no máximo, de € 2.720,00 (dois mil, setecentos e vinte euros), atendendo à sua antiguidade, conforme resulta inclusive da contabilidade da Insolvente, pelo que o negócio feito pela G., Lda. não só revestiu o carácter de negócio oneroso, como foi feito por um preço superior ao justo valor do estabelecimento comercial, valor este que nem foi atendido, para efeitos de aferição da situação de insolvência, conforme resulta do disposto no artigo 3, nº 3, al. c) do CIRE.
XVII. O facto de ter celebrado o contrato de trespasse do estabelecimento comercial de forma onerosa por montante superior ao valor comercial dos bens, onde cede também obrigações, designadamente a posição contratual num contrato de leasing sobre o equipamento da Insolvente, e a posição contratual no contrato de trabalho com a única funcionária restante da Insolvente, demonstra que, havendo sido gerado algum ganho ou benefício, esse ganho ou benefício foi a favor da Insolvente.
XVIII.  O facto de o contrato de trespasse ter sido celebrado com uma sociedade detida pela filha da Recorrente, demonstra que tal proximidade entre as partes apenas veio a beneficiar e favorecer a Insolvente, que recebeu pelos bens alienados um montante superior ao seu real valor comercial.
XIX. O contrato de trespasse não constituiu uma transferência total de todo o património corpóreo e incorpóreo da Insolvente, visto que não foram alienados, com o contrato de trespasse, os créditos de que era e ainda é titular a ora Insolvente, no montante de € 376.982,82 (trezentos e setenta e seis mil, novecentos e oitenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos).
XX. Nesse sentido, fica comprovado que não houve na actuação da Recorrente, um uso dos bens a Insolvente de forma contrária ao interesse desta, quer em proveito pessoal ou de terceiros, visto que o proveito e ganho foi apenas a favor da Insolvente, não havendo também, pelo mesmo motivo, qualquer favorecimento de uma outra empresa em que a Recorrente tivesse interesse directo ou indirecto.
XXI. A actuação da Recorrente teve como contrapartida a obtenção de uma valorização dos bens, que não seria obtida caso os mesmos tivessem simplesmente ficado inutilizados, e posteriormente apreendidos para a massa insolvente, tal como referido pelo Sr. Administrador da Insolvência; tendo, ainda, transferido as obrigações inerentes à posição contratual que teria no contrato de leasing e no contrato de trabalho, já referidos por diversas vezes durante o presente recurso.
XXII. Face à matéria dada como provada nos presentes autos, nenhum dos requisitos da alínea f) do nº 2 do artigo 186 do CIRE se encontra demonstrado: nem o uso diverso aos interesses da sociedade, nem o proveito pessoal ou de terceiro, nem mesmo o favorecimento de outra empresa na qual a administradora da Insolvente tenha qualquer interesse directo ou indirecto.
XXIII. A actuação da Recorrente não veio criar ou agravar a situação da Insolvente, veio antes criar um possível retorno e encaixe financeiro com a alienação do estabelecimento comercial por valor superior ao seu valor comercial, o que permitiu liquidar alguns valores em dívida.
XXIV. A situação financeira grave da Insolvente deveu-se a outros factores, que não a actuação da Recorrente, nomeadamente a perda de clientes, que levou a uma abismal quebra de facturação, bem como a crise financeira dos últimos anos ter levado a que os poucos clientes que a Insolvente mantinha não liquidassem os valores em dívida pelos serviços prestados.
XXV. Não foi, pois, a celebração do contrato de trespasse com a sociedade “C., Unipessoal, Lda”, da qual é única sócia gerente FB, filha da Recorrente, que criou ou agravou a situação de insolvência da G., Lda..
XXVI. Tendo já encerrado a sua actividade em sede de IVA, por falta de clientes e pelo facto de os poucos clientes que manteve terem deixado de pagar pelos serviços prestados, o trespasse do estabelecimento comercial seria a única forma de encaixar algum retorno financeiro, pois já se tornava insuportável continuar a laborar de tal forma, o que veio a ser corroborado em sede de produção de prova testemunhal.
XXVII. A alternativa ao trespasse não iria gerar qualquer retorno à Insolvente, sendo que os bens, a continuar na esfera da Insolvente, teriam um valor inferior ao que foi pago pelos mesmos pelo terceiro adquirente, e não teriam qualquer valor para a Insolvente que já se encontrava incapacitada para prosseguir o objecto social da sociedade, mesmo antes de o trespasse ter sido celebrado.
XXVIII. Nesse sentido, a actuação da Recorrente foi no melhor interesse da Insolvente, e no sentido de minimizar as perdas da mesma, tendo sido uma decisão racional e ponderada do ponto de vista empresarial.
XXIX. A actuação da Recorrente enquadra-se num acto praticado nos termos do nº 2 do artigo 72 do CSC, pelo que terá de ser afastada a culpa da Recorrente enquanto administradora da Insolvente.
XXX. Não havendo uma violação do dever legal geral de cuidado, nem tendo sido comprovado o nexo causal entre a actuação da Recorrente e a criação ou agravamento da situação da Insolvente, não se poderá qualificar a insolvência como culposa nos termos em que foi feito na já mencionada Sentença.
XXXI. Sem prescindir, face à prova produzida e ao tempo já decorrido desde a data da declaração de insolvência, ainda que venha a ser considerada como culposa a insolvência, a aplicação de um período de três anos de inibição para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil revela-se extremamente gravosa e desproporcional, atendendo a que insolvência não decorre de facto imputável à Recorrente, mas sim de outros actos praticados por terceiros que prejudicaram gravemente a subsistência da Insolvente, criando então a sua situação de insolvência, não havendo qualquer nexo de causalidade entre o trespasse e a situação de insolvência.
XXXII. Acresce que a eventual aplicação da condenação da Recorrente a indemnizar os credores da Insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património a efectuar em liquidação de sentença, é uma situação totalmente injusta, tendo em conta que a actuação da Recorrente, pela qual se presumiu estar preenchida a al. f) do nº 2 do artigo 186 do CIRE, como se pode comprovar, não tem cabimento, quer pelo não preenchimento dos requisitos dessa mesma alínea, quer por falta de nexo de causalidade entre o acto da Recorrente e a situação da Insolvente.
XXXIII. A medida da condenação é totalmente desproporcional ao eventual prejuízo causado aos credores, atendendo ao valor dos bens móveis que foram objecto do trespasse, acto que foi considerado como tendo consubstanciado a utilização de bens da sociedade em interesse contrário ao da mesma.
XXXIV. O art. 188, nº 2, al. e) do CIRE, ao prever a condenação das pessoas afectadas pela qualificação da insolvência, a indemnizar os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respectivos patrimónios, em desvio das regras previstas para o instituto da responsabilidade civil, consagrado nos arts. 482 e ss. e 562 do CC, constitui violação grave do princípio da proporcionalidade, na vertente de proibição do excesso, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, ínsito no art. 2 da CRP, inconstitucionalidade que se argui para todos os efeitos legais.
XXXV.Tal condenação viola, pois, o princípio da proporcionalidade entre o dano e o quantum indemnizatório, inerente e subjacente a todos os princípios jurídicos e normativos da teoria da responsabilidade civil.
XXXVI. Foi, assim, violado o disposto na al. f) do nº 2 do artigo 186 do CIRE, tendo este sido aplicado erroneamente.
XXXVII.  Pelo que deverá a insolvência ser qualificada como fortuita, quando, por exclusão de partes, não estejam preenchidos os requisitos do artigo 186 do CIRE.

Conclusões do recorrido:

Mas o recorrido EP opôs-se ao alegado pela recorrente, concluindo o seguinte:

a) Tratando-se de contra-alegações não se exige ou impõe a formulação de conclusões;
b) Abrindo uma exceção, no que respeita à ampliação do objeto do recurso ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 636 do CPC;
c) A titulo subsidiário o recorrido estende o seu recurso à matéria de facto produzida, elencada na alínea d) da matéria provada, em que se consignam os gerentes dos últimos 3 anos da G., Lda, devendo responder pela indemnização em que foi condenada a recorrente AB, porquanto
d) A estratégia definida para viabilizar a insolvência da G., Lda e a frustração de créditos, designadamente do recorrido prende- se com atos de gerência extensivos a JF e JB, que participaram ativamente na alteração sucessiva do pacto social da empresa, na dissipação de património, no desvio de clientela, na criação de novas empresas, no contrato de trespasse elaborado e que veio a ser subscrito pela recorrente e pela filha FB;
e) A atuação de todos é concertada, geradora de responsabilidade civil por frustrar os créditos de quem tinha direito a recebe-los e de existir nexo de causalidade entre os factos e os danos causados.

Não é admissível a ampliação do objeto do recurso:

O credor EP apresentou contra-alegações ao recurso da gerente AB, com fundamento no art. 636.1 do CPC.

Segundo esta disposição, “no caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.

O requerente pretende que se condene não só a gerente AB, última gerente da empresa insolvente, mas também os gerentes que anteriormente exerceram funções na insolvente, JF e JB: todos eles devem responder pela indemnização em que foi condenada apenas a gerente AB, porque “participaram ativamente na alteração sucessiva do pacto social, na dissipação do património, no desvio de clientela, na criação de novas empresas (...)” e no trespasse referido. 

O credor EP havia requerido a qualificação da insolvência com culposa; mas o Tribunal não admitiu tal requerimento, por intempestivo, e mandou desentranhá-lo dos autos – fls. 178. Tal despacho transitou em julgado.

Assim, não pode dizer-se que o requerente decaiu nesta questão, uma vez que ela não foi sequer admitida pelo Tribunal. O Tribunal qualificou a insolvência como culposa, apreciando apenas o parecer do administrador da insolvência e independentemente do requerimento do interessado EP, que não foi admitido como parte neste incidente ao abrigo do art. 188.1 do CIRE.

Assim, e conforme já decidiu o Tribunal, não é admissível a requerida ampliação do objeto do recurso, por falta de fundamento processual.

Improcede a arguida nulidade da sentença:

A recorrente AB invoca nulidade da sentença por falta de fundamentação da matéria de facto.

Alegou não terem sido elencados factos não provados. Mas os factos não provados estão elencados na Resposta à Matéria de Facto, que foi ditada em Ata de Leitura de Sentença na mesma peça processual em que a sentença ficou proferida (fls. 290-301). Assim, não se pode dizer que o Tribunal não os elencou; nem a recorrente refere outros. Nesta parte, o recurso é pois improcedente.

Também alegou que o Tribunal não analisou criticamente as provas produzidas na audiência de julgamento, nem a prova documental adquirida para os autos, nomeadamente a constante dos autos principais de insolvência – conclusão III. Mas o Tribunal detalhou suficientemente a motivação da sua resposta à matéria de facto, com base na prova documental e nas declarações das testemunhas (fls. 291).

A este respeito, a recorrente considera que se deveria julgar provados os factos que elenca nas alíneas a. a s. das suas alegações (pontos I.II e I.III).

São os seguintes:

a. Em 26 de Janeiro de 2012, foi firmado um acordo entre os antigos sócios JB e JF, no âmbito do qual o segundo cederia a sua quota ao primeiro, levando consigo, porém, a sua carteira de clientes ou “portefólio”;
b. A carteira de clientes que o sócio JF levou consigo foi a mesma que já se encontrava atribuída ao mesmo aquando da constituição da sociedade insolvente;
c. A diminuição do volume de negócios e da facturação da Insolvente deve-se fundamentalmente à continuada perda de clientela, ocasionada pela separação dos sócios e pela declaração de insolvência de vários clientes;
d. A partir de 26 de Janeiro de 2012, as trabalhadoras da Insolvente AP, MB e MR, passaram a prestar serviços à “M., Lda”;
e. Terminado o prazo do protocolo com o I as referidas trabalhadoras apresentaram-se ao serviço da Insolvente, o que levou a que esta notificasse a referida “M., Lda”, em 30 de Janeiro de 2013, para celebrar os competentes contratos de cessão da posição contratual ou, caso entendesse por mais conveniente, assumir a sua quota-parte no pagamento das respectivas compensações pelo despedimento colectivo das mesmas;
f.  Em 05 de Fevereiro de 2013, a Insolvente foi notificada pela “M., Lda” a informar que já não detinha qualquer responsabilidade sobre as trabalhadoras dispensadas, entre elas a Requerente do processo de Insolvência, MR;
g. A Insolvente teve de proceder ao despedimento colectivo das duas trabalhadoras já referidas, AP e MR, tendo chegado a acordo com a MB, no qual foi convencionado o pagamento das respectivas compensações devidas por cessação do contrato de trabalho;
h. Desde Março de 2011 até 30 de Setembro de 2013, a Insolvente apenas angariou um novo cliente;
i. Desde Março de 2011 até 30 de Setembro de 2013, a Insolvente perdeu cerca de três ou quatro clientes, excepcionando a perda de clientes, cujos créditos já eram de cobrança duvidosa e que entretanto foram declarados insolventes;
j. Vários clientes da Insolvente receberam, primeiro em finais de 2011, inícios de 2012, e depois, em meados de 2013, várias notificações com vista à penhora dos créditos da Insolvente sobre os referidos clientes, no âmbito de processos executivos em que figurava como Executada, a ora Insolvente.
k. As penhoras dos créditos da Insolvente sobre os seus clientes, desagradaram e incomodaram os diversos clientes que as receberam, os quais fizeram saber à gerência da Insolvente que, se nada fizesse para resolver a situação, não teriam outra alternativa senão rescindir o contrato que tinham com a mesma;
l.  Alguns clientes da Insolvente chegaram mesmo a rescindir os seus contratos de avença celebrados com aquela por causa da sucessiva penhora de créditos que a Insolvente detinha perante si;
m. A gerente da Insolvente diligenciou, junto de diversas instituições bancárias, a contracção de um financiamento, com vista à revitalização da actividade da sociedade, tendo, inclusive, chegado a encomendar um estudo económico para esse efeito, o que, porém, não chegou a realizar-se por os pedidos de financiamento terem sido indeferidos.
n. Perante a denúncia por uns clientes e ameaça de denúncia por parte de outros clientes, a gerência da Insolvente decidiu trespassar o estabelecimento comercial que detinha a terceiro, nomeadamente à sociedade “C., Unipessoal, Lda.”, da qual é única sócia gerente, FB, filha da Recorrente.
o. Nesse contrato, estipulou-se que o estabelecimento era cedido com os bens corpóreos que o integravam, bem como com a posição contratual de empregadora da trabalhadora MP e de locatária financeira dos bens objecto do contrato de leasing celebrado com o “B., S.A.”;
p. Os bens móveis que foram objecto do trespasse e que se encontravam no estabelecimento da Insolvente foram avaliados pelo perito contratado pelo Sr. Administrador de Insolvência, em € 2.720,00 (dois mil, setecentos e vinte euros) e encontram-se totalmente amortizados na contabilidade da Insolvente, atendendo à sua antiguidade;
q. No contrato de trespasse, não foram cedidos os créditos de que era e ainda é titular a Insolvente, no montante de € 376.982,82 (trezentos e setenta e seis mil, novecentos e oitenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos).
r. Foram transferidas, porém, as obrigações da Insolvente, nomeadamente a posição contratual num contrato de leasing com a “B., S.A.” sobre a maioria do equipamento da Insolvente, bem como a posição contratual de empregadora da única trabalhadora que a Insolvente ainda mantinha.
s. O preço ajustado para o trespasse do estabelecimento comercial da Insolvente foi de € 10.183,53 (dez mil, cento e oitenta e três euros e cinquenta e três cêntimos), tendo sido paga parte e encontrando-se ainda em dívida, cerca de € 3.000,00 (três mil euros).

Mas tal matéria é irrelevante para a prova dos factos, que importa para apreciar para a conduta culposa da gerente AB na insolvência, conforme o Tribunal mostrou:

Em suma, a sociedade insolvente era devedora perante diversos credores, não conseguia cumprir com as suas obrigações, tal como verificado aquando da prolação da sentença que declarou a insolvência, mas em Setembro de 2013, após a constituição de uma sociedade titulada por um familiar dos sócios e gerente da Insolvente, transfere o seu património mediante o contrato de trespasse junto aos autos, transferindo “... a universalidade de todos os direitos e elementos do activo corpóreo e incorpóreo que integram e constituem o referido Estabelecimento, com excepção dos créditos sobre clientes...”.

Todos estes factos apurados pelo Tribunal só conduzem à conclusão de que está preenchida a previsão do art. 186.1 do CIRE, que qualifica a insolvência como culposa. Sendo irrelevantes a este respeito os factos que agora a recorrente vem apresentar.

O art. 186.2.f do CIRE manda considerar sempre culposa a insolvência quando os administradores da pessoa coletiva tenham feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto.

É verdade que a G., Lda já estava em situação de pré-insolvência quando foi criada a C., Unipessoal, Lda e para ela transferidos os ativos da G., Lda (mas não os créditos e os passivos), conforme resulta da alínea N. dos factos provados, cláusula segunda do contrato. Esta operação jurídico-financeira, que lembra a conhecida fábula do Banco Bom / Banco Mau, agravou aquela situação e foi contrária ao interesse da G., Lda, que ficou sem ativos, a troco de um crédito de € 10.183,53, a pagar em nove prestações mensais de € 1.131,50 – sabendo-se lá se alguma vez seriam pagos. Este crédito da G., Lda era, na realidade, uma dívida da sociedade cuja única sócia e gerente era a própria filha da gerente AB. Assim, tratava-se, no fundo, de prejudicar a G., Lda para favorecer outra empresa, na qual a gerente AB tinha interesse indireto (factos L. e M.). Esta situação é justamente a prevista naqueles artigos 186.1 e 186.2.f.

Improcede assim o que se alega nas conclusões V a XXX.

Três anos de inibição não é prazo desproporcional ou injustificado.

A recorrente conclui também que a aplicação de um período de três anos de inibição para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil revela-se extremamente gravosa e desproporcional, atendendo a que insolvência não decorre de facto imputável à Recorrente, mas sim de outros actos praticados por terceiros que prejudicaram gravemente a subsistência da Insolvente, criando então a sua situação de insolvência, não havendo qualquer nexo de causalidade entre o trespasse e a situação de insolvência.

Aqui também manifestamente não tem razão. Três anos de inibição é inteiramente justificado, e passam depressa, tanto mais que a atividade da empresa insolvente foi trespassado para a filha da recorrente. E acha-se próximo do mínimo legal de 2 a 10 anos (art. 189.2.b do CIRE). Assim se evitando que a recorrente prossiga a mesma atividade por interposta pessoa.

O art. 189.2.e do CIRE não é inconstitucional:

O art. 189.2.e do CIRE, atual redação (por lapso, a recorrente escreveu 188), na medida em que prevê que as pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa sejam condenadas a indemnizar os credores do devedor insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios.
Tal desvio das regras gerais da responsabilidade civil das pessoas coletivas destina-se a proteger legitimamente o interesse dos credores prejudicados pela ação culposa ou dolosa do gerente afetado pela qualificação e em nada viola o princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso, num Estado de Direito Democrático – art. 2º da Constituição.

Em suma:

1. É de qualificar como afetada pela insolvência culposa de uma sociedade comercial a gerente que outorgou um contrato trespassando para uma outra sociedade, de que a filha era a única sócia e gerente, todos os bens da insolvente, à exceção das dívidas e créditos sobre clientes.
2. Tal trespasse agravou a situação patrimonial da insolvente, qualificando a insolvência como culposa – art. 186.2.f do CIRE.
3. O disposto no art. 189.2.e do CIRE não viola o princípio constitucional da proporcionalidade ou proibição do excesso, num Estado de direito democrático – art. 2º da CRP.

Decisão:

Assim, e pelo exposto, acordamos em julgar improcedente o recurso da gerente AB, e não admitimos a ampliação do respetivo objeto requerida pelo credor EP, confirmando a íntegra a sentença recorrida.
Custas por ambos, em partes iguais.


Lisboa, 2015.09.29

João Ramos de Sousa
Manuel Ribeiro Marques
Pedro Brighton