Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7894/05.1TCLRS.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: REGULAMENTO GERAL DAS EDIFICAÇÕES URBANAS
PRÉDIO CONFINANTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/05/2015
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: -  As regras dos artigos 59.º e 60.º do RGEU destinam-se a assegurar o arejamento, iluminação natural e exposição prolongada à acção directa dos raios solares, tal como referido no art.º 58.º do mesmo diploma legal.

-   Enquanto que o art.º 59.º se refere à altura dos prédios, o art.º 60.º tem a ver com a distância entre os prédios vizinhos, sendo certo que a referência feita a “fachada” deve entender-se reportada a qualquer fachada, sem distinção para fachadas principais, laterais, ou tardoz.

          (sumário elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

                                   I-RELATÓRIO

L... e marido V... intentaram a presente ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra A... Lda e Município de Loures, formulando os seguintes pedidos:

«A) Condenarem-se as RR na redução do edifício construído pela 1ª R. e licenciado pela 2ª R. aos limites impostos pela aplicação do art. 59° do RGEU

Ou, no caso de assim não se entender

B) Condenarem-se as RR. no pagamento aos AA., a título de indemnização devida pela perda de potencialidade edificativa e a consequente desvalorização decorrente para o prédio de que são proprietários, em valor não inferior a EUR 210.000,00 (duzentos e dez mil euros).

C) Condenar-se a 1ª R. a proceder à demolição dos muros existentes, não edificados de acordo com o projecto, e à sua posterior edificação até à altura máxima de 1,50 metros e de acordo com projecto aprovado.

D) Condenarem-se ambas as RR. no pagamento das custas do processo e procuradoria condigna».

                        Alegam, para tanto, em síntese:

  O prédio da 1.ª Ré confina, nas suas confrontações Nascente e Sul com o prédio dos Autores.

 A 1.ª Ré encontra-se a edificar, no prédio referido, um edifício misto de habitação e comércio, constituído por dois blocos habitacionais para a construção de 22 fogos e duas lojas. A construção aprovada encontra-se na data da propositura da acção, em fase final de acabamentos e arranjos exteriores.

Os Autores têm no prédio misto de que são proprietários, uma casa de rés-do-chão com a área coberta de 96 m2. A referida casa encontra-se implantada a cerca de 3,5 metros do limite da propriedade dos AA e tem o terreno exterior junto à base da edificação à cota 22,5 metros correspondente à intersecção do seu plano com aquele terreno exterior.

                        A construção edificada pela 1.ª Ré e licenciada pela 2.ª Ré, encontra-se implantada a cerca de 6 metros do limite do prédio dos AA. Apresenta quatro pisos de habitação acima da cota da soleira na zona junto à confrontação com o prédio dos AA. Tem a cota da base da edificação cerca de 2,0 metros acima da cota da base da edificação dos AA. E o topo superior do prédio da Ré, excluindo chaminés e quaisquer outros elementos decorativos, apresenta-se à cota 37,10 metros. A construção edificada pela 1.ª Ré não cumpre assim, relativamente à casa de habitação dos Autores com os limites impostos pelo art.º 59.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU)

                        O excesso de altura da construção edificada pela Ré determina a redução da potencialidade edificativa relativamente ao prédio dos Autores, os quais passaram a ver devassados na sua privacidade e perturbados no sossego e desafogo de que desfrutavam, o que redunda numa redução do valor comercial desta. Na verdade, o prédio dos autores apresenta-se totalmente "enterrado", com grande ensombramento e perda das vistas e da tranquilidade de que anteriormente dispunha.

Por outro lado, a Ré executou nas confrontações Nascente e Sul da sua propriedade com o prédio dos Autores, um muro de suporte que apresenta uma altura superior a 3 metros, chegando mesmo a atingir os 4 metros de altura, em violação do que havia sido imposto pela Câmara Municipal, que havia definido como opção para o local a execução de um muro de suporte com altura não superior a 1,5 metros.

                        Acresce que, na zona mais a Norte do muro situado a Nascente, este foi executado com uma altura superior a 1 metro, encimando um outro muro pré-existente de alvenaria e blocos de betão.

Mais, todos os muros de suporte de terras efectuados pela 1.ª Ré, foram edificados sem qualquer projecto de estabilidade e, portanto, sem projecto aprovado.

                        Os referidos muros constituem risco iminente e real de derrocada. O perigo real de queda do muro divisório determina, em consequência, o risco de derrocada de algumas construções dos AA que se encontram contíguas ao muro, designadamente dos abrigos para os animais domésticos dos AA e das instalações para depósito de materiais e produtos utilizados na agricultura. O risco iminente de derrocada dos muros divisórios coloca igualmente, em risco os bens dos AA e a integridade física destes.

Durante a execução dos muros pela 1.ª Ré, foi realizado por esta, na zona sul do novo muro que se encontra situado na confrontação Nascente da sua propriedade com a dos AA, uma drenagem para a propriedade destes. Os referidos trabalhos foram executados pela 1.ª Ré mediante a realização de um furo na parede do muro divisório com a propriedade dos AA. Esses trabalhos de drenagem foram efectuados sem o prévio conhecimento e consentimento dos AA. Não existindo, na propriedade destes, qualquer forma de escoamento das águas residuais que se acumularam vindas da propriedade da 1.ª Ré. Designadamente, os elevados caudais de água e de acumulação dos sedimentos drenados pelo respectivo orifício durante a execução das obras, originou o entupimento do sistema de drenagem existente, provocando a inundação de diversas áreas no interior da propriedade dos AA, e, por consequência, elevados prejuízos materiais para os bens dos AA.

Ambas as Rés apresentaram contestação, impugnando os factos alegados e terminando a pedir a sua absolvição dos pedidos formulados.

A primeira Ré peticionou ainda a condenação dos autores como litigantes de má- fé no pagamento de multa e indemnização nunca inferior a €5.000,00.

Por despacho proferido a fls. 194, o Tribunal declarou a sua incompetência em razão da matéria para conhecer do pedido deduzido contra o Réu Município de Loures, absolvendo-o da instância.

Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência:

(i) condenou a Ré na demolição de toda a extensão do muro situado a Nascente que se encontra a ladear o muro pre-existente de alvenaria e sua posterior edificação por forma a que se não pressione o aludido muro de alvenaria;

(ii)        absolveu a Ré do mais que se mostra peticionado.

Inconformados com esta decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou parcialmente procedente por provada a acção interposta pelos ora Apelantes tendo condenado a Apelada na demolição de toda a extensão do muro situado a Nascente que se encontra a ladear o muro pré existente de alvenaria e a sua posterior edificação a fim de não pressionar o referido muro com a restante absolvição desta quanto aos demais peticionado.

B .Pretendiam ainda os Apelantes que a Apelada fosse condenada na redução do edifício por si construído aos limites impostos pela aplicação do artº 59º do RGEU ou, em alternativa, na sua condenação no pagamento, a título de indemnização devida pela perda de potencialidade edificativa e prejuízos decorrentes de uma eventual deslocação da habitação para outro local do terreno ou pela desvalorização comercial do prédio, do valor de EUR 210.000,00

C .Entendeu a sentença recorrida absolver a Apelada do pedido formulado por considerar que as distâncias a que se refere o artº 59º do RGEU respeitam" ... à fachada principal ou anterior e não às laterais ... "

D .Sustentou tal entendimento no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 17/01/1995 em que a referência a fachadas prevista no artº 59º do RGEU" ... é igualmente inequívoca no sentido de que têm em conta as fachadas principais ou anteriores das edificações ( .... ). A inserção sistemática do artºs 60º e a remissão nele feita para o artº 59º aponta desde logo para que o seu campo de aplicação se restrinja às fachadas principais das edificações, regendo para as laterais o arts 73º.. ",

E.  Perguntava-se no quesito 38º da B.I. se as fundações do novo muro executado a Sul pela Apelada se apoiavam sobre os muros de alvenaria de tijolo já existentes na propriedade dos Apelantes.

F O referido quesito foi dado como não provado pela sentença recorrida.

G.O quesito em causa tem uma natureza técnica e exigia, para a sua demonstração, conhecimentos de engenharia que não tenham sido contrariados por qualquer outra prova de idêntica natureza.

H. Consta do relatório técnico junto como doc. nº 12 à p.i. que “…o muro construído na confrontação Sul com a propriedade dos AA. apoia-se sobre um juro de alvenaria de tijolo pré - existente ... " sustentando, ainda, tal afirmação quer nas fotografias e planta dos muros exteriores que foram juntas, respectivamente, como docs. nºs 18 e 19 com a p.i.

I. Atenta a especificidade do quesito bem como o facto de não ter sido efectuada qualquer contraprova, errou a sentença recorrida devendo, em consequência ser dado como provado o referido quesito 38º da B.I.

J - Para além do RGEU impôr regras que garantam requisitos de salubridade aos prédios a construir ou reconstruir, tem igualmente por objectivo garantir a manutenção dos mesmos requisitos de salubridade em edificações vizinhas.

L - É este o sentido da inclusão do artigo 59.º, o qual tem por objectivo fixar a altura máxima da nova edificação, tendo por base o seu afastamento às edificações fronteiras.

M - Se não fosse esta a finalidade do preceito, não teria sentido a sua existência no RGEU, pois o excesso de altura de determinado edifício a construir em relação a uma edificação vizinha existente não teria qualquer implicação negativa em termos de salubridade do próprio edifício.

N - O que permite concluir que o artigo 59.º e, consequentemente, o RGEU têm também por objectivo garantir requisitos de salubridade aos prédios vizinhos e, sublinhe-se, com maior razão em relação àqueles que foram erigidos tendo por base as regras do próprio RGEU, como é o caso da edificação dos AA.

O - A sentença refere, relativamente ao artigo 59.º do RGEU, que " ... Acresce que as distâncias a que se refere a disposição legal invocada pelos Autores respeitam à fachada principal ou anterior e não às laterais ... "

P - Esta afirmação terá sido sustentada no Acórdão do STA de 03.11.2005 que dispõe o seguinte: "0 art. ° 59° dispõe no seu corpo sobre a altura das edificações, tomando como referencial a fachada da edificação fronteira e, portanto, claramente, da fachada principal da edificação, considerada na sua posição relativa face à edificação fronteira

(....) Como se escreveu no acórdão deste STA de 17.1.95, in reco 35403, em qualquer destes parágrafos, a referência a fachadas é igualmente inequívoca no sentido de que se têm em conta as fachadas principais ou anteriores das edificações. N.

Q - O artº 59° do RGEU dispõe sobre a altura das edificações, tomando como referencial a fachada da edificação fronteira.

R - Parece óbvio e claro que a referência a "fachada" não se aplica apenas a fachadas principais ou anteriores, mas a qualquer fachada. pois numa esquina não poderão confluir duas fachadas sem que uma seja fachada lateral.

s - O que permite concluir que o § 2º do artigo 59.º e, consequentemente, todo o artigo 59.º se aplica obrigatoriamente a qualquer das fachadas de um edifício e, assim, a fachadas laterais.

T - O artº 60.º do RGEU dispõe que "Independentemente do estabelecido no artigo anterior, a distância mínima entre fachadas de edificações nas quais existam vãos de compartimentos de habitação não poderá ser inferior a 10 metros".

U - Afigura-se evidente que ambos os artigos se aplicam a fachadas laterais, pois se tal não fosse (e se aplicassem só a fachadas principais ou anteriores) não teria sentido especificar a aplicação a fachadas "nas quais existam vãos de compartimentos de habitação", pois as fachadas principais e anteriores têm sempre vãos de compartimentos de habitação.

V - A Sentença refere ainda, também em transcrição do citado acórdão do STA que " ... A inserção sistemática do arts 60º e a remissão nele feita para o art.º 59º aponta desde logo para que o seu campo de aplicação se restrinja às fachadas principais das edificações, regendo para as laterais o arts 73º norma relacional que atende à posição relativa das construções confinantes".

X-A referida conclusão afigura-se incorrecta, porque a lei não prevê distâncias diferentes para as fachadas.

 Z - Não se distingue qualquer razão para que "a inserção sistemática do arts. 60º e a remissão nele feita para o arts 59º aponta desde logo para que o seu campo de aplicação se restrinja às fachadas principais das edificações".

AA - O artº 73.º do RGEU é efetivamente uma norma relacional, mas para a disposição das janelas dos compartimentos de habitações e não para fachadas, aliás como o título do capítulo onde está inserido explicita “Disposições interiores das edificações e espaços livres"

BB - A sentença recorrida violou, assim, o artº 59º do RGEU.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso de Apelação e, em consequência:

A) Dar-se como provado o quesito 38º da Base Instrutória;

B) Revogar-se a sentença recorrida condenando-se a Apelada na redução do edifício por si erigido aos limites impostos pela aplicação do artº 59º do RGEU às fachadas laterais ou, em alternativa, no pagamento aos Apelantes de uma indemnização pela perda da potencialidade edificativa, desvalorização comercial e prejuízos decorrentes de uma eventual deslocação da habitação dos Apelantes, em valor não inferior ao peticionado.

            Não foram apresentadas contra alegações:

            Cumpre apreciar e decidir:

            II-OS FACTOS

            Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

.1 - Encontra-se inscrita a favor dos Autores a propriedade sobre o prédio denominado "Quinta da Alameda", sito em Sete Casas, freguesia e concelho de Loures, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 12 - Secção X e na matriz predial urbana sob o n.º 1604 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o artigo 19.675 a fls. 143 v do Livro B - 55 - (Alínea A) dos Factos Assentes);

2 - Por o haverem adquirido por sucessão hereditária por morte dos pais da Autora mulher – M... e A... falecidos, respetivamente em 18/02/2001 e 12/06/2005 - conforme consta de certidão de habilitação de herdeiros outorgada em 4 de Julho de 2005 no Cartório Notarial da Ora. Lúcia Ataíde - (Alínea B) dos Factos Assentes).

3 - Encontra-se inscrita a favor da Ré a propriedade sobre o prédio sito na localidade de Sete Casas, freguesia e concelho de Loures, inscrito na matriz sob o artigo 11 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º 2168 - (Alínea C) dos Factos Assentes e acordo das partes).

3 - O prédio da Ré confina, nas suas confrontações Nascente e Sul, com o prédio dos Autores - (Alínea D) dos Factos Assentes).

4 - A Ré encontra-se a edificar, no prédio referido na Alínea C) dos Factos Assentes, o edifício misto de habitação e comércio, constituído por dois blocos habitacionais para a construção de 22 fogos e 2 lojas - (Alínea E) dos Factos Assentes).

5 - Tendo-lhe sido foi atribuída pela Câmara Municipal de Loures, a licença de construção n.º 264/2003 no âmbito do processo n.º 35.619/0CP/N/1999 do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures - (Alínea F) dos Factos Assentes).

6 - Os Autores têm, no prédio misto de que são proprietários, uma casa para habitação de rés-do-chão com a área coberta de 96 m2 - (Alínea G) dos Factos Assentes).

7 - A referida casa de habitação foi edificada há mais de cinquenta anos no âmbito do processo camarário n.º 3423 - (Alínea H) dos Factos Assentes).

8 - Tendo, em consequência, sido emitida em 05/03/53 a respetiva licença de habitação com o nº 69 - (Alínea I) dos Factos Assentes).

9 - A referida casa encontra-se implantada a cerca de 3,5 metros do limite da propriedade dos Autores - (Alínea J) dos Factos Assentes).

10 - À mesma distância da confrontação a Poente com a propriedade da Ré - (Alínea L) dos Factos Assentes).

11 - Tem o terreno exterior junto à base da edificação à cota 22,5 metros correspondente à intersecção do seu plano com aquele terreno exterior - (Alínea M) dos Factos Assentes).

12 - A Ré tomou conhecimento do documento junto aos autos a fls. 55 e seguintes cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido - (Alínea N) dos Factos Assentes).

13 - Todos os muros de suporte de terras efectuados pela 1 ª Ré foram edificados sem qualquer projeto de estabilidade aprovado - (Alínea O) dos Factos Assentes).

14 - Posteriormente à execução dos muros, foi apresentado um projeto de estabilidade e dimensionamento estrutural dos mesmos - (Alínea P) dos Factos Assentes).

15 - A construção edificada pela Ré, encontra-se implantada a cerca de 6 metros do limite do prédio dos Autores - (Resposta ao ponto 1 da Base Instrutória);

16 - Apresenta quatro pisos de habitação "acima da cota" da soleira na zona junto à confrontação com o prédio dos Autores - (Resposta ao ponto 2 da Base Instrutória);

17 - Tem a cota da base da edificação cerca de 2,0 metros acima da cota da base da edificação dos Autores - (Resposta ao ponto 3 da Base Instrutória);

18 - E o topo superior do prédio da Ré, excluindo chaminés e quaisquer outros elementos decorativos, apresenta-se à cota 37,10 metros - (Resposta ao ponto 4 da Base Instrutória);

19 - A construção da Ré encontra-se distanciada do prédio dos autores a 9,5 metros (6,0 metros + 3,5 metros) no plano vertical perpendicular à fachada lateral - (Resposta ao ponto 5 da Base Instrutória e acordo das partes, face ao teor; nomeadamente, do art. 20º da p.l. e documento para o qual remete e 13º e 14º da contestação);

20 - A mesma construção ultrapassa o limite definido pela linha reta a 45 graus, traçada nesse plano a partir do alinhamento da casa de habitação dos Autores, definido pela intersecção do seu plano com o terreno exterior - (Resposta ao ponto 6 da Base Instrutória);

21 - A altura dos pisos superiores da construção edificada pela Ré, com exceção para as chaminés e outros elementos decorativos, ultrapassa o limite definido pela linha reta a 45 graus a partir do alinhamento da casa de habitação dos Autores - (Resposta ao ponto 7 da Base Instrutória);

22 - Excedendo a altura da construção edificada pela Ré em 5,1 metros a linha traçada a 45 graus - (Resposta ao ponto 8 da Base Instrutória);

23 - A cota do topo superior do prédio (excluindo chaminés e outros elementos decorativos) de 32,00 metros (37,10 metros - 5,10 metros) corresponde a dois pisos de habitação - (Resposta ao ponto 9 da Base Instrutória);

24 - A altura do prédio da Ré prejudicou o "desafogo" do prédio dos autores e a exposição solar deste durante parte do período da tarde - (Resposta aos pontos 10 a 12 da Base Instrutória);

25 - A edificação dos Autores apresenta uma área útil de 90 m2 no piso principal, 12 m2 úteis num compartimento da cave e 18 m2 úteis num edifício de apoio, anexo à habitação, o que totaliza 120 m2 úteis de construção- (Resposta ao ponto 16 da Base Instrutória);

26 - O custo da reconstrução importa em pelo menos €700/m2 - (Resposta ao ponto 17 da Base Instrutória);

27 - A zona envolvente da habitação dos Autores é constituída por um terraço pavimentado sustentado na respetiva periferia por um muro de suporte de terras que rodeia a quase totalidade da área do referido terraço - (Resposta ao ponto 18 da Base Instrutória);

28 - A área total do terraço é de 400 m2 encontrando-se localizados no mesmo, para além da habitação e edifício anexo, dois espaços ajardinados e uma zona de recreio para crianças - (Resposta ao ponto 19 da Base Instrutória);

29 - Os quais servem de apoio e espaço de lazer à família dos Autores, designadamente os seus filhos e netos - (Resposta ao ponto 20 da Base Instrutória);

30 - A atual habitação dos Autores situa-se a uma cota mais elevada que os terrenos envolventes - (Resposta ao ponto 22 da Base Instrutória);

31 - Circunstância que permitia à referida habitação usufruir de uma condição privilegiada em termos de sossego e desafogo relativamente às habitações circundantes - (Resposta ao ponto 23 da Base Instrutória);

32 - Os custos respeitantes à construção de muros ascendem a €100,00/€120,00/m2 - (Resposta ao ponto 25 da Base Instrutória);

33 - Os custos inerentes ao licenciamento e execução de um projeto de habitação e a qualificação como urbana de uma parte do terreno que é atualmente rústica, correspondem a 12 % do valor da construção - (Resposta ao ponto 26 da Base Instrutória);

34 - Os custos com a demolição ascendem a cerca de €50,00/m2- (Resposta ao ponto 27 da Base Instrutória);

35 - O facto constante do ponto 24 dos factos provados desgostou os Autores, já que a referida habitação sempre pertenceu aos pais da Autora mulher, que com ela mantêm uma relação de estreita afinidade - (Resposta ao ponto 28 da Base Instrutória);

36 - O prédio dos autores encontra-se localizado no concelho de Loures, próximo do centro da cidade e de todas as infraestruturas ali existentes e dos acessos às principais vias de comunicação rodoviária - (Resposta ao ponto 31 da Base Instrutória);

37 - A Ré executou, ainda, nas confrontações Nascente e Sul da sua propriedade com o prédio dos Autores, um muro de suporte que apresenta uma altura superior a 3,0 metros - (Resposta ao ponto 33 da Base Instrutória);

38 - Existindo, mesmo, um local em que o referido muro atinge os 4 metros de altura - (Resposta ao ponto 34 da Base Instrutória);

39 - Na zona mais a norte do muro situado a Nascente, este foi executado com uma altura superior a 1,0 metro ladeando um outro muro pré-existente de alvenaria e blocos de betão - (Resposta ao ponto 35 da Base Instrutória);

40 - O muro construído pela Ré apresenta uma altura superior a 3m, por referência ao prédio dos autores - (Resposta ao ponto 36 da Base Instrutória);

41 - E o troço mais a Norte do muro de suporte situado a Nascente continua a apresentar uma altura que varia entre os 0,7 a 0,9 metros acima do outro pré - existente de alvenaria - (Resposta ao ponto 37 da Base Instrutória);

42 - Os factos referidos em 35º provocam risco de derrocada dos muros de alvenaria existentes no limite da propriedade dos Autores - (Resposta ao ponto 40 da Base Instrutória);

43 - Criando, igualmente, um risco de derrocada do muro de suporte edificado pela Ré - (Resposta ao ponto 41 da Base Instrutória);

44 - O que determina risco de derrocada dos abrigos para os animais domésticos dos Autores - (Resposta ao ponto 42 da Base Instrutória);

45 - E das instalações para depósito de materiais e produtos utilizados na agricultura - (Resposta ao ponto 43 da Base Instrutória);

46 - E põe em causa a integridade física dos Autores - (Resposta ao ponto 44 da Base Instrutória);

47 - Durante a execução dos muros pela 1ª Ré, foi realizado por esta na zona Sul do novo muro que se encontra situado na confrontação Nascente da sua propriedade com a dos Autores, uma drenagem para a propriedade destes - (Resposta ao ponto 45 da Base Instrutória);

48 - Tendo os referidos trabalhos sido executados pela Ré mediante a realização de um furo na parede do muro divisório com a propriedade dos Autores - (Resposta ao ponto 46 da Base Instrutória);

49 - Os trabalhos de drenagem foram efectuados sem o prévio conhecimento e consentimento dos Autores - (Resposta ao ponto 47 da Base Instrutória);

50 - Os elevados caudais de água e de acumulação dos sedimentos drenados pelo respectivo orifício durante a execução das obras, originou o entupimento do sistema de drenagem existente - (Resposta ao ponto 48 da Base Instrutória);

51 - Provocando a inundação de diversas áreas no interior da propriedade dos Autores - (Resposta ao ponto 49 da Base Instrutória).

                        III-O DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa decidir são as seguintes:

  1-Reapreciação da matéria de facto, relativamente ao ponto 38.º da base instrutória;

  2-Interpretação e aplicação do disposto no artigo 59.º do RGEU;

 3-Demolição do muro construído pela Ré, na confrontação sul, em consequência da alteração da decisão sobre a matéria de facto.

1-Os Apelantes vêm invocar que o art.º 38.º da base instrutória deveria ter sido dado como provado de acordo com a prova produzida.

                        Tal artigo tem o seguinte teor:

As fundações do novo muro executado a Sul pela Ré apoiam-se sobre os muros de alvenaria de tijolo já existentes na propriedade dos Autores?”

Em relação a este facto o Tribunal decidiu dá-lo como “não provado”, conforme consta do despacho de fls. 301.Contudo, lida a fundamentação não resulta qualquer referência ao motivo pelo qual tal facto foi considerado como não provado. Os Apelantes chamam a atenção para o facto de o quesito em questão revestir, essencialmente uma natureza técnica e exigir, para a sua demonstração, conhecimentos de engenharia apresentados com objectividade e rigor e que não tenham sido contrariados por qualquer outra prova de idêntica natureza. Ora, impunha-se a resposta positiva a tal facto, tendo em conta o teor do relatório técnico que foi junto à petição inicial da responsabilidade do Engenheiro Civil Sérgio Manuel Rebelo Correia da Costa e que em audiência o confirmou.

                        Cumpre apreciar:

Na verdade, do relatório subscrito pelo Engenheiro Civil Sérgio Manuel Rebelo Correia da Costa que depôs também como testemunha, consta, designadamente, o seguinte: “ (…)O muro construído na confrontação sul com a propriedade dos AA apoia-se sobre um muro de alvenaria de tijolo pré-existente (…) situação que não está prevista no respectivo projecto de estabilidade apresentado.” E mais à frente diz o mesmo relatório: “ Situação análoga a esta ocorre no troço norte do muro executado na confrontação Nascente, que se apoia também sobre um muro de alvenaria pré-existente(…) situação que também não está prevista no respectivo projecto de estabilidade”. E conclui o dito relatório: “Ambos os muros pré-existentes, a Sul e a Nascente, estão em risco de colapso, designadamente quando da ocorrência de chuvadas maiores que, para além do peso dos novos muros e das terras, venham a criar impulsos hidroestáticos.”

Este relatório que foi confirmado pelo respectivo subscritor ouvido em audiência como testemunha, não foi contrariado por qualquer outra prova, sendo certo que o próprio Tribunal recorrido considerou que esta testemunha “prestou um depoimento claro, coerente, firmado em conhecimentos técnicos detidos pela testemunha e que se afigurou ao Tribunal, sem embargo do prejuízo para a isenção decorrente da relação de proximidade familiar com os autores, credível.” O Tribunal recorrido refere ainda no despacho de fundamentação da decisão da matéria de facto: “No que concerne à matéria atinente ao muro e medições do mesmo, o Tribunal teve em conta, a título principal, o depoimento prestado pela testemunha Sérgio Correia da Costa, suportado nos documentos juntos aos autos”.

Ora, quanto ao quesito 35.º,relativo ao muro situado a nascente do prédio dos Autores, a respectiva matéria foi dada como provada com base no depoimento da testemunha Eng.º S..., e sendo certo que esta testemunha referiu que a situação de ambos os muros é igual – situado a nascente e situado a sul -  não se compreende o motivo pelo qual a matéria do quesito referente ao muro nascente teve uma decisão diversa daquela que foi dada em relação ao muro situado a sul. Admitimos que só por lapso tal tenha ocorrido, convicção que assentamos no facto de o Tribunal recorrido não se ter referido na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, ao quesito 38.º.

Também o depoimento da testemunha Eng.ª A... foi no mesmo sentido,  supra explicitado.

Em face do exposto, afiguram-se-nos procedentes as conclusões dos Apelantes relativamente a esta questão devendo a matéria do ponto 38.º da base instrutória ser alterada para “provado”.

2-A segunda questão a apreciar neste recurso prende-se com a aplicabilidade a este caso do disposto no art.º 59.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).

            O corpo daquele artigo estipula o seguinte:

            “ a altura de qualquer edificação será fixada de forma que em todos os planos verticais perpendiculares  à fachada nenhum dos seus elementos, com excepção de chaminés e acessórios decorativos, ultrapasse o limite definido pela linha recta a 45º, traçada em cada um desses planos a partir do alinhamento da edificação fronteira, definido pela intersecção do seu plano com o terreno exterior”.

  E o artigo imediatamente anterior – art.º 58.º do RGEU- determina:

            “a construção ou reconstrução de qualquer edifício deve executar-se por forma que fiquem assegurados o arejamento, iluminação natural e exposição prolongada à acção directa dos raios solares, e bem assim o seu abastecimento de água potável e a evacuação inofensiva dos esgotos.”

  Ora, os artigos 58.º e 59.º do RGEU são os primeiros artigos que compõem o Capítulo II intitulado “da edificação em conjunto”. Ora a interpretação dos mesmos artigos terá necessariamente de ter em conta essa inserção sistemática. E assim, não podemos perder de vista o objectivo pretendido pela lei e que consta do art.º 58.º: a construção dos edifícios deverá ser executada de forma a que fiquem assegurados “o arejamento, iluminação natural e exposição prolongada à acção directa dos raios solares”. E para garantir esta finalidade, a lei regula desde logo a altura dos edifícios. E assim, estabelece no art.º 59.º que essa altura não pode ultrapassar determinados parâmetros ali definidos.

            Ora, se assim é, não nos parece que faça sentido dizer que o disposto no art.º 59.º do RGEU não encontra aplicação no respeitante às fachadas laterais dos edifícios, mas que apenas se refere à fachada principal. A lei não distingue e uma vez que está em causa a protecção da edificação vizinha assegurando que mantém as condições de arejamento, iluminação natural e exposição solar, o que importa é que tal suceda, independentemente de ser a fachada principal ou qualquer outra.

Também não podemos concluir da leitura do art.º 60.º em confronto com o art.º 73.º, ambos do RGEU, que aquele se refere à fachada principal e este às fachadas laterais, como bem se demonstra a nosso ver na declaração de voto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-11-2005[1]. Além de que o art.º 59.º trata da altura do prédio a construir e o art.º 60.º trata da distância mínima entre as fachadas quando nas mesmas existam janelas. Portanto, são questões diferentes, mas em qualquer dos preceitos, seja por via da altura, seja por via da distância a observar entre as janelas, o que está em causa é garantir o “arejamento, iluminação natural e exposição prolongada à acção directa dos raios solares”, não nos parecendo que para a lei seja relevante saber se estão em causa fachadas principais ou laterais.

Ora, está provado que: “A mesma construção [da Ré] ultrapassa o limite definido pela linha reta a 45 graus, traçada nesse plano a partir do alinhamento da casa de habitação dos Autores, definido pela intersecção do seu plano com o terreno exterior - (Resposta ao ponto 6 da Base Instrutória); A altura dos pisos superiores da construção edificada pela Ré, com exceção para as chaminés e outros elementos decorativos, ultrapassa o limite definido pela linha reta a 45 graus a partir do alinhamento da casa de habitação dos Autores - (Resposta ao ponto 7 da Base Instrutória); excedendo a altura da construção edificada pela Ré em 5,1 metros a linha traçada a 45 graus - (Resposta ao ponto 8 da Base Instrutória).” Claramente, a construção da Ré viola o disposto no art.º 59.º do RGEU.

Importa agora saber se tal bastará para a procedência dos pedidos formulados a este propósito, a saber:

 “Condenarem-se as RR na redução do edifício construído pela 1ª R. e licenciado pela 2ª R. aos limites impostos pela aplicação do art. 59° do RGEU ,ou, no caso de assim não se entender : Condenarem-se as RR. no pagamento aos AA., a título de indemnização devida pela perda de potencialidade edificativa e a consequente desvalorização decorrente para o prédio de que são proprietários, em valor não inferior a EUR 210.000,00 (duzentos e dez mil euros)”.

Se é certo que as normas do RGEU visam a protecção de interesses públicos de protecção de um ambiente sadio e esteticamente agradável, destinam-se igualmente a proteger interesses particulares. E na parte em que o incumprimento dessas normas ofendam os direitos de terceiros juridicamente protegidos, estes poderão recorrer aos tribunais judiciais para fazer valer tais direitos.

Importa então verificar se os direitos dos Autores ficaram efectivamente afectados, pois que só nessa medida terão direito a exigir a reposição do “status quo ante”.

Provou-se que “ a altura do prédio da Ré prejudicou o “desafogo” do prédio dos autores e a exposição solar deste durante parte do período da tarde”.

  Ora, parece-nos que este facto é claramente insuficiente para integrar danos relevantes que justifiquem a procedência do pedido principal formulado.

Desde logo, relativamente ao facto de ter ficado prejudicado o “desafogo” que se presume referir-se à vista que eventualmente deixou de ter, a verdade é que os Autores  não demonstraram ser titulares de qualquer servidão de vistas que haja sido desrespeitado. Por outro lado, não se demonstra minimamente a dimensão dessa perda que poderá até ser muito pouco significativa.

Quanto à diminuição da exposição solar, no período da tarde também não se provou que ela seja significativa de molde a justificar a demolição parcial do prédio da Ré. Tudo indica que ela não seja significativa dado que não se provou que tais factos determinassem a perda do valor comercial do imóvel dos Autores. Caso essa diminuição da exposição solar fosse significativa, certamente que o valor comercial do imóvel diminuiria. Assim sendo, como é evidente, não se provando este facto, excluída está também a procedência do pedido de indemnização formulado.

Improcedem, portanto as conclusões dos Apelantes a este propósito, embora com fundamentação diversa da sentença recorrida. Ou, dizendo de outro modo, embora concordemos com a interpretação legal elaborada pelos Apelantes, a verdade é que os seus pedidos improcedem por falta de prova dos factos essenciais para tanto, sendo certo que essa prova lhes competia, nos termos do disposto no art.º 342.º do Código Civil..

3-Da alteração da decisão quanto ao ponto 38.º da Base Instrutória, resulta provado que “as fundações do novo muro executado a sul pela Ré apoiam-se sobre os muros de alvenaria de tijolo já existentes na propriedade dos Autores”. Portanto, as condições em que foram construídos os muros na parte nascente e na parte sul do prédio da Ré é equivalente. E por conseguinte, ambos os muros pré-existentes, pertencentes aos Autores, ou, caso se prefira, o muro pré-existente, nos lados que confrontam com as vertentes sul e nascente do prédio da Ré, estão em risco de colapso, tal como é referido no relatório técnico, junto aos autos a fls. 50-52. E, portanto, a solução jurídica que foi encontrada em relação ao muro na parte nascente terá de ser a mesma na parte sul.

 Assim, em conformidade com o peticionado, deverá ser alterada a sentença no sentido de “a) condenar a Ré na demolição de toda a extensão do muro situado a nascente e a sul que se encontra a ladear o muro pré-existente de alvenaria e sua posterior edificação por forma a que se não pressione o aludido muro de alvenaria.”

            IV-DECISÃO

            Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso e, por consequência, alterar a decisão no sentido de:

condenar a Ré na demolição de toda a extensão do muro situado a nascente e a sul que se encontra a ladear o muro pré-existente de alvenaria e sua posterior edificação por forma a que se não pressione o aludido muro de alvenaria.

            No mais, mantém-se a sentença recorrida.

            Custas por Apelantes e Apelada na proporção de ½.

            Lisboa, 5 de Fevereiro de 2015

            Maria de Deus Correia

            Maria Teresa Pardal

            Ana Lucinda Cabral  (vencida, com declaração de voto que se anexa)

                                       DECLARAÇÃO DE VOTO

Na presente acção pedem os Autores que:

“-se condenem as RR na redução do edifício construído pela 1ª R. e licenciado pela 2ª R. aos limites impostos pela aplicação do art. 59° do RGEU

Ou, no caso de assim não se entender

- se condenarem as RR. no pagamento aos Autores, a título de indemnização devida pela perda de potencialidade edificativa e a consequente desvalorização decorrente para o prédio de que são proprietários, em valor não inferior a EUR 210.000,00 (duzentos e dez mil euros).

- se condene a 1ª R. a proceder à demolição dos muros existentes, não edificados de acordo com o projecto, e à sua posterior edificação até à altura máxima de 1,50 metros e de acordo com projecto aprovado”.

Também o presente recurso culmina com os seguintes pedidos:

A) Dar-se como Provado o Quesito 38º da Base Instrutória

B) Revogar-se a sentença recorrida condenando-se a Apelada na redução do edifício por si erigido aos limites impostos pela aplicação do artº 59º do RGEU às fachadas laterais ou, em alternativa, no pagamento aos Apelantes de uma indemnização pela perda da potencialidade edificativa, desvalorização comercial e prejuízos decorrentes de uma eventual deslocação da habitação.”

É nosso entendimento que as “questões de facto” só o passam a ser por o direito aplicável lhes conferir relevo, elas existem por referência a uma concreta solução de direito.

É por isso que se entende que o facto tem de ser sempre visto à luz do Direito que se pretende fazer valer e os factos relevantes no processo são aqueles que preenchem o tipo legal invocado, numa dialética traduzida na previsão da norma jurídica em condensar os factos que conduzem à estatuição, ao efeito jurídico.

Numa linguagem mais simples dir-se-á que os factos alegados têm de ser sempre vistos à luz do seu enquadramento jurídico para se aferir da sua relevância, quer seja na sua selecção na 1ª instância, quer seja na impugnação da matéria de facto em recurso.

Ora, o artigo 38º da BI, cuja matéria fáctica se pretende ver reapreciada, diz o seguinte: “As fundações do novo muro executado a Sul pela Ré apoiam-se sobre os muros de alvenaria de tijolo já existentes na propriedade dos Autores?”

Este artigo não tem autonomia sem o artigo 44º:“O que determina risco de derrocada dos abrigos para os animais domésticos dos Autores?”

Não tem, portanto, qualquer efeito útil pedir a reapreciação da matéria do quesito 38º sem a reapreciação da matéria do artigo 44º. Na verdade, só esta conjugação pode integrar, designadamente a fattispécie do artigo 1350º do C. Civil: ”Se qualquer edifício outra obra oferecer perigo de ruir, no todo ou em parte, e do desmoronamento puderem resultar danos para o prédio vizinho, é lícito ao dono deste exigir da pessoa responsável pelos danos, nos termos do artigo 492º, as providências necessárias para eliminar o perigo.”

De tudo resulta que não tem qualquer sentido proceder à reapreciação de facto peticionada. Daí que o pedido da acção e do recurso tenham por pressuposto as imposições legais sobre a altura das edificações.

Na sentença condenou-se a Ré na demolição de toda a extensão do muro situado a Nascente que se encontra a ladear o muro pré-existente de alvenaria e sua posterior edificação por forma a que se não pressione o aludido muro de alvenaria. Contudo, não se fez o enquadramento legal desta condenação, sendo que agora o acórdão, do mesmo passo, vai mais longe e afirma: “Assim, em conformidade com o peticionado, deverá ser alterada a sentença no sentido de “a) condenar a Ré na demolição de toda a extensão do muro situado a nascente e a sul que se encontra a ladear o muro pré-existente de alvenaria e sua posterior edificação por forma a que se não pressione o aludido muro de alvenaria.”

Considera-se ainda no acórdão o seguinte “Ora, se assim é, não nos parece que faça sentido dizer que o disposto no art.º 59.º do RGEU não encontra aplicação no respeitante às fachadas laterais dos edifícios, mas que apenas se refere à fachada principal. A lei não distingue e uma vez que está em causa a protecção da edificação vizinha assegurando que mantém as condições de arejamento, iluminação natural e exposição solar, o que importa é que tal suceda, independentemente de ser a fachada principal ou qualquer outra.

            ….

Se é certo que as normas do RGEU visam a protecção de interesses públicos de protecção de um ambiente sadio e esteticamente agradável, destinam-se igualmente a proteger interesses particulares. E na parte em que o incumprimento dessas normas ofendam os direitos de terceiros juridicamente protegidos, estes poderão recorrer aos tribunais judiciais para fazer valer tais direitos.

Importa então verificar se os direitos dos Autores ficaram efectivamente afectados, pois que só nessa medida terão direito a exigir a reposição do “status quo ante”.

Ou, dizendo de outro modo, embora concordemos com a interpretação legal elaborada pelos Apelantes, a verdade é que os seus pedidos improcedem por falta de prova dos factos essenciais para tanto, sendo certo que essa prova lhes competia, nos termos do disposto no art.º 342.º do Código Civil.”

Ora, divergimos por completo desta tese.

Estatui o artigo 60.° do RGEU, no capítulo II do título III sob a epígrafe “Condições especiais relativas à salubridade das edificações e dos terrenos de construção” que “Independentemente do estabelecido no artigo anterior, a distância mínima entre fachadas de edificações nas quais existem vãos de compartimentos de habitação não poderá ser inferior a dez metros.

O capítulo II reporta-se às “edificações em conjunto”, dispondo no seu art. 58° que “a construção ou reconstrução de qualquer edifício deve executar-se por forma que fiquem assegurados o arejamento, iluminação natural e exposição prolongada à acção directa dos raios solares (...)”

O art° 59° dispõe sobre a altura das edificações, tomando como referencial a fachada da edificação fronteira e, portanto, claramente, da fachada principal da edificação, considerada na sua posição relativa face à edificação fronteira.

Os §§ 1°, 2° e 3° do mesmo artigo continuam a referir-se à altura da edificação, considerando-se três situações distintas: construções sobre terrenos em declive, construção em gaveto formado por dois arruamentos de largura ou de níveis diferentes, construções que ocupam todo o intervalo entre dois arruamentos de larguras ou níveis diferentes

Por sua Turno, o artigo 73.° do RGEU, inserido já no capítulo III, “Disposições interiores das edificações e espaços livres” estabelece que «As janelas dos compartimentos das habitações deverão ser sempre dispostas de forma que o seu afastamento de qualquer muro ou fachada fronteiros, medido perpendicularmente ao plano da janela e atendendo ao disposto no artigo 75.°, não seja inferior a metade da altura desse muro ou fachada acima do nível do pavimento do comportamento, com o mínimo de 3 metros. Além disso não deverá haver a um e outro lado do eixo vertical da janela qualquer obstáculo à iluminação a distância inferior a 2 metros, devendo garantir-se, em toda esta largura, o afastamento mínimo de 3 metros acima fixado” determinando-se no art° 75° que “sempre que nas fachadas sobre logradouros ou pátios haja varandas, alpendres ou quaisquer outras construções, salientes das paredes, susceptíveis de prejudicar as condições de iluminação ou ventilação, as distâncias ou dimensões mínimas fixadas no art° 73° serão contadas a partir dos limites extremos dessas construções”.

Portanto, a lei prevê diferentes distâncias para as fachadas e incluídas em diferentes capítulos. A inserção sistemática do art° 60° e a remissão nele feita para o art° 59° indica-nos a sua abrangência às fachadas principais das edificações, regendo para as laterais o art° 73°, norma relacional que atende à posição relativa das construções confinantes.

No Ac. do STA Proc. nº 48156, de 15-01-2002, in www.dgsi.pt expenderam-se razões importantes no sentido deste entendimento de que o artigo 60.° do RGEU não se aplica às fachadas laterais das edificações urbanas mas tão só às fachadas principais, como se transcreve:

Desde logo o próprio texto do artº 60º do REGEU, ao falar em “fachadas” aponta nesse sentido: trata-se da fachada principal da edificação, considerada na sua posição relativa face à edificação fronteira.

Por outro lado, o argumento sistemático que se extrai do artº 59 do mesmo RGEU, o qual, fora de qualquer dúvida razoável, ao falar em “fachada” tem apenas em mente a fachada anterior (e não a posterior ou laterais): se o termo “fachada” fosse porventura utilizado, no artº 60º, em sentido diferente, seria razoável que houvesse uma indicação clara nessa direcção, e o texto do preceito não a fornece.

Depois porque - argumento este de natureza teleológica - o próprio título do RGEU onde se integra a disposição agora em causa, do artº 60º (bem como a do artº 59º), o título III, subordina-se à epígrafe “Condições especiais relativas à salubridade das edificações e dos terrenos de construção”, nela se compreendendo, para além do abastecimento de água e a evacuação inofensiva de esgotos, aspectos que ao caso não interessam, o arejamento, iluminação natural e exposição prolongada à acção directa dos raios solares (artº 59º), sendo por outro lado evidente que, atendendo a semelhantes finalidades, o afastamento das fachadas laterais das edificações só interessam na medida em que nelas se encontram vãos de compartimentos de habitação, em particular janelas.

 Só que, nos termos do artº 73º do mesmo diploma, as janelas dos compartimentos das habitações devem estar sempre dispostos com determinado afastamento de qualquer muro ou fachada fronteiras, nunca ele podendo ser inferior a 3 metros.

 Mas, sendo assim, quedaria sem justificação o afastamento mínimo de dez metros que resultaria da interpretação que agora se repudia e que se filiaria, segundo agora se pretende, do artº 60º.

Finalmente, diga-se que apenas o entendimento que se perfilha permite a harmonização da solução que ela encerra com a do Código Civil.

Movendo-se embora este Código em plano diferente do RGEU - aquele no âmbito das relações privadas e este último no âmbito das relações administrativas tendo por objecto as edificações urbanas - aquele Código impõe apenas ao proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção a obrigação de não abrir janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio (artº. 1360º, nº 1, do aludido Código).

 Assim, movendo-se embora, como se disse, em planos diferentes, o RGEU e o Código Civil, resultaria absurda, atendendo à unidade do sistema jurídico, a proibição do artº 1360º nº 1 do Código Civil, quando o RGEU, em resultado da interpretação que se não acolhe e resultante do artº 60º, sempre obstaria a construções com intervalos inferiores a 10 metros.

 O que tudo conflui para o entendimento segundo o qual o disposto no artº 60º do RGEU (tal como no artº 59 do mesmo) não é aplicável às fachadas laterais das edificações urbanas.”

Esta tese constitui jurisprudência largamente maioritária do Supremo Tribunal Administrativo.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2015

Ana Lucinda Cabral 
[1]Processo n.º 0939/03, disponível em www.dgsi.pt.