Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
926/13.1TBFUN.L1-8
Relator: ANTONIO VALENTE
Descritores: PLANO DE REVITALIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PROMITENTE-COMPRADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Procede a oposição de diversos credores e simultaneamente promitentes compradores, ao Plano de Revitalização previsto nos artigos 17º-A e seguintes do CIRE, quando tal plano prevê que esses credores, relativamente aos quais ocorreu a tradição das fracções prometidas, terão de celebrar a escritura negociando o preço com a promitente vendedora, nos termos e condições estipulados por uma entidade bancária, credior hipotecário, termos e condições esses que se desconhecem por não constarem do plano.
- Isto, quando corre termos uma acção popular visando a demolição do edifício onde se situam tais fracções, a qual impede o registo definitivo da aquisição de qualquer fracção.
- Por outro lado, em caso de se recusarem a celebrar a escritura nos termos referidos, tais credores terão, segundo o Plano, de devolver as fracções o que levará a que percam o fundamento do seu direito de retenção – que prefere à hipoteca – para a hipótese de tais credores obterem decisão judicial declarando o incumprimento definitivo da promitente vendedora.
- Acresce que, quanto aos promitentes compradores aos quais não foi feita a tradição das fracções, caso obtenham reconhecimento judicial do incumprimento definitivo da promitente vendedora, e assim o direito a receberam o sinal em dobro, a redução dos seus créditos de acordo com o plano é de 87,5%, enquanto para os credores comuns é apenas de 75%, sem que exista fundada justificação para tal desigualdade.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

   No dia 29 de Julho de 2013, foi publicada a deliberação de aprovação do "plano de revitalização” relativo à sociedade N.. .
   Após a referida publicação, foi solicitada a não homologação do plano pelos seguintes credores:
A)  P...  veio requerer que o plano apresentado pela devedora não seja homologado.
Alega, em síntese, que o plano não contém as menções obrigatórias previstas no artigo 195.°, nº 2, alíneas c), d) e e), do CIRE e que o plano viola o princípio da igualdade dos credores. Isto, por ser tratado de forma desigual face aos credores comuns condicionais por "créditos relativos a garantias prestadas por bancos", aos credores comuns não condicionais por "créditos bancários” e aos credores comuns "residuais', todos estes merecedores de tratamento mais favorável que aquele. O seu crédito enquadra-se na categoria dos "créditos comuns relativos a contratos promessa de compra e venda".
 O plano prevê, por um lado, que "os créditos dos Promitentes Compradores que não tenham obtido    a tradição das fracções autónomas objecto do contrato, caso venham a constituir-se (ou seja, em caso de incumprimento contratual definitivo da Devedora e/ou decisão judicial que o reconheça e declare), serão reduzidos a 25% do total das quantias entregues a título de sinal (ou seja, e tal como os "Restantes Créditos", em 75% do capital investido/comprometido pelos respectivos Credores, com perdão da componente indemnizatória, beneficiando, no demais, do tratamento previsto na categoria denominada "Restantes Créditos", designadamente os sob condição" [cfr. Plano de Recuperação, p. 19] e, por outro lado, que "[o]s créditos sob condição respeitantes a garantias prestadas a terceiros por conta e em nome da Devedora, por respeitantes a garantias prestadas por esta, face à função que desempenham, bem como à supra referida necessidade de continuar a contar com o apoio da Banca (. . .) não são objecto de qualquer perdão no que diz respeito ao valor de capital, e caso venham a ser exigíveis serão integralmente reembolsados nos termos adiante previstos. Juros vincendos sobre o capital em dívida, calculados à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de 2,0%"  (cfr. Plano de Recuperação, p. 15).    
 Alega ainda que, não obstante serem credores sob condição, os primeiros só são pagos em 25% dos montantes entregue a título de sinal (que é, como veremos, menos de 25% dos seus créditos de capital), e os segundos são pagos na totalidade, sem qualquer perdão de capital e que aos créditos comuns dos bancos é concedido o pagamento da totalidade do capital e dos juros vencidos, ao passo que os créditos comuns dos promitentes-compradores que não tenham obtido a tradição da coisa - entre eles o aqui credor P... - são perdoados em mais de 75%. Acresce que os credores que foram objecto de tratamento desfavorável, entre eles o credor P..., não deram o seu consentimento para serem tratados desfavoravelmente, inexistindo motivos para serem tratados desfavoravelmente. 
A justificação apresentada pelo proponente do plano não pode considerar-se válida para efeitos do artigo 194º do CIRE sendo que o plano trata também de forma desigual os "credores por créditos comuns emergentes dos contratos-promessa e que não tenham obtido  a tradição da coisa" e os titulares dos "restantes créditos", desfavorecendo os primeiros face a estes últimos: os créditos de capital daqueles são perdoados em mais de 75%, ao passo que os destes são-no em exactamente 75% (a saber:  "os créditos comuns que não se encontrem sob condição são reduzidos e perdoados em 75% do seu valor de capital, com cláusula "salvo regresso de melhor fortuna", válida até  ao termo do prazo de vigência do plano"  [cfr. Plano de Recuperação, p. 25]; e  "[o]s créditos dos Promitentes Compradores que não tenham obtido a tradição das fracções autónomas objecto do contrato, caso venham a constituir-se (ou seja, em caso de incumprimento contratual definitivo da Devedora e/ou decisão judicial que o reconheça e declare), serão reduzidos a 25% do total das quantias entregues a título de sinal (ou seja, e tal como os "restantes Créditos", em 75% do capital investido/comprometido pelos respectivos Credores, com perdão da componente indemnizatória), beneficiando, no demais, do tratamento previsto na categoria denominada "Restantes Créditos", designadamente os sob condição" [cfr. Plano de Recuperação, p. 19].  O plano prevê que estes credores só serão pagos em 25% dos valores do sinal em singelo, ainda que obtenham uma decisão judicial que lhes reconheça o direito aos valores do sinal em dobro, sendo manifesto que o perdão de capital para eles previsto é superior a 75% (ou, visto de outro modo, que receberão menos de 25% dos seus créditos).
 Reafirma que os credores objecto de tratamento desfavorável, nisso não consentiram, sendo igualmente certo que a diferença de tratamento não foi justificada por razões objectiva. Além disso, o plano é inexequível, por ser impossível celebrar as escrituras de compra e venda das fracções autónomas.
O  plano da devedora dispõe relativamente aos "créditos comuns relativos a contratos promessa de compra e venda", o seguinte: "Em caso de opção pela celebração do contrato prometido, este deverá ser outorgado no prazo máximo de 60 dias a contar do termo do prazo previsto no parágrafo  anterior. A forma de pagamento do preço poderá ser objecto de acordo entre a Devedora e os respectivos compradores, nos termos e condições previamente aceites pelo Banco ..." [cfr. Plano de Recuperação, p. 20]. Contudo, desconhecem os "termos e condições previamente aceites pelo Banco ...", nem foram os mesmos juntos ao plano.  
A sentença homologatória confere eficácia a quaisquer actos ou negócios jurídicos previstos no plano, desde que constem do processo, por escrito, as necessárias declarações de vontade de terceiros e dos credores que o não tenham votado favoravelmente, ou que, nos termos do plano, devessem ser emitidas posteriormente à aprovação. A contrario, quando essas declarações não constem do processo, não pode o plano ser homologado sob pena de se conferir eficácia a um negócio que é nulo por não serem conhecidos por ambas as partes alguns dos seus elementos essenciais.
  Os "termos e condições previamente aceites pelo Banco ..."   quanto ao pagamento do preço no caso da opção, por parte dos credores por créditos comuns relativos a contratos promessa de compra e venda, pela celebração das escrituras - a existirem - deveriam ter sido juntos ao plano para aprovação dos credores, já que no plano não são admissíveis lacunas a preencher mediante subsequentes negociações. Sendo desconhecidos os "termos e condições" aceites pelo Banco .... pode dar-se o caso de os credores que optem pela celebração das escrituras se vejam "encurralados', já que não podem cumprir as condições (que desconhecem) e não podem, nem recusar o plano aprovado, nem optar pela não celebração das escrituras.
 Por inexistir uma declaração do BANCO ... sobre os "termos e condições"  em que este aceita que seja feito o pagamento do preço remanescente para a celebração das escrituras de compra e venda das fracções, e por essa declaração não poder vir a ser emitida depois de homologado o plano, a solução consagrada é nula e o plano é manifestamente inexequível.
A opção pelo recebimento dos montantes entregues a título de sinal, em caso de incumprimento definitivo, é manifestamente inexequível. De resto, o plano nada diz quanto à continuação das acções que já estejam em curso tendo em vista a condenação da devedora no pagamento do dobro dos valores entregues a título de sinal. Na eventualídade de as acções referidas se extinguirem, nos termos do artigo 17º-E, nº 1, do CIRE, a opção pelo recebimento de 25% dos montantes entregues a titulo de sinal, em caso de incumprimento definitivo, torna-se inexequível.

J... e N... vieram requerer que o plano apresentado pela devedora não seja homologado, com base em três fundamentos (cfr. fls. 1002 a 1008):
a) Violação do preceituado no artigo 195.°, nº 2, aplícável ex vi do artigo 17º-F, nº 5, do CIRE;
b) Violação do princípio da igualdade;
c) Inexequibilidade das medidas propostas.
Para o efeito, alegam que o plano apresentado não contém, nomeadamente, a demonstração dos fluxos previsionais de caixa, a conta de exploração previsional, o plano de investimentos, o balanço pró-forma, e o impacto expectável das propostas.
O  plano fez depender o pagamento dos restantes créditos das "disponibilidades financeiras da devedora". Sem qualquer informação objectiva sobre a conta de exploração, não lhes é possível fazer um juízo de avaliação de quanto será expectável receberem, de que forma e em que momento. O seu crédito encontra-se consignado no plano como "crédito comum relativo a contratos promessa de compra e venda"  não se vislumbrando a razão de ser de um credor de igual natureza ser pago a 100% (a saber: as entidades financeiras), enquanto aos ora Requerentes é imposto serem somente pagos em 25% do valor do seu crédito. 
Mesmo que quisessem aproveitar o plano na parte que lhes aproveita (em sessenta dias comunicar a intenção de celebrar o contrato prometido), nunca teriam condições de saber em que termos tal podia suceder, por o plano remeter para um eventual acordo nos termos e condições aceites pelo credor B... Caso quisessem optar pela entrega do sinal, o plano não só lhes impõe que haja uma decisão judicial que o declare, como prevê a redução do mesmo (sinal) em 75%.

S..., F..., V..., C...., T... e A... vieram requerer que o plano apresentado pela devedora não seja homologado (cfr. fls. 1118 a 1122).
Alegam, em suma, que o plano viola o princípio da equidade, por beneficiar o credor hipotecário e por fazer depender a execução do plano da sua vontade.
O plano retira aos "credores promitentes-compradores" os privilégios que a lei lhes confere, subvertendo completamente a legal graduação de créditos. Além disso, o plano é manifestamente vago e inexequível, por assentar em pressupostos pouco reais, não explicando os procedimentos, tudo se protelando de forma vaga e genérica para futuras negociações, as quais, por sua vez, dependerão sempre da vontade do credor hipotecário.
   O plano é inexequível: se um credor promitente-comprador detentor do direito de retenção, por uma hipótese remota, entregasse voluntariamente a fracção à administração da devedora para que esta procedesse à sua exploração através do arrendamento e, no decurso deste, cessasse o impedimento legal da celebração do contrato prometido, o plano apenas prevê o incumprimento definitivo da ora devedora, como se tal resolvesse todos os problemas; mas, e se o credor exercer o direito de execução específica? Como vai a devedora pagar as indemnizações resultantes do incumprimento definitivo? E se os credores promitentes-compradores titulares do direito de retenção não procederem à entrega voluntária das fracções? O plano prevê (de uma forma muitíssimo genérica e sem qualquer suporte factual) que se gerem eventualmente rendimentos para pagamento das despesas correntes, decorrentes da manutenção dos imóveis, limpeza, contribuições fiscais, etc., mas já não prevê a criação de receitas para o pagamento das aludidas indemnizações.
 O plano desconsidera por completo os interesses destes credores e os direitos de que estes são titulares. Assim, o plano, sem qualquer justificação, concede ao credor hipotecário e ao B..., benefícios não reconhecidos aos outros credores, ainda que estes, por força da normal e legal graduação de créditos, se sobrepusessem àqueles. Os promitentes-compradores ficarão mais onerados do que um eventual terceiro na aquisição de uma fracção, por estarem vinculados ao valor aposto nos respectivos contratos-promessa, não obstante ser altamente provável que a tabela de valores de venda das fracções sofrerá alterações (ou então não haverá compradores).
Todo o plano assenta na venda das fracções, por ter sido excluída a exploração hoteleira e por prever-se que seja também retirada a administração do condomínio, limitando-se, desta forma, a possibilidade de criação de proveitos capazes de sustentar a devedora. Embora o credor hipotecário esteja disponível para financiar a aquisição, com registo provisório, tal não significa que não haja impedimentos à celebração do negócio, desde logo porque as condições de tal financiamento são manifestamente gravosas para os promitentes-compradores, não tendo qualquer paralelo com os financiamentos que os mesmos já detinham em outras instituições bancárias, o que desde logo impossibilita a referida aquisição. O credor hipotecário, ao financiar os promitentes-compradores, não só não perde, como além de constituir uma nova hipoteca sobre as fracções, "vende" mais dinheiro e consegue aumentar as suas garantias à custa dos novos avales pessoais.
O plano é contraditório: afirma, ao mesmo tempo, que os promitentes-compradores não têm direito de retenção, por a devedora não ter incumprido o contrato, e que os promitentes-compradores não perdem o direito de retenção, caso entreguem as fracções no prazo de 60 (sessenta) dias.

A FAZENDA PÚBLICA  veio requerer que o plano apresentado pela devedora não seja homologado e que seja atribuído novo prazo à administração fiscal para exercer o direito de voto, nos termos do artigo 17º-F, nº 4, do CIRE (cfr. fls. 1283 a 1287).
Alega, em suma. ter créditos contra a devedora, no valor global de € 531.910,66. Apenas as execuções fiscais nº 2810201201114158 e 2810201201191217 refentes a dívidas tributárias de IMI de 2011, encontram-se com planos de pagamento prestacional activos, sendo que os referidos planos de pagamento foram deferidos sem que a sociedade devedora tenha prestado garantia ou sem que, alternativamente, tenha obtido autorização de dispensa dessa mesma prestação, nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 199.° e do artigo 170.°, ambos do CPPT. 
Os referidos processos executivos não se encontram suspensos, não existindo nenhum óbice à normal prossecução das sobreditas execuções fiscais, nos termos no nº 3 do artigo 198.° e do nº 8 do artigo 199.° do CPPT.
Por outro lado, o processo executivo nº 2810201201093975 e apenso nº 2810201201143638, referentes a IRC e IVA de 2007, não tem plano de pagamento em prestação activo, pelo que não só não está suspenso com garantia devidamente prestada, como não foi alvo de qualquer regularização.
Depois da instauração do presente processo especial de revitalização, ocorrido em 01 de Março de 2013, a devedora gerou nova divida fiscal, tendo sido instaurada a execução fiscal nº 2810201301111027, referente a IMI de 2012, no montante de € 34.792,49. A devedora apresentou pedido de pagamento prestacional dessa dívida em 23 de Julho de 2013, tendo sido notificada do seu deferimento em 30 de Julho de 2013. 
As dívidas fiscais geradas antes da instauração do processo especial de revitalização não se encontram suspensas pela prestação de garantia ou por despacho a dispensar essa mesma prestação. Em virtude desse facto não poderá corroborar o plano de recuperação entretanto aprovado, quando refere que as condições de pagamento e as garantias previstas nos mesmos, mantêm-se integralmente em vigor, na medida em que, na realidade, inexistem tais garantias. A criação de uma nova dívida fiscal já depois da instauração do PER, sem a sua imediata regulação, é motivo suficiente para o plano de recuperação aprovado não poder merecer acolhimento por parte da administração fiscal, por um dos pressupostos para a aprovação do plano de recuperação das empresas ser precisamente a regularização das dívidas fiscais que surjam após a instauração do PER, o que manifestamente não ocorreu no caso do processo de execução fiscal.
 
N.... respondeu ao requerimento de P..., J... e N... a fls. 1124 a 1128, alegando que qualquer um dos créditos invocados pelos Requerente encontra-se condicionado ao incumprimento definitivo dos contratos prometidos e que os Requerentes são apenas titulares do direito à celebração do contrato prometido. A devedora pretende celebrar o contrato prometido e o plano aprovado prevê expessamente tal celebração.
O plano contém todas as menções previstas nas alíneas a) a d) do nº 2 do artigo 195.° do CIRE. Dado que não foram derrogadas quaisquer normas do CIRE, designadamente as relativas à matérias previstas no nº 1 do artigo 192.° do CIRE, nada havia a indicar nos termos e para os efeitos previstos na alínea e) do nº 2 do artigo 195.° do CIRE.
Por motivos - objectiva e expressamente - indicados no plano, este atribuiu um tratamento diferenciado aos credores bancários/financeiros, designadamente porquanto, sem a colaboração actual e futura dos mesmos, não só não seria possível aprovar o plano, como também não seria possível assegurar a comercialização do empreendimento e obter os eventuais financiamentos adicionais que eventualmente se revelem necessários. 
Em relação ao credor P... é manifestamente falso o alegado nos artigos 56.° e ss. do seu requerimento. Os créditos sob condição dos promitentes-compradores não são comparáveis com os créditos comuns/comerciais que são perdoados em 75%. Uma coisa é perdoar 75% do montante nominal/singelo de uma factura, e outra coisa completamente distinta - e injusta - seria perdoar em igual percentagem um montante que é pedido/devido em dobro. De resto, os credores poderão evitar qualquer sacrifício, bastando para o efeito a celebração dos contratos definitivos que conscientemente se vincularam a celebrar. O plano prevê expressamente que os promitentes-compradores poderão, no prazo máximo de até 60 (sessenta) dias a contar da data da entrada em vigor do plano, comunicar por escrito à devedora que pretendem celebrar o contrato prometido de imediato, pelo valor constante do contrato promessa de compra e venda. Apesar de o preço estar inequivocamente definido, o plano consagra que "a forma de pagamento do preço poderá ser objecto de acordo entre  a Devedora e os respectivos compradores. nos termos e condições previamente aceites pelo Banco ...". 
Atento o disposto no ponto focado, competirá aos credores interessados, caso assim o desejem, propor condições de pagamento diferentes das previstas nos respectivos contratos promessa, sendo certo que se não o fizerem, ou tais condições não forem aceites, lhes restará observar o previsto em tais contratos e no plano. Este alegado/inexistente vício não impede a homologação/validade do plano aprovado, implicando apenas a nulidade (e expurgação) da disposição em causa, com claro prejuízo, no entanto, para os credores eventualmente beneficiários. 
Para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 17º-E do CIRE, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n° 16/2012, de 20 de Abril, não se deve considerar que as acções declarativas consubstanciam acções para cobrança de dívidas contra o devedor" (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2103, Proc. nº 1190/12.5TTLSB.L 1-4). Qualquer acção judicial, actual ou futura, instaurada com vista a declarar o incumprimento contratual definitivo dos contratos promessa, não deverá/poderá ser declarada extinta, por o próprio plano prever que os créditos em causa poderão constituir-se por intermédio de decisão judicial que reconheça e declare o incumprimento contratual definitivo dos contratos promessa.

N....  respondeu ao requerimento da FAZENDA PÚBLICA a fls. 1562 a 1564.
Alega que a não homologação do plano aprovado rege-se pelo disposto nos artigos 215º e 216.°, nº 1 do CIRE, dependendo da verificação de alguma das circunstâncias previstas nestes mesmos preceitos legais. Ora, a Fazenda Pública não invoca, nem demonstra, a existência de qualquer violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, qualquer que seja a sua natureza, nem tão-pouco de qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do artigo 216.°, nº 1, do CIRE. No que diz respeito à invocação do artigo 216.°, nº 1, do CIRE, cumpre referir que apesar de ter sido notificada para se pronunciar sobre o plano aprovado, a Fazenda Pública não manifestou nos autos, anteriormente à aprovação do mesmo, a sua oposição, pelo que o requerimento formulado (unicamente nos termos e ao abrigo do referido preceito legal) é processualmente inadmissivel/inatendível.
O plano não contempla qualquer alteração, ainda que mínima, dos créditos da Administração Fiscal. A  devedora, não obstante a suspensão decorrente do artigo 17º-E, nº 1 do CIRE, efectuou inúmeros pagamentos nos últimos meses, continuando, portanto, empenhada em regularizar a sua situação tributária. Apenas não efectuou qualquer pagamento no âmbito dos processos a que reportam os processos nºs 2810201301111027 e 2810201201093975, porquanto, no primeiro caso, o respectivo prazo nem sequer findou, e, no segundo, a devedora - como a Administração Fiscal bem sabe - mpugnou, para já apenas pela via administrativa, a existência dos alegados créditos.

N.... respondeu ao requerimento dos credores S..., F..., V.., C..., T... e A... a fls. 1572 a 1576.
Alega que o plano não confere ao credor hipotecário qualquer garantia ou faculdade adicional, ou que este já não detenha face às garantias que actualmente possui.
O plano garante, uma vez verificados determinados pressupostos, que o credor hipotecário abdica, em parte, e em benefício dos demais credores comuns, da sua prioridade de reembolso, benefício que, se não fosse o plano, os mesmos nunca teriam. O plano não introduz qualquer alteração à legal graduação de créditos, limitando-se, por motivos - objectiva e expressamente - nele indicados, a atribuir um tratamento diferenciado aos credores bancários/financeiros, designadamente porque sem a colaboração actual e futura dos mesmos não só não seria possível aprovar o plano, como também não seria possível assegurar a comercialização e rentabilização do património da devedora e/ou obter os eventuais financiamentos adicionais de que esta venha a necessitar. A única diferenciação que o plano estabelece entre os credores comuns é, precisamente, a discriminação positiva dos créditos bancários, designadamente em termos que são - ampla e pacificamente - aceites pela jurisprudência.
Conforme o plano bem refere, em caso de insolvência da devedora, os credores comuns não teriam qualquer garantia (ou, sequer, probabilidade) de satisfação dos seus créditos. Assim, o plano é perfeitamente adequado à realidade e actividade da devedora, cumprindo com o estipulado nos artigos 195.° e 196.° do CIRE, na exacta medida em que os mesmos são aplicáveis ao caso concreto.
Diz ainda que o plano se limita a fixar direitos e obrigações que poderão, ou não, ser respeitados e/ou cumpridas pelas partes, sendo certo que, em caso negativo, qualquer uma delas poderá recorrer aos mecanismos legais que se encontram à sua disposição.   
 A retirada da administração do empreendimento da esfera da devedora e consequente assunção dessa obrigação para os proprietários das fracções do mesmo, não representará qualquer diminuição de proveitos, mas sim a diminuição dos (avultados) custos que esta tem vindo a suportar em substituição dos promitentes-compradores que ocupam as fracções e que nunca suportaram qualquer cêntimo a título de encargos com as partes comuns, conservação e manutenção, IMI, etc., assim enriquecendo à custa da devedora e dos demais credores desta.
 Excepto na medida em que se encontrem garantidos por direito de retenção, os créditos relativos a contratos de promessa têm natureza comum, não beneficiando, nem lhes sendo devido, qualquer tratamento especial e/ou de privilégio face aos demais créditos comuns. Além disso, inexiste qualquer impedimento legal à celebração dos contratos prometidos.
Não existe qualquer incumprimento contratual da devedora. Os promitentes-compradores que obtiveram a tradição das fracções autónomas em causa, beneficiam das mesmas como se proprietários plenos fossem, mas sem os correspondentes encargos, que continuam a ser suportados pela devedora e, indirectamente, pelos demais credores desta. 
Os credores pretendem, na verdade, uma redução, à custa dos demais credores desta, do preço acordado.
O plano aprovado respeita integralmente os limites decorrentes dos nºs 1 e 2 do artigo 192.° do CIRE.
 
Os créditos dos promitentes-compradores que obtiveram a tradição da coisa, beneficiam do mesmo tratamento que, em circunstâncias idênticas, beneficiariam em caso de insolvência da devedora, mais concretamente em virtude da aplicação do disposto nos artigos 102°, 106.°, nº 2, e 104.° nº 5 do CIRE. Ainda que restituam as fracções autónomas em causa à devedora - para que esta as possa rentabilizar, em benefício próprio mas também, dos demais credores -, em caso de incumprimento contratual da devedora, estes credores continuam a beneficiar do privilégio de reembolso decorrente da tradição das fracções, com a consequente adstrição do produto da venda das mesmas ao reembolso desses créditos. O plano em nada altera ou afecta a situação em que estes credores ficariam colocados em caso de insolvência da devedora, nada obstando à sua homologação.

Foi proferida decisão, recusando a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores, por violação não negligenciável de normas aplicáveis, nomeadamente o princípio da igualdade nos termos do art. 215º do CIRE.

Inconformada, recorre N..., concluindo que:
A) O presente Recurso tem por objecto a Sentença que decidiu "recusar  a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores, por, no caso concreto, terem sido violadas, de forma não negligenciável, normas aplicáveis ao seu conteúdo, nomeadamente, o princípio da igualdade, nos termos do ert. 215.° do CIRE", designadamente - e apenas - na parte respeitante a uma categoria de credores, mais concretamente aqueles que celebraram contratos promessa de compra e venda, ainda não integralmente executados/cumpridos, com a ora Recorrente.
B) O Plano de Recuperação justifica, expressa e fundamentadamente, o tratamento dispensado, aos Credores promitentes-compradores pelo que não é correcto - nem admissível - falar-se em total ausência de justificação, sendo certo que tal tratamento diferenciado decorreu de vários pressupostos que a 1ª instância não apreendeu e/ou ponderou devidamente.
C) A 1ª instância entendeu que, quanto às opções estatuídas para os promitentes-compradores, "o plano de revitalização não só (i) não descreve com  a devida concretização as medidas necessárias à sua execução [...] (ii) como também prevê medidas que, embora sejam fundamentais, são inexequíveis."
D) O Plano aprovado não consagra, em lugar algum, a essencialidade ou indispensabilidade da execução dos contratos definitivos em causa, cujo valor, aliás, não representa mais do que 11 % das receitas previsionais consideradas no mesmo, pelo que o Tribunal de 1ª instância não a poderia assumir ou presumir tal essencialidade.
E) O Plano aprovado em lugar algum estabelece, ou, sequer, pressupõe, que o credor B... financiará qualquer aquisição relativa aos contratos promessas já celebrados, e em relação aos quais, e a menos que tal condição conste expressamente dos contratos celebrados, a Devedora, assim como o Tribunal, não podem, sequer, saber se os respectivos promitentes-compradores pretendem (ou necessitam de) recorrer a qualquer financiamento bancário para efeitos de celebração dos respectivos contratos definitivos.
F) A possibilidade - que não obrigatoriedade - de acordo relativamente à forma de pagamento do preço prevista no Plano aprovado, nos termos e condições previamente aceites pelo Credor B..., nada tem que ver, nem fica dependente, de quaisquer contratos de mútuo a celebrar com este Banco.
G) Com o referido/possível acordo referente à "forma do pagamento do preço", que foi introduzido no Plano na sequência de solicitação, nesse sentido, de alguns dos credores presentes na respectiva reunião de discussão, procurou-se apenas flexibilizar tal obrigatoriedade, permitindo-se, por exemplo, o pagamento em prestações do valor remanescente em dívida na data da outorga do contrato, e após esta mesma data.
H) Neste correcto contexto, a necessidade de acordo futuro, e casuístico, entre a Devedora e os respectivos Credores, bem como da prévia, e casuística, aprovação do Credor B... (e hipotecário) são plenamente justificáveis.
I) A Douta Sentença recorrida considerou que, na medida em que é imposta aos promitentes-compradores que não optem pela celebração do contrato definitivo a devolução das fracções autónomas objecto de tradição, o tratamento dispensado aos respectivos credores é legalmente inexequível.
J) O Plano limita-se a estipular que, no caso do incumprimento definitivo do contrato promessa pela Devedora vir a ser judicialmente declarado/reconhecido, os créditos dos promitentes-compradores mantêm as garantias e prioridades de que gozariam caso o direito de retenção existisse, designadamente, caso os mesmos mantivessem as fracções na sua posse até à data da declaração de incumprimento contratual da Devedora, ou seja, a data da constituição desse direito de retenção.
K) Em lugar algum se prescreve que o direito de retenção é "constituído por negócio jurídíco", designadamente pelo Plano, antes se assumindo que, não existindo incumprimento da Devedora, nunca existirá - como não existe na presente data - direito de retenção, mas que, ainda assim, os créditos poderão vir a ser tratados como se este efectivamente existisse.
L) A constituição do crédito destes Credores, assim como o respectivo reembolso, não ficam, assim, dependentes da existência, ou não de direito de retenção e/ou da posse das fracções, mas sim do incumprimento contratual definitivo da Devedora, ou seja, e em bom rigor, do mesmo pressuposto de que dependeria a constituição da garantia.
M) A 1ª instância concluiu "que o tratamento diferenciado dos créditos garantidos sob condição suspensiva dos promitentes-compradores, face aos restantes créditos garantidos, é injustificado (cfr. artigo 194.°, nº 1, do CIRE) e não foi consentido pelos credores afectados (cfr. art. 194.°, nº 2 do CIRE)." (cfr. pág. 49 da Douta Sentença recorrida).
N) O referido tratamento diferenciado justifica-se, em primeiro lugar, por, na data da aprovação do plano, não se encontrarem constituídos nem os créditos, nem as respectivas garantias, bem como, por não existir qualquer perspectiva/probabilidade de os mesmos se virem a constituir, designadamente, a menos que a Devedora seja declarada insolvente, e, em segundo lugar, por a eventual constituição desses créditos e garantias ficar dependente, exclusivamente, da vontade e do consentimento dos respectivos credores.
O) Foi concedido a estes créditos um tratamento rigorosamente idêntico ao que lhes seria legal e imperativamente dispensado em caso de declaração de insolvência (cfr. a contrario, nº 1 alínea a), do art. 216.° do CIRE), designadamente atribuindo-lhes a mesma indemnização que lhes seria atribuída em caso de incumprimento contratual decorrente da insolvência da Devedora, e da opção do administrador da insolvência - que sempre seria manifestamente improvável - pelo não cumprimento do contrato (cfr. arts. 106.°, nº 2 e 104.° nº 5 do CIRE).
P) Foi entendimento da 1.a instância "que o plano prevê para os créditos comuns dos promitentes-compradores um tratamento diferenciado face aos restantes créditos comuns, designadamente os que estejam sob condição, cuja razão de ser não foi devidamente justificada no plano. "
Q) A justificação deste tratamento solução consta expressamente do Plano aprovado, designadamente na parte onde se refere que estes créditos "serão reduzidos a 25% do total das quantias entregues a título de sinal (ou seja, e tal como os "Restantes Créditos", em 75% do capital investido/comprometido pelos respectivos Credores, com perdão da componente indemnizatória)" (cfr. pág 19 do Plano aprovado), sendo certo que, perdoar 75% do montante total/singelo de uma factura, e perdoar em igual percentagem um montante que é pedido/devido em dobro, seria injusto e discriminatório para os credores comerciais da Devedora.
R) Estes credores comuns podem sempre optar pela celebração do contrato prometido, nos termos a que a tal se obrigaram, ou seja, pelo único direito/crédito que efectivamente detêm na presente data, não sofrendo assim qualquer perda, nem ficando sujeitos a qualquer perdão.
S) Em caso de declaração de insolvência da Devedora, bastaria que o Administrador optasse pela não celebração dos contratos prometidos, para que estes créditos não garantidos deixassem de ter qualquer probabilidade/garantia de serem reembolsados.
T) Um Plano de Recuperação pode determinar a redução de quaisquer créditos comuns, ainda que reconhecidos por sentença judicial, ou até mesmo a extinção de uma acção executiva cujo título executivo seja uma sentença judicial.
U) A 1.a instância considerou ainda "que  o tratamento diferenciado dos créditos garantidos sob condição suspensiva dos promitentes-compradores, face aos restantes créditos garantidos, é injustificado (cfr. artigo 194.°, nº 1, do CIRE) e não foi consentido pelos credores afectados (cfr. art. 194.°, nº 2 do CIRE)."
V) Tal juízo não é correcto porquanto:
- A opção pela celebração, ou não, dos contratos prometidos, bem como pela restituição, ou não, das fracções autónomas objecto dos mesmos, fica dependente, exclusivamente, da vontade e da actuação destes credores;
- A garantia conferida a estes créditos pelo Plano não fica condicionada à existência de direito de retenção, mas sim de incumprimento contratual da Devedora;
- A garantia e respectivas prioridades não decorrem da existência, ou não, de direito de retenção, mas sim das disposições e das regras de reembolso destes créditos constantes do Plano; e,
 - o critério de cálculo/redução do montante destes créditos seria o imperativamente aplicável em caso de declaração de insolvência da ora Devedora, e de recusa de cumprimento do contrato promessa pelo Administrador da Insolvência.
W) Assim sendo, e porque o tratamento dispensado a estes créditos é, em todas as vertentes anteriormente referidas, perfeitamente válido, lícito e justificado, não sendo, para além do mais, mais desvantajoso do que o aplicável em caso de declaração de insolvência da Devedora, a Douta Sentença recorrida violou os arts. 17º-F, 215.° e 216.°, nº 1 alínea a), todos do CIRE, devendo ser revogada e substituída por decisão de homologação do Plano aprovado nos autos.
Ainda que assim não se entenda,
X) Caso se conclua que algumas disposições/previsões do Plano violam as normas aplicáveis ao seu conteúdo, nomeadamente, o Princípio da Igualdade, o mesmo sempre poderia/deveria ter sido homologado parcialmente e/ou com ressalva da respectiva aplicabilidade aos Credores promitentes-compradores que não tenham votado favoravelmente o Plano aprovado.
Y) Um plano de revitalização consubstancia um negócio jurídico entre os credores, pelo que são aplicáveis ao mesmo, inter alia, as disposições dos arts. 292.° e 293.° do Código Civil, nos termos dos quais, "a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada", e "o negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade."
Z) De acordo com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a invalidade parcial de um plano de recuperação determina apenas a sua ineficácia e/ou inoponibilidade relativamente aos credores que se opuseram, ou não anuíram, à redução e/ou à modificação dos seus créditos.
AA) Nas suas pronúncias sobre os vários requerimentos de não homologação do plano apresentados por diversos Credores (e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais), a ora Recorrente admitiu e requereu expressamente a homologação parcial do plano aprovado.
BB) Não foi obtida/adquirida, por qualquer via processualmente válida, a eventual oposição dos Credores que aprovaram o Plano à redução e/ou ineficácia parcial do mesmo, sendo certo que, nos termos do art. 292.° do Código Civil, a nulidade total do negócio só poderia ter sido decretada caso a 1.a instância tivesse demonstrado que este não teria sido concluído sem a parte viciada.
CC) A Douta Sentença recorrida não só não determinou a redução, conversão ou ineficácia parcial do plano aprovado, como nem sequer apreciou tais possibilidades, designadamente, no sentido de concluir/demonstrar que, nessas circunstâncias, o Plano não teria sido aprovado.
DD) Ao não se ter pronunciado sobre questões que, face ao juízo de mérito e de fundo, bem como à posição processual adoptada pela ora Recorrente, deveria ter apreciado, a Douta Sentença recorrida incorreu na nulidade prevista na 1ª parte da alínea a) do nº 1 do art. 615.° do CPC.
EE) E ao não homologar o Plano com redução/expurgação das disposições relativas aos créditos emergentes de contratos promessa, ou com a ressalva de que o mesmo é ineficaz relativamente a estes mesmos créditos, a Douta Sentença Recorrida, violou os arts. 292.° e 293.° do Código Civil, bem como o art. 17º-F, nº 5 do CIRE, e ainda os princípios enformadores do Processo Especial de Revitalização, tal como plasmados na Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de Outubro, e expressamente acolhidos pelo nº 10 do art. 17.°-D do CIRE.

Cumpre apreciar.
Está em causa a decisão que não aprovou o Plano de insolvência aprovado em assembleia de credores.
As razões de tal decisão e ora discutidas pela recorrente, são basicamente as seguintes:
a) O plano de revitalização não descreve com a devida concretização as medidas necessárias à sua execução;
b) O plano prevê medidas que embora sejam fundamentais, são inexequíveis;
c) O tratamento diferenciado dos créditos garantidos sob condição suspensiva dos promitentes-compradores, face aos restantes créditos garantidos é injustificado, não tendo sido consentido pelos credores afectados;
d) O plano viola o princípio da igualdade no tratamento dos credores.
e) Além disto, a recorrente invoca a nulidade da sentença, por não se ter pronunciado pela possibilidade de homologação parcial do Plano                                                                                                                            
Quanto a estas questões, o problema, do ponto de vista da decisão recorrida é o seguinte:
No caso dos créditos dos promitentes-compradores que tenham obtido a tradição das fracções autónomas, na eventualidade de lhes vir a ser reconhecido, por sentença transitada em julgado, o direito de retenção, os créditos dos mesmos em face de incumprimento definitivo da promitente-vendedora, sofrerão uma redução nos termos dos artigos 106º nº 2 e 104º nº 5 do CIRE, contrariamente aos créditos do Banco ... e da Fazenda Nacional que serão reembolsados na totalidade.
É preciso ter em consideração que corre termos uma acção popular, na qual foi peticionada a demolição do edifício (no qual se integram as fracções referidas). Daí que, a partir da instauração dessa acção, todos os registos relativos ao empreendimento, actuais ou futuros, terem passado a revestir a qualidade de “provisórios por natureza”.
Ora, nos termos do Plano de Revitalização, os credores promitentes-compradores que tenham obtido a tradição das fracções autónomas e que não optem pelo cumprimento do contrato de promessa, ficam obrigados a restituir, de imediato, as fracções autónomas objecto do contrato. Por outro lado, perdem com a entrega voluntária das mesmas fracções a possibilidade de poderem ver reconhecido em juízo o direito de retenção, já que deixam de reunir o necessário pressuposto legal, sendo que o direito não se pode constituir por negócio jurídico. A entrega das fracções implica a extinção do direito de retenção (artigos 759º nº 1 e 761º do Código Civil).
Compreende-se a preocupação expressa na decisão já que os promitentes-compradores que obtiveram a tradição das fracções dificilmente optarão pelo cumprimento do contrato (escritura definitiva da compra e venda) no momento em que corre termos uma acção popular visando obter a demolição de todo o edifício.
Caso não pretendam a celebração da escritura de compra e venda vêm-se obrigados a entregar as fracções e assim, automaticamente, perdem o direito de retenção.
O que significa que os seus créditos deixam de estar garantidos, passando a ser considerados créditos comuns.
Sucede que os créditos comuns que se venham a constituir por incumprimento definitivo da devedora e sentença judicial que o declare, serão, de acordo com o Plano, reduzidos a 25% das quantias entregues a título de sinal.
É bom não esquecer que o direito de retenção garante ao credor o ser pago com preferência relativamente aos demais credores, prevalecendo mesmo sobre a hipoteca e só cedendo perante os privilégios imobiliários especiais (art. 759º nº 2 e 751º do Código Civil).
Mas mesmo para os promitentes compradores que decidam celebrar a escritura de compra e venda, coloca-se um outro problema.
É que, para além de estipular um prazo de 60 dias para a celebração de tal contrato definitivo, o Plano prevê que a forma do pagamento do preço poderá ser objecto de acordo entre a devedora e os respectivos compradores, nos termos e condições previamente aceites pelo Banco ....                                                                                                                                                  
Tenha-se em conta que os promitentes compradores que decidam celebrar o contrato definitivo nem sequer poderão registar a aquisição a título definitivo, devido à existência da já mencionada acção popular.
Por outro lado, caso necessitem de financiamento para a aquisição, terão de o obter junto do Banco ..., em condições que nem sequer se acham concretizados no Plano.
Esta medida abre a porta não só a que aqueles promitentes compradores, em caso de o financiamento não vir a ser concedido pelo B... passem a ser considerados culpados pela não celebração do contrato definitivo, mas, pior, caso obtenham um financiamento mais favorável junto de outra instituição bancária, poderão ver recusada a escritura pela devedora com base no facto de o financiamento não provir do B.... E tal recusa, nos termos da mencionada medida do plano, teria de ser entendida como justificada, colocando o promitente comprador numa situação de incumprimento.
Ou seja, os promitentes compradores mesmo que gozem do direito de retenção, estão obrigados a celebrar o contrato definitivo sob pena de terem de entregar a fracção e, com isso, perderem tal garantia. Mas mesmo que optem pela celebração do contrato definitivo, caso necessitem de financiamento – o que é natural – terão de o obter junto do B..., em condições não especificadas no Plano: assim, mesmo que pudessem obter melhores condições de financiamento junto de outra entidade bancária, correriam o risco de ver a devedora recusar o negócio exactamente por não ter sido respeitada essa “exclusividade” contratual com o B..., e de lhes vir a ser imputada a culpa no incumprimento – o que pode acarretar a perda do sinal prestado.
Esta situação confere ao Banco ... um poder desproporcionado sobre os promitentes compradores que careçam de financiamento, já que estes sabem que terão de negociar com essa instituição, mas ignorando os termos que serão exigidos pelo B..., numa desigualdade contratual clamorosa.
Quando o Plano alude aos “termos e condições previamente aceites pelo Banco Comercial Português” teria de explicitar quais são esses termos e condições, o que não faz.
No tocante aos promitentes compradores que não obtiveram a tradição das fracções, o Plano prevê, como se viu, que os créditos que se venham a constituir – por sentença que declare o incumprimento definitivo da promitente vendedora e condenação desta no pagamento do sinal em dobro – serão reduzidos a 25% das quantias entregues a título de sinal (com perdão da parte indemnizatória).
Os credores que se opõem à homologação do Plano invocam ainda que, nos termos do art. 17º-E nº 1 do CIRE, “a decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do art. 17º-C, obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.
O Plano nada diz quanto ao prosseguimento das acções visando a condenação da devedora no pagamento do sinal em dobro.
Daqui pode resultar que homologado o Plano as acções se extinguirão, do que resultará a perda do direito aos 25% do sinal, já que este depende, nos termos do próprio Plano da constituição de tal crédito mediante sentença judicial que declare o incumprimento definitivo da promitente vendedora.
Quanto à alternativa para tais credores, que seria a celebração do contrato definitivo, já abordámos a questão da obrigatoriedade de o financiamento ser obtido junto do Banco ..., “nos termos e condições previamente aceites por este” e que o Plano não explicita.
Contudo, e no tocante à alegada suspensão e eventual extinção das acções para cobrança de dívidas do devedor, entendemos que o preceito alude a acções de natureza executiva e não a acções declarativas visando fixar os créditos e eventuais garantias dos credores e o incumprimento definitivo da devedora.
Temos ainda a considerar a violação do princípio da igualdade. É verdade que a redução dos créditos para 25% do capital abrange quer promitentes compradores quer outros credores comuns, como fornecedores. Contudo, o credor promitente comprador a quem seja reconhecido, por sentença judicial que declare o incumprimento definitivo da promitente vendedora, o pagamento do sinal em dobro, acaba por ver reduzido o seu crédito em mais de 75%; na realidade, e por mera operação aritmética, receberá apenas 12,5% do seu crédito, sofrendo uma redução de 87,5%.
Sobre estes pontos alega a recorrente, para começar, que o Plano não estabelece a essencialidade ou indispensabilidade da execução dos contratos definitivos.
Porém, como já vimos, se os promitentes compradores relativamente aos quais ocorreu tradição das fracções autónomas, não celebrarem o contrato definitivo terão de proceder à devolução das mesmas, o que implica a perda de pressuposto essencial para que lhes possa ser reconhecido o direito de retenção – que, repete-se, lhes confere prioridade sobre a hipoteca.
Ficarão assim numa alternativa que em qualquer caso poderá ser altamente gravosa: celebrarem a escritura de compra e venda das fracções autónomas enquanto corre uma acção popular visando a demolição do edifício e que, por isso, não poderão obter registo definitivo na Conservatória do Registo Predial; ou não celebrarem a escritura, aguardando o desfecho de tal acção popular, e serem obrigados a devolver as fracções, perdendo simultaneamente o fundamento legal do direito de retenção.  
Insurge-se a recorrente alegando que em parte alguma do Plano se refere que o B... terá de financiar qualquer aquisição relativa aos contratos promessa.
A este respeito o que o Plano consagra é:
“5 B. O Banco ... assumirá papel indispensável na comercialização do empreendimento, porquanto não obstante a existência do impedimento ao registo definitivo das aquisições e respectivas garantias, mostra-se disponível para analisar soluções de financiamento integral para a aquisição das respectivas fracções autónomas, sendo, tanto quanto se sabe, a única instituição bancária que aceita assumir o risco (...)”
“A forma do pagamento do preço poderá ser objecto de acordo entre a devedora e os respectivos compradores, nos termos e condições previamente aceites pelo Banco ...”.
Na verdade, nada parece obrigar os promitentes compradores a obterem um financiamento do B... para a aquisição definitiva. O que parece seguro é que qualquer compra e venda negociada entre promitente comprador e promitente vendedor terá de obedecer aos termos e condições previamente aceites pelo B... e que se ignora quais sejam.
Ou seja, qualquer acordo relativamente ao pagamento do preço dependerá de condições que os promitentes compradores ignoram e que serão ditadas pelo B... Se tivermos em conta que o próprio facto de não ser possível o registo definitivo da aquisição das fracções, sugere a necessidade quer de redução do preço quer de facilidade no modo de pagamento – pagamento fraccionado, por exemplo – conclui-se que os promitentes compradores avançarão para a celebração da escritura ignorando termos e condições que o também credor B... lhes irá impôr.
Se o Plano for homologado, os promitentes compradores estarão obrigados a negociar com a promitente vendedora sob termos e condições do B... que desconhecem, que não constam do Plano, por outras palavras, a celebrarem um negócio do qual ignoram elementos essenciais.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, II, pág. 39, o plano deve ser aprovado em condições que, efectivamente, viabilizem a realização do fim a que se destina, sendo que após o proferimento da sentença de homologação nada mais é necessário para produzir a plenitude dos efeitos a que o acto se destina.
Estamos a falar de credores que, ou aceitam negociar a escritura – mesmo confrontados com a perspectiva de estarem a comprar uma fracção que amanhã poderá ser demolida e que não podem registar definitivamente - sem conhecer as condições e termos que lhes irão ser colocadas pelo credor hipotecário B... ou terão de a devolver perdendo a possibilidade de vir a invocar o direito de retenção que prefere à hipoteca. 
Existe uma profunda desigualdade de tratamento entre credores e parece manifesto que o objecto do Plano, nesta parte, é colocar os promitentes compradores numa situação que os force a celebrar a escritura pagando o preço, sejam quais forem as condições impostas pelo B..., e arcando com as futuras consequências da possibilidade de a acção popular visando a demolição do edifício vir a proceder.
Já vimos que existe igualmente violação do princípio da igualdade quando se prevê que os créditos dos promitentes compradores sejam reduzidos em 87,5%, enquanto os créditos dos restantes credores comuns apenas é reduzido em 75%.
No entender da recorrente, alínea Q) das conclusões, seria injusto e discriminatório para os seus credores comerciais perdoar 75% de, por exemplo, uma factura, e perdoar 75% de um montante que é pedido em dobro.
O pagamento do sinal em dobro não é, como parece pensar a recorrente, um mero artifício jurídico, abstracto e injustificado. Os promitentes compradores que com ela celebraram os contratos promessa de compra e venda entregaram-lhe diversas quantias a título de sinal, confiantes em que a escritura viria a ser celebrada. Contudo, vêm-se agora perante uma situação em que lhes não será possível, em caso de acederem a celebrar a escritura, registar definitivamente a aquisição. Mais, arriscam-se a ver a fracção que compraram ser demolida.
O pagamento do sinal em dobro é, nesta situação, algo de profundamente justificado para aqueles que se porventura se endividaram para entregar dinheiro à recorrente em troca, possivelmente, de NADA.
Não pagar a factura de um fornecimento é obviamente um desvalor jurídico com consequências legalmente previstas; mas receber o sinal para aquisição de uma fracção que, a ser concretizada, pode levar o comprador a comprar um monte de entulho – caso o edifício venha a ser demolido – não nos parece menor desvalor, independentemente daquilo que seja decidido quanto à responsabilidade contratual da devedora. 
Nos termos do art. 17º-F e 215º nº 1 do CIRE, “o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo (...)”.
Entendemos que no caso em apreço nos deparamos com medidas que colocam os promitentes compradores em clara e injustificada situação de desigualdade com os credores comuns.
Como vimos, o Plano não só discrimina desfavoravelmente os credores com contratos promessa, sobretudo os que obtenham sentença reconhecendo-lhes o direito ao sinal em dobro por incumprimento definitivo da devedora,, como coloca aqueles que obtiveram tradição das fracções numa situação contratual insustentável:
- Ou aceitam negociar com a recorrente o pagamento do preço e celebração da escritura, estando aqui sujeitos a termos e condições impostos pelo B... que desconhecem pois não constam do plano, o que significa celebrar um contrato com desconhecimento de elementos essenciais do negócio;
- e sabendo que a aquisição será registada a título meramente provisório dado estar pendente acção visando a demolição do edifício onde se insere a fracção a adquirir;
- Ou não celebram tal escritura e terão de devolver a fracção e nesse caso desaparecerá da sua esfera jurídica o fundamento legal para reconhecimento do direito de retenção, em caso de vir a ser decidido o incumprimento definitivo da ora recorrente.
- Perdendo assim uma garantia que se sobrepõe à hipoteca e tornando-se credores comuns.
Como dissemos, os credores com direito a receberem o sinal em dobro são injustificadamente discriminados relativamente aos credores comuns, na medida em que apenas poderão vir a receber 12,5% do seu crédito, contrariamente aos credores comuns que poderão receber 25%.
Estas razões levam-nos a aderir ao teor da sentença recorrida.
Alega ainda a recorrente que a sentença é nula na medida em que não aprecia a possibilidade de homologação parcial do Plano, com exclusão dos pontos objecto de oposição pelos credores promitentes compradores.
A sentença, é certo, nada diz sobre tal homologação parcial.
Contudo, o seu teor mostra bem a incompatibilidade entre as considerações aí expedidas e uma homologação parcial. Esta, como bem salienta o Mº juiz a quo no seu despacho de fls. 1756, tornaria o plano de recuperação da empresa “num plano de pagamentos parciais com privilégio de alguns credores face aos restantes os quais têm, como resulta dos autos, razões jurídicas e de facto para o não aprovar”.
De resto, basicamente, ver ponto nº 4 do Plano, fls. 770 e seguintes, este visa obter a comercialização das diversas fracções do edifício da devedora, quer as já objecto de contratos promessa quer as que ainda estão livres para celebração de tais contratos.
Tal comercialização prevê a afectação ao credor hipotecário B... de 69% do valor da receita resultante da venda, com perdão da dívida de 0% no tocante ao mesmo credor hipotecário e 75% dos credores comuns (sendo que, embora isso não seja mencionado, para os promitentes compradores que obtenham o direito ao sinal em dobro, o perdão será de 87,5%).
Uma homologação parcial serviria, acima de tudo, para que se procedesse à venda das fracções ainda não objecto de contratos promessa, em benefício da devedora e sobretudo do credor hipotecário. Essa redução no património da devedora poderia vir a tornar problemática a situação dos credores promitentes compradores que se opuseram ao plano e que poderão vir a obter reconhecimento judicial do seu direito ao recebimento do sinal em dobro, caso seja declarado o incumprimento definitivo da devedora.
Pelo que não só não se verifica a nulidade invocada como não se afigura adequada, atentas as circunstâncias, uma homologação parcial do Plano.

Conclui-se pois que:
-  Procede a oposição de diversos credores e simultaneamente promitentes compradores, ao Plano de Revitalização previsto nos artigos 17º-A e seguintes do CIRE, quando tal plano prevê que esses credores, relativamente aos quais ocorreu a tradição das fracções prometidas, terão de celebrar a escritura negociando o preço com a promitente vendedora, nos termos e condições estipulados por uma entidade bancária, credior hipotecário, termos e condições esses que se desconhecem por não constarem do plano.
-    Isto, quando corre termos uma acção popular visando a demolição do edifício onde se situam tais fracções, a qual impede o registo definitivo da aquisição de qualquer fracção.
-  Por outro lado, em caso de se recusarem a celebrar a escritura nos termos referidos, tais credores terão, segundo o Plano, de devolver as fracções o que levará a que percam o fundamento do seu direito de retenção – que prefere à hipoteca – para a hipótese de tais credores obterem decisão judicial declarando o incumprimento definitivo da promitente vendedora.
-   Acresce que, quanto aos promitentes compradores aos quais não foi feita a tradição das fracções, caso obtenham reconhecimento judicial do incumprimento definitivo da promitente vendedora, e assim o direito a receberam o sinal em dobro, a redução dos seus créditos de acordo com o plano é de 87,5%, enquanto para os credores comuns é apenas de 75%, sem que exista fundada justificação para tal desigualdade.
             
Nestes termos, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pela recorrente.


LISBOA, 26/2/2015


António Valente


Ilídio Sacarrão Martins


Teresa Prazeres Pais