Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8805/19.2T9LSB-A.L1-5
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: ARRESTO
PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL
JUSTO RECEIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - Face à actual redacção do art.º 228º, nº1, do CPP, na redacção dada pela lei nº 59/98, de 25AGO, a medida de garantia patrimonial de arresto preventivo já não tem natureza subsidiária ou supletiva relativamente à caução económica, podendo ser decretada nos termos da lei civil, a requerimento do Ministério Público ou do lesado.
- No caso de ter sido fixada previamente caução económica e de não ter sido  prestada, o requerente do arresto fica dispensado da prova do fundado receio da perda da garantia patrimonial, sendo aplicáveis as normas dos art.ºs 406º e segs., do Código do Processo Civil, pelo que a prova do fumus boni iuri e do periculum in mora é feita no arresto e não no processo criminal (art.º 408º, do CPC) mas, não sendo este o caso destes autos, importa pois que se verifiquem os requisitos legais para o efeito, entre eles o justo receio de perda da garantia patrimonial.
- Para que se verifique o justo receio de perda da garantia patrimonial a que aludem os art.ºs 619º n.º 1 do CC e 406º n.º 1 do CPC, é necessário que se alegue e prove que o devedor já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração, relativamente ao seu património que, razoavelmente interpretados, inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os seus bens à acção dos credores.
- Com efeito, embora não seja necessária a certeza de que a perda da garantia se torne efectiva mas apenas que haja um receio justificado de tal perda virá a ocorrer, não basta qualquer receio, sendo necessário, no dizer da própria lei, que o receio seja justificado e não apenas subjectivamente hipotético.
. Significa isto que o requerente tem de alegar e provar factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio subjectivo, fundado em simples conjecturas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.
No processo comum n.º 8805/19.2T9LSB do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, Comarca de Lisboa, os assistentes CC e JC vieram suscitar o incidente de arresto preventivo contra a arguida AD .
Por despacho judicial de 30.04.2021 foi indeferido tal arresto preventivo requerido, por se entender não estar suficientemente provado que o devedor já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração relativamente ao património que possui em ordem a não satisfazer a divida.
Das motivações extraem os Recorrentes as seguintes conclusões:
“1. Salvo melhor opinião, é altamente provável a existência do crédito invocado pelos Apelantes enquanto Requerentes do arresto (crédito correspondente aos valores titulados pelas transferências destinadas ao suposto pagamento de impostos (não devidos) e pelos serviços (não prestados) pela Arguida;
2. Assim, e no que respeita ao fumus boni iuris, sendo a indemnização civil (cuja satisfação a presente providência de arresto preventivo visa acautelar) dependente dos ilícitos criminais que estão em investigação no processo principal, e perante o acervo factológico trazido aos presentes autos,- é inquestionável a existência da possibilidade da existência do crédito invocado pelos Apelantes, requerentes da providência (o que, e bem, não é colocado em causa pelo Tribunal a quo)-,
3. No que respeita ao “justificado receio de perder a garantia patrimonial”, considerou o Tribunal a quo o seguinte:
“ Como salientado pelo M.P., não está ainda demonstrado o justo [justificado ] receio da perda da garantia patrimonial, a que aludem os art.°s 619.°, n.º 1 do Código Civil e 406.° [391.°] do CPCivil.
A ausência da requerida da habitação (a caixa de correio está obstruída, diz o distribuidor postal) indicia até o abandono.
Não está. pois, suficientemente provado que o devedor já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração relativamente ao património que possui em ordem a não satisfazer a dívida.
Daí que, por ora, só como estes elementos, forçoso seja indeferir o arresto preventivo requerido. ”
4. Porém, cremos, o Tribunal a quo, incorre em erro de julgamento na subsunção da factualidade alegada (e já suficientemente demonstrada) às citadas normas;
5. Tanto que a Arguida não exerce, presentemente. atividade profissional remunerada, pois foi interditada definitivamente de exercer a sua atividade profissional pela sua ordem profissional (Cfr. artigos 46.° a 48.° do Requerimento Inicial e respetivo doc. 17);
6. O único património conhecido da Arguida é constituído pelo bem imóvel a arrestar, no qual tem a Arguida constituída a sua residência habitual (Cfr. artigo 53. ° do Requerimento Inicial);
7. O bem imóvel a arrestar, apesar de ter um valor de mercado de cerca de € 300.000,00, encontra-se onerado com 3 hipotecas e 1 penhora para, no total, garantir do pagamento de uma quantia superior a € 255.000,00 (Cfr. artigos 54. ° a 57.° do Requerimento Inicial e respetivo doc. 19);
8. A Arguida é executada em processo de execução fiscal movido pelo Serviço de Finanças de Mafra e consta da Lista Pública de Devedores Singulares à Autoridade Tributária e Aduaneira, por dívidas entre € 25.000,01 e € 50.000,00 (Cfr. artigo 58.° do Requerimento Inicial e respetivo doc. 21);
9. Em razão do exposto, alegaram os Apelantes que a Arguida estará em situação de incumprimento perante os seus credores e que não possui meios financeiros ou outros bens, além do direito de propriedade sobre o referido imóvel sobre o qual incide o arresto requerido, que lhe permita solver o crédito dos Apelantes;
10. Acresce, também, que resulta já suficientemente indiciado dos autos principais que a Arguida estará em paradeiro incerto e que delapidou os montantes transferidos pelos Apelantes;
11. Realmente, conforme se aduz do douto despacho recorrido, se verifica" a ausência da requerida da habitação (a caixa de correio está obstruída diz o distribuidor postal) indicia até o abandono ” (sublinhado e negrito nossos);
12. Ora, se a Arguida é proprietária de um imóvel com elevado valor de mercado, tratando-se de uma moradia, de cave, rés-do-chão e l.° andar, para habitação e logradouro, com uma área total de 511 m2 (Cfr. doc. 19) e aí deixou de residir, de tal facto se deduz que a Arguida se prepara para vender tal imóvel, já tendo mudado a sua residência para outro local, para mais facilmente concretizar a venda.
13. E, ademais, imediatamente após receber as transferências bancárias dos Apelantes documentadas a fls. 36 a 41 dos autos principais, a Arguida procedeu a transferências bancárias para 3 contas distintas nos seguintes montantes:
- (28/02/2019) € 4.500,00;
- (01/03/2019) € 4.500,00 + € 500.00;
- (04/03/2019) € 3.500,00 (Cfr. fls. 213 a 215 dos autos principais);
14. Por isso, temos por alegado e suficientemente indiciados (i) a insolvabilidade da devedora, (ii) a ausência de atividade profissional, (iii) a precária situação económica e financeira, (iv) a exiguidade do património da devedora perante o montante da dívida; (v) o abandono da sua residência, (vi) a realização de transferências bancárias para 3 contas distintas visando a delapidação e ocultação de saldos bancárias e (vii) a não devolução dos montantes entregues, após ser interpelada para o efeito;
15. Na verdade, e quanto às citadas transferências documentadas a fls. 213 a 215, para 3 contas bancárias incertas, inculcam o receio objetivo de que a Arguida delapidou já e ocultou os seus saldos bancários;
16. Por isso, e sempre salvo melhor opinião, mostra-se alegada e indiciariamente demonstrada a existência de um circunstancialismo objetivo que, justificada e plausível mente, faça perspetivar o perigo de se tornar inviável ou altamente precária a cobrança do crédito dos Apelantes;
17. Realmente, o património da Arguida (garantia geral dos seus eventuais credores) c relativamente reduzido (único bem objeto do arresto);
18. Em segundo lugar, esse património já se encontra onerado com penhora decorrente de dívida fiscal e com 3 hipotecas;
19. Em terceiro lugar, e ao que resulta da análise dos autos, está indiciado que a Arguida terá praticado atos da mesma natureza da dos atos deste processo relativamente a outros clientes (ou seja, e confirmando-se tais indícios, existirão outros credores na mesma situação da requerente da presente providência);
20. Tanto que, conforme resulta de fls. 94 dos autos principais, a Arguida se encontra sujeita a uma medida cautelar de suspensão da sua atividade profissional desde 27 de junho de 2019, e corre contra a mesma outro processo- crime da mesma natureza (burla qualificada e falsificação de documentos), no Juiz 18 do Juízo Central Criminal de Lisboa, sob o n.° 4564/18.4T9LSB;
21. Por isso, e recorrendo a regras de experiência, tudo aconselha o decretamento imediato da presente providência, como fator potenciador da eficácia do pedido de indemnização civil (oportunamente a apreciar e a decidir no âmbito do processo crime); 
22. Justamente, com o devido respeito pela opinião contrária, e por apelo aos referidos indícios, é razoável concluir-se pela verificação do fundado receio de perda da garantia patrimonial, já que, qualquer pessoa de são critério, colocada na posição dos credores Apelantes, temeria pela perda de garantia patrimonial do seu crédito;
23. Termos em que, porque demonstrados os pressupostos do decretamento do arresto preventivo, sempre deverá revogar-se o douto despacho recorrido e substituir-se o mesmo por douta decisão que receba a providência c decrete a providência requerida.
SEM PRESCINDIR
24. Ainda que não se considere suficientemente instruídos os presentes autos, atento o disposto nas normas dos artigos 3.°, n.º 3. e 4.° do CPC, sempre deverá revogar-se o douto despacho recorrido, substituindo-se o mesmo por douta decisão que receba a providência, ordene a produção de prova aí requerida, prosseguindo o incidente de acordo com o disposto nos artigos 392.° e 393.° do CPC, aplicável ex vi artigo 228.°, n.º 1, do CPP.
O despacho sob censura violou, entre outros, os seguintes preceitos legais:
• artigos 3.°, n.º 3, 4.° e 391,° do CPC;
• artigo 619.°, n.º 1, do CC.”
Admitido tal recurso, ao mesmo veio responder apenas o M.º P.º em que conclui:
“1. Vem o recurso sob resposta interposto do douto despacho, proferido nos autos em 30.04.2021 pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal, que indeferiu o arresto preventivo requerido pelos ora recorrentes, por, em suma, se ter considerado não estar demonstrado o justo receio de perda da garantia patrimonial a que aludem os artigos 619.°, n.° 1 do Código civil e 406.° do Código de Processo Civil.
2. Analisados os autos e os fundamentos do recurso, entendemos que não assiste razão aos Apelantes e que a decisão sob censura fez correcta apreciação da matéria indiciada nos autos e acertada aplicação do Direito, não tendo violado qualquer preceito legal, designadamente os artigos 3.°, n.°3, 4.° e 391.° do Código de Processo Civil e o artigo 691.°, n.°1 do Código Civil.
3. Consideramos, pois, tal como na decisão sob censura, que dos autos não resulta suficientemente provado que a devedora tenha praticado ou se prepare para praticar actos de alienação ou de oneração do património que possui em ordem a não satisfazer a dívida, donde não se mostra, ainda, provado o justo receio de garantia patrimonial a que aludem os artigos 619.°, n.º 1 do Código Civil e 403.°, n.º 1 do Código de Processo Civil.
4. Com efeito, os Apelantes não apresentam provas concretas de que a devedora se prepara para vender o prédio urbano de que é proprietária, sito na Rua …, na freguesia da Encarnação, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.°…, cujo arresto preventivo requereram.”
Termina pelo entendimento de que o recurso não merece provimento.
O Mmo. JIC sustentou o seu despacho.
Neste Tribunal da Relação a Exma. PGA elaborou parecer em que se manifesta no sentido de que o despacho em crise se deve manter nos seus precisos termos, julgando-se o recurso improcedente.
Dado cumprimento ao disposto no art.º 417º n.º 2 CPP, nenhuma resposta a este parecer foi apresentada.
II.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
O teor da decisão recorrida manuscrita é o seguinte:
«Fls. 87 e 92 – c/ refª à posição do M.º P.º a fls. 82 e 232-34:
Como salientado pelo M.º P:ª não está ainda demonstrado o justo receio da perda da garantia patrimonial a que aludem os art.ºs 619º n.º 1 do Código Civil e 406º do CPCivil.
A ausência da requerida da habitação (a caixa do correio está obstruída diz o distribuidor postal) indicia antes (até?) o abandono. Não está pois suficientemente provado que o devedor já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração relativamente ao património que possui em ordem a não satisfazer a divida.
Daí que, por ora, só com testes elementos, forçoso seja indeferir o arresto preventivo requerido.”
Cumpre apreciar a questão nos seus termos gerais.
O Código do Processo Penal prevê duas medidas de garantia patrimonial: a caução económica (art.º 227º) e o arresto preventivo (art.º 228º), tendo ambas como finalidade processual garantir o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou do pagamento de qualquer dívida, indemnização ou obrigação civil derivadas do crime, sendo aplicáveis no decurso do processo pelo juiz e desde que se verifiquem os pressupostos gerais de aplicação das medidas de coacção e de garantia patrimonial, e os pressupostos materiais que estão subjacentes à aplicação de tais medidas são os mesmos, isto é, desde que se verifique a probabilidade de um crédito sobre o requerido e fundado receio que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento.
Face à actual redacção do art.º 228º, nº1, do CPP, na redacção dada pela lei nº 59/98, de 25AGO a medida de garantia patrimonial de arresto preventivo, já não tem natureza subsidiária ou supletiva relativamente à caução económica, podendo ser decretada nos termos da lei civil, a requerimento do Ministério Público ou do lesado.
No caso de ter sido fixada previamente caução económica e não for prestada, o requerente do arresto fica dispensado da prova do fundado receio da perda da garantia patrimonial, sendo aplicáveis as normas dos art.ºs 406º e segs., do Código do Processo Civil, pelo que a prova do fumus boni iuri e do periculum in mora é feita no arresto e não no processo criminal (art.º 408º, do CPC).
Não sendo este o caso destes autos, importa pois que se verifiquem os requisitos legais para o efeito, entre eles o justo receio de perda da garantia patrimonial.
Ora, para que se verifique o justo receio de perda da garantia patrimonial a que aludem os art. 619º nº 1 do C.Cv. e 406º nº 1 do C.P.C. é necessário que se alegue e prove que o devedor já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração, relativamente ao seu património que, razoavelmente interpretados, inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os seus bens à acção dos credores.
Ora, as razões alegadas pelo despacho recorrido, a de que não são alegados pela requerente factos concretos donde resulte justificado o alegado receio, da mesma não poder ressarcir os seus créditos com o património do requerido. Para se apreciar da correcção do despacho recorrido importa, então, conhecer o teor do requerimento, no segmento pertinente ao assunto, sobre o qual este se pronuncia, assim:
« 46.º
Com efeito, do conhecimento que os Assistentes têm, a Arguida não exerce, presentemente, actividade profissional remunerada.
47.º
Porquanto a OSAE aplicou à Arguida pena disciplinar de suspensão preventiva do exercício da actividade profissional de solicitadoria, renovada a 15 de Março de 2020. - Cfr. Boletim da OSAE n.° 18, de 13 de Agosto de 2020 que aqui se junta como doc. n.° 17 e se dá por integralmente reproduzido.
48.°
E, em Maio de 2020, a OSAE aplicou à Arguida a sanção de interdição definitiva do exercício da actividade profissional de solicitadoria, decisão que transitou em julgado em 30 de Junho de 2020. - Cfr. Boletim da OSAE n.° 18, de 13 de Agosto de 2020 junto como doc. n.° 17.
49.º
E, desde então, a Arguida tem a sua inscrição na OSAE "inactiva”. - Cfr. Informação constante do site da OSAE junta como doc. n.° 2.
50.°
Sendo que a aplicação das penas disciplinares referidas nos artigos anteriores demonstram que a Arguida igualmente enganou outros clientes, pelo que utilizava a sua profissão de solicitadora para burlar clientes.
51.º
Ora, de acordo com a sua página de Linkedin, a solicitadoria é a única actividade profissional conhecida da Arguida. - Cfr. Print que aqui se junta como doc. n.° 18 e se dá por integralmente reproduzido.
52.º
O que significa que, após a interdição do exercício de tal actividade profissional, da qual retirava os seus rendimentos de trabalho, a Arguida deixou de ter fonte de rendimento.
53.º
Acresce que o único património conhecido da Arguida é constituído pelo bem imóvel melhor descrito no introito deste articulado, no qual tem a Arguida constituída a sua residência habitual. — Cfr. Informação predial e caderneta predial que aqui se juntam como does. n.°s 19 e 20 e se dão por integralmente reproduzidos.
54.º
Imóvel que terá um valor de mercado de cerca de € 300.000.00.
55.º
Sendo que sobre o identificado Imóvel se encontram registadas duas hipotecas voluntárias a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Mafra, CRL, sob as AP. 264 e 265 de 2018/06/07, pelos montantes de € 150.000,00 e de € 50.000,00, respectivamente. - Cfr. doc. n.° 19.
56.º
Além disso, encontra-se registada uma hipoteca voluntária a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, sob a AP. 549 de 2018/11/29, pelo montante de € 31.509,50, - Cfr. doc. n." 19.
57.º
Assim como se encontra registada uma penhora a favor da Fazenda Pública, sob a AP. 1121 de 2019/05/10, efectuada no âmbito de processo de execução fiscal movido pelo Serviço de Finanças de Mafra contra a Arguida, cuja dívida exequenda era, à data, de € 23.607,35. - Cfr. doc. n." 19.
58.º
Ademais, a Arguida consta da Lista Pública de Devedores Singulares à Autoridade Tributária e Aduaneira, por dívidas entre € 25.000,01 e € 50.000,00. - Cfr. Listagem que aqui se junta como doc. n.° 21 e se dá por integralmente reproduzido.
59.º
Resultando, assim, do exposto, que a Arguida estará em situação de incumprimento perante os seus credores.
60.º
Ora, do conhecimento que os Assistentes têm, a Arguida não possui meios financeiros ou outros bens, além do direito de propriedade sobre o referido imóvel, que lhe permita solver o crédito dos Assistentes.”
 Da citação supra retira-se que o requerente teme a dissipação do património da requerida.
No entanto, como acima se refere, para que se verifique o justo receio de perda da garantia patrimonial a que aludem os art.ºs 619º n.º 1 do CC e 406º n.º 1 do CPC, é necessário que se alegue e prove que o devedor já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração, relativamente ao seu património que, razoavelmente interpretados, inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os seus bens à acção dos credores.
Com efeito, embora não seja necessária a certeza de que a perda da garantia se torne efectiva mas apenas que haja um receio justificado de tal perda virá a ocorrer, não basta qualquer receio, sendo necessário, no dizer da própria lei, que o receio seja justificado. Significa isto que o requerente tem de alegar e provar factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio subjectivo, fundado em simples conjecturas, antes devendo basear-se “... em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.”( Cfr. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV vol., 2ª ed., pág. 187.)
O justo receio de perda da garantia patrimonial ocorre sempre que o devedor adopte, ou tenha o propósito de adoptar, conduta, indiciada por factos concretos, relativamente ao seu património que, razoavelmente, interpretados inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os seus bens à acção dos credores (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. II, págs. 19 e segs. e Rodrigues Bastos, ob. cit., vol. II, pág. 268).
Conforme se decidiu no Ac. do STJ de 26.01.2006 in www.dgsi.pt, o fundado receio exige a existência de uma situação de lesão iminente de um direito já em curso ou que se indicie que venha a ocorrer.
Ora, como impressivamente refere a Exma. PGA no seu esclarecido parecer “não está demonstrado que a arguida:
- Não aufira rendimentos. Tão só está demonstrado que não pode exercer a atividade de solicitadora, não se podendo daqui extrair aquela conclusão;
- Esteja em parte incerta. Apenas se sabe que a notificação que foi dirigida à arguida, foi devolvida com a menção de “Não atendeu às 11H12, receptáculo postal obstruído, 2021-04-12”, não se podendo daqui extrair aquela conclusão;
- Tenha praticado atos, ou que os possa vir a praticar, que visem a alienação do único bem de que é proprietária, o imóvel identificado nos autos. Demonstrado está que o imóvel está onerado com três hipotecas [de 07/06/2018 e 29/11/2018], e uma penhora [de 10/05/2019], sendo esta a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira. Assim sendo, não se vê como a arguida possa ter praticado atos, ou possa vir a praticar atos, que visem a alienação deste bem, nem se vê como os Recorrentes possam vir a obter a satisfação dos seus créditos através deste bem, pois que aqueles créditos são privilegiados em relação aos seus e de valor muito superior.”
O receio invocado da referida lesão surge como subjectivamente hipotético e não iminente, pelo menos de acordo com os elementos constantes dos presentes autos (o que não invalida que eles se venham a revelar no decurso da investigação), razão pela qual o recurso tem de improceder.

III.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal, em negar provimento ao recurso interposto pelos assistentes, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas a cargo dos requerentes, com taxa de justiça em 5 UC.
Elaborado e revisto pelo primeiro signatário.

Lisboa, 21 de Setembro de 2021.
João Carrola
Luís Gominho