Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1804/11.4TVLSB.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: GRUPO DE SOCIEDADES
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE COLECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Num grupo de sociedades em que uma delas é destinada à aquisição de produtos aos fornecedores para serem partilhados com as restantes sociedades do grupo e que vem a ficar sem bens nem meios para cumprir sozinha as dívidas aos fornecedores por essa aquisição, existe abuso de personalidade colectiva, que permite a sua desconsideração e a responsabilização das restantes sociedades do grupo pelo pagamento aos fornecedores dos produtos assim adquiridos e que estas últimas passaram a utilizar.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



RELATÓRIO:



S…, Lda intentou contra acção declarativa com processo ordinário contra:
1. FL…, SA
2. FD…, Lda
3. FG…, SA
4. FA…, Lda,
alegando, em síntese, que, no exercício da sua actividade de importação, exportação, representação e comercialização de produtos e serviços informáticos, prestou vários serviços à ré FL… entre os anos de 2006 e 2010 e, por esta ser devedora do valor de várias facturas não pagas, em 9/09/2010 foi celebrado um acordo de pagamentos, em que esta ré confessou a dívida e se comprometeu a pagá-la em prestações, tendo, porém, pago apenas a primeira prestação e ficando em dívida a quantia não paga de 68 752,94 euros e respectivos juros, no valor global de 73 168,20 euros.

Alegou também que a ré FG… é um grupo de empresas que engloba as outras três rés, integrando 100% do capital social das rés FL… e FA…, sendo dois administradores da ré FG… membros do conselho de administração da ré FL… e tendo a autora sentido, nas suas relações com as rés, que a delimitação da personalidade jurídica de cada uma delas era confusa, pois vários pagamentos de facturas da FL… lhe foram efectuados pelas outras rés, foi-lhe apresentada um pedido de trabalho pela ré FD… que foi adjudicada em nome da FL…, sendo posteriormente todos os contactos efectuados através de colaboradores da FD…, com a utilização de emails desta ré e da ré FG…, efectuando a autora o depósito de cheques emitidos pela ré FL… só depois de a ré FD… confirmar que a conta bancária da FL… já havia sido provisionada para o efeito e acontecendo que nas comunicações trocadas entre a autora e responsáveis da ré FD… era esta e não a ré FL… que comunicava a intenção e promessas de pagamento, ao ponto de ser junto dos colaboradores da FD… que a autora pressionava o pagamento das facturas emitidas à FL…, verificando-se que, no seu sítio da internet, a ré FD… menciona como produto por si utilizado um programa desenvolvido pela autora para a ré FL….

Alegou ainda que instaurou uma acção executiva contra a ré FL… e, por ter sido devolvida a carta de citação, foi o agente de execução à sede da executada, onde mais uma vez houve recusa de recebimento da citação com a indicação de que as instalações em causa pertenciam à sociedades FD… e não à executada, após o que, apurada uma nova morada em Faro, aí foi efectuada a citação sem qualquer oposição, mas, não sendo encontrados bens penhoráveis para além de um saldo bancário de 76,80 euros, deslocou-se o agente de execução à morada da citação em Faro, onde deparou com instalações que funcionam como sede de escritórios virtuais, onde apenas é recebida e emitida correspondência, sendo a correspondência que aí é recebida pela FL… enviada para a primeira morada que é a sede da FD… e onde foi recusada a citação da FL….

Mais alegou que face a estes factos e à inexistência de património da ré FL…, se tem de concluir que a personalidade jurídica das sociedades rés é usada de modo ilícito e abusivo para prejudicar terceiros como é o caso da autora, sendo aquela ré instrumentalizada para que as restantes obtenham os seus objectivos, beneficiando dos serviços de terceiros sem ficarem obrigadas ao correlativo pagamento, devendo, portanto, ser desconsiderada a personalidade jurídica das rés, responsabilizando-se todas pelo pagamento da obrigação da ré FL… à autora.
   
Concluiu pedindo.
(a) que seja desconsiderada a personalidade jurídica das rés, devendo estas ser condenadas solidariamente pelo pagamento da dívida à autora;
(b) caso assim não se entenda, deverá ser desconsiderada a personalidade jurídica das rés e serem os administradores condenados ao pagamento da dívida à autora.

As rés contestaram alegando que actualmente o capital social das 1ª, 2ª e 4ª rés é detido pela 3ª ré, FG…, sendo o capital social desta detido por três pessoas singulares e por dois Fundos de Capital de Risco e que, tendo a autora estabelecido relação comercial apenas com a ré FL…, nunca houve qualquer intenção de a prejudicar, ou de prejudicar terceiros, não existindo nenhum uso ilegal ou abusivo do grupo societário, nem causa de pedir, impugnando a contestante os factos alegados na petição inicial nesse sentido.

Alegou ainda que as dificuldades económicas da ré FL… datam já desde 2008, como é do conhecimento da autora e que esta ré tem um papel de partilha de serviços pelas restantes empresas do grupo, para responder à necessidade de uniformização nos produtos comercializados por todas, só podendo as empresas do grupo comercializar os produtos desenvolvidos ou distribuídos pela ré FL…, os quais lhes são transmitidos com o necessário suporte documental e contratual e não por confusão de patrimónios, assim como não há qualquer confusão nas comunicações e nos pagamentos, nos quais teve intervenção apenas a ré FL….

Mais alegou que a ré FL… transferiu para Faro a sua sede em 30/12/2010 por razões de conveniência de custos, sendo-lhe vantajoso ter implantação num local onde estão baseados diversos consultores relevantes para o seu mercado, usando, porém, as instalações do centro de empresas de acordo com um critério de racionalidade e de redução de custos, sendo aí contactáveis os seus representantes e sendo para aí remetida a correspondência da FL…, mas não tendo sido aceite a citação desta ré neste local, por na altura não se encontrarem os seus representantes e tendo sido entendido que, para uma citação judicial, seria necessário ser feita na pessoa dos representantes, já que não era aí a sua sede social. 
 
Concluíram alegando que não existem fundamentos para a pedida desconsideração da personalidade jurídica das rés e pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido.

A autora replicou opondo-se à excepção de falta de causa de pedir.

No despacho saneador foi declarada a inexistência de nulidades e a legitimidade das partes.

Na sequência de informação sobre a dissolução e liquidação da ré FA… com data de 30/12/2012, foi proferido despacho que considerou a ré extinta substituída pela sua única sócia, a ré FG…, nos termos do artigo 269º nº1 a) do CPC. 

Procedeu-se a julgamento, no decurso do qual se apurou ter sido a ré FL… declarada insolvente por sentença não transitada em julgado.

Findo o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou as rés FL…, FD… e FG… a pagar à autora a quantia de 73 168,20 euros acrescida de juros de mora desde 31/08/2011 sobre 68 752,94 euros às taxas legais.
                                                            
Inconformadas, as rés interpuseram recurso e alegaram, formulando conclusões, onde levantam as seguintes questões:

-deve ser alterada a decisão da matéria de facto, considerando-se não provados os artigos 2º, 3º, 7º, 8º e 10º da BI e alterada a resposta ao artigo 5º da BI;
-o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é excepcional e subsidiário e, neste caso, a autora poderia ter recorrido ao disposto no artigo 78º nº2 do CSC para se ressarcir dos montantes devidos pela ré FL…, em vez de optar por pedir a desconsideração da personalidade jurídica das rés FG… e FD…;
-de qualquer forma, não estão reunidos os pressupostos para a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, pois não se provou que houve abuso da personalidade e da responsabilidade limitada, nem que as rés tiveram actuação dolosa ou fraudulenta;
-desde Abril de 2013 que a ré FD… é detida por D… SGPS, SA e já não pela ré FG….   
                                                          
A autora contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e este foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
                                                          
As questões a decidir são:

I) Impugnação da matéria de facto.
II) Transmissão das quotas da ré FD….
III) Desconsideração da personalidade colectiva das rés e sua responsabilidade solidária perante a autora. 
                                                           
FACTOS.

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

1-A A. dedica-se, no âmbito da sua actividade comercial, à importação, exportação, representação e comercialização a retalho de produtos e serviços informáticos (alínea A) da Matéria de Facto Assente).
2-A R. FL…, SA, dedica-se à produção, comercialização, representação, importação e exportação de hardware e software, prestação de serviços na área informática, designadamente consultoria, formação e assistência técnica, exploração de meios e equipamentos informáticos com acesso à internet, projectos de consultoria, fiscalização e coordenação em gestão de frotas, produção, distribuição e comercialização de publicações específicas para o mercado automóvel (alínea B) da Matéria de Facto Assente).
3-A R. FL…, SA possui um capital social de € 50.000,00 (alínea C) da Matéria de Facto Assente).
4-O Conselho de Administração do R. FL…, SA, é actualmente constituído por LC…, como Presidente, RN…, como Vice-Presidente e MF…, como Vogal (alínea D) da Matéria de Facto Assente).
5-A R. FD…, Lda, dedica-se à produção, comercialização, exportação, importação e representação de publicações e produtos e equipamentos informáticos, prestação de serviços, consultoria e formação nas áreas de vendas, marketing, publicidade, informática e automóvel, prestação de serviços de informação de apoio à gestão (alínea E) da Matéria de Facto Assente).

6-No artigo 3º do contrato de sociedade da R. FD…, Lda, outorgado em 26/11/08, consta:
«Um – O capital social é de seis mil euros, encontra-se integralmente realizado e corresponde à soma de três quotas, iguais, do valor nominal de dois mil euros, todas tituladas em nome da sociedade “FG…, SA”» (alínea F) da Matéria de Facto Assente).

7-Pela Ap. 80/20070711 foi inscrito na Conservatória do Registo Comercial como fazendo parte do Conselho de Administração da R. FG…, SA, LC…, como Presidente e Administrador Executivo, RN… como Administrador Executivo, MF… e CP… como Administrador Não Executivo, tendo este último renunciado ao cargo em 12/10/2010 (alínea G) da Matéria de Facto Assente).

8-Do site da Internet da FG…, SA, consta:
«A FG… é um grupo de empresas especializadas no fornecimento de informação, consultoria e soluções para os diversos intervenientes do sector automóvel, potenciando o Know-how e best practises entre as respectivas áreas de negócios e países» (alínea H) da Matéria de Facto Assente).

9-As RR. fazem parte do mesmo grupo económico (alínea I) da Matéria de Facto Assente).
10-A R. FA…, Lda, dedica-se à prestação de serviços de apoio a empresas, nomeadamente consultoria, auditoria, formação, licenciamento de software especializado e outsourcing na área da gestão de frotas (alínea J) da Matéria de Facto Assente).

11-Consta do artigo 3º do contrato de sociedade da R. FA…, Lda:
«O capital social é de cinco mil euros, encontra-se integralmente realizado em dinheiro e corresponde à soma de duas quotas, a primeira, no valor nominal de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) e a segunda, do valor nominal de € 500,00 (quinhentos euros), ambas pertencentes à sócia “FG…, SA”» (alínea K) da Matéria de Facto Assente).

12-No exercício da sua actividade comercial, entre 2006 e 2010, a A. prestou serviços à R. FL…, SA, na área da informática (alínea L) da Matéria de Facto Assente).

13-Em 5 de Março de 2010, a A. enviou à R. FL…, SA a carta cuja cópia consta de fls 60, da qual consta:
«(...)
Assunto: ASSUNTO: Cessação de Prestação de Serviços
Exmos. Senhores,
Verificando que no âmbito da prestação de serviços que temos vindo a realizar a V. Exas. se encontram em dívida 143.362,50 EUR (iva Incluído), aos quais acrescem 7.350,00 EUR ainda não vencidos, e tendo em conta ainda que o prazos de pagamento das facturas em causa já se encontram há muito vencidos, no caso da mais antiga há cerca de 14 meses, e tendo em conta por fim que não foi efectuada até ao momento qualquer proposta de pagamentos que permita amortizar os valores em dívida, vimos pela presente Informar V. Exas. que não temos condições para continuar a fornecer os serviços contratados.
Efectivamente a continuação da prestação de serviços, sem a amortização da dívida já vencida, implica para a S… um acréscimo de responsabilidades que esta não pode de todo suportar.
Assim sendo, informamos V. Exas. que caso não seja por vós apresentada uma proposta de redução da divida, e/ou garantia adicional de pagamento dos valores já vencidos, seremos obrigados a, no prazo de 10 dias, suspender a prestação dos serviços em causa (...)» (alínea M) da Matéria de Facto Assente).

14-A A. emitiu as seguintes facturas relativas a serviços prestados à R. FL…, SA:
-factura nº 2727, emitida em 1/9/09, no valor de € 5.662,50, com o prazo de vencimento de 30 dias;
-factura nº 2765, emitida em 1/9/09, no valor de € 14.250,00, com o prazo de vencimento de 30 dias, tendo sido pago € 6.637,50;
-factura nº 2790, emitida em 2/11/09, no valor de € 15.637,50, com o prazo de vencimento de 30 dias;
-factura nº 2835, emitida em 4/12/09, no valor de € 12.487,50, com o prazo de vencimento de 30 dias;
-factura nº 2871, emitida em 5/1/10, no valor de € 9.900,00, com o prazo de vencimento de 30 dias;
-factura nº 2894, emitida em 3/2/10, no valor de € 11.812,50, com o prazo de vencimento de 30 dias;
-factura nº 2911, emitida em 1/3/10, no valor de € 7.350,50, com o prazo de vencimento de 30 dias e
-factura nº 2923, emitida em 23/3/10, no valor de € 4.500,50, com o prazo de vencimento de 30 dias (alínea N) da Matéria de Facto Assente).

15-A A. enviou à R. FL…, SA, as facturas aludidas em N) (alínea O) da Matéria de Facto Assente).

16-Em 9/5/10, a A. e a R. FL…, SA, subscreveram o documento de fls 69 e 70, intitulado “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, do qual consta:
«(...)
É celebrado e mutuamente aceite o presente contrato, nos seguintes termos:

A Segunda confessa-se devedora à Primeira da quantia de € 74.962,50 (setenta e quatro mil novecentos e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), referente às Facturas nº 2777, nº 2765, nº 2790, nº 2835, nº 2871, nº 2894, nº 2911 e nº 2923, emitidas pela Primeira, por conta da prestação de serviços à Segunda.

A quantia mencionada na cláusula primeira será paga em 12 (doze) prestações, no valor unitário de € 6.246,88 (seis mil duzentos e quarenta e seis euros e oitenta e oito cêntimos) cada, vencendo-se a primeira prestação a 10 de Outubro de 2010, a segunda e terceira prestações no dia 10 de Novembro de 2010 e as restantes no último dia de cada mês subsequente, até efectivo e integral pagamento.

1.O pagamento será efectuado mediante a emissão, pela Segunda, de 12 cheques, três dos quais são entregues com a assinatura do presente acordo sendo os restantes nove entregues até ao dia 17 de Setembro de 2010.
2.A Primeira, mensalmente, dará a respectiva quitação após boa cobrança dos referidos 5 cheques.
(...)» (alínea P) da Matéria de Facto Assente).

17-A R. FL…, SA procedeu ao pagamento da 1ª prestação, no valor de € 6.246,88 (alínea Q) da Matéria de Facto Assente).
18-A R. FL…, SA emitiu os cheques nºs 53581616 e 53581617, sacados sob a Caixa Económica Montepio Geral, destinados, respectivamente, ao pagamento das 2ª e 3ª prestações aludidas em P), no valor cada um de € 6.246,88, os quais, apresentados a pagamento, foram devolvidos por falta de provisão (alínea R) da Matéria de Facto Assente).
19-Em consequência da devolução dos cheques aludidos em R), a A. suportou despesas bancárias no valor de € 37,32 (alínea S) da Matéria de Facto Assente).
20-Entre 2007 e 2010, a A. desenvolveu os projectos de software nos termos que constam dos documentos juntos aos autos de fls 84 a 160 (alínea T) da Matéria de Facto Assente).
21-As facturas para pagamento dos serviços aludidos em T) foram emitidas em nome da R. FL…, SA. (alínea U) da Matéria de Facto Assente).
22-A factura nº 2006.1456 relativa a serviços prestados à R. FL…, SA, foi paga pela R. FG…, SA (alínea V) da Matéria de Facto Assente).

23-Em 08/08/2008, foi enviado à A. o e-mail que se encontra junto a fls 166, tendo como remetente dm…FG…, contendo em anexo o documento de fls 167, tendo aquele o seguinte teor:
«(...)
Liquidação FT 2061
(..) Informamos que procedemos hoje à transferência para a V/conta bancária do montante de € 9.271,63, conforme comprovativo que junto enviamos, para liquidação da factura acima indicada (..)» ( alínea W) da Matéria de Facto Assente).

24-Em 15/04/2009, foi enviado à A. o e-mail que se encontra junto a fls 169, tendo como remetente dm…FG…, contendo em anexo o documento de fls 170, tendo aquele o seguinte teor:
«(...)
Facturas Pendentes de Pagamento
(...) Foi feito um pagamento na sexta-feira dia 3 de Abril que, contudo, apenas foi processado pelo banco com data de 6 de Abril (junto comprovativo da transferência em causa). Este pagamento, no valor de € 6.397,88 respeita á v/ FT 2248 (..) (alínea X) da Matéria de Facto Assente).

25-Em 5 de Novembro de 2009 foi enviado à A. o e-mail que se encontra junto a fls 172, tendo como remetente tl…FG…, contendo em anexo os documentos de fls 173 a 176, tendo aquele o seguinte teor:
« (...)
O pagamento à S… foi efectuado hoje. Junto segue comprovativo das transferências efectuadas, no montante total de € 37.275 (..) » (alínea Y) da Matéria de Facto Assente).

26-Dos documentos de fls 170 e de fls 173 a 176, consta como nome do ordenante da transferência “FA…, Lda” (alínea Z) da Matéria de Facto Assente).
27-Foram enviados à A. os e-mails de fls 182 a 219, dando-se o seu teor por integralmente reproduzido (alínea AA) da Matéria de Facto Assente).

28-Consta do site da internet da R. FD…, Lda:
«(...)
Produtos
(..)
MSbook
Aplicação que permite a estimativa de custos de manutenção preventiva e correctiva dos automóveis novos e usados.
Aplicação para estimativa de custos de manutenção preventiva e corretiva de automóveis ligeiros de passageiros e comerciais ligeiros, quaisquer que sejam os prazos e a quilometragem da sua utilização.
(..)
Disponível em formato:
- ficheiro;
- on-line (..)» (alínea AB) da Matéria de Facto Assente).

29-Pela Ap. 53/20110201 foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial alteração da sede da R. FL…, SA, constando que a mesma passou a ser na Rua …, n°, 1° andar, em Faro (alínea AC) da Matéria de Facto Assente).

30-Foi outorgado entre a R. FL…, SA e a sociedade A – Algarve…, Unipessoal, Lda, o documento cuja cópia consta de fls 272 a 276, intitulado “Contrato”, do qual consta:
«Entre
“Primeiro Outorgante
A – Algarve…, Unipessoal, Lda”m sociedade com sede na Rua… Faro (...)
Segundo Outorgante
FL…, SA
(...)
É celebrado o presente contrato que se rege pelas cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira
(Actividade)
O Algarve… de que a Primeira Outorgante é gestora dedica-se essencialmente à prestação de serviços de apoio à actividade empresarial e a profissionais liberais especialmente na área administrativa prestando estes serviços no 1º andar do edifício sito na Rua…, em Faro.
Cláusula Segunda
(Objecto)
Constitui objecto do presente contrato de serviços à Segunda Outorgante, no espaço Algarve…, sito na Rua…, em Faro, de apoio à actividade comercial desta, conforme a seguir se discrimina:
Secretariado no apoio à actividade desenvolvida pela Segunda Outorgante, em especial, na recepção, filtragem ou transmissão de mensagens pessoais, telefónicas, por telefax, ou outro meio;
Serviços de dactilografia ou similares
Recepção, emissão e expedição de correspondência;
Utilização de telefones, aparelhos de telefax, fotocopiadora e impressora;
Recepção e atendimento de quaisquer entidades que pretendam contactar com a Segunda Outorgante;
Outros Serviços, a ajustar pontualmente entre as partes outorgantes e dependentes das necessidades da Segunda Outorgante e das possibilidades da Primeira Outorgante. Cláusula Terceira (Local de prestação dos serviços)
Os serviços mencionados na cláusula anterior serão prestados no 1º andar do prédio acima identificado e durante o período diário das 9 às 13 e das 14 às 18 horas de segunda a sexta-feira, com excepção dos dias feriados.
(...)» (alínea AD) da Matéria de Facto Assente).

31-Foram enviados à A. os e-mails cujas cópias constam de fls 201, 202 e 208 a 216 e que a A. efectuava o depósito dos cheques após confirmação que a respectiva conta bancária já havia sido provisionada (resposta ao artigo 2° da Base Instrutória).
32-A fim de solicitar o pagamento das facturas emitidas pela A. por serviços prestados a mesma comunicava com DM… e TL…, tendo a primeira celebrado com a R. FG…, em 18 de Junho de 2007, contrato de trabalho nos termos que constam do documento de fls 441 a 445 e a segunda tido como entidade patronal inicialmente FA…, a qual, em 11 de Agosto de 2006, cedeu a sua posição contratual a FG… e que esta, em 26 de Dezembro de 2007, cedeu a sua posição contratual em ambos os contratos à R. FG… e ainda que as referidas funcionárias prestavam serviços a todas as RR. (resposta ao artigo 3° da Base Instrutória).
33-Em Fevereiro de 2006 a A. desenvolveu um projecto de software por solicitação da R. FD… (resposta ao artigo 5° da Base Instrutória).
34-Em 22 de Agosto de 2006, em resposta ao e-mail da A. cuja cópia consta de fls 407, foi enviado à mesma o e-mail cuja cópia consta igualmente de fls 407 (resposta ao artigo 6° da Base Instrutória).
35-A correspondência dirigida à R. FL… é enviada para a morada correspondente à sede da R. FD… (resposta ao artigo 7° da Base Instrutória).
36-Todos os serviços das RR. FL…, FG… e FD… funcionavam na Avenida I…, n° , 11° Dto, em Lisboa (resposta ao artigo 8° da Base Instrutória).
37-Para além em 45-, a R. FL… não possui bens móveis ou imóveis, nem quaisquer outras quantias monetárias ou direitos susceptíveis de penhora (resposta ao artigo 9º da Base  Instrutória).
38-A R. FL… tem o objecto social aludido na alínea B) da Matéria de Facto Assente e a mesma no exercício da sua actividade adquire licenças de produtos produzidos por outras empresas a fim de serem distribuídas para empresas do mesmo grupo económico a que aquela pertence (resposta aos artigos 11º e 12º da Base Instrutória).
39-As facturas aludidas nos e-mails referidos nas alíneas W) a Y) foram pagas através de transferência bancária efectuada a partir uma conta na qual consta como titular a R. FL… (resposta ao artigo 13º da Base Instrutória).
*

Atento o teor da certidão dos Autos de Execução nº 26511/10.1T2SNT a correr termos pelo Juízo de Execução do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste-Sintra, encontram-se ainda provados os seguintes Factos:
40-A A. instaurou contra a R. FL… acção executiva com vista ao pagamento da quantia de € 68.804,97, a qual corre termos no Juízo de Execução do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste-Sintra-sob o nº 26511/10.1T2SNT.
41-Nos aludidos autos de execução foi expedida carta registada com vista à citação da ora R., a qual foi devolvida com a menção “Não Reclamada”.
42-No âmbito da aludida execução, a Agente de Execução deslocou-se ao Edifício …, em Lisboa, com vista à citação da R. FL…, diligência que se frustrou, devido a ali ter sido alegado que as instalações em causa pertenciam à R. FD….
43-A R. FL… veio a ser citada na aludida execução na Rua …, em Faro.
44-Nos identificados autos de execução não foi deduzida oposição pela ali executada.
45-Nos identificados autos apenas foi penhorada a quantia de € 76,80.
                                                           
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I) Impugnação da matéria de facto:
As apelantes pretendem que sejam considerados não provados os artigos 2º da BI (ponto 31), 3º da BI (ponto 32), alterada a resposta ao artigo 5º da BI (ponto 33) e não provados os artigos 7º da BI (ponto 35), 8º da BI (ponto 36) e 10º da BI.

É a seguinte a redacção dos referidos artigos da BI e respectivas respostas:

Artigo 2° da Base Instrutória – A autora apenas efectuava o depósito dos cheques emitidos pela ré Fl… após confirmação pela ré FD… de que a conta bancária daquela já havia sido provisionada para o efeito?
Resposta (ponto 31) - Foram enviados à A. os e-mails cujas cópias constam de fls 201, 202 e 208 a 216 e que a A. efectuava o depósito dos cheques após confirmação que a respectiva conta bancária já havia sido provisionada.

Artigo 3° da Base Instrutória – A fim de solicitar o pagamento das facturas emitidas por serviços prestados à ré FL…, a autora apenas comunicava com os funcionários da ré FD…? 
Resposta (ponto 32) - A fim de solicitar o pagamento das facturas emitidas pela A. por serviços prestados a mesma comunicava com DM… e TL…, tendo a primeira celebrado com a R. FG…, em 18 de Junho de 2007, contrato de trabalho nos termos que constam do documento de fls 441 a 445 e a segunda tido como entidade patronal inicialmente FA…, a qual, em 11 de Agosto de 2006, cedeu a sua posição contratual a FG… e que esta, em 26 de Dezembro de 2007, cedeu a sua posição contratual em ambos os contratos à R. FG… e ainda que as referidas funcionárias prestavam serviços a todas as RR..

Artigo 5° da Base Instrutória – Em Fevereiro de 2006 a autora desenvolveu um projecto de software a fim de ser utilizado pela ré FD…?
Resposta (ponto 33) - Em Fevereiro de 2006 a A. desenvolveu um projecto de software por solicitação da R. FD….

Artigo 7° da Base Instrutória – Toda a correspondência recepcionada na morada aludida em AB) é reencaminhada para a morada correspondente à sede da FD…?
Resposta (ponto 35) - A correspondência dirigida à R. FL… é enviada para a morada correspondente à sede da R. FD….

Artigo 8° da Base Instrutória – Todos os serviços da ré FL … e FG… funcionavam no local da sede da ré FD…?
Resposta (ponto 36) - Todos os serviços das RR. FL…, FG… e FD… funcionavam na Avenida I…, n° , 11° Dto, em Lisboa.

Artigo 10º da BI – As rés solicitaram à autora a emissão das facturas destinadas ao pagamento de serviços prestados à ré FD… em nome da ré FL … com o objectivo de impedir que a autora obtivesse o pagamento de tais facturas?
Resposta – Não provado.

No que diz respeito ao artigo 2º da BI, alega a apelante que a resposta que lhe foi dada induz à falsa conclusão de que a conta aprovisionada não seria da ré FL…, mas sim da ré FD….

Independentemente de se apreciar em seguida, a propósito da impugnação do artigo 3º da BI, de quem eram formalmente funcionárias as duas pessoas com quem a autora comunicava nos mails mencionados na resposta ao artigo 2º, a verdade é que, do conteúdo destes mails não se consegue retirar quem era a entidade que havia emitido os cheques em apreço, não podendo ser os cheques emitidos pela FL… de fls 71 a 74, pois esses (mencionados no ponto 18 dos factos) são de Outubro de 2010 e os mails de que aqui se trata são de Abril de 2010.

Também o depoimento das testemunhas DM… e TL… não são suficientes para convencer que os pagamentos efectuados à autora foram sempre todos efectuados pela FL…, tendo em atenção a indefinição resultante do conteúdo desses mails, em que estas duas funcionárias tinham endereços de email da FG… e assinatura da FD… e, embora declarassem em audiência que o seu vínculo era só com a FL…, é patente a indefinição da proveniência dos cumprimentos, face à igual indefinição do titular dos projectos desenvolvidos pela autora, como se vê dos projectos de fls 84 e seguintes (ponto 20 dos factos) e como se vê também do mail de fls 408, com o assunto “facturação projectos FD…” enviado por PV…, com o endereço FG…, a um funcionário da autora (a testemunha HP…), com o seguinte texto “(…) os dados para a facturação são os mesmos das últimas facturas, que creio que vocês já têm – FL…, etc (…)”.

Deverá, portanto, manter-se a redacção do ponto 31.

Relativamente à resposta ao artigo 3º da BI, constante do ponto 32 dos factos, discordam as apelantes que aí não se tivesse consignado que as duas funcionárias aí referidas trabalhavam para a FL….

Efectivamente, a resposta a este artigo contém um manifesto lapso, pois, dos documentos de fls 441 e sgts, 446 e gts, 448 e sgts e 450 e sgts e 454 e sgts, resulta que a testemunha DM… celebrou contrato de trabalho com a FG… em 18/06/2007 e passou para a FL… em 1/01/2008 e a testemunha TL… iniciou a sua relação de trabalho com a FA…, em 1/09/2006 passou para a FG… e em 1/01/2008 passou para a FL…, situações estas que foram confirmadas em audiência pelas testemunhas.

Deverá, portanto, ser alterado o conteúdo do ponto 32 em conformidade, mas mantendo-se o referido na sua parte final, no sentido de que estas duas testemunhas prestavam serviços a todas as rés, face à já mencionada indefinição nas fronteiras das áreas de actividade de cada uma das rés e dos respectivos funcionários.
Veja-se, por exemplo o mail de fls 201, de 3/02/2010 da testemunha TL… para uma funcionária da autora (a testemunha TR…) em que justifica o atraso no pagamento de uma factura da autora dizendo “(…) o atraso nos recebimentos de clientes aliado ao aumento das necessidades de Dezembro (…) não nos permitiu cumprir com o pagamento a fornecedores previsto para Janeiro (…)”, não podendo deixar de se interpretar esta comunicação como referindo-se aos clientes da FD… e não da FL…, pois, como resulta do depoimento das várias testemunhas arroladas pelas rés e, em particular, das testemunhas DM… e TL…, os serviços prestados pela FL… destinavam-se à FD… (e a outras FD… sediadas no estrangeiro), não lidando com clientes finais, sendo a FD… que tinha as funções comerciais e recebia os pagamentos dos clientes finais.

Quanto ao artigo 5º da BI, cuja resposta constitui o ponto 33, entendem as apelantes que deveria ficar consignado que os projectos eram para ser utilizados pela FD…, mas não foram por ela solicitados.
 
Ouvidos os depoimentos das testemunhas RG…, RS… (o primeiro responsável pela FD… em Portugal até 2010 e o segundo comercial e responsável da FD…, antes de ser director de operações e produtos da FL… até 2010), DM… e TL… (responsáveis da área financeira, primeiro na FA… e na FG… e depois na FL… até 2010), por todos foi declarado que os projectos desenvolvidos pela autora eram contratados pela ré FL…, que tinha como actividade obter dos fornecedores estes e outros produtos, os quais depois partilhava ou distribuía pelas outras empresas do grupo, entre as quais a FD…, a quem se destinavam os produtos da autora, pois era esta última ré que tinha a actividade comercial e contactava com os clientes finais.

Mas estes depoimentos não foram consistentes, face à extensa prova documental, que demonstra que muitos dos projectos desenvolvidos pela autora foram directamente acordados com a FD….

Na verdade, o documento 21.1 da petição inicial (fls 87 e seguintes), a que as apelantes recorrentemente se referem, contém, efectivamente um projecto dirigido à FL… e por esta assinada em 27/06/2008.

Mas, dos documentos juntos aos autos, é o único, ao contrário das situações atestadas a fls 84 (com declaração de aceitação do projecto pela FD… de 24/07/2007), fls 85 (com aceitação do projecto pela FD… de 26/05/2008), de fls 86 (com declaração de aceitação pela FD…, de 17/03/2008), situações estas que estão dadas como provadas no ponto 20 dos factos.

Quanto ao projecto de Fevereiro de 2006, a que se refere o artigo 5º da BI, embora não tenha sido junto, foi considerado provado pela decisão recorrida com base nos documentos de fls 400 a 408, o que se acompanha, pois estes constituem mails trocados entre Dezembro de 2005 e Agosto de 2006, entre a mesma pessoa que assinou os outros projectos na qualidade de representante da FD… e o consultor informático da autora (a testemunha HP…), em que se referem a este projecto como sendo da FD… e, no que respeita à facturação, são dadas instruções para ser facturado em nome de FL… (fls 408).

A mencionada testemunha HP…, consultor informático da autora e a testemunha DB…, que na altura também era consultora informática da autora, descreveram como desenvolveram os respectivos projectos sempre com a convicção de que os mesmos se destinavam à FD… e que era sempre em nome desta que os seus interlocutores lhes davam instruções para as especificações dos produtos, tendo sido também dadas instruções à testemunha HP… para a facturação ser em nome da FL…, declarações confirmadas pelo mail de fls 408.

Também as testemunhas TR…, MO… e RE… (a primeira directora do departamento administrativo da autora e os segundo e terceiro analistas informáticos que trabalharam nos projectos por conta da autora nas instalações comuns das rés na Av. I…) confirmaram a convicção geral da equipa da autora de que era a ré FD… a “dona da obra” no que respeitava aos projectos desenvolvidos pela autora, alimentada pela postura dos vários funcionários das rés.

Por outro lado, os contratos de fls 343 e seguintes, traduzidos a fls 710 e seguintes, celebrados entre a ré FL… e as restantes rés, fixando o valor a pagar por estas últimas pela utilização dos produtos adquiridos pela primeira, não são também suficientes para concluir que todos os projectos desenvolvidos pela autora foram efectivamente adquiridos pela ré FL…, já que nenhuma prova foi feita do efectivo pagamento efectuado pela FD… à FL… e não tendo sido nunca esclarecida a questão da titularidade dos produtos, agora que esta está em processo de insolvência e a aquela os utiliza, auferindo os respectivos rendimentos, como resulta do seu site da internet e ficou provado no ponto 28 dos factos.
 
Deverá, assim, permanecer provado o ponto o ponto 33, mas acrescentando-se o esclarecimento de que foram dadas instruções à autora para facturar o trabalho à ré FL….

Passando ao artigo 7º da BI, cuja resposta corresponde ao ponto 35, verifica-se do artigo 73º da contestação que as rés ora apelantes aceitaram que a correspondência da ré FL… dirigida para a sua nova sede em Faro é remetida para a sede das restantes rés, pelo que este facto se encontra provado por acordo das partes.

O facto constante do artigo 8º da BI, a que corresponde o ponto 36, também está admitido por acordo das partes e foi confirmado, não só por documentos respeitantes ao registo das rés, mas também, à saciedade, por todas as testemunhas ouvidas em audiência, não havendo razão para ser alterado.

Finalmente, o artigo 10º da BI foi julgado não provado, pelo que, sem prejuízo do esclarecimento que ora se vai acrescentar à resposta ao artigo 5º da BI, a impugnação das apelantes nesta matéria não tem cabimento.

Deste modo, se decide alterar a redacção dos pontos 32 e 33 dos factos provados nos termos acima expostos, passando estes pontos a ter a seguinte redacção:
Ponto 32A fim de solicitar o pagamento das facturas emitidas pela autora por serviços por serviços prestados, a mesma comunicava com DM… e TL…, tendo a primeira iniciado a sua relação de trabalho com a FG… em 18/07/2007 e passado para a FL… em 1/01/2008 e tendo a segunda iniciado a sua relação de trabalho com a FA…t, passado para a FG… em 1/09/2006 e para a FL… em 1/01/2008 prestando ambas serviços a todas as rés.
Ponto 33Em Fevereiro de 2006 a autora desenvolveu um projecto de software por solicitação da ré FD…, que lhe deu instruções para emitir a factura em nome da ré FL….
No mais, improcede a impugnação da matéria de facto. 
                                                          
Ao abrigo dos artigos 607º nº4 e 663º nº2 do CPC e com base em documentos dos autos, considera-se ainda provado que:
46-O título executivo apresentado na execução intentada pela autora contra a ré FL…, referida no ponto 40 dos factos, é a confissão de dívida provada no ponto 16 dos factos (doc de fls 258).
47-A sociedade FL… começou por ser uma sociedade por quotas em 2004, tendo como sócios LC…, RN… e MF…, e foi convertida em sociedade anónima em 2007, sendo o aumento de capital realizado parte (43 800,00 euros), por incorporação de reservas e quanto a outra parte (200,00 euros), em dinheiro subscrito por duas novas sócias (certidão do registo de fls 688 e seguintes).
48- Em 30 de Abril de 2013 foram transmitidas as três quotas da sociedade FD…, todas da titularidade da sociedade FG…, para a sociedade D… SGPS, SA (certidão do registo de fls 815 e seguintes).
*

II) Transmissão das quotas da ré FD….

Em Abril de 2013, ou seja, já durante a pendência da presente acção, as três quotas da ré FD…, todas da titularidade da ré FG…, foram transmitidas para a sociedade D… SGPS, SA.
Esta mudança na titularidade das quotas da ré FD… é irrelevante para a decisão da causa, havendo que apreciar o pedido formulado pela autora atendendo aos factos existentes à data da constituição do crédito invocado na petição inicial (entre 2006 e 2010).

    
III) Desconsideração da personalidade colectiva das rés e sua responsabilidade solidária perante a autora.

Como resulta dos factos, a autora desenvolveu e vendeu projectos de informática à ré FL…, a quem foram emitidas as respectivas facturas e, não tendo esta ré pago a totalidade do preço, em 9/0572010 confessou-se devedora à autora da parte não paga, no montante de 74 962,50 euros, subscrevendo um plano de pagamentos, do qual apenas pagou a primeira prestação de 6 246,88 euros.

Tendo já sido intentada uma execução pela ora autora contra a ré FL…. com base no título executivo constituído pela confissão de dívida e não tendo logrado obter pagamento do seu crédito na execução, por falta de bens da FL…, pretende a autora, com a presente acção, que seja reconhecido que as restantes rés, FA…, FD… e FG… são também responsáveis pelo pagamento da quantia em dívida através do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

A ré FA… foi dissolvida na pendência da acção, tendo sido proferido despacho que considerou sua sucessora habilitada a ré FG…, na medida em que esta ré detinha, na totalidade, o capital social da sociedade dissolvida.

Por seu lado, à data da última sessão da audiência de julgamento, tinha já sido proferida sentença, não transitada em julgado, de declaração de insolvência da ré FL….

As rés apelantes opõem-se ao pedido da autora, invocando a sua falta de fundamento e, ainda, a natureza subsidiária do instituto da desconsideração da personalidade colectiva, que determinaria sempre que a autora tivesse de recorrer primeiro ao pedido de indemnização pelos sócios por via do disposto no artigo 78º do CSC.

Contudo não têm razão as apelantes, uma vez que não foram alegados nem provados factos imputáveis aos sócios das rés, mas sim o comportamento abusivo das rés enquanto pessoas colectivas (apenas subsidiariamente foi formulado pedido contra os administradores das rés, mas sem serem alegados factos relativamente aos mesmos e com manifesta ilegitimidade passiva, já que os eles não foram demandados na acção).

Vejamos então se tem fundamento o pedido de desconsideração de personalidade colectiva das rés e a sua responsabilização pelo crédito da autora.

Como resulta do artigo 5º do CSC, “as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras”.

A personalidade jurídica das sociedades implica a autonomia dos patrimónios e a separação entre as obrigações por que são responsáveis e as obrigações dos seus sócios enquanto pessoas singulares.

As sociedades anónimas (como é o caso da ré FD… e era o caso da extinta ré FA…) e as sociedades por quotas (com é o caso das rés FL… e FG…), contêm a limitação da responsabilidade dos sócios, ao valor das acções subscritas, no caso das sociedades anónimas e ao património social, no caso das sociedades por quotas (artigos 271º e 197º do CSC, respectivamente).

A separação dos patrimónios e das responsabilidades é, porém, susceptível de ser usada abusivamente, de forma a não servir os interesses próprios para que foi criada, mas sim para violar os interesses dos credores da sociedade.

Nesses casos, tem vindo a ser criado, doutrinaria e jurisprudencialmente o instituto da desconsideração da personalidade colectiva da sociedade, não previsto na lei, levantando-se a separação de patrimónios e responsabilizando-se os sócios pelas obrigações das sociedades.

As situações mais frequentemente entendidas como geradoras de abuso de direito do uso da separação de patrimónios com prejuízo dos credores, nos termos do artigo 334º do CC e no âmbito concreto da responsabilidade perante estes, tornando possível a desconsideração da personalidade colectiva, têm sido a descapitalização provocada da sociedade, com a transferência dos capitais para outra sociedade, a mistura de patrimónios da sociedade e dos sócios, com a dificuldade resultante de se controlar a conservação do património social e a subcapitalização, com a sua insuficiência de meios para o exercício da actividade social (cfr, entre outros Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. II, 2012, páginas 180 e seguintes, Pereira Duarte “Aspectos do Levantamento da Personalidade Colectiva nas Sociedades em Relação de Domínio”, páginas 244 e seguintes).

São estas as situações mais frequentes que justificam a desconsideração da personalidade colectiva e jurídica das sociedades com a consequente responsabilização dos sócios pelas obrigações destas (acs RL de 29/03/2012, P. 175/10, e de 29/04/2008, P.10802/07, ambos em www.dgsi.pt); mas o abuso da personalidade colectiva e da separação de patrimónios pode ocorrer também nos grupos de sociedades, em que umas são instrumentalizadas pelas outras, com prejuízo para os interesses dos credores (ac RL 9/12/2008, P.5829/2008, no mesmo site).

E, nestes casos, de relações entre sociedades do mesmo grupo, já a lei prevê regras que são uma concretização dos princípios que subjazem à desconsideração da personalidade jurídica.

Na verdade, estabelece o artigo 491º do CSC que são aplicáveis as disposições dos artigos 501º a 504º do mesmo código aos grupos constituídos por domínio total.

Nos referidos artigos 501º a 504º, que respeitam a sociedades em relação de subordinação por contrato (artigos 493º e seguintes do CSC), são previstas regras que podem proporcionar abusos, como, por exemplo, o artigo 503º, que permite à sociedade directora dar instruções vinculativas à sociedade subordinada, mesmo que lhe sejam desvantajosas, mas existem outras que visam evitar o abuso de posição dominante, protegendo a sociedade subordinada e, consequentemente, os credores (cfr sobre esta matéria Pereira Duarte, obra citada, páginas 264 e seguintes).

Prevê então o artigo 501º nº1 que “a sociedade directora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste”, prevendo o nº1 do artigo 502º que “a sociedade subordinada tem o direito de exigir que a sociedade directora compense as perdas anuais que, por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de subordinação, sempre que estas não forem compensadas pelas reservas constituídas durante o mesmo período”.

Trata-se de normas que consagram legislativamente, para estes casos específicos, a desconsideração da personalidade colectiva, eliminando a separação de patrimónios para prevenir (ou corrigir) abusos e vinculando a sociedade dominante às obrigações da sociedade dominada.

Voltando ao caso dos autos, constata-se que as rés FD… e FA, à data dos factos, eram totalmente participadas pela ré FG…, que detinha a totalidade do seu capital (pontos 6 e 11 dos factos), pelo que a eventual obrigação destas sociedades perante a autora determinaria a responsabilidade da ré FG… por força do artigo 501º do CSC.

O mesmo já não acontece com a ré FL….

Na contestação das rés, estas alegam que a ré FG… “actualmente” detém o capital de todas as restantes rés. Mas se era essa a situação à data da contestação (em Outubro de 2011), tal não acontecia em 2007, na altura em que a FL… foi convertida em sociedade anónima, pois consta no registo que parte do aumento do capital (200,00 euros) foi subscrito por duas novas sócias (ponto 47 dos factos).  
   
Ignora-se, portanto, se, efectivamente, a ré FL… passou a ter o seu capital completamente dominado pela FG… e, em caso afirmativo, a partir de que data, não sendo aplicável o artigo 501º do CSC para a responsabilização da FG… pelas obrigações da FL….

Haverá então que apreciar se existe ou não um abuso da personalidade colectiva das rés que justifique a sua desconsideração, nomeadamente se se verificou uma manipulação da ré FL… para que fosse esta a ficar, sem a companhia das restantes sociedades do grupo e sem recursos para o efeito, obrigada ao pagamento da dívida à autora, enquanto as restantes rés, nomeadamente a ré FD…, passaram a utilizar as utilidades dos projectos desenvolvidos pela autora sem qualquer obrigação para com esta.

Ora, analisados os factos, não pode deixar de se considerar que é afirmativa a resposta a esta questão.

Desde logo, quando a ré FL… é convertida em sociedade anónima, o aumento de capital de 44 000,00 euros foi realizado quase na totalidade por incorporações de reservas (sendo os anteriores sócios as mesmas três pessoas que passaram a constituir o seu conselho de administração e integram também o conselho de administração da FG…) e apenas no montante de 200,00 euros por subscrição de novas sócias.      
    
Por seu lado, a FG… – cujos membros de administração são comuns à administração da FL… e que eram os sócios da FL… antes de esta se tornar sociedade anónima – tinha a participação total no capital das sociedades FA… e FD….

Já aqui se detecta uma mistura de patrimónios com a consequente dificuldade em definir a titularidade dos bens sociais e de controlar a conservação destes para garantir os interesses dos credores.

E provou-se que, entre os vários projectos desenvolvidos e vendidos pela autora formalmente à FL…, apenas um foi solicitado e aceite por esta ré, como consta no documento de fls 87 e seguintes, de Junho de 2008, considerado provado no ponto 20 dos factos.

Todos os outros projectos considerados provados no mesmo ponto 20, a que se refere a aceitação de fls 84, de 24/07/2007, de fls 85, de 26/05/2008, de fls 86, de 17/03/2008, foram todos aceites pela ré FD…, sendo a pessoa que as assina a mesma que assina no projecto de fls 87 e seguintes pela FL… (LF…).

Também o projecto mencionado no ponto 33 dos factos, de Fevereiro de 2006, foi solicitado pela à autora pela FD…, com posteriores instruções de facturação em nome da FL….

A explicação apresentada pelas rés, no sentido de que esta actuação ocorreu porque era a FD… a sociedade comercial que se relacionava com os clientes finais e utilizava os produtos que a FL… adquirira e que esta partilhava com todas as restantes sociedades do grupo mediante o pagamento de contrapartidas, não esclarece a confusão causada a terceiros interlocutores do grupo.

Com efeito, as rés nunca fizeram prova de que foram pagas essas contrapartidas à FL… (prova essa cujo ónus se tem de considerar que lhes competia, face à manifesta impossibilidade de a autora a produzir e ao disposto no artigo 344º do CC); também nunca foi esclarecido nos autos de quem era afinal a titularidade dos produtos adquiridos à autora, já que os mesmos não ficaram no património da FL… para serem executados pelos credores, acabando por ficar em poder da FD… não se sabe por que via, tendo em atenção que, como já se referiu, nunca se provou o pagamento de qualquer contrapartida à FL… por parte das outras rés (pontos 28 e 37 dos factos) e sendo certo que, mesmo na versão das rés, os projectos adquiridos pela FL… não sairiam da sua titularidade, sendo a utilização dos mesmos feita mediante o pagamento de royalties pelas outras empresas do grupo que os utilizassem.  

Para esta dificuldade de apurar a titularidade dos bens de cada uma das rés, contribui igualmente o facto de todas as quatro rés partilharem, à data dos factos, a mesma sede e instalações de trabalho (ponto 36) e com facto de, após a ré FL… ter mudado a sua sede para Faro, esta sede ser meramente virtual, com o envio da sua correspondência para a sede da FD… (ponto 35 dos factos).
Acresce que a forma de comunicação por mail pelos vários funcionários das rés, utilizando o mesmo endereço de mail da FG… e a mesma assinatura da FD… (como se verifica em quase todos os mails juntos aos autos e considerados provados nos pontos 20, 23, 24, 25, 27 e 33 dos factos) era mais um contributo para a confusão causada na mente dos fornecedores, em particular na autora, criando-lhe uma confiança falsa de que podia contar com toda a estrutura do grupo para garantir a satisfação dos seus créditos.

O facto de não ter ficado provada a intenção de impedir a autora de receber o pagamento (resposta negativa ao artigo 10º da BI), não afasta a existência de abuso da personalidade colectiva, pois basta um abuso objectivo para permitir a desconsideração da personalidade colectiva (cfr neste sentido Maria de Fátima Ribeiro, “Sociedades comerciais (responsabilidade)”, página 88).

A verdade é que, mesmo que não tenha existido intenção de prejudicar a autora, ao ser criada a ré FL… para adquirir os produtos e ficar como única obrigada ao pagamento aos credores fornecedores, havia sempre o risco de esta sociedade ficar em situação de não conseguir efectuar tal pagamento, o que não é aceitável, porque este risco tem de ser das rés, não pode ser transferido para os credores, que não têm de ser sujeitos aos riscos decorrentes das opções de organização das sociedades devedoras.

De todo o exposto não pode deixar de se considerar que se verificou abuso da personalidade colectiva jurídica das réus, impedindo a autora de obter a satisfação do seu crédito junto do património da sociedade que lhe impuseram como vendedora, enquanto outra ou outras sociedades do mesmo grupo, que têm património partilhado entre si e entre a sociedade devedora, usufruem dos bens vendidos pela autora sem lhe pagar.

Não merece, pois, censura a sentença recorrida, que deverá manter-se, embora interpretando-se como uma condenação das rés FD… e FG… solidária à obrigação já existente da ré F…, uma vez que a autora já dispõe contra esta de um título executivo o qual, aliás, já foi utilizado na propositura da competente execução.
                                                       
DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelas apelantes.                                                         
 
                                                         
 Lisboa, 2016-01-28

                                                                 
Maria Teresa Pardal                                                  
Carlos Marinho
Anabela Calafate
Decisão Texto Integral: