Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5512/05.7TBALM.L1-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: ACÇÕES APENSADAS
DEPOIMENTO
TESTEMUNHA
PARTE
VALORAÇÃO
JULGAMENTO CONJUNTO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
COLISÃO DE VEÍCULOS
REPARTIÇÃO DO RISCO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: 1. No caso de apensação de acções, uma pessoa que tenha sido indicada como testemunha no processo apenso mas que seja parte no processo principal, só pode depor na qualidade de parte sobre os mesmos factos.

2. Não contendo o CC uma enumeração taxativa dos meios de prova, poderão ainda ser admitidos outros meios de prova atípicos ou inominados, que encontrem acolhimento em disposições legais dispersas, tais como nos artigos 357.º, n.º 3, e 1354.º, n.º 2, do CC, bem como nos artigos 266.º, n.º 2, 519.º, n.º 1, 518.º, 613.º e 614.º, todos do CPC. 

3. Embora esteja vedado às partes convencionar meios de prova diversos do elenco constante do CC, poderá ainda assim o tribunal socorrer-se de meios de prova atípicos na esfera do poder inquisitório, em sede de actividade instrutória, que a lei processual lhe confere. 

    4. Assim, tendo o autor da acção principal sido inquirido na qualidade de testemunha à matéria do processo apenso, nada obsta a que o tribunal de recurso, oficiosamente e ao abrigo do princípio da aquisição das provas (art.º 515.º do CPC), possa considerar aquele depoimento não enquanto prova testemunhal, mas como declarações de parte não confessórias, nos termos dos já citados artigos 265.º, n.º 3, 266.º, n.º 2, 519.º, n.º 1, e 655.º do CPC.

5. Não se apurando da factualidade provada em que ponto da rodovia ocorreu o embate, não existe fundamento legal para imputar a responsabilidade, a título de culpa, a qualquer dos condutores dos veículos colidentes, havendo que recorrer à responsabilidade pelo risco, nos termos do artigo 506.º do CC, repartindo o grau de distribuição desse risco por aqueles veículos.

6. Embora não seja atribuída responsabilidade subjectiva ao condutor de um dos veículos, circulando o mesmo a uma velocidade superior a 80 km/hora, enquanto que o outro circulava a uma velocidade entre 40 a 50 km/hora, mostra-se ajustado repartir essa responsabilidade pelo risco na proporção de 2/3 para o primeiro e 1/3 para o segundo.

(Sumário do Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

         I – Relatório

1. PC (que se passa a designar por 1.º A.) intentou, em 28/07/2005, junto do Tribunal de Competência Cível de, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário (autos principais), contra a CSG, SPA, (R.), alegando, em resumo, o seguinte: 

- No dia …/2004, pelas 6h40, ocorreu um acidente de viação, ao km 4,9 da estrada A2, no sentido …, entre o veículo de passageiros, de marca Peugeot, com a matrícula X, conduzido pelo 1.º A., e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula J, conduzido por PA, cuja responsabilidade se encontrava então garantida pela R. Seguradora, os quais circulavam ambos no mesmo sentido, naquela estrada em que existiam três vias de tráfego;

- O acidente consistiu na colisão lateral das referidas viaturas, quando o veículo J, que circulava da via do meio, saiu dessa via e foi embater na parte lateral esquerda do veículo X, que circulava na via mais à direita;

- O veículo J circulava a uma velocidade superior a 80 km/hora, que era o limite legal ali permitido, e o seu condutor, PC, apresentava uma taxa de alcoolémia de 1,54g/l, sendo-lhe imputável a responsabilidade exclusiva pelo acidente;

- Em consequência do acidente, o veículo do X ficou destruído, de forma irreparável, e o 1.º A. sofreu vários traumatismos, ficando impedido de exercer a sua actividade profissional.

Concluiu o 1.º A. a pedir que a R. fosse condenada a pagar-lhe:

A – A indemnização global de € 20.751,50, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar da data da citação, correspondente a:

      a) - € 5.500,00, relativamente a vencimentos não auferidos;     

      b) - € 251,50, por quantias diversas despendidas com inúmeras deslocações do A.;

      c) - € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais;

   B – A importância que se vier a liquidar, para efeitos de execução de sentença, referente à incapacidade permanente do A., bem como a outras despesas ainda não previsíveis.

Porém, subsequentemente, o A. veio ampliar o pedido, pugnando pela condenação a R. a pagar-lhe a quantia global de € 50.291,50, acrescida dos juros vencidos e vincendos, a contar da citação, correspondente a:

      a) - € 5.500,00, a título de vencimentos não auferidos;

      b) - € 251,50, relativamente a deslocações;

      c) - € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais;

      d) - € 540,00, pela incapacidade temporária geral total;

e) - € 1.600,00, pelo sofrimento físico e psíquico durante o período de incapacidade temporária;

  f) - € 25.000,00, relativamente à incapacidade permanente geral;

      g) - € 2.400,00, pelo dano estético;

  h) - outras quantias a liquidar em execução de sentença, referentes a despesas ainda não previsíveis.

2. A R. contestou a acção, a sustentar uma versão diferente da dinâmica do acidente, pugnando pela exclusão da culpa do condutor do veículo JE e considerando excessivo os valores indemnizatórios peticionados.

3. Por sua vez, LR (que se passa a designar por 2.ª A.) instaurou, em 21/12/2005, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário (apenso C), contra a mesma Seguradora, a pedir a condenação desta no pagamento das quantias de € 21.688,00, por danos patrimoniais, e € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros vencidos e vincendos, alegando, em síntese:

- a perda total do veículo X…, valor patrimonial peticionado;

- e que, em virtude do acidente de que o seu companheiro, PC, foi vítima, o casal não logrou cumprir com as suas obrigações financeiras, do que decorreram vários prejuízos para a A., quer do foro patrimonial quer psicológico.

4. A R. contestou também esta acção, rejeitando a culpa do condutor do veículo X… e pondo em causa o valor comercial do veículo e a relação entre o sinistro, o facto de a 2.ª A. ter deixado de liquidar as suas obrigações contratuais e os danos não patrimoniais peticionados.

5. Também o Hospital GO, E.P.E (que se passa a designar por 3.º A.), instaurou, em 29/06/2006, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário (apenso B), contra a mesma R., a pedir a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 18.049,18, emergente de serviços de assistência hospitalar prestados ao 1.º A. PC, no tratamento das lesões sofridas com o acidente em causa, acrescida de juros de mora desde a data de vencimento das facturas respectivas.

6. De igual, modo a R. contestou esta acção impugnando a matéria relativa ao acidente e aos serviços alegadamente prestados.

7. Ordenada a apensação ao processo instaurado pelo 1.º A., PC, do processo instaurado pelo ora 3.º A., Hospital GO, conforme despacho proferido a fls. 148 do apenso B, e determinado também o julgamento na mesma data do processo instaurado pela ora 2.º A., LR, conforme despacho exarado a fls. 280 do apenso B, procedeu-se ao seu julgamento conjunto das três causas, com gravação da prova, sendo decidida a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 366 a 375.

8. Por fim, foi proferida sentença, em 30/11/2011, a julgar as acções parcialmente procedentes e, em consequência, a condenar a R. GCS, SPA, a pagar:

   A – Ao A. PC, as seguintes quantias, subtraídas do já pago a título de reparação provisória:

      a) - € 5.500,00, a título de vencimentos não auferidos;

  b) - € 251,50, relativos a deslocações, acrescidas de juros desde a citação à taxa de 4%;

 c) - € 540,00, respeitantes à incapacidade temporária geral total;

d) - € 22.000,00, correspondentes à incapacidade permanente geral e esforço profissional acrescido;

  e) - € 2.000,00, relativos a dano estético;

   f) - € 10.000,00, pelos sofrimentos físico e psíquico, acrescidos de actualização monetária a partir desta data;

g) - outras quantias a liquidar em execução de sentença, referentes a despesas não previsíveis de momento, que sejam decorrência deste acidente;

   B - Ao Hospital GO, a quantia de € 18.049,18, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data do vencimento das facturas respectivas, até integral pagamento;

   C - À A. LR, a quantia de € 21.327,30, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a citação e até integral cumprimento.  

9. Inconformada com tal decisão, a R. apelou dela, formulando as seguintes conclusões juntas também nos apensos B e C:

1-ª - A resposta dada aos quesitos 1.º, 4.º a 10.º, 21.º, 29.º, 33.º, 40.º e 44.º da base instrutória (b.i.) no processo principal e ao quesito 12.º da b.i no apenso C não corresponde à interpretação correcta dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento e dos documentos juntos aos autos.

2.ª – Quanto à resposta à matéria constante no quesito 1.º da b.i. no processo principal, indica o tribunal a quo que a mesma “resultou essencialmente da prova de uma determinada versão quanto à dinâmica do embate, pelos motivos aduzidos na fundamentação relativa aos apensos B e C” e a matéria não provada constante dos artigos 4.º a 10.º terá resultado “da prova de uma diferente versão sobre a dinâmica do embate, não se considerando credíveis os depoimentos de PA e RA, pelos fundamentos melhor explanados na fundamentação à matéria dos apensos B e C”.

3.ª - Da fundamentação da resposta à matéria de facto relativa ao apenso B resulta que “a matéria provada quanto à dinâmica do acidente, constante dos artigos 2.º a 5.º e 7.º resultou essencialmente do depoimento da testemunha PC, condutor do veículo XI, o qual, por espontâneo, se reportou credível. Atendeu-se ainda à participação de fls. 99, bem como ao depoimento de VS, agente da GNR que esteve no local após o embate e elaborou a referida participação. A versão do acidente decorrente das testemunhas PA e RA não se reputou credível, existindo contradições entre alguns factos relatados no âmbito destes dois depoimentos e falta de segurança na descrição do sucedido.”

4.ª - E, quanto aos fundamentos explanados na fundamentação à matéria do apenso C “a convicção do Tribunal quanto aos factos provados constantes dos artigos 1.º a 9.º assentou essencialmente no depoimento de PC, condutor do veículo XI, o qual, por espontâneo, se reputou credível, conjugado com o teor da participação de acidente.”  

5.ª - Já a matéria não provada constante dos arts. 14.º a 20.º da b.i. do apenso C “(…) resultaram da prova de uma versão divergente quanto à dinâmica do acidente, não se tendo considerado credíveis, nesta parte, os depoimentos de PA e RA, porque pouco seguros, nalguns aspectos contraditórios entre si, e em antítese com o depoimento de PC”;

6.ª - Como consta da acta de audiência de julgamento de 13-12-2010, PC, A. no processo principal, prestou depoimento, na qualidade de testemunha, tendo respondido aos quesitos 2 a 10 do apenso B e, 1 a 12 e 27 a 48 do apenso C;

7.ª - Ora, sendo A. no processo principal, está impedido de depor como testemunha neste processo, pelo que ao basear a resposta ao quesito 1.º da b.i. no processo principal no depoimento testemunhal de PC no âmbito da prova testemunhal produzida nos apensos B e C, o tribunal “a quo” desvirtuou, as regras de produção de prova;

8.ª - No depoimento da testemunha VS, militar da GNR, cujo depoimento foi registado, indicado para prova dos quesitos 10.º-13.º do processo principal, o mesmo esclareceu não ter presenciado o acidente. Esclareceu ainda não ter sido possível determinar o local de embate devido à falta de vestígios no local, apenas tendo sido possível determinar que as viaturas embateram lateralmente, não sendo possível determinar qual das viaturas invadiu a outra via.

9.ª - Já a testemunha PA (condutor do veículo de matrícula JE), cujo depoimento foi registado, indicado para prova dos quesitos 1.º, 4.º-14.º do processo principal, afirmou que vinha na via do meio, no sentido Lisboa Almada, e o outro veículo (XI) vinha na faixa da direita.

10.ª - Continua a testemunha a descrever o sinistro dizendo que “mesmo quando acaba a ponte há ali uma ligeira curva à direita e o outro condutor não faz essa curva, corta e entra na via do meio. Eu como tinha espaço, não fiz travagem nem nada, retiro-me para a via da esquerda. Não percebi sequer que podia haver ali perigo. O outro condutor continua a ir em frente, corta a faixa do meio para a faixa da esquerda, e aí há a colisão, ele bate-me na porta de trás do lado direito. Ele bateu com a parte da frente esquerda”.

11.ª - E quando confrontado novamente com a mecânica do acidente afirmou peremptoriamente “o outro carro não faz a curva, vai em frente. Eu tenho a certeza absoluta daquilo que estou a dizer”.

12.ª – A testemunha RA, indicada para prova dos quesitos 1.º, 4.º a 14.º do processo principal, afirmou ter estado presente (no carro) quando o sinistro ocorreu.

13.ª - Perguntada sobre como teria ocorrido o sinistro afirmou a testemunha que “foi numa curva e sei que olho pela janela e vejo um carro cada vez a aproximar-se mais. Foi depois quando eu senti o toque do carro e fomos contra o separador”.

14.ª - Não foi produzida qualquer outra prova testemunhal no processo principal com respeito à dinâmica do acidente.

15.ª - Assim, atenta a prova produzida no processo principal, e ainda que o tribunal “a quo”, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, entendesse não considerar credíveis os depoimentos das testemunhas PA e RA, jamais poderia, no processo principal, fundamentar a sua convicção na falta de credibilidade dos mesmos por oposição ao teor do depoimento testemunhal do PC nos Apensos B e C e, assim dar como provado o quesito 1.º do processo principal, cuja resposta ao invés, atenta a prova produzida neste processo teria de ser necessariamente negativa.

16.ª - De acordo com a declaração de rendimento dos anos de 2003 e 2004, junta pelo A. PC aos autos no processo principal, a fls. , em 2003 e 2004, o A. não declarou qualquer rendimento no campo 401 do Anexo A do Modelo 3, apenas tendo sido declarados rendimentos pela sua companheira LR, pelo que necessário seria concluir que à data do sinistro o A. não auferia o montante de € 205,45 por mês;

17.ª - Por outro lado, conforme resulta da declaração de rendimento do ano de 2005, junta pelo A. PC aos autos no processo principal, a fls. -, em 2005, o A. declarou rendimentos no valor de € 3.979,97, no campo 401 do Anexo A do Modelo 3, valor esse que sempre teria de ser subtraído à indemnização peticionada nos autos.

18.ª - Termos em que a resposta ao quesito 29.º e 31.º da b.i. no processo principal teria de ser negativa, nos termos do disposto na Portaria n.º 377/2008, de 26.05 e, consequentemente improcedente a condenação na quantia de € 5.500,00, a título de vencimentos não auferidos por PC.

19.ª - De acordo com o teor da perícia de dano corporal realizada a PC, junta aos autos a fls. 285 e ss., o examinando “menciona que começou a ser seguido em consultas de Psiquiatria em 2005, pela Dr.ª MM, no Centro de Saúde …” (fls. 289 dos autos), unidade de saúde sita na Av. Rainha D. Leonor, 2, em Almada. Da referida perícia extrai-se igualmente que de entre a documentação facultada consta uma “Declaração elaborada pela Dr.ª MM em papel timbrado do Ministério da Saúde e ARSLVT e Sub-Região de Saúde de …, datado de 13-07-2007, referendo que o examinado é doente do foro psiquiátrico, padecendo de uma depressão grave com convalescença recorrente, que se terá agravado após o acidente sofrido em 2…, havendo necessidade de se reforçar a terapêutica por recidivas mais frequentes e duradouras”, vide fls. 290 dos autos.

20.ª - A testemunha LR afirmou que o transporte que usado pelo PC para ir para a fisioterapia, era a ambulância.

21.ª - Questionada sobre se reconhecia os talões juntos aos autos a fls. 27 a 41 e para que foram utilizados, refere a testemunha terem sido utilizados para ir ao médico, afirmando que o PC só fez tratamentos e ia à consulta no Hospital GO.

22.ª - Questionada sobre onde morava a testemunha e o seu companheiro PC à data do sinistro, refere que moravam em Santa …, na ...

23.ª - Questionada sobre se PC tinha psiquiatra em …, a testemunha refere que “era psiquiatra, sim” (…), “ele andava em psiquiatria, acho eu”.

24.ª – De acordo com a documentação junta aos autos, PC era seguido em consultas de Psiquiatria em 2005, pela Dr.ª MM, no Centro de Saúde …, o qual fica em .., e não em …;

25.ª - Da prova produzida não resulta que PC tenha feito qualquer consulta em Lisboa, termos em que o reembolso das alegadas despesas com os bilhetes da simples da Transtejo (fls. 27 a 29 e 31), os bilhetes simples do Metropolitano de Lisboa (fls. 30 a 34) e os bilhetes (tarifa de bordo) da Carris Transportes Públicos de Lisboa, deve improceder.

26.ª - Por outro lado, não foi produzida qualquer prova, testemunhal ou documental, com referência à relação entre as despesas referentes ao Talão da R & C, Ld.ª, no valor de € 12,60, referente a alegado fax e fotocópias, ao talão de compra multibanco na Farmácia M (pagamento feito pela testemunha LR), no valor de € 24,16 (fls. 37), e às diversas facturas de táxi, e o sinistro dos autos.

27.ª - Bem como não foi feita qualquer prova quanto às deslocações de táxi, sendo certo que uma das despesas de táxi refere-se a uma deslocação entre o L…e o …Fórum, vide fls. 37, não tendo qualquer conexão com o sinistro dos autos.

28.ª - Da conjugação do depoimento da testemunha LR e dos documentos juntos aos autos, designadamente o teor da perícia de dano corporal realizada (fls. 285 ss) e os talões juntos aos autos (fls. 27 a 41), crê a Recorrente que o quesito 33.º da b.i., jamais poderia ter merecido resposta positiva.

29.ª - Por outro lado, atento o teor da perícia de dano corporal realizada (fls. 285 ss) deveria o tribunal apenas ter dado por provado que o estado psicológico do A. PC se agravou na sequência do sinistro dos autos, porquanto o mesmo, de acordo com a médica responsável pelo acompanhamento psiquiátrico do A. já padeceria de uma depressão grave com convalescença recorrente, que se agravou – e não que teve origem - com o sinistro, o que conduz necessariamente a uma resposta diversa aos quesitos 38º a 40º da b.i. no processo principal;  

30.ª - E, tendo em conta que o sinistro dos presentes autos ocorreu em 31-07-2004, ano em que o PC não declarou qualquer rendimento, necessariamente se teria de concluir que a sua dependência de terceiros era anterior à data do sinistro, o que conduz necessariamente a que o quesito 44º da b.i. no processo principal tenha ou mereça resposta negativa.

31.ª - Quanto à resposta à matéria constante no quesito 12.º da b.i. no Apenso C junto aos autos não se encontra qualquer documento comprovativo do valor de aquisição da viatura;  

32.ª - Com base no princípio da imediação, as fontes de prova devem estar na relação mais directa possível dos factos a provar.

33.ª - Da prova produzida em sede de audiência e julgamento no que se refere ao quesito 12.º da b.i. no Apenso C verifica-se que as testemunhas (PC, cujo depoimento foi registado, em ficheiro digital, na gravação de 13 de Dezembro de 2010; MM e LR , não adquiriram conhecimento perceptivo (directo) do facto, uma vez que aquilo que as testemunhas afirmaram ser o valor de aquisição da viatura baseia-se no relato que lhes terá sido feito por LR, a aqui Apelada e parte interessada nos autos.

34.ª - Por assim ser, tal testemunho indirecto, por ter sido obtido através de outrem, que no caso é parte interessada, jamais poderia ter sido valorado, o que conduz necessariamente a que o quesito 12.º da b.i. no apenso C tenha ou mereça resposta negativa.

35.ª - Com as alterações ora propostas, que se afiguram as únicas consentâneas com a prova produzida, necessariamente se alterará o desfecho das acções, no que toca ao quantum indemnizatório e, consequentemente, quanto aos juros.

36.ª - Quanto aos danos não patrimoniais peticionados no processo principal, os mesmos, em face da matéria dada como provada, afiguram-se claramente excessivos e injustificados, como aliás já se alegou em sede de contestação.

37.ª - De tudo o que fica dito resulta que a sentença recorrida errou de forma clara na apreciação que fez da prova realizada em julgamento, assim como, deu como provado factos para os quais manifestamente, carecia de elementos probatórios, violando a sentença recorrida, quanto dispõem os artigos 552.º e ss e 617.º do CPC e artigos 342.º, 506.º e 562.º do CC e o art.º 7.º da Portaria n.º 377/2008, de 26.05.

10. Só os apelados PC e LR apresentaram contra-alegações, a pugnar pela confirmação do julgado, rematando com as seguintes conclusões: 

1.ª - Invoca a Recorrente que discorda dos factos dado como provados pelo Tribunal, constantes dos quesitos 1.º, 21.º, 29.º, 33.º, 40.º, 44.º e como não provados os quesitos 4.º a 10.º da b.i. no processo principal e bem assim como não provado o facto constante do quesito 12.º da b.i. no Apenso C, mas tal não corresponde à verdade, conforme se segue;

2.ª - Por uma questão de economia processual foi sugerida pelo Mm.º Juiz a quo apensação do processo B e C ao processo principal, porquanto as partes processuais eram as mesmas e os factos idem.

3.ª - No âmbito do apenso B e C já o PC, A. no processo principal, tinha sido arrolado como testemunha.

4.ª - A Mm.ª Juiz a quo no que a esse quesito 1.º diz respeito proferiu o seguinte: «A convicção do Tribunal quanto à prova dos factos do art.º 1.º resultou essencialmente da prova de uma determinada versão quanto à dinâmica do embate, pelos motivos aduzidos na fundamentação relativa aos apensos B e C, adiante.»

5.ª - Não existe qualquer desvirtuação quanto às regras de produção de prova.

6.ª - De facto, tendo PC, A. na acção principal, ter sido arrolado como testemunha nos apensos B e C, porquanto não era parte nesses autos;

7.ª - Nada o impedia de depor como testemunha nesses autos, sobre a dinâmica do acidente de viação, pelo que não se vislumbra qual o alcance da Recorrente/Apelante.  

8.ª - De facto, PC foi A. no processo principal e testemunha no apenso B e C, arrolada tempestivamente e devidamente aceite no rol de testemunhas apresentado nesses autos.

9.ª - Nenhuma parte depôs como testemunha, como a Recorrente pretende fazer crer, nem a Mm.ª Juiz a quo invocou esse depoimento nos autos principais e, muito menos, fundamentou a Mm.ª Juiz a quo a matéria de facto dada como provada e não provada nesse depoimento dos autos principais, pelo que, a Recorrente encontra-se equivocada no que a este depoimento e fundamentação diz respeito;

10.ª - Por outro lado, a Recorrente/Apelante alude, no que diz respeito á prova produzida no processo principal, quanto à dinâmica do acidente, foram indicadas como testemunhas VS que respondeu aos quesitos 10.º a 13.º, PA que respondeu aos quesitos 1º, 4º a 14º do processo principal e RA, aos quesitos 1º, 4º a 14º;   

11.ª - Esclareceu o agente VS não ter presenciado o acidente, tendo chegado ao local após a sua ocorrência. 

12.ª - Mais referiu que não foi possível determinar o local do embate devido à falta de vestígios no local, e que não foi possível determinar qual carro foi embater no outro, apenas ter sido possível determinar que as viaturas embateram lateralmente, não sendo possível determinar qual das viaturas invadiu a outra via;  

13.ª - Mas esqueceu-se a Recorrente de mencionar que esse mesmo agente também referiu não haver testemunhas presenciais do acidente, acrescentando que se existissem, tinham sido indicadas.

14.ª - Daí que os depoimentos de PA e RA se tenham mostrado incoerentes e pouco credíveis, no que à versão da dinâmica do acidente diz respeito; 

15.ª - Refere PC, no Apenso B, no qual dispôs como testemunha (apenas à matéria do apenso B e C), que circulava na faixa da direita na ponte 25 de Abril e que foi abalroado, por um carro que bateu na sua parte esquerda, tendo o seu carro sido projectado contra o início do separador metálico de vias.

16.ª - Quanto à testemunha PA, após esclarecer a sua versão do acidente, entra em incoerências, quando refere que ia acompanhado pela Sra. RA, sua namorada na altura e que ao Autor não foi feito teste de álcool no local;

17.ª - De facto, posteriormente quando confrontado com a declaração amigável do acidente automóvel junto com a contestação, e constante a fls. 100, 101 do apenso C, na qual aquela testemunha declarou no espaço onde se pergunta se algum dos intervenientes foi sujeito ao teste de álcool, respondeu que sim, os dois, e assina essa declaração amigável;

18.ª - Mais, quando confrontado com o ponto quatro dessa mesma declaração por si assinada no dia 17.01.2011, de 13.00 a 13.40, onde não consta a referência a qualquer testemunha, ficou sem palavras, continuando o seu depoimento, e ao ser inquirido sobre o facto de na participação do acidente de viação da GNR também não constar qualquer testemunha, limita-se a responder que não faz a mais pequena ideia;

19.ª - Como pretende a Recorrente basear a sua fundamentação neste depoimento, tão incerto, e nada credível?

20.ª - Prova da falta de credibilidade deste depoimento é ainda o facto desta acção correr por apenso a uma providência cautelar, em que PA prestou depoimento e, na continuidade do depoimento acima referido, quando questionado sobre se havia uma testemunha no acidente, uma vez que nenhuma foi indicada na providência cautelar nem a ela foi feita qualquer referência na altura do acidente, limita-se a responder que não sabia do que se está a falar, cfr. depoimento do dia 17.01.2011;

21.ª - Na verdade, consta claramente da sentença dessa providência cautelar que o acidente não foi presenciado por qualquer outra testemunha;

22.ª - Daí que, bem andou o tribunal a quo, ao não atribuir ao depoimento qualquer relevância no que à dinâmica do acidente diz respeito, na parte em que contrariam o depoimento de PC, prestado no apenso B e C;

23.ª - Aliás, saliente-se, que PA, no seu depoimento, refere que o auto de participação foi elaborado com a sua própria colaboração, e no mesmo não consta o local provável do embate; ou seja, o próprio PA não disse qual teria sido o local do embate;

24.ª - Por conseguinte, da conjugação das suas próprias declarações, resulta que as mesmas são totalmente incoerentes;

25.º - E, por conseguinte, o mesmo sucedendo com o depoimento de RA, quando refere que estava no carro com o condutor PA no dia do acidente;

26.ª - Aquele depoimento, conjugado com o facto de não constar nenhuma testemunha no auto de participação do acidente de viação, assim como não consta nenhuma testemunha na declaração amigável elaborada pelo próprio PA, e à data da providência cautelar (conforme respectiva sentença) não constarem testemunhas presenciais do acidente, é claro e evidente que este depoimento de RA não tem credibilidade, não assumindo por isso relevância para decisão da matéria de facto no que à dinâmica do acidente diz respeito, na parte em que contraria o depoimento do PC prestado à matéria dos Apensos B e C; 

27.ª - Pelo que não se vislumbra em que medida a Recorrente afirma que o tribunal jamais poderia fundamentar a sua convicção na falta de credibilidade dos mesmos por oposição ao teor do depoimento testemunhal do A. PC nos Apensos B e C;  

28.ª - Sendo certo que o mesmo foi arrolado como testemunha em ambos os processos para prestar depoimento sobre a dinâmica do acidente de viação;  

29ª - Assim, não existe qualquer erro na interpretação que fez da prova produzida, não havendo qualquer correcção a fazer;

30ª - A Recorrente insurge-se ainda contra a matéria dos quesitos 29.º, 31.º, 33.º, 38.º a 40.º da b.i., alegando que o cálculo das indemnizações por prejuízo patrimonial, tanto emergente como futuro, passou a ter por base, com a entrada em vigor da Portaria 377/2008, de 26.05, os rendimentos líquidos declarados à administração fiscal;

31ª – A esse respeito, salienta-se que o Prof. Menezes Cordeiro escreveu: “visando – o Governo – respaldar as companhias de seguros – […] são lamentáveis: conseguem fixar valores ainda aquém das já deprimidas cifras obtidas nos tribunais. Pior: cifras máximas, quando seria de esperar, ao menos, que as cifras fossem mínimas. (…] A portaria contém tabelas por danos corporais e outros: insignificante […] Esta iniciativa merece um juízo de censura absoluta. O Governo nunca deveria ter intervindo neste domínio, sem critério nem justiça e, aparentemente, sem conhecimento da evolução (penosa) do próprio Direito Civil […] este grave atentado aos direitos mais sérios e profundos dos cidadãos. […] As ofertas muito baixas, feitas pelas seguradoras, às vítimas de sinistros, agora apoiadas pelas infelizes portarias do Governo, têm ainda uma dimensão da maior injustiça. Elas são propostas a famílias de baixos recurso, desesperadas pelos danos morais e patrimoniais que inesperadamente as atingem e que logo aceitam como único paliativo. Apenas a classe média/alta pode enfrentar um processo de muitos anos contra uma seguradora para, então, conseguir arrancar um resultado menos deprimente” E mais à frente: “a boa fé não pode ser dispensada por portaria do Governo. (Tratado do Direito ivil, II, Tomo III, Almedina, 2010, págs. 753 e 759);

32ª - Ou aquilo que é dito pelo Prof. Paulo Mota Pinto (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Dez2008, notas 1639 a 1641, págs. 568/571) sobre medidas num âmbito conexo: “medidas de claro favorecimento das seguradoras em prejuízo dos segurados” que podem levar a uma situação que pode ser considerada de “escandalosa injustiça material” (de verdadeira expropriação forçada por utilidade particular (no caso, das seguradoras – utilizando as palavras de Menezes Leitão, em obra que cita) e por isso inconstitucionais;

33.ª – Tal portaria não tem pois de ser considerada.  

34.ª - Neste sentido veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ de 09/09/2010 (2572/07.0TBTVD.L1 da base de dados do ITIJ): «As quantias das faladas portarias não vinculam, de modo algum, os tribunais. Mas, impondo a lei ordinária que, com base nelas, se faça uma proposta razoável de indemnização, se existir clara discrepância entre os montantes ali referidos e os fixados jurisprudencialmente, passam tais propostas, afinal, a não serem razoáveis. Nesse caso, sendo os valores jurisprudenciais superiores existe um prejuízo manifesto para os lesados e até para as finalidades daquelas. O que não significa, contudo, que sejam os tribunais a moldarem o seu entendimento. […] Enfim, de todo o quadro que vimos expondo, parece-nos resultar para nós uma imposição de continuidade relativamente aos valores que vêm sendo fixados pelos tribunais, em especial por este Tribunal. Essa continuidade não afasta uma paulatina  evolução no sentido ascensional.»

35.ª - Quanto à aplicação do valor líquido ou ilíquido do rendimento, refira-se também o seguinte: Como se refere no Ac. TRC de 12/04/2011 a que a sentença alude «a jurisprudência tem aplicado normalmente, na prática ou implicitamente, os valores ilíquidos dos salários e não os líquidos. E compreende-se porquê: os impostos respeitam às relações entre os lesados e o Estado, não devendo os lesantes ou as seguradoras beneficiar com as vicissitudes que têm a ver com aquelas relações. O que de facto o lesado perdeu foi o vencimento ilíquido e não o vencimento líquido de impostos.»  

36.ª - No mesmo sentido, de uma forma expressa, o Ac. TRL de 26/05/1999 «No cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros o rendimento a considerar é o rendimento bruto, ilíquido. Assim, não é correcto deduzir-se os impostos pagos ou a pagar ao lesado.»

37.ª - Pelo que, mais uma vez andou bem o tribunal a quo, ao dar como provado, atenta a documentação junta aos autos e pelo depoimento prestado pela sua ex-companheira LR que o Autor deixou de auferir a quantia de € 5.500,00 a título de rendimentos não auferidos;  

38.ª - Não pode a Recorrente/Apelante querer que o tribunal dê uma resposta que melhor se adeqúe à sua posição por referência à Portaria 377/2008, de 26.05.

39.ª - O Tribunal deve sim decidir com base na prova produzida que foi toda a documentação junta aos autos e da conjugação desta com o depoimento de LR, companheira do Autor à data do acidente de viação e testemunhou todas as consequência do sinistro na pessoa daquele;

40.ª - O mesmo sucedendo com o montante a título de despesas que a Recorrente/Apelante foi condenada a pagar ao Autor;

41.ª - Refere a Recorrente que da prova produzida não resulta qualquer consulta em …. 

42.ª - Ora, do depoimento de LR, no dia 13.12.2010, de 19.00 a 20.00, a mesma refere que se recorda do A. ter ido a …, fazer consultas de psiquiatria, em médico privado, num consultório.

43.ª - Pelo que não é verdade como alega a Recorrente que da prova produzida resulta que PC não tenha efectuado qualquer consulta em …;

44.ª - Quanto à alegação de que não foi feita prova do talão de compra multibanco da farmácia moderna no valor de € 24,16 e às diversas facturas de táxi, certo é que a testemunha LR, no seu depoimento do dia 13.12.2010, quando confronta com os documentos de 9 a 112, juntos com a pi, confirma o valor e o pagamento desses talões, pelo que não é verdade que não tenha sido feita prova nesse sentido;

45.ª - Desta forma, bem andou o tribunal a quo ao dar resposta positiva ao quesito 33º da b.i.;

46.ª - Mais refere a testemunha no seu depoimento que o A., após o acidente viu-se confrontado com muitas dificuldades económicas, não tendo sequer dinheiro para comprar os seus próprios medicamentos, que lhe tinham sido prescritos pelo próprio médico de família;

47.ª - Sendo a própria testemunha que muitas vezes os adquiria, pelo que é muito natural que o talão de farmácia que a Recorrente põe agora em causa no valor de € 24,16, esteja em nome de LR, aqui testemunha, companheira do mesmo á data do acidente.

48.ª - No que diz respeito ao relatório pericial, tenta a Recorrente retirar as suas próprias conclusões, alegando que de acordo com a médica responsável pelo acompanhamento psiquiátrico do A., aquele já padecia de uma depressão grave com convalescença recorrente que se agravou, mas não é essa interpretação que deve ser extraída do referido relatório.

49.ª - Aliás, o A. nunca teve qualquer problema psiquiátrico antes do acidente, nem nunca foi acompanhado nesse campo, nem nada a esse respeito é aflorado nos autos.

50.ª - Por outro lado, a Dr.ª MM conforme consta do referido relatório, examinou o doente em 13-07-07, nunca tendo tido até ali qualquer contacto com o mesmo, desconhecendo o seu historial, no que a este campo diz respeito;

51.ª - Ressalve-se que a mesma refere que o A. sofre de uma depressão grave com convalescença recorrente, que se terá agravado após o acidente em 2004, não podendo dar uma certeza no que a esse ponto diz respeito, pelo que não é verosímil tirar a conclusão que a Recorrente pretende fazer, assumindo como verdade absoluta que o A. já antes do acidente sofria de depressão;

52.ª - Se sobre assunto nenhuma prova foi feita nos autos e do referido relatório, tal também não é possível extrair;

53.ª - Se dúvidas houvesse sobre o entendimento da Dr.ª MM no que a esse ponto diz respeito, deveria a Recorrente ter reclamado do relatório pericial ou pedido esclarecimentos no prazo devido, o que não o fez, pelo que está correcta a resposta dada pelo Tribunal a quo aos quesitos 38.º a 40.º e 44.º da b.i. do processo principal;

54.ª - Debruçando-nos agora sobre o Apenso C, argumenta a Recorrente que no que diz respeito ao quesito 12.º do Apenso C, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, as testemunhas não adquiriram conhecimento perceptivo (directo do facto), acrescentando que, dos autos não se encontra junto qualquer documento comprovativo da aquisição da viatura;

55.ª - Ora, tal não corresponde à verdade, pois, de facto, a viatura automóvel objecto dos presentes autos foi adquirida através de um contrato de concessão de crédito, celebrado com o Banco BP, SA;

56.ª - O valor do crédito e as prestações em divida, encontram-se juntas aos autos do Apenso C, sob a forma de doc. n.º 8 junto com a pi;

57.ª - Por outro lado, a Recorrente apenas se insurge quanto a este quesito, baseando a sua argumentação que o valor da aquisição da viatura apenas se baseia em depoimentos indirectos, isto é em relatos que terão sido feitos às testemunhas pela A. LR;

58.ª - Antes de mais, como já se indicou, existe junto aos autos comprovativo do contrato de crédito celebrado para aquisição do veículo e do seu valor;

59.ª - As testemunhas que depuseram sobre este quesito foram MM e LD (irmãs da A.) e PC (Companheiro da A. à data do acidente).

60.ª - Refere a Recorrente que o testemunho indirecto, por ter sido obtido através de outrem, jamais poderia ter sido valorado.

61.ª - Contudo, a verdade é que a lei não proíbe de forma absoluta produção de depoimentos indirectos. O que proíbe é a valoração de tais depoimentos, se o juiz não chamar a depor a pessoa indicada pela testemunha como fonte do conhecimento que transmitiu ao tribunal. 

62.ª - No entanto, o depoimento indirecto pode ser valorado sempre que a inquirição da fonte não seja possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada;

63.ª - De facto no caso dos autos em apreço, a verdade é que a Autora, por ter essa qualidade, com conhecimento pessoal e directo, mostra-se inábil a depor (art.º 617.º do CPC), como testemunha; 

64.ª - Pelo que, conjugando os depoimentos ora recolhidos com o documento 8 junto aos autos com a pi do Apenso C, bem andou o tribunal a quo ao valorar os depoimentos acima descritos, dando como provado o quesito 12º da b.i.;

65.ª - Finaliza a Recorrente a sua alegação afirmando que no que diz respeito aos danos não patrimoniais peticionados no processo principal, em face da matéria dada como provada afiguram-se claramente excessivos e injustificados.

66.ª - Não podemos de todo concordar, porquanto ficou provado em sede de audiência e discussão e julgamento todo o sofrimento passado pelo A. PR, tendo inclusive LR, no seu depoimento do dia 13.12.2010, que o homem que conheceu, com quem viveu é totalmente diferente depois do acidente de viação, estando as suas sequelas devidamente registadas nos autos, através do relatório pericial.

67.ª - Temos pois, que a sentença recorrida não errou na apreciação que fez da prova realizada em julgamento, não deu como provados factos para os quais carecia de elementos probatórios, e bem assim não violou a sentença recorrida os artigos 552.º e ss e 617.º do CPC, artigos 342.º, 506.º e 562.º do CC e o art.º 7.º da Portaria n.º 377/2008, de 26.05.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

         II – Delimitação do objecto do recurso

         Como é sabido, o objecto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, bem como pelo recorrido, quando deduza defesa subsidiária, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3, 684.º, n.º 2, 690.º, n.º 1 e 2, e 690.º-A do CPC, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

         Dentro de tais parâmetros, o objecto dos recursos interpostos circunscreve-se à impugnação da decisão de facto, com fundamento em erro na valoração das provas, no âmbito das respostas aos artigos 1.º, 4.º a 10.º, 21.º, 29.º, 31.º, 33.º, 38.º a 40.º e 44.º da base instrutória no processo principal e ao artigo 12.º da b.i. no apenso C.

III – Fundamentação   

 

1. Factualidade dada como provada pela na 1ª Instância

Vem dada como provada pela 1.ª Instância a seguinte factualidade:  

1.1. No dia …/04, pelas 6h40, na .., ao km 4,9, sentido L/ S…, concelho de A.., ocorreu um embate lateral entre os veículos ligeiros de passageiros de matrícula X, marca P…, conduzido pelo 1.º A., PC, e de matrícula JE, marca F…, conduzido por PA - alíneas A) dos autos principais, B) e D) do apenso  B e A) a C) do apenso C;

1.2. No local a A2 tem três vias de tráfego no sentido …., com 10,50 metros de largura - alíneas B) dos autos principais, C) do apenso B e E) do apenso C;

1.3. O veículo XI circulava na via da direita no sentido … - alíneas C) dos autos principais, D) do apenso B e B) do apenso C;

1.4. O veículo J.. circulava no mesmo sentido na via central da faixa de rodagem - alínea D) dos autos principais, E) do apenso B e C) do apenso C;

1.5. O condutor do J… efectuou repentinamente uma guinada para a direita, em direcção à faixa de rodagem por onde circulava o XIresposta ao art.º 3.º da b.i. do apenso B;

1.6. O veículo J… saiu da sua via e foi colidir na parte lateral esquerda com o veículo XI respostas ao art.º 1.º da b.i. dos autos principais e ao art.º 1.º da b.i. do apenso C;

1.7. O veículo J.. circulava a mais de 80 Km/h – respostas ao art.º 3.º da b.i. dos autos principais e ao art.º 11.º da b.i. do apenso C;

1.8. Na sequência da colisão, o veículo XI foi projectado contra o início do separador metálico de vias – respostas aos art.º 4.º da b.i. do apenso B e 2.º do apenso C;

1.9. E, posteriormente, percorreu uma distância de 7 metros até ao talude junto à berma da estrada, onde ficou imobilizado na via de acesso à Gestiponte, que se situa no lado direito da faixa de rodagem de quem circula no sentido … - alínea F) dos autos principais e resposta ao art.º 3.º do apenso C;

1.10. Após a colisão, o JE entrou em despiste e seguiu desgovernado em derrapagem - resposta ao art.º 21.º do apenso B e ao art.º 23.º  do apenso C;

1.11. Por isso foi projectado contra o separador central, derrubando 50 metros de rede metálica que separa as faixas de rodagem da A2 – res-postas aos art.º 7.º e 23.º da b.i. do apenso B e aos art.º 4.º e 5.º da b.i. do apenso C;  

1.12. E percorrendo uma distância aproximadamente de 130 metros até à berma da estrada, onde ficou imobilizado, na via de acesso ao Edifício da Ponte sobre o Tejo, no lado direito da faixa de rodagem de quem circula no sentido … - - alínea H) dos autos principais, resposta ao art.º 7.º da b.i. do apenso B e resposta ao art.º 6.º, 7.º a 8.º do apenso C;

1.13. O veículo J. ficou imobilizado a 130 metros do veículo XI - alínea I) dos factos assentes dos autos principais e resp. ao art.º 9.º da b.i. do apenso C;

1.14. O veículo J.. não apresenta quaisquer danos na frente direita – resposta ao art.º 21.º da b.i. do apenso C;

1.15. No momento do embate era dia, o piso estava seco e em bom estado e, no local do embate, a visibilidade era total – alíneas D) e E) do apenso C;

1.16. À data do embate, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela circulação do veículo J.., propriedade de GT, Ld.ª, encontrava-se transferida para GCS, S.P.A., ora R., através da apólice n.° … - alínea M) dos autos principais, alínea H) do apenso B e alínea J) do apenso C ;

1.17. PA conduzia o veículo JE em deslocação particular – resposta ao art.º 26.º da b.i. do apenso C;

1.18. Por sentença proferida em 2 de Agosto de 2004, transitada em julgado, no âmbito do processo sumário n.° …, que correu termos no …Juízo Criminal do Tribunal Judicial de…, PA foi condenado como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez, em virtude de, no momento do embate entre os dois veículos conduzir com uma taxa de álcool no sangue de 1,54g/1 - alínea N) dos autos principais e alínea K) do apenso C;

1.19. No dia 31/7/04, pelas 7h25m, o 1.º A., PC, deu entrada nos serviços de urgência do Hospital GO, pois necessitava de cuidados médico-hospitalares, em virtude de lesões provocadas pela colisão – respostas aos art.º 8.º e 9.º da b.i. do apenso B;;

1.20. Em consequência do embate, o 1.º A., PC, ficou politraumatizado, sem traumatismo craniano – resposta ao art.º 15.º da b.i. dos autos principais;

1.21. Sofreu o 1.º A. uma fractura exposta do terço distal dos ossos da perna esquerda de grau III – resposta ao art.º 16.º da b.i. dos autos principais;

1.22. Foi colocado ao 1.º A. um fixador externo AO, nos ossos da perna esquerda, por força da lesão supra mencionada – resposta ao art.º 17.º da b.i. dos autos principais;

1.23. Sofreu uma fractura da bacia – resposta ao art.º 18.º da b.i. dos autos principais;

1.24. Sofreu uma ferida incisa do escroto direito com exteriorização do testículo direito que lhe provocou uma dor imensa – respostas aos art.º 19.º e 20.º da b.i. dos autos principais;

1.25. Em consequência das lesões que sofreu, o 1.º A. entrou em depressão – resposta ao art.º 21.º da b.i. dos autos principais;

1.26. O 1.º A. necessita de ser sujeito a constantes tratamentos, consultas e a fisioterapia – resposta ao art.º 22.º da b.i. dos autos principais;

1.27. Tais tratamentos decorreram no período compreendido entre a data do embate e a presente data – resposta ao art.º 23.º da b.i. dos autos principais;

1.28. O 1.º A. teve necessidade de uma segunda intervenção cirúrgica, em 21/10/04, para a extracção do fixador externo AO – resposta ao art.º 24.º da b.i. dos autos principais;

1.29. Em 23/11/04, foi o 1.º A. sujeito a uma terceira intervenção cirúrgica para encavilhamento grosse da tíbia esquerda, o qual se mantém na presente data – respostas aos art.º 25.º e 26.º da b.i. dos autos principais;

1.30. Actualmente, o estado clínico do 1.º A. permanece inalterado, no tocante às sequelas físicas decorrentes do embate – resposta ao art.º 27.º da b.i. dos autos principais;

1.31. O 1.º A. tem de efectuar esforços suplementares para exercer uma actividade profissional, era vigilante por conta de outrem, mediante contrato de trabalho a termo certo e a tempo parcial, auferindo na data do sinistro, a quantia mensal de € 205,45, tendo necessidade de estar inúmeras horas em pé, na mesma posição – respostas aos art.º 28.º, 29.º e 30.º da b.i. dos autos principais;

1.32. O 1.º A. deixou de poder aceder a um emprego a tempo inteiro que uma empresa lhe iria atribuir e que estava previsto iniciar em 2/8/04 (respostas aos art.º 31.º dos autos principais), porque o A. teve um período de incapacidade temporária profissional total de duzentos e noventa e um dias, pelo qual iria auferir a quantia mensal de € 500,00 – resposta ao art.º 32.º da b.i. dos autos principais;

1.33. Em deslocações para tratamentos médicos, designadamente fisioterapia, o 1.º A. despendeu o montante de € 251,50resposta ao art.º 33.º da b.i. dos autos principais;

1.34. O 1.º A. sente dores constantes – resposta ao art.º 34.º da b.i. dos autos principais;

1.35. Durante o período de tratamento, o 1.º A. sofreu muitas dores e incómodos – resposta ao art.º 35.º da b.i. dos autos principais;

1.36. O 1.º A. tem pesadelos constantes, em virtude do embate – resposta ao art.º 36.º da b.i. dos autos principais;

1.37. Está dependente dos familiares para as deslocações e cuidados médicos – resposta ao art.º 37.º da b.i. dos autos principais;

1.38. O 1.º A. era pessoa muito alegre, sociável e tinha muita vitalidade – resposta ao art.º 38.º da b.i. dos autos principais;

1.39. O 1.º A. ficou psicologicamente marcado pelo embate, amargurado e tem tido necessidade de constante acompanhamento psíquico, frequentando consultas psiquiátricas – respostas aos art.º 39.º e 40.º da b.i. dos autos principais;

1.40. O 1.º A. deixou de ser expansivo e de fácil relacionamento como era, fechando-se em si mesmo e tendo uma atitude com terceiros quase obsessiva de esconder sentimentos e pelo que passou em virtude do embate – respostas ao art.º 41.º e 42.º da b.i. dos autos principais;

1.41. Tem vergonha de não ter tido culpa do acidente que o prostrou numa cama de hospital e em casa, durante meses, e que o fez depender de terceiros, nomeadamente o pai e companheira – respostas aos art.º 43.º e 44.º da b.i. dos autos principais;

1.42. O 1.º A. não tem possibilidade de adquirir os medicamentos prescritos pelo médico de família – resposta ao art.º 45.º da b.i. dos autos principais;

1.43. É hoje o 1.º A. uma pessoa infeliz, deprimida e angustiada – resposta ao art.º 46.º da b.i. dos autos principais;

1.44. Em consequência do embate, o 1.º A. teve um período de incapacidade temporária geral total, em que esteve impedido de realizar as actividades da vida diária, familiar e social, coincidente com o período de internamento hospitalar (de 31/7 a 11/8, de 20 a 22/10 e de 23 a 24/11/ 2004) – resposta ao art.º 47.º da b.i. dos autos principais;

1.45. Em virtude das lesões sofridas e do tratamento recebido, o 1.º A. vivenciou um sofrimento físico e psíquico, durante o período de incapacidade temporária, fixável no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente – resposta ao art.º 48.º da b.i. dos autos principais;

1.46. Em consequência do embate, o 1.º A. ficou com uma incapacidade permanente geral, em virtude do agravamento do estado depressivo, do desvio do eixo da perna e pé esquerdos, das alterações degenerativas osteo­articulares, a nível da bacia e das grandes articulações do membro inferior esquerdo, e do encurtamento deste último, com repercussão na sua autonomia e nas actividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas, de 15 pontos – resposta ao art.º 49.º da b.i. dos autos principais e respostas aos art. 27.º e 28.º da b.i. do apenso C;

1.47. Em consequência do embate e das intervenções a que foi sujeito, o 1.º A. ficou com cicatrizes ao nível da perna esquerda, que consubstanciam um prejuízo estético fixado em 3 graus numa escala de sete graus de gravidade crescente – resposta ao art.º 50.º da b.i. dos autos principais;

1.48. O PC, 1.º A., em consequência directa do embate, tem de efectuar esforços suplementares para exercer a actividade profissional a que, até então, se dedicava ou qualquer outro serviço dentro da sua experiência profissional

1.49. O 3.º A., Hospital GO, hospital público do Serviço Nacional de Saúde, prestou serviços de assistência médico-hospitalar ao 1.º A., PC, pelo menos até 18/5/05, conforme discriminado nas facturas n.° 5001568, 5005297, 5005870, 5007682, 5009140, 5011188, no valor de € 18.049,18 – alínea A) e resposta ao art.º 11.º da b.i. no apenso B;

1.50. Em 19/5/04, a 2.ª A., LR, celebrou um contrato de venda a crédito n.º 2003210067 com o BP, S.A., para aquisição do veículo automóvel XI – alínea F) do apenso C;

1.51. O veículo X… encontra-se registado a favor da 2.ª A., LR, desde 15/7/04, incidindo sobre o mesmo reserva de propriedade a favor de Banco BP, S.A. - alínea G) do apenso C;

1.52. Na data do embate acima referido, LR cedeu a utilização do veículo XI ao seu companheiro PC - alínea H) do apenso C;

1.53. Em consequência do embate, o veículo X… ficou irrecuperavelmente destruído - alínea I) do apenso C

1.54. O veículo X.., à data do embate, apresentava um valor de € 21.327,30, sendo a matrícula de Abril de 2004reposta ao art.º 12.º da b.i. do apenso C;

1.55. Encontra-se inscrita aquisição, por compra, a favor de PC e de LR, sobre a fracção autónoma designada pela letra "B", correspondente ao segundo andar letra A, de prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito … e da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o n.° … e inscrito na matriz sob o artigo … - alínea M) do apenso C;

1.56. Sobre a referida fracção autónoma, mostra-se inscrita hipoteca voluntária a favor de CPP, S.A., para garantia de empréstimo no valor de € 84.194,58 - alínea N) do apenso C;

1.57. LR exerce a actividade de cabeleireira, mediante contrato de trabalho sem termo – resposta ao art.º 29.º da b.i. do apenso C;

1.58. À data do sinistro, bem como na presente data, LR aufere a quantia de € 375,00 mensais – resposta ao art.º 30.º da b.i. do apenso C;

1.59. LR é o único garante do pagamento dos encargos do casal – resposta ao art.º 33.º da b.i. do apenso C;

1.60. O casal deixou de poder assumir as despesas inerentes ao seu quotidiano, designadamente água, luz, gás, e até mesmo a própria alimentação – resposta ao art.º 34.º da b.i. do apenso C;

1.61. Em consequência do acidente, a 2.ª A. viu-se impedida de proceder ao pagamento das prestações relativas ao empréstimo contraído para aquisição do veículo XI – resposta ao art.º 35.º da b.i. do apenso C;

1.62. O que originou a resolução do contrato celebrado com o Banco BP e a liquidação da quantia mutuada, acrescida de juros de mora – resposta ao art.º 36.º da b.i. do apenso C;

1.63. Até à data do sinistro, a 2.ª A. vivia com o seu companheiro PC, 1.º A., condutor do veículo XI, no imóvel referido acima – resposta ao art.º 37.º da b.i. do apenso C;

1.64. Depois do embate, em virtude de o casal ter deixado de poder assumir as despesas inerentes ao seu quotidiano, LR viu-se obrigada a deixar a sua casa e a voltar a morar em casa dos seus pais, bem como PC que igualmente teve necessidade de voltar a residir com o seu pai – respostas aos art.º 38.º e 39.º da b.i. do apenso C;

1.65. De forma a poderem contar com o apoio económico destes últimos, bem como a terem a possibilidade de assegurar o pagamento do empréstimo bancário contraído para aquisição do imóvel referido – respostas aos art.º 40.º e 41.º da b.i. do apenso C

1.66. Antes do embate, LR era pessoa muito alegre, sociável e tinha muita vitalidade – resposta ao art.º 42.º da b.i. do apenso C;  

1.67. Em razão do embate, LR sofreu um choque emocional muito grande – resposta ao art.º 43.º da b.i. do apenso C;

1.68. Deixou de ser expansiva e de fácil relacionamento como era, fechando-se em si mesma e tendo uma atitude com terceiros quase obsessiva de esconder sentimentos – respostas aos art.º 44.º e 45.º da b.i. do apenso C;

1.69. É hoje a 2.ª A. uma pessoa infeliz, deprimida e angustiada – resposta ao art.º 46.º da b.i. do apenso C;

1.70. Na sequência do sinistro e do referido nas alíneas que antecedem, LR tem necessidade de constante acompanhamento psíquico, através da frequência de consultas psiquiátricas, sendo que, apenas em Julho de 2005 lhe foi diagnosticada síndrome depressiva – respostas aos art.º 47.º e 48.º da b.i. do apenso C.

2. Quanto ao mérito dos recursos

2.1. Enquadramento preliminar

No âmbito de reapreciação da decisão de facto, importa ter presente que, em conformidade com o regime de recursos em vigor, não cabe ao tribunal ad quem proceder a um novo julgamento da causa propriamente dito, mas apenas sindicar os invocados erros de julgamento da 1.ª instância sobre os pontos de facto questionados, mediante reapreciação das provas produzidas no âmbito dos segmentos da decisão de facto impugnados, tomando por base o teor das alegações do recorrente e do recorrido e ainda, mesmo a título oficioso, dos elementos probatórios que serviram de fundamento à decisão impugnada sobre os pontos da matéria de facto em causa, nos termos prescritos no artigo 712.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do CPC.

No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis[1]. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio[2].

É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 396.º do CC, em conjugação com o artigo 655.º, n.º 1, do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.

Será com base na convicção desse modo formada pelo tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.

Como já acima ficou enunciado, encontram-se aqui impugnadas as respostas aos artigos 1.º, 4.º a 10.º, 21.º, 29.º, 31.º, 33.º, 38.º a 40.º e 44.º da base instrutória (b.i.) no processo principal e ao art.º 12.º da b.i. do apenso C.

A matéria constante dos artigos 1.º, 4.º a 10.º respeita à dinâmica do acidente; a contida sob os artigos 21.º, 38.º a 40.º e 44.º refere-se a efeitos alegados como decorrentes das lesões sofridas pelo 1.º A; a matéria dos artigos 29.º, 31.º e 33.º versa, respectivamente, sobre o rendimento auferido pelo A. para efeitos de determinação de lucros cessantes e sobre despesas com deslocações para tratamento das lesões sofridas; a matéria do art.º 12.º do apenso C diz respeito ao valor comercial do veículo XI. 

As respostas impugnadas serão, pois, aqui apreciadas, agrupadamente, no âmbito de cada um desses tópicos da prova.   

2.2. Apreciação específica das respostas impugnadas

2.2.1. Quanto à dinâmica do acidente constante dos artigos 1.º e 4.º a 10.º da b.i. dos autos principais

         Relativamente à dinâmica do acidente, nos artigos indicados em epígrafe, perguntava-se o seguinte:  

Art.º 1.º

O veículo J.. saiu da sua via e foi colidir na parte lateral esquerda com o veículo X..?

Art.º 4.º

Imediatamente antes do embate, de forma súbita e inopinada, o condutor do veículo X… procedeu a uma manobra de mudança da via?

Art.º 5.º

            Invadindo a via central na qual circulava o veículo J..?

Art.º 6.º

Não se certificando se, no momento, circulavam outros veículos nessa via?   

Art.º 7.º

Nem sinalizando a sua manobra com o sinal de mudança de direcção?

Art.º 8.º

.., o condutor do veículo J.. mudou de via, passando a circular na via da esquerda a fim de evitar o embate?

Art.º 9.º

O A. continuou a realizar a manobra de mudança de via, inva-dindo a via da esquerda na qual circulava o veículo J..?

Art.º 10.º

Tendo o veículo X.. embatido com a lateral esquerda da frente na lateral traseira do veículo J..?

         A tal matéria, o tribunal a quo julgou:

            - provada a matéria do art.º 1.º;

            - não provada a matéria constantes dos artigos 4.º a 10.º

Na fundamentação dessas respostas, o tribunal a quo consignou o seguinte:

A convicção do Tribunal quanto à prova dos factos do art. 1.° resultou essencialmente da prova de uma determinada versão quanto à dinâmica do embate, pelos motivos aduzidos na fundamentação relativa aos apensos B e C, adiante.

-----------------------------------------------------------------------------------------------

A matéria não provada constante dos arts. 4.° a 10.° resultou da prova de uma diferente versão sobre a dinâmica do embate, não se considerando credíveis os depoimentos de PA e RA, pelos fundamentos melhor explanados na fundamentação à matéria dos Apensos B e C.

--------------------------------------------------------------------------------------------  

        

Por isso, importa acrescentar que, em sede de fundamentação da decisão de facto respeitante aos apensos B e C, no que respeita à remissão para ali feita na fundamentação das respostas aos sobreditos artigos da b.i. dos autos principais, o tribunal consignou:

         Quanto ao apenso B, o seguinte:

A matéria provada quanto à dinâmica do acidente, constante dos arts. 2.° a 5.° e 7.° resultou essencialmente do depoimento da testemunha PC, condutor do veículo XI, o qual, por espontâneo, se reputou credível. Atendeu-se ainda à participação de fls. 99 ss., bem como ao depoimento de VS, agente da GNR que esteve no local após o embate e elaborou a referida participação. A versão do acidente decorrente dos depoimentos das testemunhas PA e RA não se reputou credível, existindo contradições entre alguns factos relatados no âmbito destes dois depoimentos e falta de segurança na descrição do sucedido.

------------------------------------------------------------------------------------------------.

A matéria considerada não provada constante dos arts. 13.° a 20.° resultou da prova de uma diferente versão da dinâmica do acidente, não se tendo considerados credíveis os depoimentos de PA e RA na parte em que contrariaram o depoimento de PC.

A resposta afirmativa ao art. 21.° resultou da coerência entre os depoimentos de VS, PA, RA e do teor da participação de fls. 99 ss.

A matéria não provada constante do art. 22.° resultou de não ter sido produzida prova suficiente sobre se efectivamente PA accionou os travões.

A convicção quanto à matéria provada constante do art. 23.° resultou da conjugação entre o teor da participação de fls. 99 ss. e os depoimentos de VS, PA e RA, estes últimos considerados nesta parte credíveis, porque coerentes com os restantes meios de prova.

            Quanto ao apenso C, que:

A convicção do tribunal quanto aos factos provados constantes dos artigos 1.º a 9.º assentou essencialmente no depoimento de PC, condutor do veículo XI, o qual, por espontâneo, se reputou credível, conjugado com o teor da participação de acidente.

            -----------------------------------------------------------------------------------------------

A matéria não provada constante dos arts. 14.° a 20.° resultaram da prova de uma versão divergente quanto à dinâmica do acidente, não se tendo considerados credíveis, nesta parte, os depoimentos de PA e RA, porque pouco seguros, nalguns aspectos contraditórios entre si, e em antítese com o depoimento de PC.

A resposta afirmativa ao art. 21.° resultou do teor da análise da participação.

A matéria não provada constante do art. 22.° resultou da prova do seu contrário, através do teor da participação.

A matéria provada constante do art. 23.° resultou da conjugação do teor da participação e dos depoimentos de PA e RA.

A resposta negativa à matéria do art. 24.° resultou da ausência de prova suficiente quanto à mesma.

-----------------------------------------------------------------------------------------------

         Antes de mais, importa referir que a matéria alegada pelas partes relativa às circunstâncias e dinâmica do acidente constava:

   (i) – das alíneas A) a K) dos factos assentes e dos artigos 1.º a 13.º da base instrutória dos autos principais instaurados pelo A. PC;

   (ii) – das alíneas B) a G) dos factos assentes e dos artigos 2.º a 7.º e 12.º a 23.º da base instrutória dos autos do apenso B instaurados pelo Hospital GO;  

   (iii) – das alíneas A) a E) dos factos assentes e dos artigos 1.º a 11.º e 13.º a 24.º da base instrutória dos autos do apenso C instaurados por LR.

        

         Nesse domínio, a matéria dada como provada consta dos pontos 1.1 a 1.15 da factualidade acima descrita com referência expressa às alíneas dos factos assentes e às respostas positivas dadas aos artigos das bases instrutórias organizadas nos três processos, resultantes do julgamento conjunto daquelas acções.

         Sucede que estão aqui em causa a resposta positiva ao artigo 1.º e as respostas negativas aos artigos 4.º a 10.º da base instrutória elaborada nos autos principais, ainda que também, para tal efeito, sejam convocadas as respostas dadas aos artigos das bases instrutórias dos apensos B e C contrapostos à matéria assim impugnada.

         Para além da prova documental junta aos autos, o julgamento dessa matéria assentou, basicamente, nos depoimentos das testemunhas indicadas e inquiridas nos três processos, em especial nos depoimentos de:

- PC, condutor do veículo XI, autor na acção principal, mas indicado como testemunha nos apensos B e C, tendo sido indicado à matéria dos artigos 2.º a 10.º do apenso B e dos artigos 1.º a 12.º e 27.º a 48.º do apenso C, conforme acta de fls. 341; 

- VS, agente da GNR que elaborou a participação do acidente e que foi indicado e inquirido como testemunha à matéria dos artigos 10.º a 13.º dos autos principais, 2.º, 4.º a 7 do apenso B e 19.º a 23.º do apenso C, conforme acta de fls. 341/342;

- PA, condutor do veículo J…, indicado e inquirido como testemunha da R. à matéria dos artigos 1.º e 4.º a 14.º do processo principal, 1.º e 12.º a 23.º do apenso B, 13.º a 26.º do apenso C, conforme acta de fls. 350;

- RA, que disse ter vivido com PA e namorar com ele à data do acidente e com quem seguia no veículo J…, tendo sido indicada e inquirida como testemunha da R. à matéria dos artigos 1.º e 4.º a 14.º do processo principal, 1.º e 12.º a 23.º do apenso B, 13.º a 26.º do apenso C, conforme acta de fls. 350/351;

A matéria aqui em apreço foi baseada na análise crítica e conjugada dos depoimentos das testemunhas PC, PA, RA e VS, tendo o tribunal dado prevalência ao depoimento de PC em detrimentos dos depoimentos de PA e de RA, os três testemunhas presenciais do acidente, mas com versões divergentes entre, por um lado, PC e, por outro, PA e RA. Daí o tribunal a quo tenha aproveitado o resultado das provas produzidas no âmbito das acções apensas para o fazer repercutir nas respostas da base instrutória dos autos principais, o que fez de forma puramente empírica sem indicar a base legal em que, por exemplo, alicerçou o aproveitamento do depoimento de PC, inquirido como testemunha nos apensos B e C, para o processo principal, onde o mesmo estava legalmente impedido de depor nessa qualidade.      

Sucede que a apelante questiona a valoração desse depoimento, considerando, em primeira linha, que o mesmo nem sequer podia depor na qualidade de testemunha, uma vez que é autor nos autos principais a que os demais processos foram apensos.

Vejamos se assim é.

Como é sabido, o mecanismo da apensação de processos previsto no artigo 275.º do CPC consiste na junção e tramitação superveniente no mesmo processo de acções instauradas em separado mas cujas pretensões apresentem determinado grau de conexão, visando-se assim ganhos de economia na actividade instrutória e garantir a “coerência ou uniformidade de julgamento”[3].

         A partir da apensação, as causas ficam unificadas sob o ponto de vista processual, passando, daí em diante, todos os seus actos e termos a ser praticados no processo dito principal[4]. Daí que se afigure anómala a tramitação subsequente à sentença final processada de novo nos apensos B e C, com a junção nestes apensos de certidão daquela sentença e das respectivas alegações de recurso, as quais deviam ter sido todas incorporadas nos autos principais, o que levou até a que o presente processo fosse distribuído nesta Relação sob três números diferentes. 

Mas tal unificação do processado não implica que as partes fiquem diminuídas nos direitos processuais que lhes assistiam em cada uma das acções apensadas, em especial no domínio do direito à prova, mantendo, portanto, o direito aos meios de prova de que dispunham em cada uma das acção instauradas em separado, nisto se distinguindo a apensação das situações de acumulação de acções no mesmo processo por via de litisconsórcio ou de coligação, em relação às quais existe limitação de meios de prova, como a decorrente do preceituado no art.º 632.º do CPC.

         Questão problemática, que aqui se suscita, é a de saber se quem seja parte numa das acções apensadas mas tenha sido indicado como testemunha, não sendo parte noutra dessas acções, poderá ainda assim ser inquirido nesta qualidade, dada a autonomia daquelas acções.  

Ora, como foi dito, a apensação visa, além do mais, a coerência e uniformidade do julgamento, nomeadamente em sede da decisão de facto, pelo que o julgamento conjunto de acções apensadas nunca poderá levar a que os mesmos factos possam ser tidos como provados no âmbito de uma dessas acções e não provados noutra, resultado a que se poderá chegar se porventura uma parte estiver impedida de depor ou só possa depor como parte sobre os mesmos factos no âmbito de uma das causas apensadas, mas seja inquirida como testemunha noutra dessas causas. Poderá, quando muito, sê-lo se o depoimento recair sobre factos completamente distintos em cada uma das acções apensadas.  

         No caso vertente, estamos perante o acervo factual relativo à dinâmica do acidente sobre o qual a versão da R. diverge da tese dos autores nas três acções. Porém, da prova produzida, no julgamento conjunto em virtude da apensação, não poderá resultar múltiplas versões do acontecido, consoante cada acção apensada, mas apenas uma só versão. Por isso, sobre os mesmos factos o depoimento do autor da acção principal, PC, não poderá ser valorado como prova testemunhal nos apensos B e C nem, por tal via, o seu resultado ser dado como adquirido para o processo principal, já que o referido autor se encontra legalmente impedido de depor como testemunha neste processo, face ao preceituado no art.º 617.º do CPC.    

Mas, salvo o devido respeito, tal não significa, necessariamente, que o seu depoimento não possa, ainda assim, ser considerado a título de declarações da parte relevantes, sujeitas à livre apreciação do tribunal, em conjugação com os demais meios de prova produzidos.

         Com efeito, o artigo 356.º, n.º 2, do CC permite que a própria confissão judicial possa ser provocada não só mediante o depoimento de parte, mas também por via de prestações de informações ou esclarecimentos ordenadas pelo tribunal[5].

  Por sua vez, o tribunal pode, oficiosamente, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, convidando-as a fornecer esclarecimentos sobre a matéria de facto que se afigure pertinente para a descoberta da verdade, nos termos dos artigos 266.º, n.º 2, 519.º, n.º 1, e 653.º, n.º 1, do CPC, ainda que o não seja sob a forma solene do depoimento de parte regulada nos artigos 552.º a 567.º do mesmo Código, mas simplesmente através do mecanismo mais informal de prestação de declarações.

Põe-se então a questão de saber se o resultado de tais declarações de parte só pode ser valorado quando se tratar de reconhecimento de factos desfavoráveis ao depoente, nos termos do artigo 361.º do CC, ou se o poderá ser ainda relativamente a factos que lhe sejam favoráveis mesmo que cindíveis dos factos desfavoráveis por ela reconhecidos.

 A solução desta questão encontra-se hoje consagrada, expressamente, no artigo 466.º do CPC, na redacção dada pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, em que se admite a prova por declarações de parte sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, a apreciar livremente pelo tribunal, salvo se constituírem confissão. Só que tal disposição não vigorava à data da produção de prova aqui em causa, não lhe podendo, pois, ser aplicável. 

Nessas circunstâncias, tudo se resume a saber se as declarações de parte não confessórias constituíam ainda assim um meio de prova admissível, à luz do princípio geral da livre admissibilidade das provas, segundo o qual, para a generalidade dos factos, se poderá atender a qualquer dos meios de prova admitidos na lei[6], incluindo os meios de prova atípicos, ou se, pelo contrário, essa admissibilidade se circunscreve aos meios de prova nominados e tipificados nos artigos 349.º a 396.º do CC.      

         Sobre esta problemática, Isabel Alexandre[7] faz referência a três tendências doutrinárias, a saber: a) - uma legalista, que sustenta o carácter taxativo da enumeração legal dos meios de prova; b) - uma, de cariz analógico, que admite a existência de outros meios de prova, desde que se possam enquadrar nas categorias legais; c) - uma terceira, tida por discricionária, que se ancora na liberdade dos meios de prova, reservando ao juiz a decisão sobre os que, em concreto, devem ser admitidos.

A mesma autora dá conta da divergência existente na doutrina portuguesa, entre os que, como Dias Marques e Lebre de Freitas[8], propendem para uma solução restritiva e os que, como Antunes Varela e Castro Mendes parecem defender uma solução mais abrangente[9].

         Com efeito, sobre a livre admissibilidade dos meios de prova, Antunes Varela e outros[10] consideram que “pode … dizer-se que tudo quanto se mostre capaz de testemunhar (através da percepção, do raciocínio ou da intuição do observador) a existência de um facto (positivo ou negativo) com interesse para a decisão da causa, pode, em princípio, ser admitido como meio de prova”. 

Também para Castro Mendes[11], diversamente do consagrado no artigo 2407.º do Código Civil de 1867, que continha uma enumeração taxativa de meios de prova, “o Código Civil de 1996 não dedica qualquer disposição à enumeração de meios de prova”, mas contém, aparentemente, um obstáculo no n.º 2 do artigo 345.º, ao proibir que as partes convencionem um meio de prova diverso dos legais, o que lhes vedaria a possibilidade de ampliar o elenco legal dos meios de prova, tanto mais que não dispõem da forma de solução do litígio. Contudo, segundo o mesmo autor, tal proibição não derrogará o princípio geral do inquisitório conferido ao tribunal pelo então artigo 263.º, n.º 3, do CPC correspondente ao n.º 3 do art.º 265.º na redacção anterior à Reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013.   

E, nas palavras de Isabel Alexandre, face às garantias do acesso aos tribunais e do processo equitativo, consagradas no artigo 20.º, n.º 1 e 4, da Constituição, “o ponto de partida deve ser, antes, o da admissibilidade das provas inominadas, só se impondo solução diversa na medida em que tal seja necessário para defender outros direitos ou interesses.”[12]

         Por sua vez, sobre a natureza probatória das declarações de parte e da sua valoração se pronunciaram, nomeadamente, os seguintes arestos:

(i) - o acórdão do STJ, de 06-03-2003[13], no sentido de que:

   “O que está em causa é a prova por declarações.

   Trata-se de um meio de prova atípico ou inominado.

   A respectiva admissibilidade, nomeadamente as declarações das partes ou dos seus representantes, com vista à prestação de esclarecimentos, é indubitável face

ao disposto nos arts. 266.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes (…), convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto (…) que se afiguram pertinentes (…); 519.º, n.º 1, do mesmo Código onde se dispõe que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado (…), e também art.º 653.º, n.º 1, do mesmo Código.”  

(ii) – o acórdão do STJ, de 02-10-2003[14], em que se refere que:

   “Confissão e depoimento de parte são realidades jurídicas distintas, sente mais abrangente do que aquela, pois que é um meio de prova admissível mesmo relativamente a factos que não sejam desfavoráveis ao depoente.”

(iii) – o acórdão do STJ, de 02-11-2004[15], ao considerar que:

“O tribunal pode determinar que qualquer parte preste declarações em audiência de julgamento, quando tal seja necessário para esclarecimento da verdade material.

Tais declarações deverão ser valoradas segundo o prudente arbítrio do julgador, mesmo que versem sobre factos favoráveis à parte que foi ouvida como declarante.”

        

         De tais ensinamentos podemos, pelo menos, colher que, não contendo o CC uma enumeração taxativa ou tipicidade estrita dos meios de prova, poderão ainda ser admitidos outros meios de prova atípicos ou inominados, que encontrem acolhimento em disposições legais dispersas, mormente em sede do CPC. De resto, podemos encontrar exemplos desses meios de prova atípicos no n.º 3 do artigo 357.º (conduta processual das partes) e no artigo 1354.º, n.º 2, (outros meios de prova para proceder à demarcação) do CC, bem como nos artigos 266.º, n.º 2, e 519.º, n.º 1, (prestação de declarações das partes), no art.º 518.º (apresentação de coisas móveis ou imóveis), nos artigos 613.º e 614.º (esclarecimentos das partes e intervenção de técnico no decurso de inspecção judicial), todos do CPC. 

Nessa linha de entendimento, embora esteja vedado às partes convencionar meios de prova diversos do elenco constante do CC, poderá ainda o tribunal socorrer-se de meios de prova atípicos na esfera do poder inquisitório, em sede de actividade instrutória, que a lei processual lhe confere.  

         Propendemos assim no sentido de ser admissível a prova por declarações de parte, ainda que não confessórias, sobre factos pessoais ou de que deva ter conhecimento, na medida em que a prestação de tais declarações é permitida nos termos conjugados, em particular, dos artigos 265.º, n.º 3, 266.º, n.º 2, 519.º, n.º 1, e 653.º, n.º 1, do CPC, estando a sua valoração sujeita à livre e prudente convicção do julgador, nos termos gerais do n.º 1 do artigo 655.º do mesmo diploma, embora se deva reconhecer que tal admissibilidade acrescida se deve circunscrever a situações específicas e ponderosas que o justifiquem.

Ora, no caso dos autos, PA, condutor do veículo JE interveniente no acidente, foi ouvido, na qualidade de testemunha da R., atendendo a que não é parte no processo, mas sim a seguradora desse veículo, embora aquele condutor possa ter, de algum modo, interesse na causa, nomeadamente na eventualidade de vir a ser exercido contra ele direito de regresso por parte da seguradora. Essa mera circunstância formal não significa, pois, que a posição daquele condutor seja menos isenta ou imparcial do que a do autor PC, condutor do outro veículo interveniente, o que, quanto a nós, justifica o confronto das posições assumidas pelos dois intervenientes no acidente para esclarecimento da verdade até onde for possível. Aliás, admitir que não possa ser ouvida a parte processual envolvida no acidente, podendo o outro interveniente ser inquirido como testemunha por iniciativa da respectiva seguradora, é potenciar, de algum modo, um tratamento substancialmente desigual entre as partes processuais, menos favorável portanto à parte que interveio no acidente, o que é susceptível de colidir com o princípio proclamado no art.º 3.º-A do CPC.

É certo que PC foi inquirido como testemunha por iniciativa dos autores das acções apensadas ao processo principal. Porém, nada parece obstar a que o tribunal, oficiosamente e ao abrigo do princípio da aquisição das provas (art.º 515.º do CPC, possa considerar aquele depoimento não enquanto prova testemunhal, por a tal o autor dos autos principais estar legalmente impedido, mas como declarações de parte não confessórias, nos termos dos já citados artigos 265.º, n.º 3, 266.º, n.º 2, 519.º, n.º 1, e 655.º do CPC.    

Nessa conformidade, se fará aqui a valoração desse depoimento em articulação com a demais prova produzida nos autos.         

         Antes de prosseguir nessa apreciação, convém recordar que, quanto ao contexto do acidente, se encontra provada a seguinte matéria aqui não impugnada:  

   a) - No dia …/04, pelas 6h40, na A2, ao km 4,9, sentido …, concelho de A.., ocorreu um embate lateral entre os veículos ligeiros de passageiros de matrícula X..marca Peugeot, conduzido pelo 1.º A., PC, e de matrícula J.., marca Ford, conduzido por PA – ponto 1.1 da factualidade acima enunciada correspondente às alíneas A) dos autos principais, B) e D) do apenso B e A) a C) do apenso C;

   b) - No local a A2 tem três vias de tráfego no sentido …., com 10,50 metros de largura – ponto 1.2 da factualidade enunciada correspondente às alíneas B) dos autos principais, C) do apenso B e E) do apenso C;

c) - O veículo X.. circulava na via da direita no sentido … - ponto 1.3 da factualidade acima enunciada correspondente às alíneas C) dos autos principais, D) do apenso B e B) do apenso C;

d) - O veículo J.. circulava no mesmo sentido na via central da faixa de rodagem - ponto 1.4 da factualidade acima enunciada correspondente às alíneas D) dos autos principais, E) do apenso B e C) do apenso C;

e) - O veículo J.. circulava a mais de 80 Km/h – ponto 1.7 da factualidade acima enunciada correspondente à resposta ao art.º 3.º da b.i. dos autos prin-cipais e ao art.º 11.º da b.i. do apenso C;

f) - Na sequência da colisão, o veículo X… foi projectado contra o início do separador metálico de vias – ponto 1.8 da factualidade acima enunciada cor-respondente respostas aos art.º 4.º da b.i. do apenso B e 2.º do apenso C;

   g) - E, posteriormente, percorreu uma distância de 7 metros até ao talude junto à berma da estrada, onde ficou imobilizado na via de acesso à Gestiponte, que se situa no lado direito da faixa de rodagem de quem circula no sentido … - ponto 1.9 da factualidade acima enunciada correspondente alínea F) dos autos principais e resposta ao art.º 3.º do apenso C;  

h) - Após a colisão, o J… entrou em despiste e seguiu desgovernado em derrapagem - ponto 1.10 da factualidade acima enunciada correspondente resposta ao art.º 21.º do apenso B e ao art.º 23.º  do apenso C;

i) - Por isso foi projectado contra o separador central, derrubando 50 metros de rede metálica que separa as faixas de rodagem da A2 – ponto 1.11 da factualidade acima enunciada correspondente respostas aos art.º 7.º e 23.º da b.i. do apenso B e aos art.º 4.º e 5.º da b.i. do apenso C;

j) - E percorrendo uma distância aproximadamente de 130 metros até à berma da estrada, onde ficou imobilizado, na via de acesso ao Edifício da Ponte sobre o Tejo, no lado direito da faixa de rodagem de quem circula no sentido … - ponto 1.12 da factualidade acima enunciada correspondente alínea H) dos factos assentes dos autos principais, resposta ao art.º 7.º da b.i. do apenso B e resposta ao art.º 6.º, 7.º a 8.º do apenso C;

k) - O veículo J… ficou imobilizado a 130 metros do veículo XI - ponto 1.13 da factualidade acima enunciada correspondente alínea I) dos factos assentes dos autos principais e resp. ao art.º 9.º da b.i. do apenso C;

l) - O veículo J… não apresenta quaisquer danos na frente direita – ponto 1.14 da factualidade acima enunciada correspondente resposta ao art.º 21.º da b.i. do apenso C;

m) - No momento do embate era dia, o piso estava seco e em bom estado e, no local do embate, a visibilidade era total – ponto 1.15 da factualidade acima enunciada correspondente alíneas D) e E) dos factos assentes no apenso C.

         Em síntese, deste universo factual, no essencial, colhem-se:

(i) - as características e condições da via em que ocorreu o acidente - alíneas a), b) e m);

(ii) - a indicação das faixas e do sentido em que aí circulavam os veículos, no momento precedente ao embate – alíneas c) e d);

(iii) - a velocidade a que seguia o veículo JE – alínea e);

(iv) - as trajectórias dos veículos após o embate e a posição e distâncias em que ficaram imobilizados – alíneas f) a j) e k);   

(v) – o facto de o veículo JE não apresentar danos da sua frente direita – alínea l).

         O que está agora em discussão é o modo como foi provocado o embate entre os dois veículos, mais precisamente a matéria controvertida constante dos artigos 1.º e 4.º a 10.º da base instrutória dos autos principais.

         Passemos, pois, à apreciação dos depoimentos convocados de PC, VS, PA e RA.

  Do depoimento de VS, soldado da GNR que elaborou a participação e o croquis do acidente, juntos a fls. 99-103 dos autos principais, e que foi indicado e inquirido como testemunha à matéria dos artigos 10.º a 13.º dos autos principais, 2.º, 4.º a 7 do apenso B e 19.º a 23.º do apenso C, nada de essencial se colhe para além da confirmação da referida participação e croquis. Pelo mesmo foi dito que assumia a autoria daqueles elementos, esclarecendo que não foram encontrados, no local, vestígios que permitissem determinar o ponto da via em que ocorreu o embate dos veículos em causa, mas apenas dos pontos em que embateram nos separadores e do local e posição em que ficaram imobilizados, tal como consta o mencionado croquis.

         Assim, a análise centrar-se-á no teor dos depoimentos de PC, PA e RA.

Ora, PC, condutor do veículo X… e autor nos autos principais, ouvido à matéria constante dos artigos 2.º a 10.º do apenso B e dos artigos 1.º a 12.º e 27.º a 48.º do apenso C, prestou um depoimento escasso, entrecortado por algumas pausas, limitando-se, de início, a afirmar que seguia na faixa do lado direito, quando foi subitamente abalroado, do lado esquerdo, pelo outro veículo, não sabendo se “foi mais à frente ou atrás”, tendo então o veículo do depoente sido projectado de encontro ao separador metálico, acabando por ficar imobilizado na berma do lado direito; a pergunta feita, disse que não tinha ideia em que faixa vinha o carro que o abalroou. Porém, a dada altura, tendo o depoente afirmado que o veículo que o abalroou vinha a uma boa velocidade e que o condutor era portador de taxa de álcool, foi-lhe perguntado que tipo de conduta verificou para chegar a tal conclusão, tendo, após uma pausa, acabado por dizer que só se apercebeu do abalroamento. Instado, por fim, sobre tais afirmações, disse que viu o carro antes do embate, que vinha na faixa do meio, mas tendo-lhe sido perguntado a que distância vinha quando o viu, respondeu que não se lembrava e que foi tudo muito rápido, sabendo apenas que foi embatido pelo seu lado esquerdo, sem poder precisar se foi na parte lateral dianteira ou traseira.

Por sua vez, PA, condutor do veículo J…, inquirido como testemunha à matéria dos artigos 1.º e 4.º a 14.º do processo principal, 1.º e 12.º a 23.º do apenso B, 13.º a 26.º do apenso C, assumiu que seguia na faixa do meio a uma velocidade na ordem dos 110 km/hora, enquanto que o veículo X… circulava, no mesmo sentido, na faixa da direita, a uma velocidade que estimava em 40 ou 50 km/hora; que, ao entrar na curva que, à saída da Ponte 25 de Abril, se recorta ligeiramente para a direita, atento o sentido de marcha dos veículos, se apercebeu de que o veículo X…, em vez de prosseguir na trajectória dessa curva, cortou em frente entrando na via do meio, face ao que o depoente, tendo livre a via mais à esquerda, se desviou então para esta, sem sentir necessidade de fazer qualquer travagem; porém, o veículo X… continuou sempre na mesma direcção, acabando por embater, ligeiramente com a sua parte lateral dianteira na parte lateral traseira do veículo do depoente, o que provocou o despiste dos dois veículos como resulta dos dados constantes do croquis. Precisou que o embate ocorreu já na faixa mais à esquerda, sensivelmente ao nível da ponta da seta que, no croquis, assinala a largura de 10,5 metros. Referiu ainda que, na altura do acidente, não havia trânsito nenhum e, perguntado, disse que se apercebeu da deslocação do veículo X… a cortar para a faixa do meio, a uma distância que não podia precisar mas que calculava em cerca de 50/60 metros atrás dele. O depoente esclareceu também que vinha de uma festa com a sua namorada RA, a qual seguia na viatura JE, ao lado dele, e que se dirigiam para casa daquele no ….

Por fim, RA, que declarou ter vivido e namorar com PA, à data do acidente, e com quem seguia no veículo JE, inquirida como testemunha da R. à matéria dos artigos 1.º e 4.º a 14.º do processo principal, 1.º e 12.º a 23.º do apenso B, 13.º a 26.º do apenso C, disse que o veículo em que seguia circulava na faixa do meio e que, quando olhou pela janela do seu lado, viu que se aproximava um carro pelo lado direito, tendo então alertado o seu namorado P dessa aproximação; que o embate terá ocorrido ainda na faixa do meio, na qual se mantinha ainda o veículo em que seguia, tendo o veículo que se aproximava batido contra a porta da frente do lado direito daquele (veículo JE).

         De referir que as testemunhas VS, PA e RA foram instadas sobre as razões de esta última não figurar como testemunha no auto de participação nem ter sido indicada como testemunha no âmbito de uma providência cautelar de arbitramento de reparação provisória dependente da presente acção principal, mas nada de seguro se colhe sobre tais razões, não tendo sequer sido deduzida contradita, além de que o depoimento de RA não se afigura destituído de realismo e em alguns pontos até diferenciado do próprio depoimento de PA.

Como já acima ficou consignado, o tribunal a quo baseou as respostas aqui em foco, essencialmente, no depoimento de PC, por considerá-lo credível por espontâneo, atendendo ainda à participação de fls. 99 e ao depoimento de VS, em detrimento da versão decorrente dos depoimentos das testemunhas PA e RA, reputada de não credível e afectada de contradições entre alguns factos relatados nestes depoimentos e de falta de segurança na descrição do sucedido.

Ora, salvo o devido respeito, da audição e do teor acima exposto do depoimento de PC não se extrai que o mesmo possa ser tido por espontâneo e assim tão credível.

Com efeito, tal depoimento mostra-se bastante lacónico, por vezes sincopado por pausas, em particular no que respeita ao modo como ocorreu o embate. Ao ser perguntado sobre o sucedido, o depoente foi muito sóbrio, limitando-se a dizer que ia da faixa da direita quando foi abalroado, no lado esquerdo, pelo outro veículo, o que levou a que lhe fossem dirigidas sucessivas perguntas em relação às quais entrou em notória contradição. Assim, ao ter afirmado que o veículo que o abalroou vinha em boa velocidade e o seu condutor com taxa de álcool, sendo-lhe perguntado que conduta observou para chegar a tal conclusão, acabou por dizer que só se apercebeu do abalroamento. Por fim, interpelado sobre os mesmos pontos disse então que viu o carro antes do embate e que o mesmo vinha na faixa do meio, mas, quando instado para esclarecer a que distância viu aquele veículo aproximar-se, o depoente respondeu não se lembrar, reafirmando que foi tudo muito rápido, nem sequer sabendo explicar em que parte la-teral do seu veículo foi embatido.    

Perante isto, sinceramente, não divisamos como é que este depoimento possa ser tido por espontâneo e coerente, nem consta da fundamentação consignada pelo tribunal a quo qualquer factor específico de imediação que aponte nesse sentido.

Por sua vez, o depoimento da testemunha PA mostra-se desenvolto e circunstanciado na descrição espontânea que faz do sucedido, não hesitando mesmo em assumir a elevada velocidade a que seguia, sendo também oportuno, preciso e seguro nas respostas às instâncias que lhe foram feitas, nomeadamente quando confrontado com o croquis, perante o qual chegou mesmo a indicar a posição em que, segundo ele, teria ocorrido o embate. 

Quanto à testemunha RA, o seu depoimento afigura-se mais parcelar, centrado na aproximação do veículo XI e no momento do embate, mas algo confuso relativamente ao circunstancialismo precedente, em particular no que respeita ao modo como o veiculo JE se adiantou em relação ao veículo XI. De notar que este depoimento diverge, de algum modo, do depoimento de PA quanto à precisão das trajectórias seguidas pelos veículos antes do embate, à faixa em que este terá ocorrido e à parte em que o veículo JE foi embatido.

Encontramo-nos, pois, perante três versões diferentes sobre a dinâmica do acidente, embora as de PA e de RA revelem pontos de aproximação e sejam, no seu conjunto, diametralmente opostas à versão veiculada por PC. 

Todavia, o tribunal a quo justificou ainda a credibilidade dada ao depoimento de PC, em detrimento dos restantes, na base da sua coerência com o teor da participação e o depoimento de VS, sem, no entanto, explicitar, minimamente, os pontos em que assentaria tal conexão.

Ora, do teor da referida participação e do croquis que a acompanha, bem como do depoimento de VS, o que de relevante se colhe respeita somente à configuração das vias em referência, aos pontos de embate dos veículos nos separadores laterais e aos locais, distâncias e posições em que os mesmos ficaram imobilizados após o embate. Daí não resulta a identificação do ponto de embate, tendo a testemunha Vítor Silva esclarecido que não foram encontrados vestígios que permitissem indiciá-lo, nem de quaisquer rastos de travagem.

De qualquer modo, a partir desse contexto, valerá ainda assim a pena indagar do grau de coerência das versões em confronto, para saber em que medida é que as mesmas permitem ou não uma conclusão segura sobre a dinâmica do acidente.

Começando pela versão dada por PC, não se descortina facilmente, em termos de racionalidade comportamental, uma razão plausível para que o condutor do veículo J.. se tivesse precipitado sobre o veículo X… para a faixa mais à direita, quando dispunha de terreno livre, sem qualquer trânsito na faixa do meio em que seguia, tanto mais que circulava a uma velocidade muito superior. A única hipótese que ocorreria colocar seria a de que o condutor do veículo J…, ao ter como destino o Monte da Caparica, pretendesse, desde logo, tomar a via mais à direita e, ao fazê-lo, como era portador de uma taxa de alcoolémia de 1,54 g/l, ter calculado mal a manobra de entrada nessa via, embatendo assim no veículo X…. Só que esta hipótese não se concilia bem com o facto de o condutor do veículo X…, PC, não se ter apercebido, minimamente, dessa manobra nem saiba sequer em que parte da lateral esquerda do seu veiculo foi embatido, limitando-se a dizer que só se apercebeu quando foi abalroado, como também se estranha que não tenha sequer procurado esclarecer o ponto da via em que se encontrava aquando desse embate. Acresce que não ficou provado que a taxa de alcoolémia de 1,54 g/l, de que o condutor do J… era portador lhe tivesse diminuído os reflexos, como decorre das respostas negativas ao art.º 2.º da base instrutória do processo principal e 10.º do apenso C, aqui não impugnadas, para que se possa agora considerar esse facto relevante para a aludida manobra.     

Também, tomando por referência os pontos em que os veículos colidiram com os separadores laterais, nada de seguro se pode inferir sobre o ponto de embate. Poder-se-ia porventura conjecturar que, se o embate tivesse ocorrido na via mais à direita, como afirma PC, então seria provável que o veículo X.. fosse logo projectado para a berma do seu lado direito sem chegar a colidir na ponta do separador assinalada no croquis com a letra D e que antes se indiciaria que o embate teria ocorrido numa das restantes vias. Só que isto não passa de uma mera conjectura, pois para uma tal conclusão seria necessário ter em linha conta outros factores, nomeadamente o ângulo de incidência dos veículos, o modo como embateram e até qual o tipo de reacção dos condutores perante a colisão.

Por seu lado, a versão veiculada por PA parece condizer melhor com a racionalidade de um comportamento no sentido de que nada justificava a sua intromissão na via da direita nem uma precipitação abrupta sobre o veículo X…, não se mostrando também inconciliável com os dados registados no croquis de fls. 103.

Porém, tal versão entra em divergência com a versão da testemunha RA, no que respeita ao ponto de embate – se na via da esquerda, como refere PA, ou na via do meio, como afirma RA – e quanto ao ponto da parte lateral direita em que o veículo J.. foi embatido - se na porta de trás ou na da frente -, o que poderia ainda assim compreender-se pela perspectivas diferenciadas de um e de outro em relação à ocorrência observada. Mas mais significativa é a divergência daqueles depoimentos, na parte em que PA afirma ter-se apercebido, antecipadamente, a cerca de 50/60 metros, de que o veículo X.. cortava para a faixa do meio, enquanto que a testemunha RA disse que o alertou da aproximação do veículo X.. quando, pela janela do seu lado, reparou nessa aproximação.

Tudo isto leva a concluir que do contexto do acidente retratado na participação e croquis de fls. 99-103 não se colhe qualquer apoio seguro para sustentar a coerência de qualquer das versões dadas pelas testemunhas referidas, incluindo a versão de PC.

E, a tal propósito, não se pode deixar de sublinhar a ausência de qualquer indício factual, por mais instrumental que seja, para concluir, como concluiu o tribunal a quo, na resposta dada ao art.º 3.º da base instrutória do apenso B, - em que se funda também a resposta ao art.º 1.º da b.i. dos autos principais -, no sentido de que “o condutor do J.. efectuou repentinamente uma guinada para a direita, em direcção à faixa de rodagem por onde circulava o X…”. Mesmo que se tivesse em conta o teor do depoimento de PC, em conjugação com a participação e croquis de fls. 99-103 e com o depoimento de VS, daí nada resulta que revele directamente ou indicie, à luz da experiência comum, a execução de uma manobra pela forma tão específica como vem descrita.  

Aqui chegados, só nos resta rematar no sentido de que o embate entre os veículos XI e JE ocorreu em ponto e de forma indeterminada na rodovia em que circulavam, pelo que se conclui em:

a) - dar como não provada a matéria do art.º 3.º da base instrutória do apenso B, eliminando o ponto 1.5 da factualidade acima consignada;

b) – dar como provado apenas, quanto ao art.º 1.º da base instrutória dos autos principais, deste modo alterando o ponto 1.6 daquela factualidade, que:

O embate referido na alínea A) dos autos principais, nas alíneas B) e D) do apenso B e nas alíneas A) a C) do apenso C, correspondente ao ponto 1.1 da factualidade acima consignada, ocorreu em ponto indeterminado da rodovia constituída pelas três faixas de trânsito, tendo incidido entre a parte lateral esquerda do veículo XI, que circulava a uma velocidade de aproximadamente 40/50 km/hora, e a parte lateral direita do veículo JE, que circulava a 80 km/hora.

c) – manter as respostas negativas aos artigos 4.º a 10.º da base instrutória dos autos principais.

2.2.2. Quanto às respostas aos artigos 21.º, 38.º a 40.º e 44.º da b.i. dos autos principais

Nos artigos acima indicados, perguntava-se o seguinte:       

Art.º 21.º

   Em consequência das lesões que sofreu, o A. entrou em depressão?

Art.º 38.º

O A. era pessoa muito alegre, sociável e tinha muita vitalidade?

Art.º 39.º

O A. ficou psicologicamente marcado pelo embate, amargurado? 

Art.º 40.º

Tem tido o A. necessidade de constante acompanhamento psíquico, frequentando consultas psiquiátricas?      

Art.º 44.º

E que o fez depender de terceiros, nomeadamente o pai e a com-panheira?

O tribunal a quo julgou essa matéria provada, consignando a seguinte fundamentação:

   A resposta à matéria dos arts. 15.° e ss. resultou da conjugação do depoimento de LR, companheira do A. PC e que acompanhou todas as consequências do embate para a pessoa do A., com a análise crítica da documentação junta aos autos, nomeadamente documentação médica e hospitalar, comprovativos de despesas com deslocações, de fls. 27 a 41, e o teor da perícia de dano corporal realizada, a fls. 285 ss..

           

Daí que conste como factualidade acima descrita o seguinte:

a) – Em consequência das lesões que sofreu, o 1.º A. entrou em depressão – ponto 1.25 correspondente à resposta ao art.º 21.º da b.i. dos autos principais;

   b) - O 1.º A. era pessoa muito alegre, sociável e tinha muita vitalidade – ponto 1.38 correspondente à resposta ao art.º 38.º da b.i. dos autos principais;

   c) - O 1.º A. ficou psicologicamente marcado pelo embate, amargurado e tem tido necessidade de constante acompanhamento psíquico, frequentando consultas psiquiátricas – ponto 1.39 correspondente respostas aos art.º 39.º e 40.º da b.i. dos autos principais;

   d) - O 1.º A. deixou de ser expansivo e de fácil relacionamento como era, fechando-se em si mesmo e tendo uma atitude com terceiros quase obsessiva de esconder sentimentos e pelo que passou em virtude do embate – ponto 1.40 correspondente respostas ao art.º 41.º e 42.º da b.i. dos autos principais;

e) - Tem vergonha, de (rectius por) não ter tido culpa do acidente que o prostrou numa cama de hospital e em casa, durante meses, e que o fez depender de terceiros, nomeadamente o pai e companheira – ponto 1.41 correspondente respostas aos art.º 43.º e 44.º da b.i. dos autos principais;

Ora, a apelante sustenta que, atento o teor da perícia de dano corporal realizada a fls. 285 e seguintes, deveria o tribunal apenas ter dado por provado que o estado psicológico do A. PC se agravou na sequência do sinistro dos autos, porquanto o mesmo, de acordo com a médica responsável pelo acompanhamento psiquiátrico do A. já padeceria de uma depressão grave com convalescença recorrente, a qual se agravou com o sinistro, não tendo origem neste, o que conduz necessariamente a uma resposta diversa aos artigos 38.º a 40.º da b.i. no processo principal.

Em contraponto, argumenta a apelada que:

- No respeitante ao relatório pericial, tenta a Recorrente retirar as suas próprias conclusões, alegando que de acordo com a médica responsável pelo acompanhamento psiquiátrico do A., aquele já padecia de uma depressão grave com convalescença recorrente que se agravou, mas não é essa interpretação que deve ser extraída do referido relatório;

- O A. nunca teve qualquer problema psiquiátrico antes do acidente, nem nunca foi acompanhado nesse campo, nem nada a esse respeito é aflorado nos autos;

- Por outro lado, a Dr.ª MM conforme consta do referido relatório, examinou o doente em 13-07-07, nunca tendo tido até ali qualquer contacto com o mesmo, desconhecendo o seu historial, no que a este campo diz respeito;

- A mesma refere que o A. sofre de uma depressão grave com convalescença recorrente, que se terá agravado após o acidente em 2004, não podendo dar uma certeza no que a esse ponto diz respeito, pelo que não é verosímil tirar a conclusão que a Recorrente pretende fazer, assumindo como verdade absoluta que o A. já antes do acidente sofria de depressão;

 - Se sobre assunto nenhuma prova foi feita nos autos e do referido relatório, tal também não é possível extrair;

- Se dúvidas houvesse sobre o entendimento da Dr.ª MM no que a esse ponto diz respeito, deveria a Recorrente ter reclamado do relatório pericial ou pedido esclarecimentos no prazo devido, o que não o fez, pelo que está correcta a resposta dada pelo Tribunal a quo aos quesitos 38º a 40º e 44º da b.i. do processo principal.

Vejamos.

Como decorre do acima transcrito, a apelante não impugnou as respostas aos artigos 41.º a 43.º da base instrutória dos autos principais, tendo, por isso, por adquirido que:

   - PC deixou de ser expansivo e de fácil relacionamento como era, fechando-se em si mesmo e tendo uma atitude com terceiros quase obsessiva de esconder sentimentos e pelo que passou em virtude do embate – ponto 1.40 correspondente respostas ao art.º 41.º e 42.º da b.i. dos autos principais;

- Tem vergonha de (rectius por) não ter tido culpa do acidente que o prostrou numa cama de hospital e em casa, durante meses – resposta ao art.º 43.º dos autos principais.

Estão só, pois, em causas as respostas aos artigos 21.º, 38.º a 40.º e 44.º daquela base instrutória.  

Sobre a referida matéria foi inquirida LR, ex-companheira do A. PC, tendo também sido junto aos autos o documento de fls. 211 e o relatório medido de 285 e seguintes.

A dado passo, do referido relatório médico, datado de 31-08-2010, consta, a fls. 289, sob a “História do Evento”, que pelo examinado PC foi mencionado ter começado a ser seguido em consultas de psiquiatria, em 2005, pela Dr.ª MM, no Centro de Saúde …. Noutro passo do mesmo relatório, a fls. 290, no ponto 5 do capítulo “Dados Documentais”, refere-se que “declaração elaborada pela Dr.ª MM em papel timbrado do Ministério da Saúde e Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e Sub-Região de Saúde de .., datada de …, referindo que o examinado é doente do foro psiquiátrico, padecendo de uma depressão grave em convalescença recorrente, que se terá agravado após o acidente sofrido em 2004, havendo necessidade de se reforçar a terapêutica por recidivas mais frequentes e duradouras”. E do documento junto a fls. 211 consta o original da sobredita declaração, com a única diferença de qualificar a depressão grave “com carácter recorrente”.  

Por sua vez, a testemunha LR, ex-companheira de PC, que com ele vivia à data do acidente e que o acompanhou durante os tratamentos das lesões sofridas, referiu, no aqui essencial, que aquele, antes do acidente, era uma pessoa sempre muito alegre, mas que, depois do mesmo, passou a ser uma pessoa muita fechada, totalmente diferente do que era dantes e que, de noite, acordava com pesadelos, tendo sido e continuando ainda a ser seguido por psiquiatra, o que dantes do acidente não acontecia. De referir que, nesse particular, aquele depoimento não foi objecto de instância específica por parte da R., nem vemos que haja razões para desconsiderá-lo.         

Nessa linha, o teor do referido depoimento é de molde a comprovar toda a matéria constante dos artigos 21.º e 38.º a 40.º aqui em foco.

E, no que respeita à origem da depressão de PC, o depoimento de LR mostra-se convincente no sentido de que essa patologia só ocorreu na sequência do acidente. Também do teor do relatório pericial colhe-se que PC terá mencionado ter começado a ser seguido em consultas de psiquiatria em 2005 pela Dr.ª MM, sendo que a declaração de fls. 211 é datada de 13-07-2007. Neste contexto, a interpretação que se afigura mais consentânea é a de que, quando ali se refere a “depressão grave de carácter recorrente que se terá agravado após o acidente sofrido em 2004”, tem em vista apenas o agravamento subsequente da depressão que sobreveio a PC com o referido acidente, já que daí nada se colhe sobre qualquer patologia anterior desse tipo. De resto, nunca a R. questionou sequer dantes nem durante a produção de prova sobre este ponto.

Termos em que se mantêm as respostas aos artigos 21.º, 38.º a 40.º e 44.º da base instrutória do processo principal.  

 

2.2.3. Quanto às respostas aos artigos 29.º e 31.º da b.i. dos autos principais

        

         Nos artigos em referência, perguntava-se:

Art.º 29.º

O A. era vigilante por conta de outrem, a tempo parcial, auferindo na data do sinistro, a quantia mensal de € 205,45? 

Art.º 31.º

O A. deixou de poder aceder a um emprego a tempo inteiro que uma empresa lhe iria atribuir e que estava previsto iniciar em 2 de Agosto de 2004?

O tribunal a quo considerou tal matéria provada nos termos da fundamentação transcrita no ponto precedente, ou seja que:

   A resposta à matéria dos arts. 15.° e ss. resultou da conjugação do depoimento de LR, companheira do A. PC e que acompanhou todas as consequências do embate para a pessoa do A., com a análise crítica da documentação junta aos autos, nomeadamente documentação médica e hospitalar, comprovativos de despesas com deslocações, de fls. 27 a 41, e o teor da perícia de dano corporal realizada, a fls. 285 ss..

Daí que contas dos pontos 1.31 e 1.32 da factualidade acima conignada o seguinte:

  - O 1.º A. tem de efectuar esforços suplementares para exercer uma actividade profissional, era vigilante por conta de outrem, mediante contrato de trabalho a termo certo e a tempo parcial, auferindo na data do sinistro, a quantia mensal de € 205,45, tendo necessidade de estar inúmeras horas em pé, na mesma posição – respostas aos art.º 28.º, 29.º e 30.º da b.i. dos autos principais;

- O 1.º A. deixou de poder aceder a um emprego a tempo inteiro que uma empresa lhe iria atribuir e que estava previsto iniciar em 2/8/04 (respostas aos art.º 31.º dos autos principais), porque o A. teve um período de incapacidade temporária profissional total de duzentos e noventa e um dias, pelo qual iria auferir a quantia mensal de € 500,00 – resposta ao art.º 32.º da b.i. dos autos principais.

Quanto à matéria dos artigos 29.º e 31.º, sustenta apelante que:

 - De acordo com a declaração de rendimento dos anos de 2003 e 2004, junta pelo A. PC aos autos no processo principal, a fls., em 2003 e 2004, o A. não declarou qualquer rendimento no campo 401 do Anexo A do Modelo 3, apenas tendo sido declarados rendimentos pela sua companheira LR, pelo que necessário seria concluir que à data do sinistro o A. não auferia o montante de € 205,45 por mês;

- Por outro lado, conforme resulta da declaração de rendimento do ano de 2005, junta pelo A. PC aos autos no processo principal, a fls. -, em 2005, o A. declarou rendimentos no valor de € 3.979,97, no campo 401 do Anexo A do Modelo 3, valor esse que sempre teria de ser subtraído à indemnização peticionada nos autos.

- Assim, resposta ao quesito 29.º e 31.º da b.i. no processo principal teria de ser necessariamente negativa, nos termos do disposto na Portaria n.º 377/2008, de 26.05 e, consequentemente improcedente a condenação na quantia de € 5.500,00, a título de vencimentos não auferidos por PC.

O que aqui está em causa é somente a matéria respeitante ao rendimento que PC auferiria como vigilante, à data do acidente, e se deixou de aceder ao emprego a que se refere o art..º 31.º.

Ora, o A. PC alegou no artigo 59.º da petição inicial que, à data do acidente, era vigilante por conta de outrem, a tempo parcial, auferindo a quantia mensal de € 205,45, conforme doc. 3 junto aos autos da providência cautelar dependente desta acção, e ainda no artigo 62.º do mesmo articulado afirmou que, deixou de aceder a um emprego, a tempo inteiro, que uma empresa lhe iria atribuir, estando o seu início previsto para 2 de Agosto de 2004, conforme declaração que protestou juntar, o que não se verificou. A. R. impugnou, genericamente, tais factos.

Sucede que o depoimento da testemunha LR também, neste particular, se referiu ao tipo de trabalho de PC, à data do acidente, como vigilante, a tempo parcial, à referida remuneração mensal, bem como ao trabalho que estava já acordado aceder noutra empresa pela remuneração mensal de € 500,00. Tal depoimento não sofreu, nessa parte, por banda da R., qualquer instância específica, pelo que se tem por merecedor de crédito. De resto, curiosamente, a apelante não impugnou sequer a resposta ao art.º 32.º.

Em suma, mantêm-se o teor das respostas aos artigos 29.º e 31.º da base instrutória dos autos principais.   

2.2.4. Quanto à resposta ao art.º 33.º da b.i. dos autos principais

         No referido artigo perguntava-se o seguinte:

Art.º 33.º

Em deslocações para tratamentos médicos, designadamente fisioterapia, o A. despendeu o montante de € 251,50?       

Essa matéria foi dada como provada com a fundamentação genérica transcrita no ponto precedente.

Sustenta, no entanto, a apelante que:

- A testemunha LR afirmou que o transporte que usado pelo PC para ir para a fisioterapia, era a ambulância;

- Questionada sobre se reconhecia os talões juntos aos autos a fls. 27 a 41 e para que foram utilizados, refere a testemunha terem sido utilizados para ir ao médico, afirmando que o PC só fez tratamentos e ia à consulta no Hospital GO;

- Questionada sobre onde morava a testemunha e o seu companheiro PC à data do sinistro, refere que moravam em Santa … de …s, na Margem Sul;

- Questionada sobre se PC tinha psiquiatra em .., a testemunha refere que “era psiquiatra, sim” (…), “ele andava em psiquiatria, acho eu”.

– De acordo com a documentação junta aos autos, PC era seguido em consultas de Psiquiatria em 2005, pela Dr.ª MM, no Centro de Saúde … …, o qual fica em …, e não em …;

- Da prova produzida não resulta, pois, que PC tenha feito qualquer consulta em Lisboa, termos em que o reembolso das alegadas despesas com os bilhetes da simples da Transtejo (fls. 27 a 29 e 31), os bilhetes simples do Metropolitano de Lisboa (fls. 30 a 34) e os bilhetes (tarifa de bordo) da Carris Transportes Públicos de Lisboa, deve improceder.

- Por outro lado, não foi produzida qualquer prova, testemunhal ou documental, com referência à relação entre as despesas referentes ao Talão da R & C, Ld.ª, no valor de € 12,60, referente a alegado fax e fotocópias, ao talão de compra multibanco na Farmácia M (pagamento feito pela testemunha LR), no valor de € 24,16 (fls. 37), e às diversas facturas de táxi, e o sinistro dos autos;

- Bem como não foi feita qualquer prova quanto às deslocações de táxi, sendo certo que uma das despesas de táxi refere-se a uma deslocação entre o L….e o …, vide fls. 37, não tendo qualquer conexão com o sinistro dos autos;

- Assim, da conjugação do depoimento da testemunha LR e dos documentos juntos aos autos, designadamente o teor da perícia de dano corporal realizada (fls. 285 ss) e os talões juntos aos autos (fls. 27 a 41), crê a Recorrente que o quesito 33.º da b.i., jamais poderia ter merecido resposta positiva.

Por seu lado, o apelado argumenta que:

- O Tribunal deve sim decidir com base na prova produzida que foi toda a documentação junta aos autos e da conjugação desta com o depoimento de LR, companheira do A. à data do acidente de viação e testemunhou todas as consequência do sinistro na pessoa daquele, o mesmo sucedendo com o montante a título de despesas que a Recorrente foi condenada a pagar ao A.;

- Refere a Recorrente que da prova produzida não resulta qualquer consulta em Lisboa. 

- Ora, LR refere que se recorda do A. ter ido a Lisboa, fazer consultas de psiquiatria, em médico privado, num consultório, pelo que não é verdade como alega a Recorrente que da prova produzida resulta que PC não tenha efectuado qualquer consulta em Lisboa;

- Quanto à alegação de que não foi feita prova do talão de compra multibanco da farmácia moderna no valor de € 24,16 e às diversas facturas de táxi, certo é que a testemunha LR, quando confrontada com os documentos de 9 a 112, juntos com a pi, confirmou o valor e o pagamento desses talões, pelo que não é verdade que não tenha sido feita prova nesse sentido;

- Desta forma, bem andou o tribunal a quo ao dar resposta positiva ao quesito 33º da b.i.;

- Mais refere a testemunha no seu depoimento no minuto 14.00 a 14.30, que o A., após o acidente viu-se confrontado com muitas dificuldades económicas, não tendo sequer dinheiro para comprar os seus próprios medicamentos, que lhe tinham sido prescritos pelo próprio médico de família;

- Sendo a própria testemunha que muitas vezes os adquiria, pelo que é muito natural que o talão de farmácia que a Recorrente põe agora em causa no valor de € 24,16, esteja em nome de LR, aqui testemunha, companheira do mesmo á data do acidente.

Ora, na verdade, o depoimento da testemunha LR foi muito vago e pouco convincente quanto às ditas consultas de psiquiatria em Lisboa, já que começou por dizer que as consultas eram no Hospital de …. Instada para explicar a que consultas PC tinha ido a L…, acabou por referir, de forma algo confusa e vaga, que seria a um consultório privado, mas, apesar de dizer que o acompanhava, não conseguiu, minimamente, dizer onde se situava e que tipo de consultório seria.

Acresce que consta dos autos que PC era seguido pela psiquiatra Dr.ª MM, no Centro de Saúde …, não tendo sido juntos quaisquer documentos respeitantes a consultas em L…, sendo que PC morava em C.., na “Margem Sul”, ficando, assim, por explicar a que se destinaram as deslocações a que respeitam os talões de fls. 27 a 37, a quais terão importado num total de € 50,00, aproximadamente, por ser difícil precisar esse montante dado que alguns talões se mostram ilegíveis quanto ao valor respectivo. 

Relativamente às demais despesas de deslocações, aquele depoimento afigura-se credível, em conjugação com os documentos de fls. n.º 75 a 113, de fls. 34 a 41, sobre o qual a R. não fez sequer uma instância específica.

Assim, altera-se a resposta ao art.º 33.º da base instrutória dos autos principais, dando como provado apenas que:

Em deslocações para tratamentos médicos, PC despendeu a quantia de € 200,00.

2.2.5. Quanto à resposta ao art.º 12.º da b.i. do apenso C

No mencionado artigo, perguntava-se:

Art.º 12.º do apenso C

O veículo X…, à data do embate, apresentava um valor de € 21.327,30, sendo a matrícula de Abril de 2004?

O tribunal deu essa matéria como provada, consignando que:

A matéria provada constante do art. 12.° resultou da conjugação dos depoimentos de PC, MM e LD, irmãs da A. LR. Note-se que o valor real de um veículo para o seu titular, atento o seu estado, o grau de uso, cuidados de conservação, entre outros factores, pode ser bastante superior ao valor comercial. Ora, resultou dos depoimentos que o veículo se encontrava como novo, sendo estimado, enquanto elevado investimento que o mesmo representava para a sua titular.         

A matéria não provada constante do art. 25.° resultou igualmente da ausência de prova suficiente quanto à mesma. Note-se que embora a testemunha VF não logrou concretizar o valor comercial.

 Sobre a referida matéria foram ouvidas as pessoas acima referidas.

         Pelas testemunhas MI e LD, irmãs da A. LR, foi dito que, por esta, souberam que o automóvel X… teria sido comprado por mais de € 20.000,00. No mesmo sentido, foi o depoimento de PC, companheiro daquela A.. Qualquer deles não alicerçou tal conhecimento em outros elementos.

  Também de fls. 321 do Apenso C consta um documento relativo à dívida respeitante ao empréstimo solicitado para a compra daquele veículo e que então ascendia a € 20.253,45, o que, obviamente, não significa que tenha sido esse o valor do dito veículo.

  Assim, não se pode deixar de observar a negligência da A. em não juntar aos autos documento comprovativo do valor da referida compra, querendo agora fazer tal prova, por via indirecta na base de testemunhos pouco fiáveis e imprecisos.

         Assim, só será de ter em conta o documento de fls. 120 do apenso C junto pela R., do qual resulta o valor venal, para aquele modelo de veículo, na ordem dos € 18.596,00, não se mostrando razoável que sejam abatidos os salvados.

 Termos em que se altera a resposta ao art.º 12.º da base instrutória do apenso C, no sentido de dar como provado apenas que:

   O veículo XI, à data do embate, com matrícula de 2004, à data do acidente, valia € 18.596,00, com o esclarecimento de que, em 16 de Março de 2005, a dívida de LR ao BP, decorrente da resolução do empréstimo contraído pela aquisição do veículo XI, era de € 20.253,45.  

        

3. Quanto à solução de direito      

            

3.1. Enquadramento preliminar

         Estamos no âmbito de três acções instauradas em separado contra a R., mas posteriormente apensadas, todas elas fundadas em responsabilidade civil extracontratual emergentes de um acidente de viação ocorrido, em 31/07/2004, que se traduziu numa colisão lateral negativa[16] entre os veículos XI e JE:

   a) - uma delas proposta por PC, condutor do veículo XI, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos (processo principal);

  b) - outra proposta pelo Hospital GO, para ressarcimento do custo pelos serviços prestados a PC no tratamento das lesões sofridas (apenso B);

   c) - e ainda outra proposta por LR, titular do veículo XI e, na altura companheira de PC, para ressarcimento, nomeadamente, da perda daquela viatura (apenso C).

A R. foi condenada, em 1.ª instância, a pagar aos A.A. as seguintes importâncias: 

A – Em relação ao A. PC:

      a) - € 5.500,00, a título de vencimentos não auferidos;

b) - € 251,50, relativos a deslocações, acrescidas de juros desde a citação à taxa de 4%;

  c) - € 540,00, respeitantes à incapacidade temporária geral total;

  d) - € 22.000,00, correspondentes à incapacidade permanente geral e esforço profissional acrescido;

      e) - € 2.000,00, relativos a dano estético;

      f) - € 10.000,00, pelos sofrimentos físico e psíquico, acrescidos de actualização monetária a partir desta data;

  g) - outras quantias a liquidar em execução de sentença, referentes a despesas não previsíveis de momento, que sejam decorrência deste acidente;

   B – Em relação ao Hospital GO, a quantia de € 18.049,18, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data do vencimento das facturas respectivas, até integral pagamento;

   C – Em relação a LR, a quantia de € 21.327,30, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a citação e até integral cumprimento. 

Sucede que, para além da questão da responsabilidade pelo acidente, a apelante questiona no plano de direito, e basicamente em virtude da pretendida alteração da decisão de facto, o valor dos seguintes montantes fixados:   

a) - em € 5.500,00, a título de perda de rendimentos auferidos por PC durante a incapacidade temporária total;

b) - em € 251,50, relativamente a deslocações de PC para tratamentos médicos;

c) - em de € 21.327,30, a título de danos patrimoniais, pela perda do veículo XI, atribuído à A. LR;

  d) - o valor dos danos não patrimoniais atribuídos a PC, por considerá-los excessivos, face aos factos provados, e que são de € 2.000,00, relativos a dano estético, e de € 10.000,00, pelos sofrimentos físico e psíquico.

        

         Nessa base, salvo quanto à responsabilidade pelo acidente, não estão, pois, aqui postas em causa as indemnizações:

            A – atribuídas a PC:

a) - de € 540,00, respeitantes à incapacidade temporária geral total;        

b) - de € 22.000,00, correspondentes à incapacidade permanente geral e esforço profissional acrescido;

c) - de outras quantias a liquidar em execução de sentença, referentes a despesas não previsíveis de momento, que sejam decorrência deste acidente;

B – atribuída ao Hospital GO, no valor de € 18.049,18.

        

3.2. Quanto à indemnização pela perda de rendimentos auferidos por PC durante a incapacidade temporária total

 

         Relativamente aos danos em referência, dos factos provados colhe-se que, em consequência das lesões sofridas com o acidente:

- PC deixou de poder aceder a um emprego a tempo inteiro que uma empresa lhe iria atribuir e que estava previsto iniciar em 2/8/04 (respostas aos art.º 31.º dos autos principais), porque o A. teve um período de incapacidade temporária profissional total de duzentos e noventa e um dias, pelo qual iria auferir a quantia mensal de € 500,00 – resposta ao art.º 32.º da b.i. dos autos principais.

Assim, tendo em conta o período daquela incapacidade, durante 291 dias, equivalentes a 9,7 meses, quase dez meses, tomando por base o rendimento mensal previsível de € 500,00, acrescidos, como é de imperativo legal, de subsídio de férias e do 13.º mês, tem-se por ajustada a quantia de € 5.500,00 fixada pelo tribunal a quo.  

3.3. Quanto à indemnização pelas deslocações

Dos factos provados, incluindo a alteração feita à resposta ao art.º 33.º da base instrutória dos autos principais, resulta que tais deslocações importaram em € 200,00.

3.4. Quanto à indemnização atribuída a LR

Relativamente ao valor pela perda do veículo, o que se apura é que o valor daquele era de € 18.596,00, mas que, em 16 de Março de 2005, a dívida de LR ao BP, decorrente da resolução do empréstimo contraído pela sua aquisição era de € 20.253,45, conforme resposta alterada dada ao art.º 12.º da b.i. do apenso C.

Além disso, está provado que:

- O veículo XI encontra-se registado a favor da 2.ª A., LR, desde 15/7/04, incidindo sobre o mesmo reserva de propriedade a favor de Banco BP, S.A. – ponto 1.51 correspondente à alínea G) do apenso C;

- Em consequência do embate, o veículo XI ficou irrecuperavelmente destruído – ponto 1.53 correspondente à alínea línea I) do apenso C

- Em consequência do acidente, a 2.ª A. viu-se impedida de proceder ao pagamento das prestações relativas ao empréstimo contraído para aquisição do veículo XI – ponto 1.61 correspondente à resposta ao art.º 35.º da b.i. do apenso C;

- O que originou a resolução do contrato celebrado com o Banco BP e a liquidação da quantia mutuada, acrescida de juros de mora – ponto 1.62 correspondente à resposta ao art.º 36.º da b.i. do apenso C.

         Daí que se tenha como prejuízo relevante o valor sofrido com a resolução do referido contrato de empréstimo, de € 20.253,45.

3.5. Quanto aos danos não patrimoniais atribuídos a PC

Dos factos provados e aqui mantidos, no que aqui releva, resulta que:

   - O 1.º A. sente dores constantes – ponto 1.34 correspondente à resposta ao art.º 34.º da b.i. dos autos principais;

   - Durante o período de tratamento, o 1.º A. sofreu muitas dores e incómodos – ponto 1.35 correspondente à resposta ao art.º 35.º da b.i. dos autos principais;

   - O 1.º A. tem pesadelos constantes, em virtude do embate – ponto 1.36 correspondente à resposta ao art.º 36.º da b.i. dos autos principais;

- Está dependente dos familiares para as deslocações e cuidados médicos – ponto 1.37 correspondente à resposta ao art.º 37.º da b.i. dos autos principais;

- O 1.º A. era pessoa muito alegre, sociável e tinha muita vitalidade – ponto 1.38 correspondente à resposta ao art.º 38.º da b.i. dos autos principais;

- O 1.º A. ficou psicologicamente marcado pelo embate, amargurado e tem tido necessidade de constante acompanhamento psíquico, frequentando consultas psiquiátricas – ponto 1.39 correspondente à respostas aos art.º 39.º e 40.º da b.i. dos autos principais;

- O 1.º A. deixou de ser expansivo e de fácil relacionamento como era, fechando-se em si mesmo e tendo uma atitude com terceiros quase obsessiva de esconder sentimentos e pelo que passou em virtude do embate – ponto 1.40 correspondente à respostas ao art.º 41.º e 42.º da b.i. dos autos principais;

- Tem vergonha de não ter tido culpa do acidente que o prostrou numa cama de hospital e em casa, durante meses, e que o fez depender de terceiros, nomeadamente o pai e companheira – ponto 1.41 correspondente à respostas aos art.º 43.º e 44.º da b.i. dos autos principais;

- O 1.º A. não tem possibilidade de adquirir os medicamentos prescritos pelo médico de família – ponto 1.42 correspondente à resposta ao art.º 45.º da b.i. dos autos principais;

- É hoje o 1.º A. uma pessoa infeliz, deprimida e angustiada – ponto 1.43 correspondente à resposta ao art.º 46.º da b.i. dos autos principais;

- Em consequência do embate, o 1.º A. teve um período de incapacidade temporária geral total, em que esteve impedido de realizar as actividades da vida diária, familiar e social, coincidente com o período de internamento hospitalar (de 31/7 a 11/8, de 20 a 22/10 e de 23 a 24/11/ 2004) – ponto 1.44 correspondente à resposta ao art.º 47.º da b.i. dos autos principais;

- Em virtude das lesões sofridas e do tratamento recebido, o 1.º A. vivenciou um sofrimento físico e psíquico, durante o período de incapacidade temporária, fixável no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente – ponto 1.45 correspondente à resposta ao art.º 48.º da b.i. dos autos principais;

- Em consequência do embate, o 1.º A. ficou com uma incapacidade permanente geral, em virtude do agravamento do estado depressivo, do desvio do eixo da perna e pé esquerdos, das alterações degenerativas osteo­-articulares, a nível da bacia e das grandes articulações do membro inferior esquerdo, e do encurtamento deste último, com repercussão na sua autonomia e nas actividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas, de 15 pontos – ponto 1.46 correspondente à resposta ao art.º 49.º da b.i. dos autos principais e respostas aos art. 27.º e 28.º da b.i. do apenso C;

- Em consequência do embate e das intervenções a que foi sujeito, o 1.º A. ficou com cicatrizes ao nível da perna esquerda, que consubstanciam um prejuízo estético fixado em 3 graus numa escala de sete graus de gravidade crescente – ponto 1.47 correspondente à resposta ao art.º 50.º da b.i. dos autos principais;

- O PC, 1.º A., em consequência directa do embate, tem de efectuar esforços suplementares para exercer a actividade profissional a que, até então, se dedicava ou qualquer outro serviço dentro da sua experiência profissional - ponto 1.48 correspondente à.

Perante este quadro traumático e terapêutico e respectivas sequelas, considerando ainda que PC, nascido em 14/05/1967 (doc. de fls. 95), à data do acidente, tinha 37 anos, tendo em conta o desgosto e a angústia sofridas, tomando por base os critérios indicativos do artigo 494.º ex vi do artigo 496.º, n.º 3, do CC, afigura-se que seriam ajustadas e equitativas à compensação do dano não patrimonial em referência as quantias arbitradas, se a responsabilidade pelo acidente fosse exclusivamente imputada, a título de culpa, ao condutor do veículo JE.

Porém, como tal responsabilidade não é imputável a esse condutor, a título de culpa, tem-se por mais adequado reduzir a indemnização pelos sofrimentos físico e psíquico de PC de € 10.000,00 para € 9.000,00 e a indemnização pelo dano estético de € 2.000,00 para € 1.500,00, atenta à data da sentença em 1.ª instância.   

3.6. Quanto à repartição da responsabilidade

Do factualismo provado, tendo em conta as alterações introduzidas em sede de impugnação da decisão de facto, resulta que não se apura em que ponto da rodovia ocorreu o embate, pelo que não existe fundamento legal para imputar a responsabilidade, a título de culpa, a qualquer dos condutores dos veículos colidentes.

Haverá assim que recorrer à responsabilidade pelo risco, nos termos do artigo 506.º do CC, importando repartir o grau de distribuição desse risco por aqueles veículos.

Ora, considerando que, embora não seja atribuída responsabilidade subjectiva ao condutor do veículo J…, o certo é que o mesmo circulava a uma velocidade superior a 80 km/hora, enquanto que o veículo X… circulava a uma velocidade entre 40 a 50 km/hora, o que confere maior grau de risco ao veículo JE.

Nessa conformidade, mostra-se ajustado repartir essa responsabilidade pelo risco na proporção de 2/3 para o veículo J… e 1/3 para o X….

Após isso, importa sobre os valores encontrados achar a proporção de 2/3 correspondente ao risco atribuído ao veículo J…, apurando-se os seguintes valores com arredondamento:

 A – Relativamente a PC: 

   a) - € 3.667,00, quanto ao valor € 5.500,00, a título de vencimentos não auferidos;

    b) - € 134,00, quanto aos € 200,00 relativos a deslocações;

    c) - € 360,00, quanto aos € 540,00 respeitantes à incapacidade temporária geral total;

    d) - € 14.667,00, quanto aos € 22.000,00, correspondentes à incapacidade permanente geral e esforço profissional acrescido;

    e) - € 1.000,00, quanto aos € 1.500,00, relativos a dano estético;

    f) - € 6.000,00, quanto aos € 9.000,00, pelos sofrimentos físico e psíquico, acrescidos de actualização monetária a partir da data da sentença;

    g) – 2/3 quanto a outras quantias a liquidar em execução de sentença, referentes a despesas não previsíveis de momento, que sejam decorrência do acidente;

B – Em relação ao Hospital GO, a quantia de € 12.033,00, quanto à verba de € 18.049,18, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data do vencimento das facturas respectivas, até integral pagamento;

C – Em relação a LR, a quantia de 13.502,30, quanto a € 20.253,45, a título de danos patrimoniais. 

IV - Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de ... em julgar a apelação parcialmente procedente e, nos termos as acções em causa, condenando-se a R. a pagar as seguintes importâncias:

   A – Em relação ao A. PC:

  a) – a quantia de € 3.667,00, a título de vencimentos não auferidos, acrescida de juros desde a citação à taxa de 4%;  

      b) – a de € 134,00, relativos a deslocações, acrescida de juros desde a citação à taxa de 4%;

c) – a de € 360,00, respeitantes à incapacidade temporária geral total, acrescida de juros desde a citação à taxa de 4%;  

 d) – a quantia € 14.667,00, correspondentes à incapacidade permanente geral e esforço profissional acrescido, acrescida de juros à taxa de 4% desde a data da sentença em 1.ª instância;

e) – a de € 1.000,00,00, relativamente ao dano estético, acrescida de juros à taxa de 4% desde a data da sentença em 1.ª instância;  

      f) – a quantia de € 6.000,00, pelos sofrimentos físico e psíquico, acrescida de juros à taxa de 4% desde a data da sentença em 1.ª instância;

       g) - outras quantias a liquidar em execução de sentença, na proporção de 2/3, referentes a despesas não previsíveis de momento, que sejam decorrência deste acidente;

   B – Em relação ao Hospital GO, a quantia de € 12.033,00, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data do vencimento das facturas respectivas, até integral pagamento;

   C – Em relação a LR, a quantia de € 13.502,30, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a citação e até integral cumprimento. 

   

As custas da acção e do recurso ficam a cargo das partes na proporção dos respectivos decaimentos.                

Lisboa, 21 de Janeiro de 2014

Manuel Tomé Soares Gomes

Maria do Rosário Oliveira Morgado               

Rosa Maria Ribeiro Coelho

  
[1] Sobre o modelo cognitivo racional da prova, em detrimento de modelo puramente empírico, vide, entre outros autores, Marina Gascón Abellán, Los Hechos en el Derecho – Bases argumentales de la prueba, Marcial Pons, Barcelona, 1999, pag. 97 a 123.
[2] Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1.S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[3] Vide Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, Ld.ª, Coimbra, 1946, pag. 203.
[4] Ob. cit. pp.219/220.
[5] A este propósito, vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, pp 542.
[6] Sobre o princípio da admissibilidade dos meios de prova, distinto do princípio da livre apreciação, vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, pp 468 a 470.
[7] In Provas Ilícitas em Processo Civil, Almedina, 1998, pag34 e seguintes..
[8] Este autor parece perfilhar a orientação da taxatividade dos meios de prova no nosso sistema legal, que deduz do preceituado no art.º 345.º, n.º 2, do CC - vide A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, pag. 256.
[9] Ob. cit. pag. 44.
[10] Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, pp 469.
[11] Direito Processual Civil, Vol. II, revisto e actualizado em 1987, Obras Completas, AAFDL, 2012, pp. 480 a 482.
[12] Ob. cit. pa. 46
[13] Proferido no processo n.º 02B3664, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Sousa Inês, acessível na Iternet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[14] Proferido no processo n.º 03B1909, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Ferreira Girão, acessível na Iternet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[15] Proferido no processo n.º 04A3457, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Azevedo Ramos, acessível na Iternet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[16] Colisão lateral negativa é a designação técnica da colisão lateral entres dois veículos que circulam no mesmo sentido.