Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1910/17.1T9SNT.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
INFIDELIDADE
BENS COMUNS DO CASAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I– Tendo o Assistente no seu requerimento de abertura da instrução, na parte em que formula a sua “acusação alternativa”, indicado por extenso o nome da Arguida, sem que no entanto a tenha identificado completamente, tal omissão, a ser considerada relevante, não conduz à rejeição do respectivo requerimento, antes permite que lhe seja endereço convite para o seu aperfeiçoamento, uma vez que não estamos no domínio da definição do objecto do processo nem em espaço passível de eventuais violações ao princípio acusatório, razões que justificam a prolação do Acórdão para Fixação de Jurisprudência n.º 7/2005, de 12/05/2005, publicado no DR I.ª Série de 04/11/2005.

II– Não constitui crime de infidelidade, a prever no art. 224.º,
N .º1, do Cód. Penal, a circunstância de a ex-esposa do Assistente ter ficado na posse de uma viatura automóvel pertencente ao património comum do casal, com a qual percorreu diversas vias sujeitas a portagens, sem as pagar, nem o avisar desse facto, conduzindo a que aquele, para conseguir a redução das respectivas coimas, depois as tenha solvido em processo de natureza executiva, bem como às respectivas custas.

III– Não comportando a factualidade imputada no RAI, desde logo em abstracto, a possibilidade de integrar o crime de que se pretende a pronúncia, a realização da instrução constitui um acto processual manifestamente inútil, devendo aquele ser rejeitado, por tratar-se de situação a merecer integração no conceito de “inadmissibilidade legal da instrução”.

IV– De harmonia com o estabelecido no art. 8.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, a abertura da instrução dá lugar ao pagamento de uma taxa de justiça de 1 UC, sendo que o juiz, “a final”, pode corrigi-la para um valor entre 1 UC e 10 UC, “tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo”.

V– Rejeitado desde logo o requerimento de abertura de instrução, esta correcção não se justifica, uma vez que devendo ter lugar apenas “a final” da instrução, verdadeiramente a ela não houve lugar e só nesse momento é possível avaliar da complexidade e utilidade da mesma pelo que o assistente apenas perderá a taxa de justiça que liquidou, mas nada mais tem a pagar, porque não houve qualquer acto instrutório.

(Sumariado pelo relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


I–1.)- Inconformado com o despacho aqui melhor constante de fls. 373 a 375 verso, em que o Mm.º Juiz de Instrução Criminal de Sintra (Juiz 1), Comarca de Lisboa Oeste, na sequência da instrução requerida pelo assistente R. , rejeitou o respectivo requerimento de abertura, por inadmissibilidade legal (com o que aquele pretendia reagir ao arquivamento do inquérito determinado pelo Ministério Público relativamente ao crime de infidelidade p. e p. pelo art. 224.º, n.ºs 1e 3, do Cód. Penal, que tinha em vista imputar à Arguida E. , recorreu o mesmo para esta Relação, sustentando as seguintes conclusões:

1.ª– O despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução é nulo por falta de fundamentação nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, n.º 2 do CPP.
2.ª– Na verdade o d. Tribunal recorrido limita-se quase exclusivamente à transcrição de acórdãos dos nossos Tribunais superiores sem especificar em concreto e ainda que de forma sucinta, mas tanto quanto possível completa, das razões de facto e de direito que fundamentam a decisão.
3.ª– No entendimento do Tribunal a quo a leitura do requerimento de abertura de instrução revela "não poder ser imputado qualquer crime a um agente determinado" e que o assistente "não imputa factos concretos a pessoa determinada" - todavia não sabemos porque razões o Tribunal recorrido assim entendeu.
4.ª– A decisão torna-se para nós incompreensível, tanto mais que se expurgarmos do despacho a extensa jurisprudência citada, o mesmo resume-se sensivelmente a meia página, onde mais se não fazem do que considerações teóricas sem qualquer subsunção ao caso concreto.
5.ª– A falta de fundamentação do despacho constitui um vício grave determinante da nulidade do mesmo, a qual deve se declarada.
6.ª– O processo foi arquivado pelo facto de o Ministério Público ter entendido que o facto de o automóvel ser pertença do dissolvido casal e de as partilhas ainda não terem sido feitas conduziria a que o mesmo não pudesse ser tido como bem alheio e, protegendo a norma incriminadora interesses patrimoniais alheios, tal não integraria a conduta típica do artigo 224.° do Código Penal.
7.ª– O assistente notificado da decisão de arquivamento e por discordar do entendimento jurídico aí plasmado pelo Ministério Público requereu a abertura de instrução com o intuito de ver judicialmente comprovada tal decisão.
8.ª– No requerimento de abertura de instrução, o assistente começou por expor as razões da sua discordância em relação decisão e não acusação, defendendo que os interesses patrimoniais confiados à arguida deveriam ser considerados interesses patrimoniais alheios, integrando assim a norma do artigo 224.º do CPP.
9.ª– E que por interesses patrimoniais alheios se deveriam entender aqueles que não pertencem exclusivamente ao agente do crime, tanto mais que as consequências da conduta da arguida se repercutem exclusivamente na esfera jurídica alheia, rectius do denunciante, por ser ele o titular inscrito no registo automóvel, não se esgotando por conseguinte a actuação daquela somente na sua esfera jurídica.
10.ª– Não só o automóvel deve ser considerado um bem alheio, por pertencer ao património conjugal comungado pela arguida e pelo assistente e não exclusivamente à arguida, como também são alheios os interesses patrimoniais presentes nas relações jurídicas estabelecidas com terceiros por força do uso do veículo e que se repercutem na esfera jurídica do titular inscrito no registo - o ofendido.
11.ª– À arguida não foi confiado apenas o interesse patrimonial relativo ao automóvel na sua substância e integralidade mas também toda uma série de interesses patrimoniais relativos a relações jurídicas que por força do uso do mesmo se estabelecem com terceiros, que são alheios à arguida e que se repercutem unicamente ena esfera jurídica do assistente por ser quem figura como proprietário do automóvel no registo.
12.ª– A arguida que dispunha do automóvel na sua disponibilidade e dele fazia uso sendo a ela que competia administrar esses interesses patrimoniais (alheios) estando-lhe vedada a lesão dos mesmos.
13.ª– A arguida sabia que ao não pagar as taxas de portagem e ao esconder do ofendido as notificações que lhe foram enviada pela concessionárias das vias portajadas, as mesmas comunicariam a falta de pagamento à Administração Tributária para cobrança coerciva de tais valores e que dessa forma seria o ofendido obrigado a pagar além do valor das taxas de portagem os custos administrativos, as custas dos processos e as coimas associadas e que foi isso mesmo que a arguida pretendeu, ou seja, causar lesão patrimonial ao ofendido tendo actuado com propósito deliberado de atingir esse resultado, tendo conseguido concretizar o mesmo, levando a que o ofendido tivesse pago € 6.946,33 quanto o valor das taxas de portagem, pago atempadamente, não ultrapassaria os € 400,00.
14.ª– Crime não é circular com o veículo automóvel sem pagar as portagens, é, ser o responsável pela gestão, do automóvel em toda a sua dinâmica e cumulativamente no caso: não pagar as portagens, esconder tal situação ao titular inscrito no registo, não lhe entregar nem lhe dar a conhecer as notificações para pagamento voluntário enviada pelas concessionárias e fazê-lo com a intenção o lesar patrimonialmente - e é isto que se imputa à arguida e é isto que a nosso ver integra o crime previsto no artigo 224.° do CP.
15.ª– E após tal explanação o ofendido requereu que fosse proferido despacho de pronúncia relativamente à arguida, que identificou, e a quem imputou, salvo melhoro opinião, todos os factos susceptíveis de preencher o elemento objectivo e subjectivo do tipo de incriminador do artigo 224.º do CP.
16.ª– Foi colocado no requerimento que os factos eram imputados a E. , pelo que cremos que se tem a mesma por suficientemente identificada.
17.ª– A referida pessoa a quem são imputados os factos, foi constituída arguida a fls. 328 do segundo volume pelo que referindo-se o despacho de pronúncia a essa pessoa pelo seu nome completo, dúvidas inexistem acerca da identificação/identidade da pessoa a quem são imputados os factos sendo a mesma certa, determinada e inconfundível com outra.
18.ª– Ainda que faltasse algum elemento para completar a identificação da arguida sempre o d. Tribunal recorrido podia e devia convidar o assistente a aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução quanto à identificação da arguida, o que expressamente se invoca na plenitude dos seus legais efeitos.
19.ª– O requerimento de abertura de instrução além das razões da discordância em matéria de direito quanto à decisão de arquivamento proferida pelo Ministério Público cumpre no seu todos os requisitos legalmente exigidos, ou seja, a descrição dos factos que fundamentam a aplicação à arguida de uma pena e a indicação das disposições legais aplicáveis, conforme consta do artigo 283.º, n.º 2, als. b) e c) do CPP, aplicável por força do artigo 287.º, n.º 2 do mesmo diploma legal.
20.ª– O requerimento da abertura de instrução, na parte em que está formulado por articulado (o que se diz na parte antecedente tem que ver com as razões de discordância em relação à decisão de arquivamento), cumpre todos os requisitos para ser tido substancialmente como uma acusação dado que elenca os factos integradores do elemento objectivo e subjectivo do ilícito penal em causa, de tal modo que se todos os factos contantes do articulado do requerimento de abertura de instrução resultarem provados em sede de audiência de julgamento a arguida terá de ser condenada.
21.ª– O d. Tribunal recorrido violou no despacho em crise as normas contantes dos artigos 224.º, do Código Penal, 287.º, n.ºs 2 e 3 e do artigo 283.º, n.º 3 als. b) e c) do Código de Processo Penal.
22.ª– O Tribunal recorrido condenou o assistente no pagamento de uma taxa de justiça no montante de quatro unidades de conta.
23.ª– Fixar a taxa de justiça em quatro unidades de conta quando o requerimento de abertura de instrução nem sequer foi admitido é excessivo ou mesmo proibitivo do exercício dos direitos do assistente.
24.ª– Note-se que tal valor corresponde ao valor a pagar de taxa de justiça numa acção cível de €24.000,00 e excede o valor a pagar por uma providência cautelar até €300,000,00 e iguala o valor a pagar por uma execução de valor superior a €30.000,01.
25.ª– O d. Tribunal recorrido interpretou erradamente a norma constante do artigo 8.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e violou o princípio da interpretação sistemática das normas pois, pois tendo em conta que tal requerimento nenhuma utilidade prática teve na tramitação global do processo tal norma deveria ter sido interpretada no sentido de o valor de taxa de justiça a pagar pelo recorrente se fixar no mínimo legal de uma unidade de conta, já paga aquando da interposição do requerimento.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso merecer provimento.

I–2.)- Respondendo ao recurso interposto, a Digna magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Instrução Criminal de Sintra concluiu no sentido do seu não provimento.

II– Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer subscrevendo a antecedente resposta.
*

No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
*

Tendo lugar a conferência.
*

Cumpre apreciar e decidir:

III–1.)- De harmonia com as conclusões apresentadas, consabidamente definidoras do respectivo objecto, com o recurso apresentado coloca o Assistente R.  para apreciação as seguintes questões:

- Nulidade do despacho proferido e ora colocado em causa, por falta de fundamentação;
- Saber se o RAI apresentado identifica suficientemente a pessoa a quem são imputados os factos, ou a assim não se entender, se tal omissão deveria ter sido colmatada com um convite ao Assistente para o seu aperfeiçoamento;
- Indagar se a narração factual operada no mesmo contém todos os elementos objectivos e subjectivos da infracção que é imputada;
- Verificar, por fim, se as custas fixadas se mostram excessivas.

III–2.)- Como temos por habitual, vamos conferir primeiro o teor do despacho de que se discorda na parte que aqui releva:
“(…)
*

REJEIÇÃO DA FASE FACULTATIVA DE INSTRUÇÃO POR FALTA DE OBJECTO

O assistente vem requerer a abertura da instrução.

No seu requerimento vem manifestar desacordo com o despacho de arquivamento, afirmando que a arguida circulou com um veículo comum (do casal que foi formado por assistente e arguida) sem pagar portagens.

Tal facto não constitui, por si só, factualidade suficiente para integrar o crime previsto no art° 224°, do Código penal que pretende imputar à arguida.

Na verdade o assistente, não imputa factos concretos a pessoa determinada que conduzam a uma concreta incriminação com as respectivas circunstâncias de tempo modo e lugar, bem como respectivos elementos material e subjectivo.

É que, como repetidamente vem sendo afirmado por este tribunal e Tribunais Superiores e decorre do disposto nos art.°s 287.°, n.° 2, do CPP, é necessário (quando a instrução é requerida na sequência de decisão de arquivamento do Ministério Público) que o requerimento contenha com precisão os factos concretos que se espera ver suficientemente indiciados e a concreta incriminação que se imputa a um concreto arguido, com os respectivos elementos material e subjectivo - uma instrução sem delimitação factual precisa esbarraria na inevitável previsão do art° 303° e 309°, n° 1 do CPP, já que não cabe ao juiz de instrução o exercício da acção penal, mas, unicamente proceder nos termos previstos no art.° 286.°, sendo que os actos a praticar previstos no art.° 290.°, reconduzem-se à finalidade específica prevista no primeiro dos preceitos citados.

Com efeito, não é em fase de instrução que tais factos devem ser recolhidos ou procurados, em face da finalidade específica reservada a esta fase processual pelo art° 286°, n° 1, do CPP.

Questão idêntica foi detalhadamente debatida no Acórdão do STJ, de 12/03/2009, publicado em www.itij.pt.

Com efeito ai se refere que: "conhecido o paralelismo existente entre a acusação e o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente na sequência dum despacho de arquivamento, conforme se reconheceu no acórdão deste Supremo Tribunal de 07-05-2008-proc.4551/07 e estatuindo o n° 2 do art. 287° do Código de Processo Penal, que é aplicável ao requerimento do assistente para abertura de instrução o disposto no art. 283° n° 3 als. b) e c), norma que diz respeito à acusação, atentemos nas situações que determinam a manifesta falta de fundamento da acusação, com vista a aquilatar da possibilidade da sua aplicação ao requerimento para abertura da instrução.

De harmonia com o art. 311° n° 3, a acusação considera-se manifestamente infundada: a) quando não contenha a identificação do arguido; b) quando não contenha a narração dos factos; c) se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as prova que a fundamentam; d) se os factos não constituírem crime.

É evidente que se o requerimento para abertura de instrução não contém a identificação do arguido, ainda que por simples remissão para o local no processo onde consta tal identificação, a instrução será inexequível. E constituirá uma fase processual sem objecto se o assistente que a requer deixar de narrar os factos e de indicar as disposições legais aplicáveis, elementos acerca dos quais o Prof. Germano Marques da Silva (op. cit,, pág. 145), refere: "insiste-se que, tratando-se do requerimento do assistente, é imprescindível que do requerimento conste sempre a narração dos factos constitutivos do crime ou crimes e das disposições legais aplicáveis ".

A propósito da alínea d) do art. 311.° n.° 3, escreve o Prof. Germano Marques da Silva: "Também esta alínea era desnecessária, porque os factos narrados hão-de fundamentar a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e só a podem fundamentar se constituírem crime. Se os factos não constituírem crime verifica-se a inexistência do objecto do processo, tornando-o inexistente e consequentemente não pode prosseguir". Pode, portanto, afirmar-se, fazendo uso das palavras do Conselheiro Maia Gonçalves (op. cit., pág. 667) que "acusação manifestamente infundada é aquela que, em face dos seus próprios elementos, não tem condições de viabilidade" Ora, se o juiz de instrução, apreciando o requerimento do assistente nos seus precisos termos, conclui que de modo algum o arguido poderá ser pronunciado, uma vez que os factos que aquele narra jamais constituirão crime, deverá rejeitar o requerimento do assistente. E que, num caso desses, o debate instrutório nenhuma utilidade poderia ter, nomeadamente, porque, tal como se decidiu no acórdão para fixação de jurisprudência n° 7/2005 (D.R. n° 212 - S-A de 4-11-2005) "não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 28°, n.° 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido ".

Também o Tribunal Constitucional afirma, no acórdão n° 385/2004, de 19 de Maio de 2004, que "a estrutura acusatória do processo penal .... Impõe que o objecto do processo seja fixado com rigor e precisão adequados em determinados momentos processuais, ente os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução ".

Quando assim suceder, quando pela simples análise do requerimento para abertura da instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, se dever concluir que os factos narrados pelo assistente jamais poderão levar à aplicação duma pena, então estaremos face a uma fase instrutória inútil. Ou, conforme se refere no mencionado acórdão de fixação de jurisprudência, "uma instrução que peque por défice enunciativo de factos susceptíveis de conduzir à pronúncia do arguido titularia um acto inútil que a lei não poderia admitir (art.. 137° do CPP)". O que significa que, a par de outros fundamentos da rejeição, que se reconduzem também a realidades de que deriva a inutilidade da instrução, se deva ter a instrução como legalmente inadmissível.

Também a jurisprudência tem considerado que "não jaz sentido procede-se a uma instrução visando levar o arguido a julgamento, sabendo-se antecipadamente que a decisão instrutória não poderá ser proferida nesse sentido" (ac. do STJ, de 22-10-2003 - proc. 2608/03-3), entendendo ser de "rejeitar, por inadmissibilidade legal «vista a analogia perfeita entre a acusação e a instrução», o requerimento de abertura e instrução apresentado pelo assistente no qual este se limita a um exame crítico das provas alcançadas em inquérito ... e omite em absoluto a alegação de concretos e explícitos factos materiais praticados pelo arguido e do elemento subjectivo que lhe presidiu para cometimento do crime " (ac. de 22-03-2006 - proc. 357/05-3 e de 07-05-2008, proc. 4551/07-3) E, mais especificamente, o acórdão de 7-12-1005 - proc. 1008/05, que o aqui relator subscreveu como adjunto, onde foi decidido, com um voto de vencido, que "se o requerimento do assistente para abertura da instrução não narra factos susceptíveis de integrar a prática de qualquer crime não pode haver legalmente pronúncia (cf. art. 308 ° do CPP), pois a instrução seria, então, um acto inútil, cuja prática a lei proíbe (arts. 137.º do CPC e 4. º do CPP), e como tal legalmente inadmissível", sendo certo que "a inadmissibilidade legal da instrução é uma das causas de rejeição do requerimento para abertura da instrução, nos termos do n.° 3 do aludido art. 287o".

Também os tribunais da Relação vêm decidindo que a falta de indicação de factos que preencham os elementos típicos do crime produz uma situação de inadmissibilidade legal da instrução. Nesse sentido, cfr, entre outros, os acs. da Rel. de Lisboa de 03-10-2001 - p. 1293/00, de 18-03-2003 - p. 77635; de 30-03-2004 - p. 8701/03; de 30-05-2006 - p. 1111/06; da Rel. do Porto de 15-12-2004 - p. 3660/03; de 01-03-2006 - p. 5577/05; de 21-06-2003 - p. 1176/06; e da Rel. de Coimbra de 23-04-2008 - p. 988/05.8TAACN

Tudo quanto se deixou exposto permite concluir que a falta de indicação no requerimento para a abertura de instrução subscrito pelo assistente dos factos essenciais à imputação da prática de um crime a determinado agente tem como consequência necessária a inutilidade da fase processual de instrução, a qual, como é sabido, é constituída por diversos actos praticados pelo juiz de instrução, sendo um deles, obrigatoriamente, o debate instrutório. Ou seja, nos casos em que exista um notório demérito do requerimento de abertura de instrução, a realização desta fase constitui um acto processual manifestamente inútil por redundar necessariamente num despacho de não pronúncia. Haverá, assim, em consequência, que incluir no conceito de "inadmissibilidade legal da instrução", além dos fundamentos específicos de inadmissão da instrução qua tale, os fundamentos genéricos de inadmissão de actos processuais em geral. "

Como se referiu, a leitura do presente requerimento para abertura de instrução revela ser manifesto que não poderá ser imputado qualquer crime a um agente determinado.

Pelo exposto, por inadmissibilidade legal por falta de objecto, rejeito o presente requerimento para abertura de instrução e determino o imediato arquivamento dos autos.
Custas a cargo do assistente com taxa de justiça que fixo em quatro unidades de conta.

Notifique.

(…)”

III–3.1.)- Sem prejuízo de uma relativa indistinção de fundamentos jurídicos patenteada pelo despacho recorrido, a qual se mostra agravada pela citação extensiva de Jurisprudência que dizendo respeito a situações muito próximas, em bom rigor não serão totalmente coincidentes, julgamos ainda assim, tudo visto e ponderado, que não existirão razões suficientes para concluir pela nulidade que ora se invoca.

É inquestionável que de harmonia com o preceituado no art. 205.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa, as decisões judiciais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas.
Dever este que é depois renovado na nossa Lei Adjectiva (cfr. art. 97.º, n.º 5), que não deixará também de assinalar exigências mais específicas em relação a determinados actos decisórios em particular.

É o que sucede, por exemplo, com o despacho aplicativo de medida de coacção que não imponha o simples TIR ou a sentença.
 
Para esta última, regem os indicados art.ºs 379.º, n.º 1, al. a), e 374.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, convocados na conclusão 1.ª para justificar o valor negativo que se tem em vista apontar.

Porém, como será fácil de compreender, o despacho que aqui temos em presença não é subsumível naquela última categoria de actos decisórios, cuja maior exigência de fundamentação se justifica pela sua centralidade em termos de processo.

Com efeito, conhecem, a final, do respectivo objecto, a mais das vezes a título definitivo, com as consequências pessoais e patrimoniais daí resultantes.

Aliás, não assume sequer a forma de pronúncia ou não pronúncia, o prototípico nesta fase de instrução, para as quais o Legislador, se bem se conferir, não contempla requisitos formais particulares (cfr. no entanto, o n.º 3, do art. 308.º).

Não deixando de sobre o mesmo impender o dever constante do indicado art. 97.º, n.º 5, julgamos que por forma mais ou menos conseguida, em termos de expressão, fundamentação existe.

Se é confusa ou pouco inteligível, então o expediente adequado para a elucidar e tornar mais explícita seria a do art. 380.º, n.º1, do Cód. Proc. Penal, aplicável ex vi do n.º 3 do mesmo preceito.

No limite (nesse sentido confira-se o douto acórdão da Rel. de Guimarães, de 25/01/2010, no processo n.º 903/06.9GAFLG-AG1, indicado na resposta do Ministério Público em 1.ª Instância), poderia justificar-se a invocação da respectiva irregularidade (o que não foi feito) para depois sim, em função do fosse respondido, se recorrer.

Pelo que não encontramos motivos legais e factuais que suportem a nulidade impetrada.
 
III–3.2.)- Vejamos agora a questão relacionada com a não identificação da Arguida.

Como é sabido, nos termos do art. 287.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, é aplicável ao requerimento para abertura da instrução, quando apresentado pelo assistente, o disposto no art. 283.º, n.º 3, al. b) e c), do Cód. Proc. Penal (o preceito que rege a acusação formulada pelo Ministério Público).

Em todo o caso, “as indicações tendentes à identificação do arguido”, mostram-se contempladas na al. a) do normativo citado em segundo lugar, o que numa primeira leitura poderá inculcar que não deverão ser incluídas naquela remissão.

Não será bem assim: Tenha-se em conta, com efeito, que essa não satisfação é fundamento de nulidade para a acusação pública, como também traduz uma das causas que justificam a sua consideração como “manifestamente infundada” e como tal, a permitir a sua rejeição (aqui sem distinções), pelo juiz de julgamento (cfr. art. 311.º, n.º2, al. a) e 3.º, a) do Cód. Proc. Penal).

No caso em epígrafe, na sua “acusação alternativa”, o Assistente começa por afirmar:

“Assim, uma vez aberta a presente instrução, deverá ser proferido despacho de pronuncia relativamente a E. , porquanto indiciam suficientemente os autos que”:

Ou seja, não é situação em que se omita a pessoa contra quem se pretende dirigir a instrução ou que se intenta pronunciar.

Aliás, toda a argumentação anteriormente desenvolvida aponta inequivocamente nesse sentido – a ex-mulher.

Dir-se-á: não chega.

Podemos aceitá-lo. Ainda assim, julgamos que nestas hipóteses, não se desautoriza o endereçar de convite para o aperfeiçoamento dessa indicação.

Note-se que o que não é suprível nem passível de correcção, é o núcleo essencial contido nas referidas al.ªs b) e c), ou seja, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deva ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis”.

É esse o sentido do decidido pelo Tribunal Constitucional (cfr. por exemplo Ac. n.º 389/2005T.Const. de 14/07/2005, publicado no DR II.ª Série de 19/10/2005, pág.ª 14917), e pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão n.º 7/2005, de 12/05/2005, publicado no DR I.ª Série de 04/11/2005, quando estabelece como Doutrina, que “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.

Para incidências deste género a razão de ser da Jurisprudência supra indicada não se verifica, uma vez que já não estamos no domínio da definição do objecto do processo nem em espaço passível de eventuais violações ao princípio acusatório.

Daí que Autores como Henriques Gaspar e Outros (Código de Processo Penal, Comentado, Almedina, 2014, pág.ª 1003), ou Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2.ª Ed., pág.ª 755) admitam expressamente essa possibilidade de aperfeiçoamento fora daquela área de insuficiência de alegação.

Orientação que aqui se perfilhará.

III–3.3.1.)- Como terceira questão, verifiquemos agora se os factos descritos no RAI comportam, na realidade, a possibilidade jurídica de consubstanciar a prática do crime que se procura imputar – o de infidelidade.

Basicamente o que se vem alegar a este nível, é que durante o período em que estiveram casados, o Assistente e a Arguida adquiriram uma determinada viatura.
Em 2015 divorciaram-se.
Tendo aquela ficado na posse do referido automóvel, que será um bem comum do casal, ainda não partilhado.
Entre 07/02/2015 e 08/01/2016, a mesma terá circulado com o mesmo em vias sujeitas a portagens, não as tendo pago.
Foram remetidas várias notificações para a casa de morada de família, onde a Arguida continuará a viver, sem que esta as entregasse ou dado a conhecer ao Assistente.

Como o veículo estava registado em nome deste último, a dada altura o Recorrente passou a receber diversas citações para processo de execução.
Que pagou, para beneficiar da redução das coimas, e bem assim as respectivas custas, tudo no valor de € 6.946,33.

Se as taxas de portagem tivessem sido pagas imediatamente, o valor das portagens não ultrapassaria os €400,00.

Terá assim a Arguida actuado com o propósito de causar prejuízo patrimonial importante ao ora Assistente, de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

III–3.3.2.)- Perante este conspecto de alegação, não se poderá dizer, sem mais, que aquele não impute factos concretos a pessoa determinada, mormente as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos terão ocorrido, bem como os elementos subjectivos da infracção.

O que com melhor propriedade se poderá discordar, é da conclusão sustentada em recurso de que tais factos integram, caso se provassem, o indicado crime de infidelidade, ideia que o despacho deixado controvertido não deixa também de expressar, ainda que de uma forma deixada algo enublada.

Ora, na nossa modesta opinião, o crime previsto no 224.º do Cód. Penal, não tem em vista contemplar situações com estas características.

Segundo o respectivo n.º1, “quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou ato jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incubem, prejuízo patrimonial importante é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Como decorre da respectiva letra, trata-se de um tipo legal que visa assegurar sobretudo a defesa de “interesses patrimoniais alheios”.

Ou seja, de um património de uma sociedade, de uma herança, da administração da universalidade constituída, por exemplo, por uma propriedade agrícola, situações de gestão de negócio diversas, v.g. carteiras de acções e/ou obrigações, compra de imóveis … e/ou realidades congéneres.

No caso, temos apenas um único e simples bem deixado para utilização e fruição a um dos membros do ex-casal.

Ainda que se tenha como pressuposto um qualquer acordo nesse sentido, não vemos identificado qual tenha sido a fonte da referida posse (mormente se a lei ou acto jurídico), nem sabemos se houve entrega ou mera tolerância de uma situação pré-existente.

Da mesma forma que se ignora se tal facto se ficou a dever a uma especial relação de confiança estabelecida entre ambos - condição relevante em termos de justificação do tipo legal assim criado.

Por outro lado, como o Ministério Público vem insistindo no processo, não fica assegurado sequer o carácter alheio da coisa – já não falamos sequer de interesse patrimonial.

Como bem se refere a este propósito no despacho de arquivamento, no que “diz respeito aos bens comuns de um casal importa referir que o património comum dos cônjuges constitui uma massa patrimonial que, atenta a sua especial afectação, a lei concede um certo grau de autonomia, embora limitada, que pertence a ambos os cônjuges em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela. Os bens comuns dos cônjuges constituem objecto de uma propriedade colectiva ou de mão comum: cada um dos cônjuges tem uma posição jurídica em face do património comum. Trata-se de um direito à meação, que exprime a medida de divisão e que virá a realizar-se no momento em que esta deva ter lugar. Dos deveres patrimoniais dos cônjuges destacam-se os que respeitam ao exercício dos poderes de administração e de alienação dos bens de cada um ou de ambos os cônjuges, nos termos dos artigos 1678.º e 1683.º do Código Civil. A má administração de bens próprios do cônjuge não administrador ou de bens do casal constitui uma violação desses deveres patrimoniais, nos termos do 1678.°, n.ºs 1, 2 e 3, Ia parte, do Código Civil. O cônjuge administrador dos bens comuns ou próprios do outro está, em regra, isento da obrigação de prestar contas, face à letra do artigo 1681.º, n.º 1 do Código Civil. Contudo, responde pelos danos causados pelos actos praticados com dolo e em prejuízo do património comum do casal ou do outro cônjuge, nos termos do citado artigo 1681.º, n.º 1, in fine, do Código Civil. A dissolução do casamento determina a cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os (ex-) cônjuges, nos termos do artigo 1688.º do Código Civil. Tal implica a partilha dos bens do casal, na qual, em princípio, cada um deles receberá os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, se os houver, nos termos do artigo 1689.°, n.° 1, do mesmo diploma legal. Na fase da liquidação da comunhão, cada um dos cônjuges deverá conferir ao património comum tudo o que lhe deve: o cônjuge devedor (o que utilizou os bens ou valores comuns) deverá, no momento da partilha, compensar o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa do património comum. No caso em apreço, o procedimento criminal terá de forçosamente soçobrar por falta de um dos elementos típicos objectivos que constituem a materialidade do crime de infidelidade: a falta do carácter alheio do bem rectius, o veículo com a matrícula 34... ) administrado pela arguida E.”.

Da nossa parte, estamos abertos a introduzir algumas correcções a este entendimento, que no geral temos por correcto, em situações muito pontuais.

É caso, por exemplo, de um dos cônjuges inutilizar dolosamente por completo um veículo automóvel pertencente à comunhão, pondo em causa a quota-parte formal do outro, para efeito de eventual cometimento de um crime de dano.

Seja como for, na situação dos autos verifica-se uma outra incongruência que quanto a nós impede a subsunção pretendida.

Uma vez que se fizerem identificar os interesses patrimoniais com o referido veículo, o não pagamento das portagens não é fonte nem causa adequada de prejuízo para esse interesse (a do automóvel) - tal como se exige no respectivo tipo legal -, mas sim para outros, de natureza patrimonial geral do Assistente, que com aquele não se identificam.

Pelo que falecem os elementos objectivos necessários para o crime que se pretende imputar.

No fundo, estaremos perante uma situação de eventual responsabilização nos limites do processo civil.

III–3.3.3.)- Ainda que num certo sentido se possa dizer, tal como o sustenta a decisão recorrida, que o Assistente não alegou factos necessários e suficientes para permitir uma acusação proficiente pelo crime de infidelidade (situação agora não passível de correcção), julgamos no entanto que a perspectiva que aqui será de privilegiar, ainda que remetendo para a rejeição da instrução, deverá assumir como justificação, a circunstância dos factos alegados não constituírem crime.

Não se desconhece que a Doutrina tem sido algo prudente na contemplação desta hipótese no elenco das que justificam tal rejeição, mormente por referência ao conceito de inadmissibilidade legal da instrução (cfr. art. 287.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal).

Está no entanto claramente prevista em sede de art. 311.º, n.º3, al. d), do mesmo Diploma (a acusação é de rejeitar se os factos não constituírem crime, o que constitui fundamento para a considerar manifestamente infundada), sendo naturalmente de questionar o sentido útil da realização de uma instrução inviável.
A menos que se defenda que nestas hipóteses, no pensamento do Legislador, tal juízo deveria ter lugar ao nível de uma não pronúncia.

Será eventualmente por essa dificuldade que o despacho recorrido se mostra menos assertivo.

Em qualquer caso, fazendo nosso, nessa parte, o douto acórdão da Rel. de Évora de 13/07/2017, no processo n.º 203/14.0T9ENT.E1, de que foi relator o Exm.º Sr. Desembargador Clemente Lima, consultável em www.dgsi.pt/jtre diremos que:

“Ora, como se salienta, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Março de 2009, «a falta de indicação no requerimento para a abertura de instrução subscrito pelo assistente dos factos essenciais à imputação da prática de um crime a determinado agente tem como consequência necessária a inutilidade da fase processual de instrução, a qual, como é sabido, é constituída por diversos actos praticados pelo juiz de instrução, sendo um deles, obrigatoriamente, o debate instrutório. Ou seja, nos casos em que exista um notório demérito do requerimento de abertura de instrução, a realização desta fase constitui um acto processual manifestamente inútil por redundar necessariamente num despacho de não pronúncia. Haverá, assim, em consequência, que incluir no conceito de “inadmissibilidade legal da instrução”, além dos fundamentos específicos de inadmissão da instrução qua tale, os fundamentos genéricos de inadmissão de actos processuais em geral».

Como refere Vinício Ribeiro, em «Código de Processo Penal – Notas e Comentários», Coimbra Editora, 2.ª edição, 2011, pág. 794, «o não descrever factos, ou descrever factos que não constituem crime, não pode deixar de conduzir […] à inadmissibilidade legal do RAI [requerimento para abertura da instrução] do assistente por falta de requisitos legais».

Neste sentido, vd. os acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Outubro de 2003 (Proc. 2608/03-3) e de 7 de Dezembro de 2005 (Proc. 1008/05) e, deste Tribunal da Relação de Évora, por mais recentes e significativos, os acórdãos de 12 de Abril de 2011 (Proc. 700/06), de 19 de Março de 2013 (Proc. 590/11), e de 25 de Junho de 2013 (Proc. 254/11) – disponíveis, como os mais citados sem menção de origem, emwww.dgsi.pt.

Do exposto se conclui que deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, nos termos prevenidos no artigo 287.º n.º 3, do CPP, o requerimento do assistente para abertura da instrução que deixe de arrolar a totalidade dos factos consubstanciadores do crime pelo qual pretende ver o arguido pronunciado, sob pena de, em infração regras de economia e utilidade processuais, se fazer iniciar uma instrução que, à partida, inarredavelmente, só se pode ter por inconsequente”.

Sendo que esta rejeição, prejudica a procedência conferida à questão anterior.

III–3.4.)- Apreciemos, por fim, aquela outra conexa com a taxa de justiça aplicada, que se entende ter sido excessiva.

Segundo o Prof. Pinto de Albuquerque (obra acima citada, pág.ª 756), o indeferimento do requerimento de abertura da instrução não é tributável enquanto incidente anómalo.

De harmonia com o estabelecido no art. 8.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, há sim lugar ao pagamento de uma taxa de justiça de 1 UC pela abertura dessa fase, sendo que o juiz, “a final”, pode corrigi-la para um valor entre 1 UC e 10 UC, “tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo”, o que para um Autor como Salvador da Costa (Regulamento das Custas Processuais, Anotado, Almedina, 2013, 5.ª Ed, pág.ªs 217/8), significa não uma condenação em nova taxa de justiça, mas antes, a ampliação daquela inicial.

No caso em presença, prima facie, não se justificará a existência de qualquer correcção da taxa de justiça, nos termos sobreditos, pois que devendo a mesma ocorrer só “a final” da instrução, verdadeiramente a ela não houve lugar e só nesse momento é possível avaliar da complexidade e utilidade da mesma.

Nessa conformidade o assistente perderá a taxa de justiça que liquidou, mas nada mais tem a pagar, porque não houve qualquer acto instrutório.

Nesta conformidade:

IV–Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, na parcial procedência do recurso interposto pelo Assistente R. , acorda-se em anular a condenação em taxa de justiça decorrente da rejeição do seu RAI, mas no mais, em lhe negar provimento (o vencimento na pretensão de poder ser convidado a completar a identificação da Arguida fica prejudicado pelo demais decidido).

Pelo seu decaimento nesta Instância, e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que possa beneficiar, ficará sancionado na menor taxa de justiça, de harmonia com o preceituado no art. 515.º, n.º1, al. b), do Cód. Proc. Penal e respectivo Regulamento das Custas Processuais.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1.º signatário


Lisboa, 18-09-2018


Luís Gominho
José Adriano