Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19354/18.6T8LSB.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Consistindo o cumprimento na realização pelo devedor da prestação a que está vinculado, este atuará ilicitamente sempre que se verifique qualquer situação de desconformidade entre a sua conduta e o conteúdo do programa obrigacional.
II – A resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato.
III – Para que a impossibilidade da prestação possa acarretar a extinção da obrigação, ela tem de ser superveniente, objetiva, absoluta e definitiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E MULTIMÉDIA, S.A, intentou ação declarativa de condenação, na forma comum, contra ATLAS AZUL, LDA pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
a) O valor das faturas emitidas e enviadas de € 136 768,27 (cento e trinta e seis mil, setecentos e sessenta e oito euros e vinte e sete cêntimos);
b) Os juros de mora vencidos sobre a data de vencimento das faturas e que, na data da entrada da ação, ascendiam ao montante de € 5 586,47 (cinco mil, quinhentos e oitenta e seis euros e quarenta e sete cêntimos);
c) O valor da indemnização de € 40,00 (quarenta euros), correspondente aos custos de cobrança da dívida;
d) O montante total de € 142 394,74 (cento e quarenta e dois mil, trezentos e noventa e quatro euros e setenta e quatro cêntimos);
e) Os juros de mora vincendos até integral pagamento;
f) Custas, procuradoria e despesas devidas em juízo.
A ré, ATLAS AZUL, LDA deduziu pedido reconvencional, pedindo a condenação da autora, MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E MULTIMÉDIA, S.A a pagar-lhe a quantia de € 56 871,16 (cinquenta e seis mil, oitocentos e setenta e um euros e dezasseis cêntimos).
Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente, por provada, e a reconvenção improcedente, por não provada na sua essencialidade, e em consequência:
a) Condenou a ré no pagamento à autora do valor das faturas emitidas e enviadas de € 136 768,27 (cento e trinta e seis mil, setecentos e sessenta e oito euros e vinte e sete cêntimos);
b) Nos juros de mora vencidos sobre a data de vencimento das faturas e que, na data da entrada da ação, ascendiam ao montante de € 5 586,47 (cinco mil, quinhentos e oitenta e seis euros e quarenta e sete cêntimos);
c) No valor da indemnização de € 40,00 (quarenta euros), correspondente aos custos de cobrança da dívida (cfr. artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio);
d) Tudo no montante global de € 142 394,74 (cento e quarenta e dois mil, trezentos e noventa e quatro euros e setenta e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora vincendos até integral pagamento;
e) E absolveu a autora/reconvinda do pedido reconvencional deduzido pela ré/reconvinte, na sua totalidade.
Inconformada, veio a ré apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[3]:
1.  Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Mmo. Juiz a quo, que julgou a “ação totalmente procedente, por provado, e a reconvenção improcedente, por não provada na sua essencialidade, e em consequência condenou a Ré/Recorrente no pagamento da quantia de € 142.394,74, dos quais € 136.768,27 a título de capital devido pelas faturas emitidas pela A., € 5.586,47 juros vencidos até à data da entrada da ação, € 40,00 a custos de cobrança de divida, bem como de juros vincendos.
2. Ora, da análise do processo verifica-se que considerando a matéria invocada pelas partes bem como a matéria de facto dada como provada, a decisão de direito tinha de ser outra, impondo-se, assim, a modificação da sentença proferida no que tange à condenação da Ré, devendo a ação ser julgada totalmente não provada e improcedente.
3. Alegou a., recorrida, que celebrou com a Ré um contrato de prestação de serviços de envio de mensagens escritas, através de uma ligação da Ré ao contro de serviço de envio de mensagens escritas da Autora, tendo a. usufruído de tal serviço. Mais alega a A., que na sequência de tal prestação foram emitidas as faturas que se encontram em divida. Na sequência de falta de pagamento, a A. em outubro de 2017 suspendeu o serviço e posteriormente resolveu o contrato. Por conseguinte emitiu as faturas referentes às cinco mensalidades correspondentes ao período de outubro de 2017 até ao fim do período inicialmente contratualizado (contrato celebrado pelo período de 12 meses).
4. Defendeu-se a Ré alegando que não efetuara o pagamento das faturas uma vez que o serviço contratualizado nunca havia sido cabalmente e pontualmente cumprido pela A., pois verificou-se ab initio, uma falha no envio das mensagens com desconfiguração de caracteres especiais. Na sequência de tal incumprimento, resolveu a Ré o contrato em junho de 2017, mediante carta enviada à Autora.
5. Ademais, nunca a A. enviou à Ré comunicação/informação prevista no art. 4.º do contrato assinado nos termos da qual a partir a A. comunicaria à Ré por escrito, que do lado da MEO já se encontrava configurado o acesso ao Centro de Mensagens Escritas MEO.
6. Foi proferida sentença, condenando a Ré, recorrente, dispondo que: - “inexiste qualquer ponto específico que suporte a verificação de “incumprimento ou cumprimento
defeituoso das obrigações assumidas” pela Autora (MEO) no contrato em apreço, de modo a legitimar a (pretensa) resolução unilateral por banda da Ré – cessação assim desprovida de validade e eficácia (cfr. Cláusula 14 do contrato e artigo 432 n.º 1, a contrario sensu, do Código Civil). (…) Dai que nem sequer se possa invocar o sentido e alcance da cláusula 4, tendo em conta a impossibilidade de imputação culposa contra a operadora aqui demandante e sempre sem perder de vista que, à luz do preceituado no artigo 799.º n.º 1, do Código Civil, é o devedor – neste caso, a ora Ré – que deve provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua; sendo esta culpa apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (cfr. n.º 2).
7. Na situação em apreço, a Autora logrou, portanto, fazer prova da essencialidade dos factos constitutivos do seu direito alegado, nos termos gerais aplicáveis (cfr. artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil), ao passo que a defesa não conseguiu elidir a presunção de culpa prevista no n.º 1 do artigo 799.º do mesmo código; e, muito menos, demonstrar a matéria factual relacionada com o pedido reconvencional formulado contra a ora Autora.”
8. Crê a Recorrente que não esteve bem o Mmo. Juiz a quo na aplicação do direito aos factos dados como provados, porquanto, dando como provado que surgiram desde logo problemas com o envio das mensagens, nomeadamente através do envio/receção de símbolos desconfigurados fundamentais para a prestação do serviço pela Ré aos seus clientes, foi considerado que tal não configura um defeito na prestação por parte da A., ou eventualmente uma impossibilidade efetiva da prestação de tal serviço.
9. Na sentença proferida foi efetuada uma errada aplicação do direito ao caso concreto dos autos, devendo, por conseguinte, a decisão ser revogada, por outra, que admita a cessação licita do contrato operada pela Ré e por conseguinte, ilícita a exigibilidade das prestações atinentes à contraprestação da A. como se esta fosse ou tivesse sido devidamente efetuada, o que não foi.
10. Estamos nos presentes autos perante um contrato de prestação de serviços, ao qual, nos termos do disposto no artigo 1156.º do Código Civil, é aplicável as disposições sobre o mandato, com as necessárias adaptações. Trata-se, pois, de um contrato mediante o qual a A. se obrigou a disponibilizar uma ligação técnica do sistema do cliente ao Centro de Mensagens MEO para envio de mensagens escritas para números de rede.
11. Conforme resulta do artigo 406.º n.º 1 do Código Civil, norma também expressamente referida na sentença, “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”.
12. Resulta expressamente da sentença, o art. 1167.º quanto às obrigações do mandante, nos termos do qual “o mandante é obrigado: a) A fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não foi convencionada;” Por sua vez, resulta do disposto no art. 1161.º que incumbe ao mandatário “a) praticar os atos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante”; bem como “c) A comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu”; (negrito nosso)
13. No caso dos autos, resulta do contrato que à mandante, Ré, lhe incumbia providenciar “por tudo o que se torne indispensável à ligação discriminada no Anexo I e à respetiva manutenção” e à A., mandatária, o envio de mensagens, que pressupunha a possibilidade de o fazer cabalmente.
14. Mais incumbia à A., de acordo com o estabelecido na clausula 4.ª do contrato assinado, que “a prestação do Serviço objeto deste Contrato terá início na data em que a MEO comunicar, por escrito, à segunda outorgante que do lado da MEO já se encontra configurado o acesso ao Centro de Mensagens Escritas MEO, o que pressupõe que se encontra em boas
condições de funcionamento todos os componentes necessários à prestação desse serviço.” (negrito nosso)
15. Acontece, porém, que não só a A., na qualidade de mandatária, não praticou os atos
compreendidos no mandato, que consistia no envio das mensagens sem erros/falhas/imprecisões, como não comunicou ao mandante, Ré, com prontidão a execução ou não execução do mesmo.
Contudo, ao contrário do que se faz crer na sentença, a A. não cumpriu tais obrigações, simplesmente, porque assim não quis.
16. Não é verdade, como resulta da sentença, que a A. não agiu com dolo na falta de cumprimento das suas obrigações. Pois bem, tal como foi dado como provado, houve desde início problemas no envio das mensagens que chegavam ao destinatário com caracteres especiais desconfigurados, não cumprindo a A. com a sua prestação nos termos do contrato, e ainda que se possa admitir que tal não resulta de culpa sua, o que não se admite, também a A. incumpriu com o dever que lhe incumbia de comunicar a Ré quer a execução do mandato, que nunca comunicou – violando assim quer o disposto no art. 4.º do contrato, quer o art. 1161.º do CC – nem comunicou a não execução ou execução defeituosa do mesmo – violando de igual forma a mesma norma.
17. Pois, nos termos da cláusula 4.º do contrato, a prestação do Serviço objeto do Contrato somente teria início na data em que a MEO comunicasse, por escrito, à Ré que do lado da MEO já se encontra configurado o acesso ao Centro de Mensagens Escritas MEO, o que pressuporia que se encontrava em boas condições de funcionamento todos os componentes necessários à prestação do serviço. De facto, a A. nunca efetuou tal comunicação à Ré, pois tais “boas condições” não se verificaram conforme resulta dos factos dados como provados.
18. Resulta igualmente do contrato celebrado entre as partes, especificamente da cláusula 8.2, e como tal, também nos termos do disposto no art. 1161º que a mandatária, A., se obrigou a prestar um serviço de máxima qualidade. Máxima qualidade que conforme se demonstrou e resulta dos factos dados (facto 25 e 26 dos factos dados como provados) como provados, não se verificou.
19. A inoperacionalidade do serviço somente tem um responsável, e esse responsável é o prestador do serviço, a A., que por causa que lhe é imputável, não prestou o serviço, nem prestou qualquer comunicação propositadamente à Ré, contudo cobrando-lhe o serviço como se o tivesse prestado.
20. Ora, o serviço que deveria estar 100% operativo a partir de 1 de março de 2017, apenas ocorreu em 31 de maio de 2017, dois meses depois, tratando-se de fundamento para a resolução, que em 30 de junho de 2017 mediante carta registada com a AR enviada pela Ré à A. (conforme doc. n.º 6 junto com a contestação)
21. A A. incumpriu, ainda, outras obrigações que lhe incumbiam, pois conforme resulta dos documentos juntos aos autos, a A. na carta enviada na qual resolveu o contrato o solicitou envio da faturação e do consumo efetivamente realizado até à data da cessação do contrato, bem como o detalhe do consumo efetuado, o que, de resto, já havia solicitado na carta anterior de 17 de Maio, sendo que a falta desta informação por parte da A. também comporta numa violação da cláusula 7.1 do contrato e bem assim, do disposto no art. 1161 do CC. Obrigação que que a A. não cumpriu porque simplesmente não quis e para tal basta ver os documentos juntos pela A. na sua petição inicial para verificar que nunca as faturas foram detalhadas!
22. A Ré resolveu o contrato com justa causa em 31 de junho de 2017 com efeitos imediatos, nos termos da cláusula 14.º do contrato, pois dispõe a cláusula 14.1 que “(…) qualquer das partes poderá, a qualquer momento, resolver o presente contrato em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações assumidas pela outra parte, nos termos do número seguinte.” E a 14.2 que “a resolução opera automaticamente na data da receção de comunicação escrita para o efeito remetida por uma parte à outra, invocando os respetivos fundamentos, e importa a extinção imediata de quaisquer direitos ou obrigações assumidas pelas partes ao abrigo do presente contrato (…)” (negrito nosso).
23. Na realidade, a suspensão de serviço alegada pela A. na sua petição inicial deveu-se sim à resolução operada pela Ré e não ao alegado incumprimento da Ré no pagamento do preço. A Ré não efetuou o pagamento das faturas emitidas pela A. uma vez que, conforme resulta dos factos dados como provados, as mensagens enviadas pela A. chegavam ao seu destinatário com problemas e tendo a Ré, na sequência de tal facto, além de não ter efetuado o pagamento,
resolvido o contrato celebrado. Resolução a operar automaticamente, conforme se encontra
estalecido no contrato assinado entre as partes.
24. Estabelece o art. 798.º do CC, que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”. E de acordo com o art. 799.º, presume-se nestes casos a culpa do prestador do serviço (devedor) cabendo-lhe, portanto, o ónus da prova de que “a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não precede de culpa sua”, o que no caso dos autos não ocorreu, antes pelo contrário, a A. agiu com dolo pois que podia e devia ter agido de outra forma, não só, mas principalmente, quanto ao cumprimento do seu dever de comunicação à Ré, que não fez!
25. Demonstrado está que não houve qualquer incumprimento contratual por parte da Ré da sua obrigação de pagamento do preço, ora recorrente, antes sim da A., que agindo com dolo, incumpriu o contrato celebrado com a Ré na prestação das obrigações que lhe incumbiam e que culminou na resolução contratual operada pela Ré, devendo a decisão proferida ser revogada por outra que admita que a falta de pagamento das faturas se deveu ao incumprimento da A., considerando improcedente, por não provado, o pedido apresentado pela A.,
Sem prescindir, Caso assim não se entenda, Sempre se dirá o seguinte
26. Ainda que se admita que tais problemas não são da responsabilidade da A., prestadora do serviço de mensagens, ou que esta não incumpriu nos demais deveres que lhe incumbiam, tais como o de informação e comunicação à Recorrente, quer dos problemas verificados que comportava uma prestação deficiente do serviço, quer do inicio efetivo da prestação nos termos da clausula 4.ª do contrato – o que somente por mera hipótese académica de admite – sempre se diga que a situação em apreço configura uma impossibilidade do cumprimento da obrigação o que comporta a extinção da obrigação, nos termos do disposto no art. 790.º do Código Civil.
27. O incumprimento do contrato traduz-se na não realização da prestação nos termos previstos no contrato. Em termos gerais, a matéria do incumprimento inclui diversas situações, reguladas nos artigos 790.º e seguintes do CC, podendo ir da simples mora (arts. 804.º e ss.), ao
incumprimento definitivo motivado por impossibilidade material (arts. 790.º e ss. e 801.º e ss.).
28. No caso dos autos, podemos apontar como principais situações de incumprimento imputável ao prestador de serviço de telecomunicações a não prestação do serviço ou a prestação do serviço com características distintas daquelas previstas no contrato e a falta de qualidade do serviço, conforme resulta dos factos 25 e 26 dados como provados.
29. A A./Recorrida sabendo, como soube, que as mensagens estavam a ser recebidas pelos clientes da Recorrente com problemas, deveria, juntamente com a Ré, tentar solucionar o problema. Não conseguindo – como não conseguiram – deveria ter aceitado a resolução do contrato ou, eventualmente a revogação do mesmo por impossibilidade da prestação do serviço acordado, nos termos do disposto no art. 790.º do CC, pois que a impossibilidade da prestação comportaria a extinção da obrigação.
30. Verificando-se uma situação de incumprimento por impossibilidade total imputável ao prestador do serviço, determina o n.º 2 do art. 801.º, que o “credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato”. Daqui resulta, portanto, que a Recorrente, no papel de credora, poderia resolver o contrato, o que fez, não tendo neste caso, ainda que se encontre dentro do período de fidelização, a obrigação de pagar a penalização pela resolução antecipada.
31. A./Recorrida, constatando, conforme constatou, que o serviço não estava a ser devidamente prestado, ainda que por causa inimputável às partes (admita-se que por incompatibilidade de softwares das partes, por exemplo) ao continuar a faturar um serviço após de tal facto ter conhecimento, configura um verdadeiro abuso de direito por parte da Recorrida.
32. A A., ao longo de todo o processo foi sempre tendo conhecimento da posição da Ré e os problemas existentes na prestação do serviço, contudo, a A. numa posição intransigente, de difícil acesso e abusadora, faturou e peticionou as quantias que acabou por reclamar judicialmente e que deram origem aos presentes autos.
33. A aplicação do princípio da boa-fé, no âmbito contratual, a ambas as partes encontra-se expressamente prevista no n.º 2, do art. 762.º, do CC, segundo o qual, “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.
34. Nas palavras de LUÍS MENEZES LEITÃO (Direito das Obrigações, vol. II, 2011, p. 149), Se, por um lado, o devedor não pode “realizar a prestação em termos tais que, embora respeitando formalmente a vinculação assumida, a sua atuação se mostre inadequada à satisfação do interesse do credor ou possa vir a causar-lhe danos”, também o credor “deve adequar a sua conduta por forma a permitir a realização da prestação pelo devedor e evitar a ocorrência de danos para este”. Pois, a imposição do respeito pelo princípio da boa-fé no âmbito do vínculo contratual visa preservar as legítimas expectativas das partes que se obrigam por via de um contrato e a máxima satisfação dos seus interesses, prevenindo-se a produção de danos ou
sacrifícios desnecessários para as partes.
 35. Ora, a A. nos presentes autos a recorrida, mesmo verificando a prestação deficiente de um serviço por impossibilidade da prestação devida do mesmo, manteve as cobranças do mesmo, a coberto de um período de fidelização, não acatando a resolução contratual operada pela Recorrente, nem lhe dando qualquer resposta.
36. A situação em apreço, de facto e juridicamente alegada pela A. prefigura e consubstancia uma violação flagrante do princípio da boa-fé e da tutela do fim social e económico dos direitos invocados, consistindo numa verdadeira situação de abuso de direito.
37. Deste modo, o pagamento peticionado pela A./Recorrente nos presentes autos, na medida em que exige o pagamento de um serviço que, por causa inimputável às partes não estava a ser prestado – impossibilidade de prestação da obrigação – não aceitando a resolução operada pela Recorrente, comporta uma clara situação de abuso de direito, devendo, assim, a decisão a quo, ser revogada.
A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação da ré.
Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[5],[6]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por ATLAS AZUL, LDA, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:
1.)  Saber se há incumprimento contratual da apelada/ autora e, consequentemente, se é lícita a resolução do contrato efetuado pela apelante/ré.
2.)  Saber da impossibilidade do cumprimento da prestação pela apelada/autora.
3.) Saber se a apelada/autora atuou em abuso de direito.             
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1. A Autora tem por objeto a conceção, construção, gestão e exploração de redes e infraestruturas eletrónicas, a prestação de serviços de comunicações eletrónicas, serviços de
transporte e difusão de sinal de telecomunicações de difusão e atividade de televisão, a
prestação de serviços nas áreas de sistemas e tecnologias de informação, sociedade da
informação, multimédia e comunicação e respetivos conteúdos, incluindo atividades de
processamento e alojamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas,
o desenvolvimento e comercialização de produtos de equipamentos de comunicações
eletrónicas, tecnologias de informação e comunicação, atividade de comércio eletrónico e
prestação de serviços de formação e consultoria nas áreas que integram o seu objeto social,
bem como, ainda, exerce atividades complementares, subsidiárias ou acessórias das referidas
anteriormente;
2. A atividade comercial da Ré consiste, entre outras, na oferta de SMS, oferecendo
uma solução especial para as empresas enviarem para os seus clientes notícias, avisos ou
lembretes, extratos de cartão de crédito, faturas, publicidade promocional e saudações;
3. No âmbito das respetivas atividades, Autora e Ré celebraram, em 1 de março de
2017, um contrato para prestação do serviço de envio de mensagens escritas, através de uma
ligação da Ré ao Centro do Serviço de envio de mensagens escritas da MEO (SMS – C), tudo
como melhor consta do documento junto a fls. 7 a 12 (contrato e respetivos anexos);
4. O serviço contratado consiste na disponibilização, pela Autora, de uma ligação
técnica do sistema do cliente ao Centro de Mensagens MEO (cláusula 2), para o envio de
mensagens escritas para números de rede;
5. As funcionalidades do serviço contratado de envio de mensagens escritas e a
descrição técnica da ligação constam do anexo I do contrato celebrado, designadamente, a
terminologia e protocolo adotados, o desenvolvimento da aplicação externa da Ré, Endereços
IP, Short number, número do Centro de Mensagens, Código das Mensagens, período de
armazenamento e limitações no envio;
6. Nos termos do contrato (cláusula 3.2), a Ré responsabilizou-se pela disponibilização dos meios indispensáveis para proceder à ligação discriminada no anexo I e à respetiva manutenção, sendo, de igual modo, da sua responsabilidade todos os custos daí resultantes;
7. A transmissão de mensagens e/ou dados pela Ré corresponde, nos termos do
contrato, a uma mera comunicação entre o seu sistema informático e o Centro de Mensagens
Escritas da MEO, não envolvendo qualquer tipo de intervenção humana ou o conhecimento
do conteúdo das mensagens escritas por parte da Autora (cláusulas 3.4 e 8.5);
8. A Autora é responsável, apenas, pela entrega de mensagens escritas, destinadas a
números cujos equipamentos terminais estejam tecnicamente preparados ou configurados
para o efeito (cláusula 3.5);
9. Mediante o pagamento do tarifário estabelecido (anexo II);
10. A mensalidade contratada pela ligação foi condicionada à adjudicação da proposta pelo prazo de 12 meses, alvo de um desconto de 5 % e fixada no valor de € 12 350,00 acrescido de IVA, no total de € 15 190,50 (anexo II – notas);
11. Conforme acordado (cláusula 7), a Autora obrigou-se a enviar, mensalmente, a fatura com os valores devidos pela prestação do serviço;
12. A Ré obrigou-se a liquidar as faturas no prazo de 30 dias após a data da sua
receção;
13. O contrato foi celebrado por um período de 12 meses;
14. O contrato celebrado e o serviço contratado foi associado à conta cliente n.º
……., e a Large Acount (Solução B2B para envio de SMS onde a Autora disponibiliza os
canais através do SMSCenter), implementada em 13 de fevereiro de 2017;
15. Consta do anexo I ao contrato suprarreferido, no campo atinente ao código das
mensagens, que “as mensagens usarão o código “GSM Standard set”;
16. A Autora emitiu faturas referindo “Mensalidades de Serviços de Comunicação”,
reportadas ao período de março a setembro de 2017, respetivamente:
- 4 de abril de 2017 (……87);
- 4 de maio 2017 (……71);
- 4 de junho de 2017 (……25);
- 4 de julho de 2017 (……53);
- 4 de agosto de 2017 (……16);
- 4 de setembro de 2017 (……70);
- 4 de outubro 2017 (……46);
17. Por referência às faturas de 4 de abril, 4 de maio e 4 de junho de 2017, foram
emitidas notas de crédito (116/……59, 116/……38 e 116/……49) em 5 de maio de
2017, 2 de junho de 2017 e 14 de junho de 2017, nos montantes de € 12 781,39, € 12 271,00 e € 6
262,84;
18. A Ré não procedeu ao pagamento das faturas acima indicadas no ponto 16;
19. Com a data de 30 de junho de 2017, a Ré enviou à Autora a missiva junta a fls. 47
dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, informando a Autora que considerava o contrato
rescindido a partir dessa data, conforme previsto na cláusula 14;
20. A Autora procedeu à resolução do contrato mediante comunicação enviada à Ré
com a data de 7 de junho de 2018, conforme documento junto a fls. 23 verso e cujo teor se dá
por reproduzido;
21. Carta à qual respondeu a Ré por carta registada em 4 de julho de 2018, conforme
documento junto a fls. 48 verso e 49, que se dá por reproduzido;
22. A Autora, por carta datada de 10 de agosto de 2017, interpelou a Ré para proceder
ao pagamento do valor em dívida, tudo como melhor consta do documento junto a fls. 48
dos autos e aqui se dá por reproduzido;
23. A Autora, na sequência da resolução do contrato acima referida no ponto 20,
procedeu à emissão da fatura n.º ……344 de junho de 2018, no valor de € 61 750,00 e
correspondente às cinco mensalidades devidas pela Ré desde outubro até à extinção do
contrato (cfr. documento de fls. 24 e 24v), fatura que a Ré não pagou;
24. Do teor da cláusula 4 (sob a epígrafe “Início da prestação do Serviço”) do contrato
consta que “A prestação do Serviço objeto deste Contrato terá início na data em que a MEO
comunicar, por escrito, à Segunda Contraente que do lado da MEO já se encontra configurado o acesso ao Centro de Mensagens Escritas da MEO, o que pressupõe que se encontrem em boas condições de funcionamento todos os componentes necessários à prestação desse Serviço” (a fls. 8);
25. Quando iniciou o envio de mensagens começaram a surgir alguns problemas, pois
as mensagens enviadas pela Ré chegavam ao seu destino com caracteres especiais desconfigurados, designadamente o símbolo €;
26. A Ré utiliza o símbolo € em muitas das suas mensagens, uma vez que presta serviços de envio de mensagens de, entre outras informações, extratos de cartão de crédito, faturas, publicidade promocional;
27. Após a receção da fatura relativa ao mês de abril de 2017, a Ré, por carta datada
de 17 de maio de 2017, sequencial a uma comunicação anterior de 3 de maio de 2017, comunicou à Autora que “(…) por questões técnicas que não nos são imputáveis o fornecimento do serviço ainda não se encontra operativo, conforme aliás previsto na clausula 4ª. O nosso departamento
técnico solicitou várias vezes a resolução do problema relacionado com caracteres especiais. Até hoje uma solução definitiva não foi fornecida por o vosso departamento técnico” (cfr. fls. 46v); solicitando a anulação da fatura ……71, relativa ao dito mês de abril, e a emissão imediata da fatura com os consumos efetivos realizados durante o mês de abril.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
I. A Ré usa a GSM-7 Standard com Data Coding Scheme 0 com o formato HEX, conforme descrito em: https://en.wikipedia.org/wiki/GSM_03.38, à semelhança da grande maioria dos operadores de telecomunicações;
II. O sistema de codificação usado pela Ré está “dentro” do referido sistema de código
“GSM Standard set” referido no contrato;
III. A Ré ficou convencida que o sistema que utilizava estava garantido pelo contrato,
uma vez que usava um subsistema do sistema garantido pela Autora;
IV. Constatando tal facto e indagando no sentido de perceber a origem do problema,
foi-lhe explicado, apenas nessa ocasião, que a Autora usava sistema de código o Data Coding
Scheme 0 e o formato HEX usado na codificação Latin-1;
V. O sistema de código usado pela Autora é um subsistema ligeiramente incompatível com o da Ré, o que comportava a desconfiguração dos caracteres especiais;
VI. O que apenas foi explicado à Ré naquele momento;
VII. A Ré, mesmo tendo forçado o seu sistema a adotar a codificação de dados da Autora, continuou a ter problemas com o símbolo €;
VIII. Em codificação Latin-1 o símbolo € não é suportado e, por esse motivo, a Ré teve
de criar uma solução alternativa no seu SMSC para usar o HEX A4 ao enviar o símbolo €;
IX. A Ré utiliza o sistema mais usado pelos operadores de telecomunicações, tratando-se de um protocolo comum usado pelos operadores;
X. A Autora usa um sistema de códigos diferente da grande maioria dos utilizadores, não tendo informado a Ré desse facto;
XI. Se a Ré tivesse tido conhecimento que o seu sistema de códigos não era assegurado, nunca teria celebrado o referido contrato;
XII. A Autora não procedeu ao envio da faturação detalhada;
XIII. O serviço, que deveria estar 100 % operativo a partir de 1 de março de 2017,
apenas o ficou em 31 de maio de 2017;
XIV. À missiva referida no ponto 22 dos factos provados (carta da Autora datada de 10 de agosto de 2017), respondeu a Ré, na pessoa dos seus Mandatários, em setembro de 2017, informando que, em virtude do incumprimento contratual da Autora, a Ré havia resolvido o contrato, não se encontrando em dívida o valor peticionado;
XV. Mais solicitando o ajustamento da faturação àquele efetivamente efetuado pela Ré, com informação detalhada do consumo nos meses de março a maio de 2017;
XVI. Só em 27 de março de 2018 a Ré conheceu o detalhe da sua faturação;
XVII. Vários clientes da Ré, constatando que, a partir de março de 2017, as mensagens que enviavam através da plataforma da Ré para os seus clientes chegavam com caracteres desformatados, começaram a ficar descontentes, acabando por não renovar os serviços que vinham a subscrever com a Ré já há algum tempo;
XVIII. Parte dos clientes assíduos e históricos da Ré – aos quais esta já prestava o serviço de mensagens há vários anos (alguns, desde 2013) – acabaram por não renovar o serviço de subscrição de mensagens com a Ré a partir de março de 2017;
XIX. Clientes e contratos que representaram, no período de agosto de 2016 até março de 2017, um valor de faturação da Ré de € 36 871,16;
XX. O envio deficiente de mensagem, com a desformatação de caracteres especiais, afetou a imagem comercial da Ré e o seu crédito comercial.
2.3. O DIREITO
Delimitada a matéria de facto, que não vem impugnada[7], importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[8] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.)  SABER SE HÁ INCUMPRIMENTO CONTRATUAL DA APELADA/AUTORA E, CONSEQUENTEMENTE, SE É LÍCITA A RESOLUÇÃO DO CONTRATO EFETUADO PELA APELANTE/RÉ.
A apelante alegou que “não só a autora, na qualidade de mandatária, não praticou os atos compreendidos no mandato, que consistia no envio das mensagens sem erros/falhas/imprecisões, como não lhe comunicou, com prontidão a execução ou não execução do mesmo”.
Mais alegou que “a inoperacionalidade do serviço somente tem um responsável, e esse responsável é o prestador do serviço, a autora, que por causa que lhe é imputável, não prestou o serviço, nem lhe prestou qualquer comunicação, contudo cobrando-lhe o serviço como se o tivesse prestado”.
Assim, concluiu que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
Vejamos a questão.
Contrato de prestação de serviços, é definido como aquele em que uma das partes se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade manual ou intelectual a outra pessoa – art. 1154.º, do CCivil.
O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado – art. 762º, nº 1, do CCivil.
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor – art. 798º, do CCivil.
Está provado que:
– No âmbito das respetivas atividades, Autora e Ré celebraram, em 1 de março de 2017, um contrato para prestação do serviço de envio de mensagens escritas, através de uma ligação da Ré ao Centro do Serviço de envio de mensagens escritas da MEO (SMS – C) – facto provado nº 3.
–  O serviço contratado consiste na disponibilização, pela Autora, de uma ligação técnica do sistema do cliente ao Centro de Mensagens MEO (cláusula 2), para o envio de mensagens escritas para números de rede – facto provado nº 4.             
– Nos termos do contrato (cláusula 3.2), a Ré responsabilizou-se pela disponibilização dos meios indispensáveis para proceder à ligação discriminada no anexo I e à respetiva manutenção, sendo, de igual modo, da sua responsabilidade todos os custos daí resultantes – facto provado nº 6.
– A transmissão de mensagens e/ou dados pela Ré corresponde, nos termos do
contrato, a uma mera comunicação entre o seu sistema informático e o Centro de Mensagens Escritas da MEO, não envolvendo qualquer tipo de intervenção humana ou o conhecimento do conteúdo das mensagens escritas por parte da Autora (cláusulas 3.4 e 8.5) – facto provado nº 7.
– A Autora é responsável, apenas, pela entrega de mensagens escritas, destinadas a números cujos equipamentos terminais estejam tecnicamente preparados ou configurados para o efeito (cláusula 3.5) – facto provado nº 8.
– Do teor da cláusula 4 (sob a epígrafe “Início da prestação do Serviço”) do contrato consta que “A prestação do Serviço objeto deste Contrato terá início na data em que a MEO comunicar, por escrito, à Segunda Contraente que do lado da MEO já se encontra configurado o acesso ao Centro de Mensagens Escritas da MEO, o que pressupõe que se encontrem em boas condições de funcionamento todos os componentes necessários à prestação desse Serviço” (a fls. 8) – facto provado nº 24.
– Quando iniciou o envio de mensagens começaram a surgir alguns problemas, pois as mensagens enviadas pela Ré chegavam ao seu destino com caracteres especiais desconfigurados, designadamente o símbolo € – facto provado nº 25.
– A Ré utiliza o símbolo € em muitas das suas mensagens, uma vez que presta serviços de envio de mensagens de, entre outras informações, extratos de cartão de crédito, faturas, publicidade promocional – facto provado nº 26.
O devedor está obrigado não só ao que se estipulou mas também ao que decorra do convencionado segundo as regras da boa-fé[9].
Consistindo o cumprimento na realização pelo devedor da prestação a que está vinculado (art. 762º, nº 1), este atuará ilicitamente sempre que se verifique qualquer situação de desconformidade entre a sua conduta e o conteúdo do programa obrigacional[10].
Verifica-se uma situação de cumprimento defeituoso da obrigação quando o devedor, embora realizando uma prestação, essa prestação não corresponde integralmente à obrigação a que se vinculou, não permitindo assim a satisfação adequada do interesse do credor[11].
A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado[12].
Nos presentes autos, como contratado, a apelada/autora obrigou-se a disponibilizar uma ligação técnica do sistema do cliente ao Centro de Mensagens MEO para envio de mensagens escritas para números de rede.
Porém, da matéria de facto provada, não resulta que a apelada/ré tivesse incumprido a prestação a que estava vinculada, isto é, que não tivesse procedido à entrega das mensagens escritas a números cujos equipamentos o estivessem tecnicamente preparados ou configurados para o efeito.
Desta matéria, pese embora as mensagens enviadas pela apelante chegarem ao destino com caracteres especiais desconfigurados, não resulta que tal resultado se deva a qualquer atuação ilícita da apelada e, consequentemente, da sua responsabilidade por essa desconfiguração dos caracteres (a testemunha AA, referiu que a dificuldade em enviar o símbolo €, só poderia ter que ver com uma errada configuração dos caracteres pela apelante/ré).
Isto é, por um lado, não se provaram os motivos pelos quais as mensagens enviadas pela apelante chegavam ao destino com caracteres especiais desconfigurados e, por outro, o serviço contratado consistia apenas na disponibilização de uma ligação técnica do sistema do cliente ao Centro de Mensagens MEO, para o envio de mensagens escritas para números de rede.
Assim, se as mensagens chegavam ao destino com caracteres especiais desconfigurados, não se provou, se tal se deveu a qualquer atuação da apelada por deficiência na execução do contratado, pois esta, como contratado, disponibilizava apenas uma ligação técnica para o envio das mensagens escritas, não lhe competindo qualquer outra obrigação (responsabilizando-se, pois, pela entrega de mensagens escritas, destinadas a números cujos equipamentos terminais estejam tecnicamente preparados ou configurados para o efeito).
Acresce dizer que também não se provou que aquando do envio das mensagens para o Centro de Mensagens, os caracteres especiais não estavam desconfigurados e, tal só ocorria posteriormente, isto é, quando chegavam ao seu destino, e que por isso tal se devia a uma falha do sistema da apelada e desconforme com o contratado para este tipo de serviço.
Deveria, pois, a apelante ter provado que ao enviar as mensagens os caracteres não estavam desconfigurados, e tal desconfiguração só ocorria depois de disponibilizada a ligação técnica para o seu envio para números de rede cujos equipamentos o estivessem tecnicamente preparados ou configurados para o efeito.
Nesta hipótese, é que poderia haver cumprimento defeituoso por parte da apelada/autora, pois as mensagens eram enviadas para o Centro de Mensagens com os caracteres devidamente configurados, e a sua desconfiguração só ocorria com a respetiva entrega.
Ora, como se referiu, se os caracteres estavam configurados quando do envio para o Centro e depois na entrega estavam desconfigurados, é que poderia haver um cumprimento defeituoso por parte da apelada/autora.
Não se tendo provado tal facto, também nesta ótica não se poderá dizer que houve incumprimento por parte da apelada/autora.
É que também pode ter ocorrido, aquando do envio das mensagens pela apelante/ré para o Centro de Mensagens, que os caracteres já estivessem desconfigurados, caso em que, também não haveria qualquer responsabilidade da apelada na situação (v.g., a testemunha AA, referiu que a dificuldade em enviar o símbolo €, só poderia ter que ver com uma errada configuração dos caracteres pela apelante/ré).
Seria, pois, interessante ter a apelante provado tais factos, isto é, que as mensagens foram enviadas para o Centro de Mensagens da apelada com os caracteres sempre configurados, nomeadamente, o caracter €.
Temos, pois, que não se provaram os motivos pelos quais os caracteres especiais estavam desconfigurados quando chegavam ao destino, nomeadamente, que tal se devesse a uma qualquer falha da apelada/autora na execução do contratado.
Conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos “Na realidade, não basta comprovar que, quando iniciou o envio de mensagens começaram a surgir alguns problemas, pois as mensagens enviadas pela Ré chegavam ao seu destino com caracteres especiais desconfigurados, designadamente o símbolo €; e que ela
utiliza tal símbolo em muitas das suas mensagens, uma vez que presta serviços de envio de mensagens de, entre outras informações, extratos de cartão de crédito, faturas, publicidade promocional. Em nenhum momento se demonstrou, in casu, que a mencionada desconfiguração se tivesse ficado a dever a qualquer atuação desconforme por parte da Autora, e para tal se deverá percorrer alguns dos factos não provados, que a excluem (cfr. pontos I a XVI), bem como toda a contraprova desenvolvida nos autos pela Autora, já acima explicitada”.
A apelante alegou ainda que “a prestação do Serviço teria início na data em que a autora comunicasse, por escrito, que já se encontrava configurado o acesso ao Centro de Mensagens Escritas, o que pressuponha que se encontravam em boas condições de funcionamento todos os componentes necessários à prestação desse serviço”.
Ora, pese embora a apelada/ré não ter comunicado o início da prestação do Serviço, de tal facto, não se pode concluir, que o serviço não estava operativo, pois, desde março de 2017, que o mesmo foi prestado pela apelada.
Não será, pois, pelo facto de não se ter comunicado o início da prestação do Serviço, que se pode concluir que o mesmo não estava operacional, ou como entende a apelante, em “boas condições”.
Como entendeu o tribunal a quo, que subscrevemos “nem é curial, tão-pouco, que se defenda seriamente não ter a Autora dado início à prestação do serviço (cfr. cláusula 4 do contrato), na medida em que, tanto quanto se convocou nos autos, nada aponta para que, do lado da MEO, houvesse algum problema evidenciado ao nível da desconfiguração do acesso ao Centro de Mensagens Escritas. Desde março de 2017 que o serviço foi prestado pela Autora nos termos acordados, na parte que lhe respeitava, pelo que não se divisa qualquer imputação de incumprimento”.
Concluindo, não se provando qualquer atuação ilícita da apelada/autora na execução do contrato (no caso, que a desconfiguração de caracteres especiais se devesse a falha sua), isto é, qualquer situação de desconformidade entre a sua conduta e o conteúdo do que se obrigou, cumpriu a obrigação a que estava contratualmente vinculada para com a apelante/ré (entrega de mensagens escritas, destinadas a números cujos equipamentos terminais estejam tecnicamente preparados ou configurados para o efeito).
Mais alegou a apelante que “resolveu o contrato com justa causa em 31 de junho de 2017 com efeitos imediatos, nos termos da cláusula 14.º do contrato, pois dispõe a cláusula 14.1 que “(…) qualquer das partes poderá, a qualquer momento, resolver o presente contrato em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações assumidas pela outra parte, nos termos do número seguinte”.
A resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato[13].
A resolução, como se retira do artigo 432.º e seguintes do Código Civil, pode fundar-se em convenção das partes ou na lei.
É uma faculdade de pôr termo a contrato por justa causa, que é potestativa, mas não discricionária[14].
A resolução caracteriza-se ainda por ser normalmente de exercício vinculado (e não discricionário), no sentido de que só pode ocorrer se se verificar um fundamento legal ou convencional que autorize o seu exercício (art. 432º, n.º 1). Assim, se ocorrer esse fundamento, o contrato pode ser resolvido. Se não ocorrer, a sua resolução não é permitida (cfr. art. 406º, n.º 1)[15].
Quanto aos fundamentos contratuais é livre a sua estipulação, através das denominadas cláusulas resolutivas expressas, pelas quais se indicam circunstâncias cuja verificação eventual permite o recurso à resolução do contrato[16].
A inexistência ou a mera aparência de motivo válido para resolver o contrato, por um dos contraentes, determina a ilegitimidade da própria resolução efetuada[17].
Como se referiu, não se provando qualquer incumprimento contratual da apelada/autora na execução do contrato, não se verificava o alegado fundamento por justa causa para resolução do contrato de prestação de serviços outorgado entre as partes.
Não ocorrendo fundamento válido para resolver o contrato, por inexistir incumprimento ou cumprimento defeituoso pela apelada/autora, é ilegítima a resolução efetuada pela apelante/ré.
Temos, pois, conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos “Inexiste qualquer ponto específico que suporte a verificação de “incumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações assumidas” pela Autora (MEO) no contrato em apreço, de modo a legitimar a (pretensa) resolução unilateral por banda da Ré – cessação assim desprovida de validade e eficácia (cfr. cláusula 14 do contrato e artigo 432.º, n.º 1, a contrario sensu, do Código Civil).
Concluindo, por falta de fundamento resolutivo, foi ilegítima a resolução efetuada pela apelante/ré.
Destarte, improcedem, nesta parte, as conclusões 1ª) a 25ª), do recurso de apelação.
2.)  SABER DA IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO DA PRESTAÇÃO PELA APELADA/AUTORA.
A apelante alegou que “a situação em apreço configura uma impossibilidade do cumprimento da obrigação o que comporta a extinção da obrigação, nos termos do disposto no art. 790.º do Código Civil”.
Assim, concluiu que “a obrigação se extingue quando a prestação se torna
impossível por causa não imputável ao devedor”.
Vejamos a questão.
A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor – art. 790º, nº 1, do CCivil.
Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro – art. 801º, nº 2, do CCivil.
Constitui causa de extinção das obrigações a impossibilidade da prestação, que nos surge referida nos arts. 790º e segs. No entanto, para que a impossibilidade da prestação possa acarretar a extinção da obrigação ela tem de ser superveniente, objetiva, absoluta e definitiva[18].
A impossibilidade da prestação só extingue o vínculo obrigacional se for superveniente, ou seja, ocorrer após a constituição da dívida[19].
Para produzir a extinção da obrigação, a impossibilidade tem igualmente de ser objetiva, ou seja, dizer respeito à prestação em si, independentemente da pessoa que a realizar. Pelo contrário, se a impossibilidade for subjetiva, ou seja, disser respeito ao devedor, por apenas este estar impossibilitado de prestar, em princípio não ocorre a extinção da obrigação, já que, existindo uma legitimidade genérica para o cumprimento, o devedor tem o dever de se fazer substituir por outrem nesse cumprimento[20].
Verifica-se impossibilidade objetiva da prestação quando aquela atinge todos porque é humanamente irrealizável, isto é, quando é o próprio objeto da obrigação que é insuscetível de realização[21].
A impossibilidade superveniente da prestação que não se deva a culpa do devedor extingue a obrigação. Esta impossibilidade ocorre não apenas quando algum facto fortuito ou de força maior impede definitiva e irremediavelmente a realização da prestação debitória, mas também quando é um facto do credor que a impossibilita[22].
A impossibilidade tem igualmente que ser absoluta, no sentido de que a prestação se torne efetivamente irrealizável, não bastando uma impossibilidade relativa, correspondente à maior dificuldade de realização da prestação[23].
Finalmente, para provocar a extinção da obrigação, a impossibilidade tem que ser definitiva[24].
Ora, dos autos não resulta qualquer impossibilidade superveniente na realização da prestação (o serviço foi prestado desde março de 2017), que essa impossibilidade seja objetiva (diga respeito à realização da prestação em si), absoluta (que a prestação se torne irrealizável, pois continua a ser possível) e, definitiva.
Temos, pois, que a obrigação era (e foi) possível de ser prestada desde março de 2017, não ocorrendo qualquer impossibilidade na realização do serviço que acarrete a extinção da obrigação e que seja imputável à apelada/autora.
Assim sendo, não havendo qualquer incumprimento definitivo e culposo imputável à apelada/autora, não assiste à apelante/ré a faculdade de resolver o contrato, como o fez.
Concluindo, não se verificando uma situação de incumprimento por impossibilidade total imputável ao
prestador do serviço, não tem direito a apelante/ré a resolver o contrato.
Destarte, improcedem, nesta parte, as conclusões 26ª) a 30ª) do recurso de apelação.
3.) SABER SE A APELADA/AUTORA ATUOU EM ABUSO DE DIREITO.
A apelante alegou que “constatando que o serviço não estava a ser devidamente prestado, por causa inimputável às partes (admita-se que por incompatibilidade de softwares das partes, por exemplo) ao continuar a faturar um serviço após de tal facto ter conhecimento, configura um verdadeiro abuso de direito por parte da Recorrida”.
Assim, concluiu que “o comportamento do banco exequente, comporta uma clara situação de abuso de direito, devendo, assim, a decisão a quo, ser revogada.”.
Vejamos a questão.
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse
direito – art. 334º, do CCivil.
A ilegitimidade do abuso de direito tem as consequências de todo o ato ilegítimo: pode dar lugar à obrigação de indemnizar; à nulidade, nos termos gerais do art. 294°; à legitimidade de oposição; ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade[25].
O excesso cometido tem de ser manifesto, para poder desencadear a aplicabilidade do art. 334º, do CCivil.
Por isso, os tribunais só podem fiscalizar a moralidade dos atos praticados no exercício dos direitos ou a sua conformidade com as razões sociais e económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso.
Porém, para que haja o citado abuso tem no uso do direito de haver sempre um excesso manifesto[26].
O que significa que a existência do abuso do direito tem de ser facilmente apreensível sem que seja preciso o recurso a extensas congeminações.
E, poderá o abuso de direito ser objeto de conhecimento oficioso?
Há que distinguir e apurar se o exercício abusivo interfere com regras de interesse e de ordem pública. Tal ocorre na violação de limites impostos pelos bons costumes, pelo fim social e económico do direito ou pela ordem pública. Mas não já quando esses limites são impostos pela boa fé; neste caso, em geral, os litígios decorrentes do abuso respeitam a interesses de ordem particular, cabendo ao interessado o ónus de invocar e de fazer valer o princípio e a sua violação; disso depende o conhecimento do abuso pelo tribunal[27].
É admissível o conhecimento oficioso do exercício abusivo do direito, quando sejam excedidos os limites impostos pelos bons costumes, pela ordem pública e pelo fim social ou económico do direito em causa. Em sede de boa fé, à regra geral, segundo o qual não é de admitir o conhecimento oficioso do abuso de direito, há que fazer uma reserva. O tribunal pode ex officio conhecer do abuso de direito por manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, se respeitar a questão em que o conhecimento oficioso seja admitido[28].
O Supremo tem entendido que não pode conhecer do abuso do direito que não tenha sido suscitado perante os tribunais de instância[29].
Concluindo, pese embora doutrina[30] e jurisprudência[31],[32] contrária, entendemos que o abuso de direito só poderá ser objeto de conhecimento oficioso quando sejam excedidos os limites impostos pelos bons costumes[33],[34],[35], pela ordem pública[36] e pelo fim social ou económico do direito em causa, mas já não quando esses limites são impostos pela boa fé[37],[38].
Quanto aos poderes do tribunal ad quem, o direito comparado contempla-nos com dois sistemas distintos: o do reexame, que permite ao tribunal superior a reapreciação da questão decidida pelo tribunal a quo; e o de revisão ou reponderação que apenas lhe possibilita o controlo da sentença recorrida[39].
O direito português segue o modelo de recurso de revisão ou reponderação. Daí o tribunal ad quem produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo tribunal a quo, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este[40].
Recursos, «em sentido técnico-jurídico, são os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida». Meios que visam modificar as decisões recorridas, que não criar decisões sobre matéria nova, não podendo assim neles ser versadas questões que não hajam sido suscitadas perante o tribunal recorrido (isto salvas as questões de natureza adjetivo-processual e substantivo-material que sejam de conhecimento oficioso)[41].
Na fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objeto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. A demanda do tribunal superior está circunscrita a questões que já tenham sido submetidas ao tribunal de categoria inferior, sem prejuízo da possibilidade de apreciar questões de conhecimento oficioso[42].
Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre[43].
A apelante alegou que “o serviço não estava a ser devidamente prestado, por causa inimputável às partes (admita-se que por incompatibilidade de softwares das partes, por exemplo) ao continuar a faturar um serviço após de tal facto ter conhecimento, configura um verdadeiro abuso de direito por parte da Recorrida”.
Ora, como o alegado exercício abusivo do direito da apelada não interfere com regras de interesse e de ordem pública, mas com os limites impostos pela boa fé, tal questão não sendo de conhecimento oficioso, devia ser arguida pelo respetivo interessado, no caso, pela apelante/ ré.
Porém, a questão ora suscitada pela apelante de abuso do exercício do direito pela apelada, nunca foi suscitada ao tribunal a quo, razão pela qual, este tribunal está impedido dela conhecer.
Isto, porque só se a questão fosse de conhecimento oficioso, v.g., porque o exercício abusivo do direito interferia com regras de interesse e de ordem pública, é que este tribunal podia dela conhecer oficiosamente, o que não acontece no caso sub judice, pois o exercício abusivo respeita aos limites impostos pela boa fé, cabendo, neste caso, ao interessado o ónus de invocar e de fazer valer o princípio e a sua violação.
Assim, competindo a este tribunal reapreciar questões já submetidas à apreciação do tribunal a quo, por se tratar de questão nova (não é de conhecimento oficioso o alegado exercício abusivo do direito por não interferir com regras de interesse e de ordem pública), nunca submetida ao conhecimento daquele tribunal a quo, dela não se toma conhecimento.
Destarte, improcedem, nesta parte, as conclusões 31ª) a 37ª) do recurso de apelação.

3. DISPOSITIVO         
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar-se a decisão recorrida.       
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pela apelante (na vertente de custas de parte, por outras não haver[44]), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida[45].
                           
Lisboa, 2021-11-04[46],[47]
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins
_______________________________________________________
[1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[2] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.
[3] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[4] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[5] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.
[6] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[7] Quando não tenha sido impugnada, nem haja lugar a qualquer alteração da matéria de facto, o acórdão limita-se a remeter para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria – art. 663º, nº 6, do CPCivil.
[8] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º, nº 3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.
[9] GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 3ª ed., p. 24.
[10] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 3ª ed., p. 245.
[11] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 3ª ed., p. 265.
[12] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral , vol. 2º, 7ª ed., p. 94.
[13] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª ed., p. 275.
[14] OLIVEIRA ASCENSÃO, Teoria Geral do Direito Civil, vol. IV, p. 319.
[15] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, vol. II, 3ª ed., p. 99.
[16] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, vol. II, 3ª ed., p. 99.
[17] GRAVATO MORAIS, Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, p. 164.
[18] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, vol. II, 3ª ed., p. 111.
[19] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, vol. II, 3ª ed., p. 111.
[20] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, vol. II, 3ª ed., pp. 111/12.
[21] ANA PRATA, Dicionário Jurídico, Volume I, 5ª Edição, p. 735.
[22] ANA PRATA, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, Ana Prata (Coord.), p. 1023.
[23] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, vol. II, 3ª ed., p. 112.
[24] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, vol. II, 3ª ed., p. 113.
[25] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4.a ed., Vol. 1, Coimbra Editora, pp. 299/300.
[26] PINTO FURTADO, Código Comercial Anotado, vol. II, tomo 2º, p. 540.
[27] OLIVEIRA ASCENSÃO, Teoria Geral, volume III, pp. 284/85 apud CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, volume II, 4ª edição, p. 629.
[28] LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, volume II, 4ª edição, 629.
[29] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 4ª edição, p. 300.
[30] VAZ SERRA, entende que por ser uma questão de conhecimento oficioso, o abuso de direito pode ser apreciado e decidido em recurso, mesmo que não o tenha sido pelas instâncias, e nem invocado pelas partes;
MENEZES CORDEIRO entende o tribunal pode conhecer o abuso de direito, mesmo que o interessado não o tenha expressamente mencionado; PAIS DE VASCONCELOS, não exclui o conhecimento oficioso da questão – CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, volume II, 4ª edição, pp. 628/29.
[31] A exceção de abuso do direito é do conhecimento oficioso e pode ser levantada ex-novo perante o S.T.J. em sede de recurso da revista – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-04-04, Relator: ARAÚJO DE BARROS, http://www.dgsi.pt/jstj.
[32] O abuso do direito pode ser objeto de conhecimento oficioso e, por conseguinte, o seu conhecimento não está vedado ao Tribunal ainda que a sua invocação constitua questão nova (art. 660.º do CPC) mas isso não significa que o Tribunal considere ocorrido o abuso do direito à luz de factos que não foram alegados nem se podem considerar adquiridos nos autos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-11-28, Relator: SALAZAR CASANOVA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[33] Estão aqui em causa regras de comportamento no domínio de relações familiares e sexuais (logo, de moral social) e regras deontológicas. Há abuso, por violação de tais regras, se o exercício do direito exceder manifestamente os limites por ela impostos – CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, volume II, 4ª edição, p. 620.
[34] Há que distinguir os bons costumes dos maus costumes. Esta distinção é ética e, por isso, pode ser aqui entendido, como no artigo 280º, que o limite do exercício lícito do direito se encontra na Moral, mais exatamente na não contrariedade à Moral. O Direito faz parte da Ética e nada pode valer como Direito se for contrário à Ética, à Moral, aos bons costumes – PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 243.
[35] Os bons costumes constituem a segunda limitação ao exercício de um direito: estamos perante uma cláusula geral de direito privado que remete para princípios morais sociais (que não, longe disso, necessariamente sexuais, religiosos ou ético-individuais) que devem regular o comportamento das pessoas honestas em todos os seus aspetos, incluindo, mas não restringindo, os económicos – ANA PRATA, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, Ana Prata (Coord.), p. 441.
[36] A Ordem Pública é o complexo dos princípios e dos valores que informa a organização política, económica e social da Sociedade e que são, por isso e como tal, tidos como imanentes ao respetivo ordenamento jurídico. Quando insanavelmente contrária à Moral, à Ordem Pública é imoral e, como tal, é antijurídica e não vinculante – PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, pp. 517/18.
[37] O exercício conforme a boa fé envolve um comportamento próprio de pessoas de bem e honestas, que agem com correção e lealdade, respeitando as razoáveis expectativas dos outros e a confiança que eles depositam na atuação alheia. Se o titular do direito, no ser exercício, exceder manifestamente os limites decorrentes destes padrões de conduta, há abuso – CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, volume II, 4ª edição, p. 620.
[38] O direito deve ser exercido honestamente, como deveria ser exercido por uma pessoa de bem
– PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 241.
[39] AMÂNCIO FERREIRA, Manual de Recursos em Processo Civil, 4ª ed., p. 136.
[40] AMÂNCIO FERREIRA, Manual de Recursos em Processo Civil, 4ª ed., p. 138.
[41] FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, vol. II, 2ª ed., p. 463.
[42] ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 23.
[43] AMÂNCIO FERREIRA, Manual de Recursos em Processo Civil, 4ª ed., pág. 138.
[44] Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do nº 1 do artigo 529º, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[45] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.
[46] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.
[47] Acórdão assinado digitalmente.