Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9286/16.8T8ALM.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: PACTO DE OPÇÃO
ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- No pacto ou contrato de opção existe uma declaração contratual de uma das partes, que a vincula de forma irrevogável, enquanto a outra parte, a beneficiária, se reserva a faculdade de, livremente, aceitar ou não esse mesmo contrato, sendo suficiente para a perfeição do negócio a declaração de vontade desta última;
II- Se em contrato de arrendamento celebrado entre a A., como inquilina, e o R., como proprietário, tiver sido estabelecida a opção de compra da fração locada à A. e/ou ao filho do casal, tem aquela legitimidade para, por si só, instaurar a ação destinada à concretização dessa venda a seu favor, exercendo o direito de opção que individualmente lhe cabe;
III- A cláusula de opção de compra no contrato de arrendamento vincula o proprietário a vender o imóvel ao inquilino pelo preço acordado, durante ou após um dado período de tempo;
IV- Sendo o contrato optativo a compra e venda de um bem imóvel, sujeito à formalização da declaração de vontade das partes, pode o beneficiário do direito de opção, em caso de recusa do vendedor na realização da respetiva escritura pública, recorrer à execução específica, na medida em que, nesse caso, a aceitação do beneficiário se revela insuficiente à perfeição do negócio, cabendo suprir a declaração negocial do faltoso, irremediavelmente vinculado à venda, no ato da formalização do contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
ME… veio propor, em 5.12.2016, contra JM…, ação declarativa comum pedindo que:
1) seja declarado retificado o lapso ocorrido na carta de 1.6.2016, no sentido de nesta passar a constar que o imóvel está descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada, sob a ficha nº …, da freguesia de Almada;
2) seja proferida decisão que, substituindo a declaração de vontade do R., produza os efeitos da venda, operando, para a A., a transmissão da propriedade da fração autónoma designada pela letra “Q”, correspondente ao …º andar esquerdo, do prédio urbano sito na Av. …, nº …, em Almada, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o nº …, da freguesia de Almada, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …; 3) seja declarado o R. em mora desde 21.7.2016, data em que deveria ter sido celebrada a escritura pública de compra e venda, que não se realizou por facto imputável a este;
4) seja declarado compensado o crédito da A., por danos patrimoniais causados pelo R. à A. com a mora, no valor de € 1.436,83, com o valor do crédito não vencido do R., no valor de € 85.000,00, da opção de compra, ficando este reduzido para € 83.563,57, ou caso assim não se entenda, e a título de pedido subsidiário, que seja condenado o R. a pagar à A. o valor de € 1.436,83;
5) seja declarado compensado o valor das rendas que se vencerem posteriormente à propositura da presente ação e que tiverem sido pagas pela A. ao R., até à data em que for proferida a sentença, com o valor do preço da opção de compra que ainda se mostrar devido, ou caso assim não se entenda, e a título subsidiário, que seja condenado o R. a pagar à A. o valor correspondente às rendas pagas pela A. ao R. após a propositura da presente ação, até à data em que for proferida sentença.
Alega, para tanto e em síntese, que A. e R. acordaram, em 6.10.2014, após o seu divórcio e no âmbito de ação destinada à atribuição da casa de morada de família, que o R. dava de arrendamento à A. o imóvel (acima identificado) de que o mesmo é proprietário e onde habitava o dissolvido casal, e que lhe concedia a respetiva opção de compra, a si e/ou ao filho de ambos, pelo preço de € 85.000,00 e pelo prazo de 5 anos. Mais refere que notificou o A., em 1.6.2016, para a celebração da escritura pública correspondente, mas este não respondeu e não compareceu à mesma, nem justificou a falta. Diz que continua vinculada ao contrato de arrendamento pelo facto do R. não ter celebrado a escritura de compra e venda, altura em que o contrato se teria extinguido, e posteriormente a 20.7.2016, data agendada para a escritura, já pagou ao R. a quantia de € 1.400,00 a título de rendas. Mais gastou € 15,75 com o cheque bancário que mandou emitir para pagar o preço da aquisição e € 20,68 com o certificado da não celebração da escritura. 
Contestou o R., excecionando a ilegitimidade da A. e defendendo, no essencial, que o contrato de opção não é passível de execução específica sendo que, em qualquer caso, a A. não depositou, como devia, o preço do imóvel. Mais impugna as despesas invocadas, concluindo pela improcedência da causa e pede, em reconvenção, a condenação da A. a pagar-lhe a referida quantia de € 85.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da instauração da ação até integral e efetivo pagamento, e como condição suspensiva da aquisição da fração.
A A. respondeu, concluindo pela improcedência das exceções e da reconvenção.
Em audiência prévia, realizada em 6.10.2017, foi fixado o valor da causa em € 86.436,43 e julgada improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade ativa, concluindo-se, ainda, pela viabilidade da execução específica requerida e pela obrigação de depósito do preço apenas mediante notificação do Tribunal. Julgou-se, por outro lado, inadmissível a reconvenção, sendo a A. absolvida da respetiva instância. Proferiu-se despacho saneador que conferiu, no mais, a validade formal da instância, procedendo-se à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, a A. reduziu o último pedido por si formulado, do seguinte modo: “Seja declarado compensado o valor das rendas que se vencerem posteriormente à propositura da presente ação e que tiverem sido pagas pela A. ao R., até à data da audiência de discussão e julgamento, com o valor do preço da opção de compra que ainda se mostrar devido, ou caso assim não se entenda, e a título subsidiário, que seja condenado o R. a pagar à A. o valor correspondente às rendas pagas pela A. ao R., posteriormente à data da propositura da presente ação, até à data em que tenha lugar a audiência de discussão e julgamento.”
Em 12.12.2017, foi proferida sentença nos seguintes termos: “(...) o Tribunal decide julgar a presente ação parcialmente procedente, e em conformidade: 
1. Determina a transmissão da propriedade da fração autónoma designada pela letra “Q”, correspondente ao …º andar esquerdo, do prédio urbano sito na Av. …, nº …, em Almada, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o nº …, da freguesia de Almada, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, para a A. ME…, substituindo deste modo a declaração de vontade do R. JM…, ficando a transmissão condicionada ao depósito, pela A., da quantia de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), no prazo máximo de 30 dias contados do trânsito em julgado desta Sentença.
2. Condena o R. a pagar à A. € 36,43;
3. Absolve, no mais, o R. dos pedidos formulados pela A..
Custas pelas partes, na proporção do respetivo vencimento.”
Inconformado, recorreu o R., culminando as alegações por si apresentadas com as conclusões que a seguir se transcrevem:

I. EM CONCLUSÃO, e quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de direito, quanto à possibilidade de execução específica de um pacto de opção e, em especial, o do caso dos autos
1. O presente recurso foi interposto da aliás douta sentença proferida nos autos, quanto à decisão que teve por objecto a matéria de direito em discussão na acção (artigo 639º/CPC) e, em especial, quanto à possibilidade que nela foi admitida de execução específica de um pacto ou contrato de opção, dela, e ressalvado o devido e muito respeito, discordando o agora recorrente.
2. Assim, a A. na presente acção veio reclamar a execução específica de um direito de opção que invocou estar titulado por acordo das partes contantes de transacção celebrada no processo com o nº …/… e com o teor exarado sob o Ponto 2 dos Factos Provados, a saber:
2. No âmbito do Processo nº …/…, que correu termos no Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Cascais, Instância Central, …ª Secção de Família e Menores, J…, entre a A. e o R., para atribuição da casa de morada de família, na sequência do divórcio de ambos, puseram as partes termo ao litígio por transacção, realizada no dia 06.10.2014 e homologada por sentença da mesma data, já transitada em julgado, na qual acordou o R. dar de arrendamento à A. a fracção aludida, nos seguintes termos:
- o arrendamento terá a duração limitada de 5 anos, renovável, com início na data da celebração da transacção, ficando sujeito ao regime do NRAU;
- a renda mensal será de € 350,00, a pagar por transferência bancária na data da celebração da transacção, ficando ainda a cargo da A. a quotização mensal do condomínio.
- o fim do arrendamento será exclusivamente a habitação própria da A., com autorização para que aí também com ela habita o filho, JP…, não podendo qualquer deles ceder a utilização da fracção, total ou parcial, isolada ou conjuntamente, a terceiras pessoas, seja familiares de um ou de outro ou pessoas com quem qualquer deles faça ou refaça a sua vida, facto que determinaria a caducidade do arrendamento ou seria fundamento para a resolução imediata do arrendamento;
- se a A. refizer a sua vida com outra pessoa, esse facto constituirá causa de caducidade do arrendamento (doc. 3 – fls. 11 a 12).
3. Estabeleceu-se ainda na cláusula 6 da transacção que: “O requerido concede o prazo de cinco anos, a contar de hoje, *a Requerente e/ou ao filho do casal JP… a opção de compra da fracção “Q” (…º andar esquerdo), acima referida, pelo preço de 85.000,00 € (oitenta e cinco mil euros).” (doc. 3 – fls. 11 a 12).
3. Foi entendido na aliás douta sentença agora recorrida e, em conformidade, decidiu-se que era juridicamente viável ou admissível a execução específica do acima referido acordo das partes, nos termos do artigo 830º/CC, que, sob o seu nº. 1 dispõe que “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, mas sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida
4. A questão jurídica que nos autos se coloca é então a de saber se, face ao concreto título invocado pela A., agora recorrida, o exercício do concreto “direito de opção” em causa é juridicamente compatível com o recurso à “execução específica” nessa disposição previsto, sustentando o recorrente e salvo sempre o devido respeito por entendimento contrário que no caso possa caber, que o não é.
5. Com efeito, face ao teor do “acordo transaccional” a que alude o Ponto 2 dos Factos Provados, e quanto à sua natureza jurídica, constata-se que na transacção em causa, as partes não acordaram em estabelecer uma “promessa pura” ou um “puro direito de opção” a favor da A. e também do filho do casal, que a A. a todo o tempo e por si só ou discricionariamente pudesse exercer, como terá sido a base tomada para a decisão do caso na douta sentença recorrida.
6. De facto, o acordo ou a estipulação das partes, no caso, como pode ver-se do já transcrito teor da transacção, foi mais complexo e traduziu-se no que pode dizer-se ser um caso de “contrato complexo” — cfr. sobre a matéria Francisco Manuel de Brito Pereira Coelho, “Contratos Complexos e Complexos Contratuais”, Coimbra editora, 2014.
7. Por outro lado, e sem necessidade de se recorrer à profundidade analítica da matéria em causa na obra citada, é esclarecedor para este caso o recurso à lição do insigne Mestre que foi o Prof. Dr. Inocêncio Galvão Telles, no seu clássico “Direito das Obrigações”, 7ª Edição, Reimpressão, Coimbra Editora, págs. 84 ss., e em que, sobre as espécies de contratos, destaca — pág. 87 — o caso da “União de contratos” para — pág. 88, alínea b), destacar o caso da “União com dependência”, como se transcreve: 
Neste caso e, ao contrário do caso da “União dita extrínseca”, a ligação dos contratos é mais estreita porque se estabelece entre eles laço de dependência. 
Os contratos são também distintos mas não autónomos.
As partes querem-nos como conjunto económico, que envolve nexo funcional
A dependência pode aliás ser bilateral ou unilateral, consoante é recíproca ou não.
O vínculo de dependência significa que a validade e vigência de um contrato, ou de cada um dos contratos, depende da validade e vigência do outro. Um contrato só será válido se o restante o for; e, desaparecido este, aquele desaparecerá também. Mas em tudo o mais aplicam-se a cada contrato as suas regras próprias.
8. Ora, à luz destes ensinamentos, o que se constata é que, na transacção celebrada e em causa nos autos, estamos perante um caso de “União de contratos”, com as características acima definidas, pelo que, ao pretender a A. a “execução específica” do alegado “direito de opção” durante a vigência do arrendamento que celebrou e sendo este contrato distinto e autónomo do pacto de opção, deduz pretensão que lhe não pode ser deferida, por prejudicar e violar o “nexo funcional” de ambos os contratos que, em si, titulam o indissociável “conjunto económico” pretendido pelas partes, para além de, face ao nº 1 do artigo 830º/CC, “a isso se opor a natureza da obrigação assumida”
9. Com efeito, as partes, ambas as partes, e é essa uma questão de interpretação da correspondente declaração negocial, não quiseram apenas convencionar um simples “direito de opção”, como pretende a recorrida.
10. Assim, e como pode ver-se do teor da transacção — cfr. Ponto 2 dos Factos provados — foram convencionados:
a) - por um lado, um contrato de arrendamento da fracção autónoma em causa, a favor da A., recorrida, com a duração limitada de 5 anos, renovável e com início na data da transacção (6.10.2014);
b) - por outro lado, e vigorando o contrato de arrendamento, a concessão de um prazo de cinco anos, a contar dessa data, para que a A. e/ou o filho do casal JP… pudessem exercer a opção de compra da fracção em causa pelo preço de 85.000,00 €.
11. Ou seja, a transacção foi celebrada em vista de se solucionar um processo, subsequente a divórcio, relativo à atribuição da casa de morada de família, consistindo numa união de contratos, visando a recorrida, por um lado, satisfazer a sua necessidade de habitação, que logrou alcançar através da celebração do contrato de arrendamento da fracção em causa nos termos que ficaram exarados, e visando o recorrente, como senhorio, satisfazer também o seu interesse nas respectivas contrapartidas pelo período da duração convencionada.
12. Socorrendo-nos da invocada e autorizada lição, estamos assim perante uma “união de contratos”, em que, na contraposição de interesses que as partes mostram ter querido solucionar, tais contratos são entre si distintos, mas não autónomos e foram queridos como um indissociável conjunto económico, a envolver um nexo funcional entre ambos e numa dependência bilateral das partes a seu respeito porque recíproca.
13. Vinculou-se, deste modo, a A. a um arrendamento da fracção em causa, pelo prazo de cinco anos, renovável, do que resulta que ao pretender exercer o direito de opção em causa ainda durante a vigência do respectivo contrato de arrendamento, põe em causa, por essa via indirecta, o próprio cumprimento do “contrato misto ou complexo” a que se obrigou, assim como o seu carácter incindível ou indissociável como “conjunto económico”.
14. Do exposto resulta dever entender-se que o reclamado “exercício” do direito de opção, em função do teor do mencionado acordo das partes, ficou sujeito a uma condição suspensiva que é a cessação do arrendamento em causa no termo do seu prazo de vigência e sem o que, por não verificada essa condição, não poderá ser exercido.
15. E sendo de qualificar o acordo transaccional das partes como união de contratos estabelecida nos referidos termos, deve também entender-se que o “exercício do direito de opção” nos termos pretendidos pela Autora é, no caso, incompatível com a natureza da obrigação assumida, independentemente até de se questionar se a natureza específica da “opção de compra” se não opõe, por si, à possibilidade de recurso à execução específica.
16. Por outro lado, havendo, no caso, dois titulares do direito em causa, e apenas um deles intervindo na acção, deve entender-se que há preterição de litisconsórcio necessário, que obsta à possibilidade, quanto ao seu exercício, por recurso à execução específica por iniciativa de um só dos titulares.
17. Aliás, se o concedente do direito de opção e aqui recorrente tivesse de aceder à pretensão deduzida por um deles apenas, poderia ser colocado, por força de decisão que nesse sentido fosse tomada, em posição de eventual incumprimento perante o outro titular ou importaria ela em prejuízo do direito desse outro titular, sem a sua intervenção na acção.
18. Nota também a doutrina, como acima se deixou exposto, que é da natureza do contrato de opção tratar-se do preliminar de um outro que é tido em vista, mas que é distinto de um contrato-promessa, na sua natureza e estrutura, cfr. Tiago Soares da Fonseca, na obra acima citada “Do Contrato de Opção”, Editora Lex, Lisboa 2001, pág. 85.
19. Aliás, o direito de opção configura-se, como a própria A. o refere, no artigo 15º da petição, como um “direito potestativo” e, assim, e conforme Ana Prata, Dicionário Jurídico, Vol. I, págs. 522/523, a que também a A. recorre: “Diz-se potestativo o direito que se caracteriza por o seu titular o exercer por sua vontade exclusiva, desencadeando efeitos na esfera jurídica de outrem independentemente da vontade deste.”
20. Nota ainda, e a esse respeito, Ana Prata, que “O sujeito passivo — ou seja, e neste caso, o R. — nada pode fazer, nem para cooperar na realização do direito nem para a impedir.”
II. EM CONCLUSÃO, e sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de direito quanto à questão da legitimidade da A. para a acção:
1) A presente acção foi instaurada, apenas pela A., que invocou, como título para o direito de opção cujo exercício veio reclamar na acção, a transacção celebrada no processo de divórcio a que aludiu no artigo 2º da petição e cujo teor aí foi reproduzido.
2) Pode ver-se da respectiva acta da audiência de julgamento (DOC. 3 da petição), que o direito de opção em causa foi estabelecido não só a favor da A., como ainda a favor do filho do dissolvido casal, ou seja, JP…, do que resulta ser também o mesmo contitular do mesmo direito concreto de opção cuja execução específica foi reclamada pela A., mas que veio pedir na acção, desacompanhada desse outro titular.
3) Sustenta o recorrente, e sempre ressalvado o devido e muito respeito por contrária opinião, que ocorre, assim, no caso, por falta da necessária intervenção do referido outro titular, a ilegitimidade activa da A., por preterição do litisconsórcio necessário, nos termos dos artigos 30º e 33º/CPC.
4) Sustenta ainda o recorrente tratar-se de hipótese a que, por analogia e identidade de razões, é aplicável o disposto quanto ao caso paralelo de contitularidade ou pluralidade de titulares de um direito de preferência, e, neste caso, de contitularidade de um direito de opção, para cujo exercício se entende exigir a lei — artigo 419º, nº 1/CC — a intervenção em conjunto de todos os titulares.
5) De resto, isso também assim foi entendido no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Abril de 2005, Relator: Des. Joaquim Matias de Carvalho Marques, cujo sumário é o seguinte:
“Em acção de preferência, intentada, nos termos do art. 116º, nº1, Regime do Arrendamento Urbano (RAU), na hipótese de contitularidade da posição do senhorio proprietário, por o arrendamento incidir sobre um imóvel em situação de compropriedade, é necessária a intervenção de todos os contitulares da relação de preferência (hipótese prevista no art. 419º, nºl do Código Civil), sob pena de ilegitimidade.”
6) E nesse douto Acórdão também se invocou o ensinamento do Prof. Dr. Antunes Varela, em RLJ Ano 120, p. 113, acima transcrito no corpo das alegações. 
7) Ainda em reforço da posição que defende, invoca o recorrente quanto à ilegitimidade activa da recorrida, desacompanhada, como na acção está do outro cotitular do direito de opção que invoca, e que a ele não declarou renunciar, a doutrina que emerge, sobre o litisconsórcio necessário, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-07-2003 (Relator: Conselheiro Lucas Coelho) e do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.01.2007 (Relator: Desembargador Manuel Capelo, também acima e nas presentes alegações invocados.”
Pede a revogação da sentença recorrida:
“a) - por violação das disposições legais acima citadas, e que, em consequência;
b) - se reconheça, por um lado, ser a A. parte ilegítima na acção, por preterição do litisconsórcio necessário, se ou enquanto desacompanhada do outro cotitular do direito invocado;
c) - e por outro lado, e face às razões expostas, não ser juridicamente admissível o recurso à execução específica para o exercício, no presente caso, do direito de opção, como se entende ser de DIREITO e JUSTIÇA”
Em contra-alegações, a apelada defendeu, no essencial, que as decisões impugnadas foram proferidas no despacho saneador e não foram então impugnadas, pelo que transitaram em julgado. Diz, ainda, que a questão do reclamado exercício do direito de opção ter ficado sujeito a uma condição suspensiva, a cessação do arrendamento, é nova, não tendo sido suscitada nos autos, pelo que não foi apreciada em 1ª instância e não pode ser objeto do recurso. Contesta, em qualquer caso, a argumentação do apelante neste tocante. Conclui pelo acerto do decidido.
Rejeitado o recurso em 1ª instância, por extemporaneidade, foi o mesmo admitido nesta instância, como apelação, subida nos próprios autos e efeito suspensivo, deferindo-se, assim, a reclamação apresentada pelo apelante ao abrigo do art. 643 do C.P.C..
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

                                          ***
II- Fundamentos de Facto:
A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade([1]):

1) Está inscrita, pela Ap. 8, de 05.11.1994, a aquisição, por compra, a favor do R., casado com a A. sob o regime da separação de bens, da fração autónoma designada pela letra "Q", correspondente ao …º andar esquerdo, do prédio urbano sito na Av. …, nº …, em Almada, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o nº …, da freguesia de Almada, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo … (docs. 1 e 2 - fls. 8-v a 10-v).
2) No âmbito do Processo nº …/…, que correu termos no Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Cascais, Instância Central, …ª Secção de Família e Menores, J…, entre a A. e o R., para atribuição da casa de morada de família, na sequência do divórcio de ambos, puseram as partes termo ao litígio por transação, realizada no dia 06.10.2014 e homologada por sentença da mesma data, já transitada em julgado, na qual acordou o R. dar de arrendamento à A. a fração aludida, nos seguintes termos:
- o arrendamento terá a duração limitada de 5 anos, renovável, com início na data da celebração da transação, ficando sujeito ao regime do NRAU;
- a renda mensal será de € 350,00, a pagar por transferência bancária para o NIB a indicar pelo R., ficando ainda a cargo da A. a quotização mensal do condomínio;
- o fim do arrendamento será exclusivamente a habitação própria da A., com autorização para que aí também com ela habite o filho, JP…, não podendo qualquer deles ceder a utilização da fração, total ou parcial, isolada ou conjuntamente, a terceiras pessoas, seja familiares de um ou de outro ou pessoas com quem qualquer deles faça ou refaça a sua vida, facto que determinaria a caducidade do arrendamento ou seria fundamento para a resolução imediata do arrendamento;
- se a A. refizer a sua vida com outra pessoa, esse facto constituirá causa de caducidade do arrendamento (doc. 3 - fls. 11 a 12).
3) Estabeleceu-se ainda na cláusula 6 da transação que:
O requerido concede o prazo de cinco anos, a contar de hoje, à Requerente e/ou ao filho do casal JP… a opção de compra da fracção "Q" (…º andar esquerdo), acima referida, pelo preço de 85.000,00 € (oitenta e cinco mil euros).” (doc. 3 - fls. 11 a 12)
4) O R. indicou à A. o NIB … do Banco BPI como sendo o da conta bancária na qual deveriam ser feitos os pagamentos das rendas.
5) Por carta datada de 01.06.2016, a A. comunicou ao R. o seguinte:
“Venho por este meio comunicar-te que vou exercer o direito de compra da fracção autónoma “Q”, correspondente ao …º andar esquerdo, do prédio sito na Av. …, n" … a …E, concelho de Almada, União das freguesias do Concelho de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas, inscrito na matriz predial sob o art.º …º, da mesma freguesia e inscrito na Conservatória do Registo Predial de Almada com o nº …, direito que me foi consagrado em 6 de Outubro de 2014, no acordo homologado por sentença transitada em julgado, no processo de Atribuição de Casa de Morada de Família, que correu seus termos pela Comarca de Lisboa Oeste, Cascais - Inst. Central – …ª Sec. Fam. e Men. J…, com o nº …/….
Assim, nos termos acordados na cláusula 6ª do acordo supra mencionado, irei adquirir a fracção supra referida pelo preço de 85.000,00 euros (oitenta e cinco mil euros).
Agradeço que me envies os dados do teu cartão de cidadão, a licença de habitação da fracção e, ainda, que trates também, de obter a certificação energética da fracção e de me enviar também o respectivo certificado, com vista à escritura de compra e venda da fracção.
O preço será pago a pronto, por meio de cheque visado ou cheque bancário, na data de escritura de compra que será celebrada no Cartório Notarial da Notária RP…, sito na Rua … nº …- …º andar, em Lisboa, no próximo dia 20 de Julho de 2016, pelas 15 horas e trinta minutos.” (doc. 4 - fls. 13).
6) Por nítido lapso de escrita, escreveu-se que o prédio estava inscrito na Conservatória do Registo Predial de Almada com o nº …, quando se pretendia escrever nº ….
7) A carta foi enviada registada, com aviso de receção, para o domicílio do R., em 01.06.2016, e foi aí recebida em 02.06.2016 (docs. 5 e 6 - fls. 14 e 17).
8) O R. não invocou qualquer impedimento para a data da realização da escritura, nem enviou a informação e os documentos solicitados.
9) A A. conseguiu reunir todos os documentos atinentes à fração indispensáveis para a celebração da escritura, a saber, certidão da descrição predial, caderneta predial e licença de habitação (fls. 74 a 75).
10) O R. não compareceu no local, data e hora indicados pela A., nem em hora posterior, para a celebração da escritura, que não se realizou, tendo a Senhora Notória exarado certificado, com o seguinte conteúdo:
"Eu, RS…, Notária do Cartório Notarial de Lisboa, sito na R. …, nº …, …º, em Lisboa, certifico:
Que, no dia … de julho de dois mil e dezasseis, pelas quinze horas e trinta minutos, esteve agendada neste Cartório, uma escritura de compra e venda, em que era vendedor JM…, NIF …, e compradora ME…, NIF …, divorciada, residente na Av.ª …, nº …, …º Esq., em Almada.
Que o objecto da venda era a fracção autónoma destinada exclusivamente a habitação, individualizada pela letra Q, correspondente ao … andar esquerdo, do prédio urbano sito em Almada, na Av.ª …, nºs …, …- A e …-8, União das freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas, concelho de Almada, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o número … da freguesia de Almada, inscrito na matriz da União das freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas sob o artigo ….
Que, embora tenha comparecido, à hora marcada, a compradora, a escritura não se pôde realizar, em virtude do vendedor, não ter comparecido nem se ter feito representar.
Lisboa, aos … de julho de dois mil e dezasseis, pelas dezasseis horas" (doc. 7 - fls. 60).
11) A A. pagou as rendas vencidas nos meses de agosto, setembro, outubro e novembro de 2016 (fls. 18).
12) Despendeu a A. € 15,75 com o cheque bancário que mandou emitir para pagar o preço acordado o valor de € 85.000,00 (fls. 18-v e 19).
13) Do certificado aludido em 10. pagou a A. € 20,68 (fls. 75-v).
14) A A. levantou a guia para pagamento do imposto de selo devido pela compra do imóvel (fls. 73 a 73-v).
15) A A. pagou as rendas vencidas em agosto, setembro, outubro e novembro de 2017 (fls. 124 a 125).

                                   ***
III- Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Compulsadas as conclusões da apelação, verificamos que cumpre apreciar:
- Da (im)possibilidade da execução específica do pacto de opção e, em especial, no caso dos autos;
- Da (i)legitimidade da A..
Começaremos, por razões de ordem lógica, por este segundo tema.

A) Da (i)legitimidade da A.:
Invocou o R. na contestação a ilegitimidade da A. em virtude da mesma se encontrar desacompanhada do filho na causa, dado que o direito de opção fora concedido a ambos.
No despacho saneador, proferido na audiência prévia realizada em 6.10.2017, conheceu-se da arguida exceção de ilegitimidade ativa, discorrendo-se nos seguintes termos: “(…) A discussão centra-se aqui no exercício de um direito que ambas as partes qualificam como direito de opção e que decorre da citada cláusula 6 da transação.
Trata-se de uma figura que não se mostra legalmente prevista, mas pode ser assim definida:
" O contrato ou pacto de opção é a convenção pela qual as partes acordaram no conteúdo essencial de um contrato, a cuja celebração futura uma delas fica sujeita, ficando a outra parte com o direito de desencadear a conclusão do contrato por sua declaração de vontade unilateral e discricionária" (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31.05.2012, Processo nº 222/10.6TVPRT.P1, in http://www.dgsi.pt/).
A questão que se coloca em sede da aferição da legitimidade processual depende, antes de mais, da interpretação daquela cláusula, sendo certo que a A. sustenta que o direito de opção lhe foi atribuído em primeira linha a si e só em segundo lugar ao seu filho, ou seja, o seu filho apenas poderia exercer tal direito se a A. não viesse a fazê-lo.
Porém, o teor literal da cláusula não aponta minimamente nesse sentido.
De todo o modo, o aspeto essencial não é esse, mas antes o de saber se na cláusula se impõe o exercício conjunto do direito, ou se pelo contrário é permitido a cada um dos titulares o seu exercício individual e autónomo.
Quanto a esse ponto diremos que a presença da conjunção alternativa "ou" inculca com segurança a conclusão de que pode cada um deles exercer o direito isoladamente.
Atenta a atipicidade do contrato de opção, importa encontrar um regime que melhor se adeque ao mesmo, e a este respeito consideramos que a disciplina do direito de preferência nos permite encontrar uma solução.
Com efeito, prevê-se no nº 1 do art. 1037° do CPCP que "se já tiver sido efectuada a alienação a que respeita o direito de preferência e este direito couber simultaneamente a várias pessoas, o processo para a determinação do preferente segue os termos do artigo 1032°, com as alterações seguintes: a) o requerimento inicial é feito por qualquer das pessoas com direito de preferência.”
Estabelece-se no nº 1 do referido art. 1032° do CPC que "se o direito de preferência competir a várias pessoas simultaneamente, mas houver de ser exercido apenas por uma, não designada, há-de o requerente pedir que sejam todas notificadas para comparecer no dia e hora que forem fixados, a fim de se proceder a licitação entre elas; o resultado da licitação é reduzido a auto, no qual se regista o maior lanço de cada licitante"
A este propósito foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.03.2010 (Processo nº 5541/03.5TBVFR.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/) que:
'TII - Existindo distintos inquilinos do mesmo prédio, unitariamente considerado, está-se perante uma situação de coexistência ou de concorrência de vários direitos legais de preferência, de que são sujeitos activos os distintos inquilinos dos respectivos locais arrendados, e não em face de uma situação de contitularidade de um mesmo e único direito, em relação à totalidade do prédio.
IV - Só quando o direito de preferência único pertença, simultaneamente, a vários titulares, e deva ser exercido, por todos em conjunto, e, mesmo assim, com ressalva de algum ou alguns declararem que o não querem exercer ou quando pertença a mais do que um titular e haja de ser exercido apenas por um deles, a tramitação processual a observar é a constante do art. 1459º-B, do CPC.
V - O arrendatário habitacional, titular plural do direito de preferência legal na venda a outrem do objecto do locado, habitado há mais de um ano, pode, isoladamente, propor acção de preferência, desacompanhado dos demais, não estando obrigado a notificar os restantes preferentes no sentido de dizerem se pretendem ou não exercer o seu direito de preferir ou de instaurar a acção, em conjunto com os demais concorrentes dada a pluralidade de preferentes com direitos distintos entre si".
Explica-se na fundamentação deste aresto que "neste caso do artigo 1465º do CPC, não esclarecendo a lei processual se tal notificação é obrigatória como preliminar da acção de preferência que algum daqueles titulares pretenda instaurar, nem impondo tal obrigatoriedade a legislação substantiva, entende-se ser de concluir que aquela notificação prévia não é obrigatória, mas, meramente facultativa, uma vez que cada um dos titulares tem um direito autónomo e distinto dos demais, susceptível de ser exercido, isoladamente.
Tudo está no entendimento de cada inquilino que, para evitar o risco de futuras questões com os demais, sendo certo que estes não perdem o seu direito, apesar do exercício da preferência por aquele, derivadas do exercício do direito de preferência, pode recorrer à aludida notificação, que, também, qualquer um dos outros pode desencadear, como preliminar da nova acção de preferência a instaurar contra o anterior preferente que se tenha tornado proprietário do prédio, para que os demais declarem se estão ou não interessados no exercício dos respectivos direitos.”
Afigurar-se, pois, que na ausência de uma norma que regule o exercício plural do direito de opção, e perante a constatação de que os direitos concedidos não são de exercício conjunto obrigatório, assiste à A. legitimidade para, isoladamente, propor a presente ação.
Conclui-se, assim, que a A. é parte legítima, improcedendo consequentemente esta exceção invocada na contestação.”
No recurso, insiste o apelante que o filho da A. é contitular do direito de opção estabelecido, pelo que, intervindo apenas esta nos autos, há preterição do litisconsórcio necessário, nos termos dos arts. 30 e 33 do C.P.C..
A apelada defende o acerto da decisão.
Vejamos.
O interesse em que assenta a legitimidade pode respeitar a várias pessoas.
De forma a proteger o interesse das partes, e ainda que em detrimento do interesse na unidade da decisão com o perigo de soluções divergentes, a regra será a de que a ação pode ser proposta por ou contra várias pessoas, reconhecendo, nesse caso, o tribunal “apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade” (art. 32, nº 1, do C.P.C.). É o regime-regra para a generalidade das relações jurídicas com pluralidade de sujeitos.
O litisconsórcio diz-se necessário quando a lei ou o negócio o impuserem, ou quando tal resulte da própria natureza da relação jurídica por forma a que a decisão produza o seu efeito útil normal (art. 33). O carácter excecional atribuído ao litisconsórcio necessário, previsto no art. 33 do C.P.C., prende-se com os embaraços que essa imposição representa para a parte, quantas vezes confrontada com a inércia ou recusa de cooperação dos demais interessados, pelo que este existirá apenas e quando deva prevalecer a dita unidade da decisão sobre o interesse das partes([2]).
No litisconsórcio necessário, há uma única ação com pluralidade de sujeitos e no voluntário, uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes (art. 35 do C.P.C.).
Diverge do litisconsórcio a coligação.
“É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.” (art. 36, nº 1, do C.P.C.).
Como nos refere Lebre de Freitas, “(…) A coligação tem lugar quando os pedidos cumulados não são deduzidos por ou contra a mesma parte (singular ou plural), mas sim discriminadamente deduzidos por ou contra partes distintas. (…).”([3])
Distinguindo as figuras, explica-nos Antunes Varela: “(…) No litisconsórcio, há pluralidade de partes, mas unicidade da relação material controvertida; na coligação, à pluralidade de partes corresponde a pluralidade das relações materiais litigadas, sendo a cumulação permitida em virtude da unicidade da fonte dessas relações, da dependência entre os pedidos ou da conexão substancial entre os fundamentos destes. (…).”([4])
O que releva, por conseguinte, é a determinação dos sujeitos da relação material controvertida, a definição “dos titulares das situações jurídicas de direito substantivo que estão em causa no processo”([5]).
Contra o que defende o R./apelante, não se verifica, no caso, a obrigatoriedade de interposição da ação pela A. e pelo filho do casal, conforme decorre do próprio teor literal da cláusula 6ª da transação, judicialmente homologada, a que respeitam os autos: “O requerido concede o prazo de cinco anos, a contar de hoje, à Requerente e/ou ao filho do casal JP… a opção de compra da fracção "Q" (…º andar esquerdo), acima referida, pelo preço de 85.000,00 € (oitenta e cinco mil euros).”
A interpretação do acordo e da cláusula em questão, como dos contratos em geral, deve fazer-se com recurso às regras previstas no Código Civil sobre interpretação e integração de negócios jurídicos (arts. 236 e ss. do C.C.), visto que não se mostra produzida prova da vontade real das partes quanto ao alcance ou conteúdo da concreta obrigação assumida.
Trata-se, assim, de apurar o sentido que um declaratário normal, alguém “medianamente instruído e diligente”([6]), colocado na posição do real declaratário poderia apreender do comportamento do declarante.
Ora, o uso das conjunções “e/ou” indicam, com mediana clareza, o sentido do texto.
Consultando, a propósito, a página da internet “Ciberdúvidas da Língua Portuguesa”, encontramos: “O uso de e / ou é corrente e generalizado no português. A barra indica opcionalidade de uso de cada uma das conjunções coordenativas: aditiva (e) ou disjuntiva (ou). A ausência de barra comprometeria a clareza desta opcionalidade. Deste modo, será correcto o uso de e / ou numa frase como «Precisa-se de professor de inglês e / ou francês», cujo sentido será o de se precisar de um professor de ambas as línguas ou de apenas uma delas.”
Quer isto significar que, tal como se entendeu na sentença, a referida cláusula não aponta para uma contitularidade necessária do direito estabelecido, mas para a possibilidade do seu exercício pelos dois (A. e filho) ou apenas por um deles, individual e autonomamente.
Isto posto, verificamos que a A. e o R. acordaram, na transação homologada, no arrendamento da fração indicada, pelo segundo à primeira, com opção de compra, nos moldes referidos.
O chamado pacto de opção é, como refere Ana Prata([7]), o “Acordo segundo o qual dado contrato, cujos termos ficam desde logo estabelecidos vinculativamente, pode vir a celebrar-se entre as partes, se e quando uma delas o quiser; esta convenção é estruturalmente caracterizada por uma das partes emitir uma declaração ou proposta de contrato, ficando a outra parte com a faculdade de aceitar ou rejeitar o contrato dentro de certo prazo.
Quando o contrato a que o pacto de opção respeita é a compra e venda, como é o caso mais frequente, é habitual que, durante o mesmo prazo, a coisa seja entregue ao comprador, que, caso não queira celebrar o contrato, a devolverá ao vendedor.”
Segundo Tiago Soares da Fonseca([8]), “o contrato de opção consiste na convenção mediante a qual, uma das partes (concedente) emite a favor da outra (optante) uma declaração negocial, que se consubstancia numa proposta contratual irrevogável referida a um certo contrato (principal), fazendo nascer, nesta última, o direito potestativo de decidir unilateralmente sobre a conclusão ou não do mesmo.”
Assim, no pacto ou contrato de opção existe uma declaração contratual de uma das partes, que a vincula de forma irrevogável, enquanto a outra parte se reserva a faculdade de, livremente, aceitar ou não esse mesmo contrato.
Estabelecendo-se a distinção quanto ao pacto de preferência, afirmou-se, de forma lapidar, no Ac. do STJ de 27.9.2007([9]): “(…) Do pacto de preferência nasce uma obrigação típica: para uns, a de o devedor não contratar com terceiro (non facere) se o outro contraente se dispuser a contratar em iguais condições; para outros, a de, querendo contratar, o obrigado escolher a contraparte, de preferência a qualquer outra pessoa (facere). Em face dessa obrigação, fica a plena liberdade de o titular da preferência aceitar ou não a celebração do contrato, nos termos em que o obrigado se propõe realizá-lo.
O pacto de preferência não se confunde com o pacto de opção: aquele prevê a celebração de um novo contrato (eventual), e é em relação a este novo contrato (eventual) que a preferência funciona, enquanto que no pacto de opção há já a declaração contratual de uma das partes num contrato em formação. Nos pactos de opção, uma das partes emite logo a declaração correspondente ao contrato que pretende celebrar, enquanto a outra se reserva a faculdade de aceitar ou declinar o contrato dentro de certo prazo: aceitando, o contrato aperfeiçoa-se sem necessidade de qualquer nova declaração da contraparte.
Ou, como refere Calvão da Silva, a propósito da distinção do contrato-promessa de figuras afins (Sinal e Contrato Promessa, 11ª ed., pag. 26), “ O pacto de preferência faz nascer a obrigação de escolher outrem como contraente, no caso de o obrigado à preferência se decidir livremente a contratar (art. 414º e segs.); a pessoa não se obriga, portanto, a contratar, diferentemente do que sucede no contrato-promessa, apenas se obriga a dar preferência em condições de igualdade.
O pacto de opção - continua o mesmo Autor – é um contrato – e nisto se distingue da proposta irrevogável -, tal como a promessa unilateral, sendo, todavia, diverso o mecanismo de realização do direito ao contrato emergente de ambos: na segunda, fonte de uma obrigação de contratar, tem de haver nova declaração contratual de ambas as partes para que o contrato definitivo se conclua – direito de crédito, portanto, o do promissário, já que exige a cooperação ou colaboração do promitente; no primeiro, para a conclusão do contrato é suficiente a declaração de vontade do beneficiário: se este aceita, exercendo o seu direito potestativo, o contrato, aperfeiçoa-se, inelutavelmente, sem necessidade de nova declaração da contraparte. (…).”
Também no Ac. do STJ de 10.11.2011([10]) se discorreu, aqui por referência ao contrato promessa unilateral: “(…) A distinção entre contrato-promessa unilateral e pacto de opção está em que este “consiste no acordo em que uma das partes se vincula à respectiva declaração de vontade negocial, correspondente ao negócio visado, e a outra tem a faculdade de aceitá-la ou não, considerando-se essa declaração da primeira uma proposta irrevogável” (Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 12ª edição, pág. 382), portanto, “do pacto de opção deriva um direito potestativo à aceitação da proposta contratual emitida e mantida pela outra parte” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol I, 10ª edição, pág. 311) considerando-se ainda que a promessa unilateral “assenta sobre um contrato consumado” (Varela, loc. cit., pág. 311).(…).”
A questão que concretamente aqui se suscita é a de saber se, cabendo o direito de opção de compra da fração à A. mas também ao filho do casal com autorização para habitar no locado, sem aparente precedência ou prioridade, podia a mesma instaurar a ação desacompanhada desse filho.
Já vimos que, de acordo com a dita cláusula 6ª, qualquer deles podia exercer, individualmente, esse direito.
Transcenderá a problemática da legitimidade ativa saber se, para o fazer, seria indispensável ao demandante alegar e demonstrar que o direito de opção do outro havia caducado ou que o mesmo a ele renunciara.
Tal como se sustentou em 1ª instância, cremos ser de recorrer aqui, por analogia, à disciplina do direito de preferência.
Ora, dispõe o art. 419 do C.C. que: “1. Pertencendo simultaneamente a vários titulares, o direito de preferência só pode ser exercido por todos em conjunto; mas, se o direito se extinguir em relação a algum deles, ou algum declarar que não o quer exercer, acresce o seu direito aos restantes. 2. Se o direito pertencer a mais de um titular, mas houver de ser exercido apenas por um deles, na falta de designação abrir-se-á licitação entre todos, revertendo o excesso para o alienante.”
No preceito distinguem-se, assim, duas situações: aquela em que o direito de preferência pertence a vários titulares conjuntamente, tendo de ser exercido em conjunto por todos (nº 1), e aquela outra em que, sendo vários os titulares, o direito só deve ser exercido por um deles (nº 2).
Se tivermos ainda em conta o disposto nos arts. 1032 e 1037 do C.P.C., também citados na sentença – respeitantes ao exercício do direito de preferência por uma pessoa quando tal direito caiba também a outras simultaneamente – podemos concluir que, nesse caso, o interessado na propositura da ação de preferência pode fazê-lo livre e isoladamente, sem prejuízo da faculdade que lhe assiste de notificar os demais preferentes, por forma a prevenir questões futuras com os mesmos. Tanto mais que, como decorre do art. 1037, a concretização da alienação não extingue o direito daqueles([11]).
Aplicando a referida disciplina à situação em análise, temos de concluir, como na sentença recorrida, que a A. podia, por si só, instaurar a presente ação, exercendo o direito de opção que individualmente lhe cabia.
Trata-se, como vimos, de direito pertencente a mais de um titular, mas que pode ser exercido apenas por um deles, e não forçosamente por ambos em conjunto.
Aliás, a cada um deles, beneficiário do dito direito de opção, caberia precisamente a faculdade de aceitar ou rejeitar o contrato a que o R. se vinculou.
Não pode, por isso, proceder a exceção de ilegitimidade, como defende o apelante, improcedendo o recurso neste tocante.

B) Da (im)possibilidade da execução específica do pacto de opção e, em especial, no caso dos autos:
Na contestação defendeu o R., além do mais, que o incumprimento do contrato de opção não é passível de execução específica uma vez que, atentas as suas características, não existe nenhuma declaração negocial omissa que deva ser suprida.
Ainda no despacho saneador, proferido na audiência prévia realizada em 6.10.2017, sustentou-se essa possibilidade, nos seguintes termos: “(…) A primeira questão a resolver é a que respeita à suscetibilidade de execução específica do contrato de opção.
Afirma-se, a este propósito, no art. 830°, nº 1 do CC: "se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”,
Ora, um dos traços característicos do contrato de opção, por oposição à figura próxima do contrato promessa, é, efetivamente, o de que a mera manifestação de vontade do beneficiário no sentido da aceitação do contrato optativo implica a imediata conclusão deste.
Assim o explica Calvão da Silva (Sinal e Contrato Promessa, 11° ed., pág. 26): "O pacto de opção é um contrato - e nisto se distingue da proposta irrevogável -, tal como a promessa unilateral, sendo, todavia, diverso o mecanismo de realização do direito ao contrato emergente de ambos: na segunda, fonte de uma obrigação de contratar, tem de haver nova declaração contratual de ambas as partes para que o contrato definitivo se conclua - direito de crédito, portanto, o do promissário, já que exige a cooperação ou colaboração do promitente; no primeiro, para a conclusão do contrato é suficiente a declaração de vontade do beneficiário: se este aceita, exercendo o seu direito potestativo, o contrato, aperfeiçoa-se, inelutavelmente, sem necessidade de nova declaração da contraparte".
Neste cenário, já se defendeu que não é possível a execução específica, uma vez que através deste mecanismo legal o Tribunal se substitui ao contraente faltoso, considerando o contrato concluído, apesar daquele contraente não haver manifestado a sua vontade nesse sentido, e no contrato de opção o contraente vinculado à celebração do contrato já emitiu a sua declaração, nada havendo a suprir judicialmente.
Deste modo, se, por exemplo, no caso de um contrato optativo de compra e venda, após a aceitação do beneficiário, o contraente vinculado não entregasse a coisa objeto do mesmo, não estaríamos em presença de um incumprimento do contrato de opção, mas antes de um incumprimento do contrato optativo, havendo que exigir a entrega da coisa através do meio judicial próprio.
Na situação vertente ocorre, porém, esta especificidade do contrato optativo de compra e venda respeitar a um bem imóvel, o que obriga à formalização das declarações de vontade em escritura pública, sob pena de nulidade (arts. 875º e 220º do CC).
Podemos, pois, afirmar que neste caso concreto, ao contrário do que sucede na generalidade dos casos, o contrato ainda não está perfeito, apesar da aceitação do beneficiário, ou seja, não há contrato concluído.
Podemos também afirmar que tendo a A. diligenciado a perfeição do contrato, através do agendamento da escritura de compra e venda, e não tendo o R. comparecido, nem justificado a sua ausência, e mais se verificando estarem reunidas todas as condições para a celebração do contrato, há incumprimento por parte do R..
Podemos, todavia, perguntar ainda se a execução específica traduz, neste caso concreto, a solução mais correta, uma vez que em bom rigor não implica a aludida substituição da declaração de vontade do faltoso, mas apenas o suprimento judicial da forma legal para a emissão da declaração.
Consideramos que uma tal objeção não poderia colher, porquanto por um lado não teria sentido concluir pela inexistência de tutela para um direito legalmente constituído, isto é, perante a recusa do vinculado à celebração da escritura pública terá de assistir ao beneficiário o direito de exigir a formalização do contrato e não apenas o de ser indemnizado pela frustração do seu direito.
E por outro lado, a alternativa de prolação de uma sentença condenatória do faltoso na celebração de escritura pública não parece corresponder também ao espírito do sistema, pois na realidade seria, de igual modo, possível que nos casos de contrato promessa o legislador se tivesse limitado a prever tal condenação, e no entanto foi mais longe e criou este mecanismo da execução específica.
Consideramos, pois, que nada obsta à execução específica do contrato de opção, no sentido de ser obtida sentença que considere o contrato perfeito.”
Já na sentença, concluiu o Tribunal, em face da matéria assente, pela verificação dos pressupostos necessários à execução específica do contrato de opção, decidindo ainda, além do mais, sobre o depósito do preço([12]).
Vem defender o apelante agora no recurso que não é possível a execução específica do contrato de opção uma vez que a tal se opõe a natureza da obrigação assumida (art. 830, nº 1, in fine, do C.C.). Explica que estando em causa um contrato complexo, de arrendamento com direito de opção de compra, o exercício desse direito de opção ficou, por acordo das partes, sujeito a uma condição suspensiva que é a cessação do arrendamento no termo do seu prazo da sua vigência, pelo que, não se verificando a condição, o direito não podia ser exercido.
Em contra-alegações, assinalou a apelada que esta é uma questão nova, que o R. não suscitou antes na causa, pelo que não foi apreciada em 1ª instância e não pode ser objeto do recurso.
Vejamos.
Começando precisamente pelo fundamento agora aduzido contra a possibilidade da execução específica, trata-se, como afirma a recorrida, de uma questão nova que o recorrente não suscitou na contestação e que, como tal, não foi discutida na causa nem apreciada na audiência prévia ou na sentença.
Não estamos perante uma simples interpretação de direito.
O que o apelante invoca é um novo fundamento – não verificação de uma condição suspensiva para o exercício do direito, de acordo com uma certa interpretação da transação – que opõe à pretensão da A..
Ora, como acima dissemos, o tribunal “ad quem” não pode conhecer de questões que não tenham sido invocadas no tribunal recorrido, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, sendo incontroverso que, sem prejuízo destas últimas questões, os recursos visam apenas modificar as decisões impugnadas mediante o reexame das questões nelas equacionadas e não apreciar matéria nova sobre a qual o tribunal recorrido não teve ensejo de se pronunciar.
Tal constitui, de resto, importante limitação do objeto do recurso que tem por fim “obviar a que numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas”, sendo ainda certo que tal apreciação sempre equivaleria a suprimir um ou mais graus de jurisdição([13]).
Em todo o caso, não deixamos de referir que, em tese geral, a cláusula de opção de compra no contrato de arrendamento vincula o proprietário a vender o imóvel ao inquilino pelo preço acordado, durante ou após um dado período de tempo, contra o que parece defender o apelante.
Por sua vez, nem a interpretação do contrato e da sua cláusula 6º – “O requerido concede o prazo de cinco anos, a contar de hoje, à Requerente e/ou ao filho do casal JP… a opção de compra da fracção "Q" (…º andar esquerdo), acima referida, pelo preço de 85.000,00 € (oitenta e cinco mil euros)” – consente, minimamente, a leitura de que o direito de opção consagrado só poderia ser exercido no termo do prazo do arrendamento.
Em síntese, não pode proceder a tese do recorrente neste tocante.
Isto posto, e recuperando o argumento que o R. esgrimiu na contestação, e reedita no recurso, contra o pedido de execução específica da opção de compra da fração, entendemos que razões de ordem lógica o contrariam.
Já constatámos que o contrato de opção não corresponde a nenhum tipo contratual legalmente consagrado no nosso ordenamento jurídico.
Sendo um contrato atípico, podemos defini-lo como preparatório ou instrumental, “na medida em que é através dele que as partes regulam diversos aspectos que irão conduzir ao surgimento de um outro contrato.”([14])
Como acima vimos, é razoável aplicar-lhe, por analogia, a disciplina de outros contratos ou figuras afins.
Dispõe o art. 830, nº 1, do C.C., que: “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida.”
Defende o apelante/R., apoiado na posição defendida por Tiago Soares da Fonseca, que o incumprimento do contrato de opção não é passível de execução específica uma vez que, atentas as suas características, não existe nenhuma declaração negocial omissa que deva ser suprida como sucede no contrato promessa.
Com efeito, segundo este autor: “Dadas as semelhanças existentes entre o contrato-promessa e o contrato de opção é legítimo perguntar se também o incumprimento do contrato de opção é susceptível de execução específica. A resposta, porém, só pode ser negativa.
No contrato de opção não se pode exigir judicialmente sentença que substitua a declaração faltosa, porque a opção cria por si mesma o contrato principal. Logo, se este nasce com o exercício do direito de opção, não existe declaração faltosa para substituir.
Assim, quando o concedente se nega a cumprir o contrato principal depois do optante ter exercido eficazmente o seu direito de opção, é possível a imposição coactiva ao concedente do comportamento devido, através de uma acção de cumprimento, prevista no art. 817º do C. Civil, dirigida à condenação do concedente na prestação da dívida. Deste modo, apenas é admissível sentença judicial que ordene a imediata execução do contrato já perfeito. Naturalmente, não se exige a substituição da declaração omissa, porque esta existe, mas tão só, o seu cumprimento. Tal sentença, ao contrário da sentença de execução específica que adquire carácter constitutivo, adquire apenas carácter declarativo: declara-se cumprido o contrato final. (…).”([15])
Salvo o devido respeito, não podemos concordar.
O argumento, pertinente do ponto de vista teórico, redundaria, a nosso ver, num efeito perverso que deixaria sem solução ajustada o incumprimento do vinculado pelo contrato de opção numa situação como a presente.
Como acima vimos, se no contrato promessa tem de haver nova declaração contratual de ambas as partes para que o contrato definitivo se conclua, no caso do contrato de opção à perfeição do negócio só falta a declaração de vontade do beneficiário, a aceitação deste, estando a contraparte já obrigada a contratar.
Na verdade, a diferença essencial entre a promessa unilateral e o contrato de opção é que na primeira a formação do contrato prometido depende, designadamente, de duas novas declarações de vontade para que nasça o contrato prometido, enquanto no contrato de opção a formação do contrato principal depende apenas da sua aceitação pelo beneficiário, não sendo necessária qualquer nova declaração do concedente([16]).
Tal apontaria para a desnecessidade de suprir a declaração do faltoso, como sucede no recurso à execução específica.
No entanto, no caso, conforme se salientou em 1ª instância, temos que o contrato principal, optativo, é a compra e venda de um bem imóvel, sujeito à formalização da declaração de vontade das partes, em regra mediante escritura pública, sob pena de nulidade (arts. 875 e 220 do C.C.).
Será, nestas condições, adequado exigir ao beneficiário da opção a instauração de uma ação condenatória de modo a levar a contraparte ao cumprimento da obrigação a que se vinculou, que determine a execução do contrato já perfeito?
E seria suficiente a mera declaração judicial do cumprimento do contrato final (como parece sugerir o autor atrás citado)?
Ou seja, como concretizar, neste caso, o contrato de compra e venda, com os efeitos dele decorrentes (art. 879 do C.C.)?
Ainda que pudéssemos aqui defender a instauração de uma ação executiva, ao abrigo do disposto no art. 703, nº 1, al. a), do C.P.C. – dado que estamos perante uma transação judicialmente homologada – cremos que nem a execução para entrega de coisa certa nem a execução para prestação de facto se ajustariam eficazmente ao caso, porque nenhuma delas corresponderia forçosamente à formalização do contrato principal.
Constituindo a execução específica, prevista no art. 830 do C.C., solução indiscutível no incumprimento do contrato promessa previsto nos arts. 410 e ss. do C.C., cremos que a mesma não poderá deixar de responder, em particular na situação sub judice, à efetiva necessidade do beneficiário do contrato de opção de aquisição, por argumento de maioria de razão.
Na verdade, a pré-existente vinculação do faltoso não satisfaz, por si só, a indispensável formalização/concretização do contrato de compra e venda, com a inerente transmissão da propriedade do imóvel (entrega do bem e pagamento do preço), sendo a aceitação do beneficiário insuficiente, nestas condições, à perfeição do negócio.
Há que suprir, afinal, a declaração negocial do faltoso, irremediavelmente vinculado à venda, no ato da formalização do contrato.
E, se assim é, só a execução específica responde diretamente à necessidade do beneficiário da opção, conforme se ajuizou em 1ª instância. Tanto mais que também assegura, dessa forma, ao concedente o correspondente pagamento do preço a que tem direito.
Em suma, o referido regime tem inteira aplicação ao caso em análise, não se afigurando que a tanto se oponha a natureza da obrigação assumida, como defendido pelo apelante.
Não se mostrando, no mais, impugnada a sentença, designadamente quanto à concreta verificação dos pressupostos necessários à execução específica do contrato de opção ou depósito do preço, nada mais cumpre apreciar.

                                       ***
IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a sentença proferida bem como a decisão de 6.10.2017 (audiência prévia) nos segmentos impugnados.
Custas pelo apelante.
Notifique.
***
Lisboa, 9.4.2019

Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa

[1] Ter-se-á em conta que no despacho saneador, no tocante à decisão proferida sobre a ilegitimidade ativa, foram elencados os mesmos factos aqui reproduzidos sob os pontos 1) a 10).
[2] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, 1982, Vol. II, pág. 199, embora noutro quadro normativo.
[3] “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código”, 4ª ed., Junho 2017, pág. 210.
[4] “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 161.
[5] Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 77 e 78.
[6] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 223.
[7] “Dicionário Jurídico”, 3ª ed., págs. 712/713.
[8] “Do Contrato de Opção - Esboço de Uma Teoria Geral”, Lex, Lisboa 2001, pág. 21.
[9] Proc. 07B2372, em www.dgsi.pt.
[10] Proc. 3109/08.9TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.
[11] Neste sentido, ver o Ac. STJ de 25.3.2010, Proc. 5541/03.5TBVFR.P1.S1, em www.dgsi.pt, citado na sentença.
[12] Assim, no despacho saneador apreciou-se da exceção dilatória da legitimidade ativa e adiantou-se um juízo sobre a questão de fundo, relativa à pretendida execução específica do pacto de opção, que só veio a ser efetivamente decidida a final.
[13] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, págs. 87/88.
[14] Tiago Soares da Fonseca, ob. cit., pág. 36.
[15] Tiago Soares da Fonseca, ob. cit., pág. 85.
[16] Ainda Tiago Soares da Fonseca, ob. cit., pág. 49.