Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1712/11.9TVLSB-B.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
DISPENSA DE PAGAMENTO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Nas acções de valor superior a €275.000,00 e relativamente ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, a parte que, não sendo evidente a simplicidade da actividade desenvolvida pelo sistema de justiça na sua acção, queira pedir a dispensa desse pagamento, deverá fazê-lo antes da decisão que põe termo ao processo ou quando notificada da mesma, se a decisão não tiver oficiosamente dispensado o pagamento, mas já não, por extemporaneidade, quando notificada da conta de custas e mediante reclamação desta.
II - A interpretação que considera extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do artigo 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, quando deduzido após a notificação da conta de custas e em reclamação desta, não é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e do acesso à justiça.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
A (…), Réu, notificado para pagar o remanescente da taxa de justiça no valor de € 31 293,60, nos termos do nº 9 do artigo 14º do RCP, nos termos do art.º 15.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais (RCP) veio pedir a reforma ou reclamação da conta de custas elaborada nos autos, ao abrigo do disposto no art.º 31.º, n.º 3, alínea a), do mesmo Regulamento, requerendo a final:
“a) deve ser desaplicada a norma constante do art.º 6.º, n.º 7, 1.ª parte, do RCP, em conjugação com a tabela I-A que faz parte integrante do mesmo Regulamento, incluindo o seu segmento final, por se revelar inconstitucional a desconsideração de um limite máximo do valor relevante da acção para efeitos de cálculo das custas;
b) deve ser ordenada a reformulação da conta de custas, mediante a aplicação do limite de € 275.000,00 como valor tributário máximo relevante para efeitos de taxa de justiça, nos termos do art.º 6.º, n.º 7, 2.ª parte, do RCP, atendendo às especificidades da causa, à simplicidade das questões decididas e à sua conduta processual;
c) deve ser declarado que o réu apenas deve a título de taxa de justiça o valor previsto no ultimo escalão da tabela I-A na versão do RCP vigente à data desse pagamento, que se considera válido e eficaz, à luz do disposto no art.º 8.º, n.º 2, da Lei
n.º 7/2012, de 13.02.
Também a Ré B (…), notificada para “efectuar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, no montante de 62 587,20€ , nos termos do artº 14º nº 9 do RCP”, apresentou reclamação da conta, invocando a extemporaneidade da notificação e a inconstitucionalidade da primeira parte do número 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, requerendo a final que fosse eximida de qualquer pagamento e que se desse sem efeito a notificação que lhe tinha sido feita para pagar o remanescente da taxa de justiça.
Sobre ambos os requerimentos incidiu o seguinte despacho:
“Requerimento da ré B (…) de fls. (…); requerimento do réu A (…) de fls. (…) e requerimento da ré C (…) de fls. (…);
Requerimentos dos autores D (…) e E (…) de fls. (…):
Pela sentença proferida em 1ª instância, em foram julgados:
a) integralmente improcedentes os pedidos formulados pelos autores D (…) e E (…) contra os réus A (…), B (…) e C (…) e absolvidos estes desses pedidos; parcialmente procedente o pedido formulado pelos autores D (…) e E (…) contra a Ré F (…) e, nessa medida, condenar a mesma ré a pagar-lhes a quantia de Euros 1.945.312,21 (…) de capital e a quantia de Euros 379.895,49 (…) de juros de mora vencidos sobre o referido capital desde a data da citação da ré para a acção até à presente data. Assim como na quantia correspondente aos juros de mora vincendos, desde esta data, sobre o mesmo capital, calculados à taxa supletiva legal de juros civis, até integral pagamento.
III. Julgar improcedentes as imputações de litigância de má-fé dirigidas contra os autores D (…) e E (…) e contra os réus F (…) e A (…), absolvendo-os dos pedidos indemnizatório formulados a esse título.
Na 2ª instância, foi julgado parcialmente procedente o recurso dos autores e, em consequência, foi a ré B (…) condenada solidariamente com a ré F (…) no pagamento da quantia de € 1.945.312,21 de capital, acrescida da quantia de €379.895,49 de juros de mora, vencidos e vincendos, nos termos referidos na sentença da 1ª instância, bem como a ré C (…), limitado ao valor contratual.
Julgar improcedente o recurso interposto pela ré F (…).
Finalmente o Acórdão do STJ julgou procedente o recurso, revogando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, absolveu a ré B (…) e a ré C (…) dos pedidos contra elas deduzidos.
Apreciando.
Em requerimentos apresentados pelos réus A (…), B (…) e C (…), de teor sensivelmente idêntico e que intitularam de reclamação da conta, apontando a ausência de notificação em tempo próprio da notificação prevista no art.º 14º/9º do RCP, omissão essa em que se estribam para só agora se insurgirem quanto ao pagamento do remanescente da taxa de justiça incluído na conta final e, dessa forma, verem-se desresponsabilizados do pagamento dessa quantia.
Apreciando diremos não assistir inteira razão aos requerentes pela seguinte ordem de razões:
Em primeiro lugar, conforme defende Salvador da Costa [1] ‘’(…) a competência funcional do Juiz de 1ª instância para apreciação do requerido ao abrigo do disposto no art.º6º/7 do RCP, circunscreve-se à acção, não abrangendo o recurso (…)’’.
Referindo o mesmo autor em comentário de 21.11.2017 ao Acórdão do STJ de 03.10.2017, [2] em que defende que ‘’(…) se as partes pretenderem a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente devem requerê-la logo após o encerramento da audiência de julgamento na 1.ª instância, ou após a distribuição do recurso em que funcionou o disposto na parte final da Tabela I, anexa ao RCP, conforme os casos, mas nunca depois da prolação da sentença na 1ª instância ou da elaboração do projecto do acórdão pelo relator em sede de recurso nos tribunais superiores.(…)’’.
Em segundo lugar, ainda que se entendesse do modo propugnado pelos reclamantes, sempre seria de indeferir a reclamação da conta, porquanto não é este o meio idóneo a suscitar a questão da verificação dos pressupostos em vista da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Por outro lado, a omissão da notificação de pagamento do remanescente da taxa no prazo previsto no art.º 14.º n.º 9 do RCP, nenhuma consequência acarreta, conforme se decidiu em Acórdão da Relação de Guimarães de 13/03/2014 acessível em www. dgsi.pt onde se concluiu que, “O disposto no artº 25º do Regulamento das Custas Processuais para a apresentação da nota discriminativa das custas de parte, não impede apresentação de nota referente ao remanescente da taxa de justiça em momento posterior, se a secretaria não efectuou a notificação a que alude o artº 14º nº 9, no prazo aí previsto e só o fez aquando da elaboração da conta final.”
Mas ainda que assim não se entendesse, sempre seria de concluir pela inverificação dos pressupostos subjacentes à faculdade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando é certo discutirem-se interesses na ordem de €2.809.045,12, em acção que suscitou a intervenção de três níveis de jurisdição composta por 10 volumes, cuja instrução foi morosa, desenrolando-se a audiência ao longo de sete sessões.
Em face do exposto, não cabe a este tribunal de 1ª instância a apreciação dos referidos pressupostos que, aliás, nem foram suscitadas no momento e sede própria, indeferindo-se consequentemente o incidente deduzido”.

Inconformado, o Réu A (…) interpôs o presente recurso, formulando a final as seguintes conclusões:
a. O nº 7 do artigo 7º do Regulamento das Custas Judiciais e nº 1 do artigo 7º da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, determinam que o “remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final (…)” e “Findo o processo e registados todos os movimentos contabilísticos, é elaborada a conta (…)”, ou seja, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser apresentado após a notificação às partes da conta de custas, dentro do prazo disponível para a reclamação da dita conta e inexiste disposição que imponha tal pedido contemporâneo ao momento da prolação das decisões nos tribunais superiores.
b. A questão da dispensa do remanescente não se pode considerar abrangida pelo caso julgado da sentença ou acórdão finais, uma vez que estes últimos se limitam a fixar definitivamente a repartição da responsabilidade pelas custas, mas não o montante das mesmas.
c. O meio utilizado “reclamação ou reforma da conta de custas” é o adequado e deve ser apreciado só a final, uma vez terminada a lide, esgotada a tramitação necessária para a decisão das questões colocadas pelas partes nos articulados e nas alegações de recurso será possível aferir da verificação do circunstancialismo do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais”
d. O mecanismo da dispensa do remanescente visa salvaguardar a relação de proporcionalidade que deve sempre existir entre o valor da taxa de justiça cobrada às partes e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida pelo tribunal ao longo de todo o processo, relação que é radicalmente negada quando o Recorrente se vê confrontado com um encargo de custas processuais de €31.293,60, numa acção declarativa de reduzida complexidade.
e. Só depois de elaborada a conta final do processo é que o tribunal e as próprias partes ficam a conhecer o valor exato da taxa de justiça que seria devida e se encontram em condições para apreciar devidamente se o valor da taxa de justiça é ou não é excessivo e desadequado face ao circunstancialismo do processo.
f. Conforme resulta do artigo 6º, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais, o tribunal tem o poder-dever de dispensar oficiosamente o remanescente da taxa de justiça, quando a "especificidade da situação o justificar", pelo que não se compreende porque não o poderia fazer, após a notificação da conta de custas – momento em que a desproporcionalidade das custas em face da actividade processual concreta se torna finalmente patente e manifesta.
g. O poder jurisdicional do Tribunal em matéria de custas não se esgota com a notificação da conta de custas, como aliás, se comprova pelo facto de o Tribunal poder apreciar pedidos de reforma e de reclamação da dita conta.
h. À luz da referida finalidade do artigo 6°, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais de evitar desproporções excessivas entre as custas processuais e o serviço de justiça prestado, seria até inconstitucional — por violadora do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça (artigos 2.°, 13.°, 18.°, n.° 2, e 20.° da Constituição da República Portuguesa) — a interpretação do referido artigo 6.°, n.° 7, segundo a qual o tribunal não tem o dever e nem sequer pode apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a actividade jurisdicional efectivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas.
i. Por conseguinte, o tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente e inconstitucionalmente as disposições dos artigos 6.°, n.° 7, parte final, e 31.°, n.°s 1 a 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais, ao considerar extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça formulado pelo ora Recorrente em sede de reclamação da conta de custas.
j. O remanescente da taxa de justiça reclamada as partes (€156 467,60), é manifestamente excessiva e desproporcionada para um processo em que a questão a apreciar pelo Tribunal se circunscreveu ao apuramento de ter sido ou não pago o preço devido com a transacção do imóvel.
k. E nem a circunstância de as partes terem carreado para os autos tamanha quantidade de documentos e ouvidas tantas testemunhas que impuseram a realização de várias sessões da audiência de julgamento pode ser indiciadora de uma complexidade tal que justifique penalizar as partes com o peso das custas fixadas a final.
l. Acresce nenhuma das partes ter feito um uso anormal do processo que impusesse a condenação deles como litigantes de má-fé.
m. Estão, pois, verificados os fundamentos de que depende a dispensa do remanescente da taxa de justiça, no valor de €31.293,60 imputados ao Recorrente, ao abrigo do disposto no n.° 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, devendo ser dispensado o respetivo pagamento, sob pena de se violar o principio da proporcionalidade e o direito de acesso à justiça atenta a desproporcionalidade entre a taxa de justiça global e a actividade jurisdicional desenvolvida pelas partes (artigos 2.°, 13.°, 18.º, n.º 2, 2ª parte e 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa)
Nestes termos (…) deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão que dispense o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 7 do RCP.
Também inconformada, a Ré B (…) interpôs recurso, formulando a final as seguintes conclusões:
1- Decidiu o douto Tribunal a quo, referindo-se à Reclamação da Conta apresentada, não só pela aqui Recorrente, mas igualmente pelos demais Réus nos presentes Autos que, “não cabe a este tribunal de 1ª instância a apreciação dos referidos pressupostos que, aliás, nem foram suscitadas no momento e sede própria, indeferindo-se consequentemente o incidente deduzido”,
2- Tal decisão, com o devido respeito, não pode ser acatada pela aqui Recorrente uma vez que pretende imputar-lhe o pagamento de uma Taxa de Justiça, fixada em €62.587,20 (…), o que, desde já se afirma, não se pode admitir.
3- Senão, vejamos dispõe o artigo 6.º/7 do Regulamento das Custas Processuais que “nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final (…)”, sendo que o artigo 7.º/1 da Portaria n.º419-A/2009, de 17 de Abril, prevê que “findo o processo e registados todos os movimentos contabilísticos, é elaborada a conta (…), obtendo-se o valor a pagar ou a receber pelas partes (…)”.
4- Quer, isto, significar que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser apresentado após a notificação da Conta de Custas, dentro do prazo para a reclamação da Conta e não se verifica existir uma disposição legal que imponha o aludido pedido aquando da prolação das decisões nas instâncias superiores.
5- De facto, a dispensa do pagamento do aludido remanescente não pode julgar-se subsumida ao caso julgado da Sentença ou Acórdão finais, porquanto, estes últimos, limitam-se a fixar, em termos definitivos, a repartição da responsabilidade pelas custas, mas já não o concreto montante das mesmas.
6- Ora, a Recorrente serviu-se da “Reclamação/Reforma da Conta de Custas”, precisamente para impugnar o pagamento da avultada quantia que lhe é peticionada a título de Custas e tal configura o meio adequado para o efeito, conforme, aliás, resulta do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, datado de 07.11.2013, no âmbito do Processo n.º332/04.9TBVPA.P1,
7- Efectivamente, tal Acórdão clarifica que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pelo Juiz, nos termos do citado artigo 6.º/7, 2.ª parte, do Regulamento das Custas Processuais, pode e deve ser apreciada e decidida em sede de Reclamação da Conta de Custas, esclarecendo que “só a final, uma vez terminada a lide, esgotada a tramitação necessária para a decisão das questões colocadas pelas partes nos articulados e nas alegações de recurso será possível aferir da verificação do circunstancialismo do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais”.
8- Mais suscita, o aludido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, “não estar previsto em lado algum que isso caiba na competência dos tribunais de recurso, que a tomada de decisão sobre a aplicação desse normativo cabe ao juiz do processo após o trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo (e já agora, uma vez que a decisão não depende de requerimento das partes, antes mesmo da elaboração da conta na sequência de conclusão aberta pelo contador no sentido de ser fixado se na conta deve ou não considerar o remanescente)”, o que se salienta, para os devidos efeitos legais.            9- Ademais, a verdade é que a dispensa do remanescente visa salvaguardar a relação de proporcionalidade que deve, imprescindivelmente, existir, ponderado entre o valor da taxa de justiça cobrada às partes e a actividade jurisdicional efectivamente prestada pelo Tribunal ao longo da causa.
10- Desde já se vislumbra que tal juízo de proporcionalidade não foi respeitado no caso sub judice e que, como tal, impõe-se a revogação e substituição da decisão ora recorrida, sob pena de violação do princípio da proibição do excesso.
11- Conforme já suscitado nos presentes Autos, apenas depois de elaborada a Conta Final, é que o Tribunal, bem como as partes, ficam a conhecer o valor concreto da Taxa de Justiça que, eventualmente, seria devida e, apenas nessa ocasião, é que se encontrariam em condições para analisar e ponderar, devidamente, com certeza e segurança jurídicas, se o valor da Taxa de Justiça se afigurava adequado e proporcional, ou excessivo e disforme com o circunstancialismo do Processo em si.
12- Tal como resulta do já indicado artigo 6.º/7 do Regulamento das Custas Processuais, compete ao Tribunal, oficiosamente, dispensar as partes do pagamento do remanescente da Taxa de Justiça, quando a "especificidade da situação o justificar".
13- Nesta conformidade e com o intuito de obstar a desproporções excessivas entre as Custas do Processo e o serviço de Justiça prestado, nos termos do já referido artigo 6.º/7 do Regulamento das Custas Processuais, sempre se dirá, salvo melhor opinião, que até poderia suscitar-se uma questão de inconstitucionalidade, a interpretação daquele preceito legal, segundo a qual se entenda que o Tribunal não só não tem o dever, como não pode apreciar a (des)proporcionalidade entre o valor da Taxa de Justiça e a tutela jurisdicional efectivamente prestada nos Autos, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas,
14- Sendo certo que tal inconstitucionalidade decorre, desde logo, da clara violação, conforme supra aludido, dos princípios da proporcionalidade e do acesso à justiça, desde logo em conformidade com os artigos 2.°, 13.°, 18.°/2 e 20.° da Constituição da República Portuguesa, questão, esta, que se suscita para todos os efeitos legais.
15- Decorre, desde logo, do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, sob o n.º227/2007, datado de 28.03.2007, que a Taxa de Justiça corresponde, na realidade, a uma taxa e não a um imposto, pelo que, na sua origem, está a prestação do serviço de administração da Justiça, razão pela qual sempre deverá existir um nexo sinalagmático, ponderado entre o serviço desenvolvido e a taxa de justiça devida.
16- Aliás, este mesmo Acórdão julgou inconstitucional, por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa – conjugado com o princípio da proporcionalidade, a interpretação segundo a qual, o valor da Taxa de Justiça é definido em função do valor da acção, sem qualquer tecto máximo e na medida em que não é possível, ao Tribunal, limitar o valor da Taxa de Justiça devida na causa em apreço.
17- Aliás, urge salientar que este mesmo Tribunal Constitucional tem afirmado que as normas definidoras dos critérios de cálculo das Taxas de Justiça encontram-se sujeitas a um controlo de constitucionalidade no que respeita à sua aferição à luz das regras de proporcionalidade, decorrentes do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, no que contende com a sua apreciação à luz da tutela jurisdicional efectiva a que alude o artigo 20.º da referida Constituição, sob pena de inconstitucionalidade material.
18- Neste mesmo sentido e para os devidos efeitos legais, atente-se, ainda ao douto Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, n.º 471/2007, datado de 25.09.2007, para os termos do qual expressamente relega a aqui Recorrente, para os devidos e legais efeitos.
19- Por conseguinte, impõe-se à aqui Recorrente arguir que o douto Tribunal de 1.ª Instância interpretou incorrectamente e, por conseguinte, aplicou erradamente – incorrendo, com o devido respeito, numa inconstitucionalmente – os artigos 6.°/7, in fine e 31.°/1 a 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais, ao julgar extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente da Taxa de Justiça apresentado pela ora Recorrente.
20- O remanescente da taxa de justiça em causa, fixada em €62.587,20 (…), é manifestamente excessiva e desproporcional, considerando o teor dos presentes Autos e o uso dado aos mesmos pelas aqui partes que, não obstante os Recursos interpostos, não deram azo a incidentes anómalos, nem praticaram actos fora de prazo, conforme já referido nos presentes Autos.
21- Não pode a aqui Recorrente conformar-se com a alusão enunciada pelo douto Tribunal a quo, que, a fim de tentar justificar o montante reclamado a título de remanescente de Taxa de Justiça, invoca que foram carreados para os Autos vários documentos, comportando, assim, o Processo, vários volumes e, bem assim, que foram ouvidas várias Testemunhas e realizadas sete sessões de julgamento, como se tal bastasse para justificar os elevados montantes reclamados a título de Custas.
22- Não nos enganemos: apesar de tudo, a defesa de todos os Réus foi coincidente, não existindo quatro versões diferentes dos factos, pelos Réus, contra uma versão distinta, dos Autores, antes pelo contrário: a versão dos Réus e a versão dos Autores.
23- É, pois, evidente que a defesa de qualquer dos Réus assentou nos mesmos pressupostos – por serem, tais pressupostos, os que correspondem à realidade, conforme assim resultou reafirmado pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça –,
24- Pelo que a complexidade de julgamento da presente causa, não pode ser de tal ordem que justifique o para pagamento do remanescente da taxa de justiça, no montante de €62.587,20 (…), o que não se pode deixar de alegar para os devidos efeitos legais.
25- Dúvidas não existem de que se encontram preenchidos os requisitos de que depende a dispensa do remanescente da Taxa de Justiça imputada à aqui Recorrente, nos termos do disposto no artigo 6.º/7 do Regulamento das Custas Processuais, devendo a mesma ser dispensada do respectivo pagamento, sob pena de violação da Constituição da República Portuguesa, concretamente, dos princípios da proporcionalidade e do acesso à tutela jurisdicional efectiva, em razão da já apontada desproporcionalidade entre a Taxa de Justiça global e a actividade desenvolvida nos presentes Autos.
26- É que, a acrescer a tudo o que supra vai exposto, impõe-se à Recorrente esclarecer que esta é parte vencedora na presente causa, sendo certo que a mesma apenas viu-se envolvida nos presentes Autos, atenta a litigância dos Autores, pois, efectivamente, veio a verificar-se que a aqui Ré, aqui Recorrente, deveria ser absolvida desta causa – como, efectivamente, assim o foi –,
27- Razão pela qual não se alcança como possa a mesma vir, ora, a ser notificada para liquidar tal avultado montante, a título de remanescente de uma Taxa de Justiça que, quando muito, deve ser imputada aos Autores, que originaram os presentes Autos e que são parte vencida, o que é evidente à saciedade, mas não pode deixar de ser salientado, para os devidos efeitos legais.
28- Mas, maior surpresa, causa a (im)pertinência, temporal, de tal notificação. É que, aos 20 dias de Fevereiro de 2018, foi a ora Recorrente notificada do douto Acórdão proferido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça que a absolveu dos Autos e tal Acórdão não foi objecto de Recurso, tendo, pois, transitado em julgado no prazo legal de trinta dias a contar da sua notificação às partes.
29- Ora, quer isto significar que, mesmo antes de Abril de 2018, já a decisão que pôs termo à causa, havia transitado em julgado, sendo que, o artigo 14.º/9 do Regulamento das Custas Processuais prevê expressamente que, “nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º [isto é, quando o remanescente da taxa de justiça é considerado na Conta Final] e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo [negrito nosso].
30- No entanto, no Processo em apreço, apenas no passado dia 26 de Setembro é que a ora Recorrente foi notificada para o pagamento do remanescente da Taxa de Justiça, ou seja, mais de sete meses depois de proferida a referida Decisão Final que pôs termo ao Processo em apreço, razão pela qual facilmente se afirma que não é possível vislumbrar-se qualquer oportunidade de pagamento de tal montante, uma vez que o mesmo deveria ter sido notificado à ora Recorrente “no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo”, o que não sucedeu.           
31- Aliás, nos presentes Autos, foram já apresentadas, a 8 de Março de 2018 e entretanto liquidadas, as Custas de Parte devidas pelos Autores, enquanto parte vencida e jamais existiu um Despacho Judicial que ordenasse o pagamento do montante de €62.587,20 (…), ora em apreço!
32- Deste modo, considerando tudo o que supra vai exposto, dúvidas não existem, pois, de que deve ser julgada sem efeito a notificação à Recorrente, para pagamento do remanescente da Taxa de Justiça, fixada no montante de €62.587,20 (…), porquanto a mesma, além de extemporânea, é inconstitucional, devendo tal Despacho ser revogado e substituído por outro que se decida pela dispensa, da aqui Recorrente, de pagamento de qualquer remanescente de Taxa de Justiça (…)”
Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir, essencialmente idênticas em ambos os recursos, como resulta aliás do petitório apresentado a final em cada recurso, são:
- saber se o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 7º nº 6 do Regulamento das Custas Processuais, pode ser apresentado sob a forma de reclamação da conta, após a notificação a que alude o nº 7 do mesmo preceito e se esta notificação não esgota o poder jurisdicional relativamente à dispensa do remanescente sob pena de inconstitucionalidade da interpretação contrária;
- saber se o remanescente da taxa de justiça é desproporcionado e se devia por isso ter sido dispensado o seu pagamento.
III. Matéria de facto
A constante do relatório supra, e ainda que o valor da acção foi fixado em €2.809.045,12 e que os Réus, ora recorrentes, foram notificados para pagar o remanescente da taxa de justiça conforme notificação Citius certificada em 28.9.2018 e em 26.9.2018, sendo tal remanescente no valor de €31.293,60 quanto ao Réu A (…) e de €62.587,20 quanto à Ré B (…).
IV. Apreciação
Sendo as questões do recurso essencialmente a de saber se os pedidos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foram extemporâneos e se devia ter sido dispensado o pagamento do remanescente porque desproporcionado ao trabalho efectivamente realizado no processo, a primeira questão assume prioridade lógica sobre a segunda, em tanto que se se confirmar a extemporaneidade, ficará prejudicado o conhecimento da afirmada desproporção.
As questões objecto do recurso já foram objecto de muitas decisões judiciais e a unanimidade ainda não foi conseguida. Aliás, no presente colectivo, a Exmª Primeira Adjunta já proferiu um acórdão – de 22.2.2018, que se encontra publicado no site da dgsi – que obteve voto de vencido do aqui Exmº Segundo Adjunto.
Como resulta do relatório supra, definitivamente decididas as questões dos autos, por via do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, vieram os Réus, ora recorrentes, apresentar requerimentos que intitularam reclamação da conta, “apontando a ausência de notificação em tempo próprio da notificação prevista no art.º 14º/9º do RCP, omissão essa em que se estribam para só agora se insurgirem quanto ao pagamento do remanescente da taxa de justiça incluído na conta final e, dessa forma, verem-se desresponsabilizados do pagamento dessa quantia”, ou seja, vieram, sob a forma de reclamação da conta subsequentemente à notificação dela, pedir a dispensa do remanescente da taxa de justiça, o que o tribunal recorrido negou, por entender que tal pedido não só estava deduzido por forma processualmente inadequada como por ser extemporâneo. Como resulta das citações feitas na decisão recorrida, a extemporaneidade resulta, na perspectiva do tribunal recorrido, da sua competência funcional para efeitos do artigo 6º nº 7 do RCP se circunscrever à acção (e já não ao recurso), e de a dispensa não poder ser decidida depois de prolatada a sentença.
Os recorrentes alinham, com ligeiras diferenças de redacção nos dois recursos mas não de fundamentação, que o pedido de dispensa não pode subsumir-se ao caso julgado da sentença ou acórdão pois estes se limitam a fixar em termos definitivos a repartição da responsabilidade de custas mas não o concreto montante delas, o que só é feito pela conta, e por isso só após a notificação da conta estão em condições de ponderar a proporcionalidade que é fundamento da dispensa de pagamento do remanescente, e em função dessa ponderação, assim pedirem ou não a dispensa. Por isso, a reclamação da conta é o meio processualmente adequado para o fazerem, como decidiu o Ac. RP de 7.11.2013. Competindo aliás ao tribunal o poder dever de oficiosamente dispensar o pagamento do remanescente, também só depois da elaboração da conta o tribunal pode ponderar a especificidade da situação em termos de apurar a violação do princípio da proporcionalidade. O poder jurisdicional do tribunal em matéria de custas não se esgota com a notificação da conta, pois cabe-lhe evidentemente apreciar requerimentos de reforma da conta de custas e de reclamação da conta de custas. Interpretação diversa, assumida pelo tribunal recorrido, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e do acesso à justiça.
Portanto, a primeira questão é saber até quando e de que modo, pode ser pedida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas acções de valor superior a €275.000,00 e se o entendimento do tribunal recorrido se apresenta como uma interpretação inconstitucional.
Antes de entrarmos na discussão, abordemos o argumento que a recorrente também alinha em seu favor e a favor da tempestividade do pedido que fez, a saber, que não foi notificada tempestivamente conforme legalmente imposto pelo artigo 14º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, que determina que “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo”.
Então, sustenta a recorrente, não só a notificação foi extemporânea e por isso não é devida, como, tendo saído vencedora, tendo sido arrastada para a lide, tendo tido a necessidade de se defender, quando afinal tinha razão, por não ter sido tempestivamente notificada, acabou por não poder repercutir este remanescente na nota de custas de parte que já apresentara, ficando assim, apesar de vencedora, onerada com o remanescente da taxa de justiça.
A questão da extemporaneidade da notificação não se autonomiza da questão da extemporaneidade do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, porque em si mesma e nos termos processuais legais, se não encontra norma que comine com algum efeito processual o atraso do tribunal a proceder a uma notificação. Por isso, a questão da extemporaneidade está ligada em rigor com o argumento de que só depois de elaborada a conta é que as partes têm os conhecimentos necessários para ponderarem se existe desproporção na conta que lhes é apresentada, e em conformidade com isso, se só depois dessa notificação é que têm a oportunidade para pedir a dispensa. Mas sobre isto falaremos na altura própria.
O outro aspecto, do “impedimento da parte vencedora fazer repercutir sobre a parte vencida o remanescente”, tanto que só existe previsão de repercussão de quantias pagas e não de quantias eventualmente a pagar, não é porém decisivo.
Com efeito, alinhamos neste particular, e pela sensatez demonstrada, pela tese do Acórdão da Relação de Évora de 17.1.2019, que passamos a citar:
“Dispõe o n.º 1 do art.º 25.º do RCP (Regulamento das Custas Processuais), introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que “Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa.”(só com a alteração do DL n.º 86/2018 de 29.10, é que o prazo foi alterado para 10 dias).
No seu n.º 2: “Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos:
a) Indicação da parte, do processo e do mandatário ou agente de execução;
b) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça;
c) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução;
d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º;
e) Indicação do valor a receber, nos termos do presente Regulamento.»
E, nos termos do art.º 31.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, que entrou em vigor em 20.04.2009:
Procedimento das partes
1 - As partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazos previstos no artigo 25.º do RCP.
E no art.º 33.º
Reclamação da nota justificativa
1 - A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes.
2 - A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.
3 - Da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC.
4 - Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º do RCP.
Facilmente se percebe que os referidos preceitos não prevêem expressamente a situação em que, ocorrendo o pagamento da taxa de justiça em momento posterior ao trânsito em julgado da sentença, por causa não imputável à parte, esta queira apresentar nota justificativa das custas de parte, como é o caso dos autos.
Com efeito, a Ré apresentou dentro do prazo de cinco dias a contar do trânsito em julgado da sentença a nota justificativa de custas de parte, tendo em conta as taxas de justiça já pagas.
Mas, posteriormente ao trânsito em julgado da sentença recorrida, foi notificada para pagar no prazo de 10 dias a quantia de € 8.058,00, a título de remanescente de taxas de justiça, o que a recorrente fez e, no prazo de cinco dias a contar do pagamento, apresentou a competente nota de custas de parte complementar reflectindo as taxas de justiça entretanto pagas.
Ou seja, na situação em causa, por razões que lhe são alheias, tal prazo não pôde ser respeitado, já que só na sequência da liquidação, pela Ré, do montante que lhe foi exigido a título de remanescente das taxas de justiça devida, feita em tempo, a 24 de maio de 2018, se justificava tal reclamação de custas de parte. Não podia apresentar nota de custas de parte relativamente às taxas de justiça que ainda não tinha pago.
Quid juris?
No nosso entendimento, deve ser admitida a apresentação desta nota de custas de parte.
Caso contrário, estaríamos a impedir que a parte vencedora fosse ressarcida da taxa de justiça que posterior e obrigatoriamente viesse a pagar e que, obviamente, não podia ter reclamado na nota de custas de parte primitiva, por ainda a não ter pago.
Assim sendo, deve considerar-se que o prazo a que alude o n.º 1 se aplica à al. b) do n.º 2 e se conte após o “pagamento efetivo” da taxa de justiça e, por isso, está em prazo a reclamação efectuada, concordando portanto com o segundo despacho proferido.
Com efeito, se devem constar dessa nota justificativa, entre outros elementos, as “quantias efectivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça”, então só é possível apresentar a nota das quantias efectivamente pagas após esse pagamento, sob pena de a parte vencedora que tiver que fazer o pagamento a prestações nunca ter direito a reaver essas quantias, pois o prazo de cinco dias estará sempre ultrapassado.
Ou seja, como refere o Acórdão da Relação do Porto de 14.06.2017, proferido no processo n.º 462/06.2TBLSD-C.P1 (disponível em www.dgsi.pt), “[n]ão podendo a Recorrente exigir o pagamento das custas de parte, quanto a quantias que não tenham sido efectivamente pagas a título de taxa de justiça, já se vê que a mesma não pode estar impedida de as reclamar, após a realização do seu pagamento. (…) Assim, ocorrendo o pagamento da taxa de justiça em momento posterior ao trânsito em julgado da sentença, por causa não imputável à parte, deve ser admitida a apresentação da nota justificativa das custas de parte, que reclame o pagamento de tal despesa, nos cinco dias posteriores ao seu pagamento - também neste sentido, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/05/2015, no proc. n.º 2417/13.1T3SNT-A.L1-5 e Ac. RG de 13-03-2014, proc. n.º 52/12.0TBAVV-B.G1, in. www.dgsi.pt, podendo ler-se neste último o seguinte que subscrevemos integralmente:
“(…) interpretar o art.º 25.º do RCP no sentido de que na nota discriminativa das custas de parte, a apresentar no prazo de 5 dias contados do trânsito da decisão final, deve ser incluída a taxa de justiça remanescente, ainda não paga, contraria expressamente a letra desse artigo (“efectivamente pagas pela parte”) e levaria à rejeição da referida nota.
Não permitir que ela possa ser validamente apresentada após a notificação a efectuar pela secretaria, primeiro momento em que do seu montante se tomou conhecimento e em que é exigido o seu pagamento, equivale a negar o direito ao seu reembolso e contrariar o sentenciado quanto à responsabilidade pelas custas.
(…)
Em suma:
Se se exige à parte o pagamento do remanescente da respectiva taxa de justiça, tem que se considerar tempestiva a apresentação da nota de custas de parte respeitante ao remanescente pago, com vista ao seu reembolso pela parte responsável pelas custas, contando-se o prazo para a sua apresentação da data do próprio pagamento.
Temos consciência que alguma jurisprudência defende que a contagem do prazo deve ter início na data da notificação para o seu pagamento do remanescente da respectiva taxa de justiça, mas entendemos que faz mais sentido que o início do prazo seja a data do próprio pagamento, uma vez que só assim razão de ser a expressão do n.º 2, al. h) do art.º 25.º do RCP (Regulamento das Custas Processuais): “[i]ndicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução;
Neste sentido Ac. RE de 08-11-2018, proc. nº 18/13.3TBVNO.E1, disponível em www.dgsi.pt (A parte vencedora dispõe de cinco dias a contar da respectiva data limite de pagamento para apresentar aditamento à nota justificativa a que alude o art.º 25º do R.C.P. nos casos em que tenha pago remanescente de taxa de justiça, de acordo com o disposto no nº7 do art.º6º, posteriormente ao momento temporal fixado naquele normativo)” (fim de citação).
Vejamos então a questão da extemporaneidade dos pedidos de dispensa do remanescente da taxa de justiça apresentados pelos recorrentes.
A jurisprudência maioritária vem-se inclinando no sentido da extemporaneidade.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3.10.2017, a questão – incluídas as inconstitucionalidades que também aqui vêm arguidas – foi densamente apreciada, e citamos:
“Estabelece o art.º 6º, nº 7 do RCP, que “nas causas de valor superior a € 275 000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
A interpretação desta norma, no que tange especificamente ao momento até ao qual (termo final) a dispensa pode ser decidida (e requerida), não tem sido pacífica na jurisprudência das Relações. Assim, e para citar apenas dois exemplos, decidiu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Outubro de 2015 (processo nº 6431/09.3TVLSB-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt) que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça terá que ser formulada pela parte (caso o não tivesse feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas, pois que é isso que decorre da dita norma. Já para o acórdão da mesma Relação de Lisboa de 3 de Dezembro de 2013 (processo nº 1586/08.7TCLRS-L2-7, disponível também em www.dgsi.pt), “o teor literal desta norma parece dar a ideia de que a decisão deve ser tomada antes da elaboração da conta. Mas, salvo melhor opinião, não se veem razões para que assim seja. Na verdade, entendemos que o juiz melhor poderá decidir após a elaboração da conta, pois fica então a conhecer o valor exacto dos montantes em causa. (…). Esta decisão pode ser tomada mesmo oficiosamente pelo juiz da causa”. Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça cite-se o supra citado acórdão de 13 de Julho de 2017, que vai no sentido de que o pedido de dispensa de pagamento do remanescente não pode ser apresentado e deferido após a efetivação da conta de custas.
Ora, o teor literal do nº 7 do art. 6º do RCP aponta claramente para a bondade da interpretação que se orienta no sentido de que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem que ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas. E como nos ensina Oliveira Ascensão (O Direito. Introdução e Teoria Geral, p. 350), aliás em concordância com o que dispõe o nº 2 do art. 9º do CCivil, “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”. E, de outro lado, diferente interpretação deste normativo levaria a sufragar a prática de atos (a feitura de uma conta final, a sua notificação e, eventualmente, até mesmo algum pagamento entretanto feito) que teriam depois que ser destruídos, logo estaríamos perante a prática de atos inúteis, quando o que é certo é que a lei os proíbe (v. art. 130º do CPCivil). Mais: outra interpretação levaria ao absurdo da dispensa do pagamento poder ser equacionada sem qualquer limitação temporal (não se argumente com o prazo para reclamar da conta, pois que não é disso que se trata, além de que o exercício da oficiosidade que existe nesta matéria sempre independeria de qualquer prazo), inclusivamente quando estivesse já a correr execução para pagamento da taxa de justiça a dispensar.
É certo, entretanto, que a aferição judicial da justeza do montante da taxa de justiça remanescente relativamente à “especificidade da situação” não está submetida ao princípio da instância (não tem que ser requerida pela parte, que assim não tem qualquer ónus atinente e, deste modo, não está sujeita a ver precludida a possibilidade da prática de um ato processual que lhe competisse praticar), constituindo antes, aliás ainda em decorrência de exigências constitucionais que o RCP claramente visou acautelar, um verdadeiro poder-dever do juiz (princípio da oficialidade). Porém, o exercício de um poder-dever não significa um exercício que independa do enquadramento processual atinentemente estabelecido na lei. E a lei dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, estando apenas impedida (constitucionalmente) de estabelecer uma disciplina funcionalmente desadequada aos fins do processo ou desproporcionada por via de obstáculos que dificultem ou prejudiquem de forma arbitrária o acesso à justiça. Tudo isto para significar que não é pela circunstância de estarmos aqui a lidar com um poder-dever, que o juiz está autorizado a determinar (mediante atuação oficiosa ou elicitado por requerimento da parte interessada) a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente para além do momento da feitura da conta, quando afinal a lei (nº 7 do art. 6º do RCP) mostra pretender que o exercício de tal poder-dever tenha lugar antes dessa conta. E ao juiz compete observar a lei (art. 3º, nº 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais) e não violá-la.
De outro lado, convém desmistificar o argumento, a que se apega a Recorrente, de que somente depois da notificação da conta de custas é que pôde ter ciência de qual o remanescente a pagar e, consequentemente, somente a partir de então ficou em condições de requerer a dispensa desse pagamento. É que o montante devido a título de taxa de justiça remanescente está diretamente previsto na lei (art. 6º do RCP e Tabela I), resolvendo-se assim a sua determinação numa operação de caráter essencialmente jurídico. Donde, tratava-se de uma operação que estava à partida ao alcance imediato do juiz (para exercer o seu poder-dever de dispensa, se entendesse que a dispensa se justificava) e da Autora (para requerer o que tivesse por conveniente quanto á dispensa). É verdade que tal operação exige a feitura de umas contas elementares, mas não é por aqui que deixa de constituir uma operação essencialmente jurídica. De resto, também a determinação das taxas de justiça que a Autora pagou ao longo do processo exigiam a feitura de contas, e nem por isso esta deixou de as fazer, liquidando e pagando assim o que lhe competia liquidar e pagar. Deste modo, se a Autora entendia que devia haver lugar a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, então estava em plenas condições de requerer antes da conta final aquilo que somente depois da conta veio requerer. Da mesma forma que o juiz do processo estava em condições de saber qual era o montante da taxa remanescente, e se nada decidiu em contrário então só podemos concluir que foi porque entendeu que não se justificava a dispensa ou redução do pagamento.
Improcedem pois as conclusões em destaque (nomeadamente as conclusões XXXIV, XXXV e XXXVIII a XLV) na parte em que se reportam à admissibilidade processual de requerer e decidir sobre a dispensa do pagamento da taxa de justiça restante em momento posterior ao da conta final. (…).
Invoca a Recorrente (conclusões LI e seguintes), porém, várias inconstitucionalidades apontadas às diversas normas RCP que discrimina, quando interpretadas no sentido de conduzirem ao resultado sufragado pelo acórdão recorrido. Sustenta, nomeadamente, que, nessa interpretação, o nº 7 do art. 6º do RCP sempre deveria ter sido desaplicado.
Mas, a nosso ver, carece de razão.
Não suscita, por certo, dúvidas a ninguém que a Constituição da República Portuguesa não consagra um direito de acesso aos tribunais gratuito (ou sequer tendencialmente gratuito), sendo constitucionalmente admissível o estabelecimento de uma contrapartida pela prestação dos serviços de administração de justiça, gozando o legislador, inclusivamente, de ampla liberdade na fixação do montante das custas (não tendo sequer de criar um sistema que garanta uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar por quem beneficia do serviço de justiça). Também é certo - e seguindo aqui Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, I, p. 183) - que a lei não pode adotar soluções de tal modo onerosas que, na prática, impeçam as pessoas de aceder à justiça, de sorte que as custas não devem ser incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio. Nesta medida, não é constitucionalmente admissível a adoção de soluções em matéria de custas que, designadamente nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo, inibam os interessados de aceder à justiça. O estabelecimento de um sistema de custas cujo montante aumentasse diretamente e sem limite na proporção do valor da ação poderia levar ao rompimento da proporcionalidade entre as custas cobradas e o serviço de administração de justiça prestado (deixando-se então de estar perante uma verdadeira taxa, para se passar para o domínio dos impostos) e consubstanciar a imposição de um sistema de custas excessivas, inaceitável em face do art. 20º da Constituição, por inibitório do recurso dos interessados aos tribunais. Dentro desta perspetiva, pode ler-se do acórdão nº 421/2013 do Tribunal Constitucional, de 15 de Julho de 2013, que “os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois (…) zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito”. Concordantemente com todo este enquadramento, e mostrando estar atento às supra aludidas exigências constitucionais, escreveu o legislador no preâmbulo do DL nº 34/2008 (que aprovou o Regulamento das Custas Processuais) que se impunha adequar “o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores”. As cautelas emergentes de toda esta problemática foram concretamente consignadas no nº 7 do art. 6º do RCP, que estabelece precisamente que “Nas causas de valor não superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
De outro lado, e passando a seguir de novo Jorge Miranda e Rui Medeiros (ob. cit., p. 184), podemos dizer que o controlo de constitucionalidade do critério legal de determinação das custas deve igualmente tomar em consideração o princípio da igualdade. Dizem a propósito estes autores que “Assim, e embora não exista uma imposição de as custas serem de montante igual independentemente da natureza do processo, elas não podem ser arbitrariamente mais altas em determinados tipos de processos (…). [N]ão se afigura conforme ao princípio da igualdade uma solução que se consubstancie num aumento das custas judiciais pelo qual o cidadão médio fique, no mesmo tipo de acções, colocado numa posição acentuadamente desigual em relação ao acesso aos tribunais por confronto com os cidadãos de mais forte poder económico”.
Isto posto e passando agora ao concreto:
Sustenta a Recorrente (conclusões LI, LII, LIII e LIX) que a interpretação normativa conjugada dos artigos 6.°, nºs 1, 2 e 7, 31.°, nºs 1 e 3, e Tabela I Anexa do RCP, 616°, n° 1, 149°, nº 1, 666°, nº 1, e 685° do CPC, segundo a qual o tribunal não tem o dever e nem sequer o poder de apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas , ou após o prazo o prazo para reforma da decisão do processo em matéria de custas, ou após a notificação da conta de custas, é inconstitucional por violadora do princípio da proporcionalidade, do direito de acesso à justiça e do direito de tutela jurisdicional efetiva (artigos 2°, 13°, 18°, n° 2, e 20°, nºs 1 e 2° da C.R.P.), do princípio da legalidade fiscal (artigo 103.°, nºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa), ao permitir a criação de um imposto não previsto na Lei, e do princípio da igualdade (artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa), visto que torna impossível uma plena consideração e ponderação das especificidades próprias de cada caso ou situação processual.
Mas, quanto a nós, não é assim.
E as razões desta nossa discordância já acima estão afloradas. Tudo começa com o pressuposto, que consideramos irrefutável, de que a Autora e o tribunal estavam em perfeitas condições de conhecer o montante da taxa de justiça devida antes do processo ser contado, e em função desse conhecimento podia a dispensa do pagamento da taxa remanescente ser requerida e sopesada. A seguir, temos o pressuposto de que a Constituição não tolhe ao legislador ordinário o uso de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, estando apenas impedido de estabelecer uma disciplina funcionalmente desadequada aos fins do processo ou desproporcionada por via de obstáculos que dificultem ou prejudiquem de forma arbitrária o acesso à justiça. No caso, a lei (nº 7 do art. 6º do RCP) deixa claramente aberta a possibilidade da taxa de justiça ser reconduzida ao dispêndio judiciário, garantindo assim a exclusão de uma intolerável desproporção entre uma coisa e outra. E aqui chegados, resta concluir da seguinte forma: desde que (como pressuposto) o juiz e as partes estão perfeitamente em condições de conhecer o montante da taxa de justiça antes do processo ser contado, segue-se que, ao pretender que aquela possibilidade só possa ter lugar até ao momento da conta final, a lei não está a estabelecer uma disciplina funcionalmente desadequada aos fins do processo nem a impor obstáculos deletérios ou arbitrários ao acesso à justiça. O que a lei está a fazer é simplesmente regular, com vista ao bom encadeamento do iter processual, sobre o tempo próprio para a prática do ato que partes e tribunal podem praticar sem quaisquer obstáculos.
Daqui que a interpretação do nº 7 do art. 6º do RCP (e demais normas que a Recorrente cita) no sentido de que qualquer requerimento ou qualquer decisão sobre a dispensa da taxa remanescente só poderem ter lugar até à contagem final do processo, não padece de inconstitucionalidade por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, do direito de acesso à justiça e do direito de tutela jurisdicional efetiva. Da mesma forma que (é apodítico em face do que fica exarado) não pode ver-se no caso qualquer violação do princípio da legalidade fiscal em função da criação de um imaginado imposto não previsto na lei, ou a violação do princípio da igualdade (de resto, o princípio da igualdade não tem sequer, no contexto em que nos movemos, o sentido que a Recorrente lhe empresta, mas sim, como acima se evidenciou na transcrição a que se procedeu, o de obrigar a que não exista uma diferenciação no montante das custas simplesmente em função da natureza do processo, e não é disto que aqui se trata).
Mais sustenta a Recorrente (conclusão LV) que é materialmente inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade, a interpretação dos artigos 6°, nºs 1, 2 e 7, 31°, nºs 1 e 3, e Tabela I anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, segundo a qual numa ação de condenação por incumprimento de um contrato-promessa, sem especial complexidade, o volume da taxa de justiça e, portanto, das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo, com o efeito de fazer ascender a conta de custas processuais a €105 985,25.
Também neste concreto particular se nos afigura que está carecida de razão.
Desde logo, importa observar que a Recorrente, ao vir agitar com o valor de €105.985,25, apresenta as coisas de forma visivelmente enviesada. É que o que releva para o caso é apenas a adequação (proporcionalidade) do montante da sua taxa de justiça (€42.381,00, de que foram previamente pagos €4.080,00, remanescendo €38.301,00) aos serviços de justiça que fez mobilizar em benefício da sua pessoa. Daqui que não pode a Recorrente trazer à discussão a taxa de justiça devida por serviços prestados à pessoa da Ré (desconhecendo-se, inclusivamente, se esta pagou efetivamente a respetiva taxa remanescente apurada na conta e se a reclamou depois da Autora). É certo que, em ultima análise, a Autora, como parte que ficou condenada nas custas totais, poderá ter que reembolsar a Ré (a título de custas de parte) pela taxa de justiça que esta tiver efetivamente pago, mas isto não tem a virtualidade de transformar esse reembolso numa taxa de justiça por serviços prestados à pessoa da Autora e por esta devida ao sistema de justiça. Pelo contrário, se a Autora tiver que arcar com os custos da taxa de justiça imputada à Ré, tal sucede simplesmente a título de compensação do que à mesma Ré compete pagar pelos serviços de justiça que lhe foram prestados a ela própria, não à Autora. De resto, e concordantemente com tudo isto, a Autora, no requerimento onde veio pedir a dispensa do pagamento da taxa remanescente, apenas pretendeu a dispensa do pagamento de €38.301,00 (a sua taxa de justiça remanescente), e não também a dispensa da taxa de justiça devida pela Ré (dentro deste enquadramento, vem a propósito dizer que carece de validade o que se mostra exarado no ponto 238 do corpo da alegação do recurso). E, como é óbvio, muito menos interessa ao caso o pagamento que a Autora tenha de fazer à Ré a outro qualquer título, nomeadamente a título de honorários de mandatário da Ré. Enfim, tudo isto para significar que a Autora, ao falar no referido montante de €105.985,25, está a colocar as coisas fora do estrito contexto em que devem ser equacionadas.
Desmistificado este ponto, importa afirmar que o que se disse acima a propósito da refutação das demais inconstitucionalidades invocadas pela Recorrente vale também para a presente acusação de inconstitucionalidade, de sorte que inexiste a apontada inconstitucionalidade material.
Isto só não deveria ser assim, se acaso estivéssemos perante uma situação de intolerável desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que é imputada à Autora. Efetivamente, não repugna aceitar que em casos-limite a parte possa requerer e o juiz possa oficiosamente dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente para além do momento da conta final. Estes casos-limite deverão, porém, corresponder a situações de gritante ou iníqua desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que o Estado arrecada. Em tais hipóteses, não é só em nome de um inaceitável comprometimento do acesso à justiça que a dispensa deve ser admitida, mas essencialmente em nome do princípio do Estado de direito democrático consagrado no art. 2º da Constituição, e a que está submetido funcionalmente o relacionamento impositivo do Estado no confronto dos cidadãos. Pois que, como significam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª ed., p. 206), o preceito do Estado de direito democrático também assegura a proteção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça, especialmente por parte do Estado. Podemos dizer que o preceito garante também a decência nas relações funcionais impositivas do Estado (neste caso o sistema de justiça) para com os cidadãos. Este será o último subsídio para o evitamento de graves injustiças.
Nesta perspetiva, julgamos que diz bem o acórdão recorrido quando observa que “decisão contrária à lei ordinária só se justificaria se (…) os valores cobrados (…) ultrapassassem flagrantemente padrões de proporcionalidade, em termos qualificáveis de iníquos, atingindo níveis que impusessem o afastamento do regime legal. Situações como algumas daquelas que demandaram do Tribunal Constitucional a sua intervenção corretora da legislação tributária-processual, antes da alteração do direito ordinário (…): cobrança de € 118 360,80 de taxa de justiça (sem considerar a devida pela parte vencedora), em ação, com o valor tributário de € 10 000 000,00, que terminara ainda antes de decorrido o prazo da contestação, com a homologação da desistência do pedido apresentada pelo autor (TC 421/2013, de 15.7.2013); cobrança de custas no valor total (sem consideração de custas da outra parte) de € 584 403,82, num procedimento cautelar com recurso para a Relação, com o valor tributário de € 51 742 000,00 (TC 227/2007, de 28.3.2007); cobrança de € 15 204,39 (sem consideração das custas das outras partes) de taxa de justiça pela mera interposição de recurso de decisão interlocutória por terceiro por ela afetado, em ação com o valor tributário de € 2 334 408,57”.
Este Supremo Tribunal de Justiça teve já oportunidade de abordar, no seu acórdão de 14 de Fevereiro de 2017 (proferido no processo n.º 1105/13.3T2SNT.L1.S1, relator Júlio Gomes, inédito)[1], a questão de que estamos a falar (dispensa do pagamento da taxa remanescente quando exista uma desproporção gritante entre a taxa e o serviço prestado). Na espécie sobre que incidiu o acórdão estava em causa uma taxa de justiça de €92.029,50 imputada ao autor por um processo que não passou praticamente da sua liminaridade: os atos praticados reconduziram-se apenas à junção de uma petição inicial tendente a uma declaração de insolvência, à citação do devedor (que não deduziu oposição), a um despacho logo a seguir a ordenar a suspensão da instância e a um outro despacho proferido pouco depois (cerca de um mês) a determinar a extinção da instância. Face a uma tão flagrante desproporção entre a taxa de justiça a pagar e o serviço de justiça realizado, o tribunal entendeu que, apesar de formulado depois da conta final do processo, não podia deixar de ser atendido o pedido de dispensa da taxa remanescente, Ponderou-se, a propósito, o seguinte (sublinhados nossos):
«[A]figura-se que a questão do prazo deve ser resolvida atendendo à função do Juiz e à intervenção que ao mesmo é exigida pelo n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Este preceito dispõe que “nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e se o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Como é sabido, o Tribunal Constitucional afirmou recentemente “a ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspectiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respectivo sujeito passivo”, afirmação esta que, aliás, constitui, em rigor, uma reafirmação do que já fora dito em Acórdãos anteriores. Em conformidade, muito embora o Tribunal Constitucional tenha reconhecido não existir propriamente uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, destacou também que é necessário que “a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe”. O Tribunal Constitucional sublinhou ser esta matéria, dos critérios do cálculo da taxa de justiça, uma “zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (arts. 2.º e 18.º n.º2 da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de tal direito”.
É a esta luz que deve interpretar-se o n.º 7 do artigo 6.º do RCP: o mesmo consagra uma intervenção oficiosa do Juiz para salvaguardar aquele equilíbrio ou mínimo de proporcionalidade a que o Tribunal Constitucional se refere, entre a taxa de justiça cobrada ao cidadão e o serviço que, através dos Tribunais, o Estado lhe proporciona. Esta intervenção não deve ser concebida como uma mera faculdade ou um poder discricionário. Do mesmo modo que, a outro nível, o Código do Processo Civil consagra hoje, no seu artigo 6.º, um dever de gestão processual para tentar conseguir “a justa composição do litígio em prazo razoável”, o Juiz deve aqui ponderar a complexidade da causa (ou falta dela) e a conduta processual das partes para garantir a adequação entre a taxa cobrada e o serviço prestado.
Existe, pois, um poder/dever de garantir a adequação das custas ao serviço prestado ao cidadão. (…). Não tendo o juiz operado tal correcção e face a uma desproporção tão nítida – aliás reconhecida tanto pelo Acórdão recorrido, como pelo próprio Ministério Público nas suas contra-alegações – deve entender-se, até porque assim melhor se executam as decisões do Tribunal Constitucional na matéria e melhor se salvaguardam os princípios e direitos constitucionais consagrados nos artigos 20.º e 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que o cidadão poderá, mesmo após a apresentação da conta de custas e em conformidade com o n.º 3 do artigo 31.º, reclamar da mesma conta, face a uma situação que pode revelar-se muito mais gravosa que, por exemplo, um erro de cálculo.
Deste modo, consegue-se realizar a justiça material, face a uma questão em que a contraparte não sofre qualquer prejuízo, sendo certo que, nas palavras do Tribunal Constitucional, “a manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado na acção, que registou uma tramitação muitíssimo reduzida, dela não decorrendo para o autor o benefício inerente ao elevado montante peticionado reclama, pois, (…) que se censure (…) o critério normativo que permitiu um tal resultado”.
Passando ao caso vertente, pergunta-se: existe alguma flagrante ou gritante desproporção entre a taxa de justiça imputada à Autora e os serviços de justiça que lhe foram dispensados, e que deva levar a um juízo como o que acaba de ser exposto?
Claro que não.
A Autora veio suscitar na sua petição inicial a resolução de um diferendo de significativa envergadura e importância, tal como manifestadas na expressão económica que o pedido representava (bem refletida, por sua vez, no valor que a própria Autora atribuiu à ação: €2.370.325,31). Os serviços de justiça foram mobilizados a favor da Autora durante mais de três anos, isto tanto no plano dos interesses discutidos na ação como no plano dos interesses discutidos na oposição que deduziu à reconvenção. Foram produzidos pela Autora articulados extensos (basta ver que só a petição inicial apresentava quase trezentos artigos). Tiveram que ser criados seis volumes processuais, que totalizavam mais de mil e quinhentas folhas. Foram realizadas quatro audiências (audiência preliminar e audiências de julgamento). Foram esgotados os recursos possíveis, tendo a Autora, inclusivamente, arguido a nulidade do acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça e requerido a sua reforma. As questões jurídicas submetidas pela Autora à apreciação do tribunal (incumprimento de um contrato-promessa e responsabilidade pré-contratual) ou subjacentes à sua oposição à reconvenção nada tinham de simples e de expeditas. Ao invés, apresentavam a sua complexidade (claro que não era uma complexidade transcendental - e se o fosse estaríamos aqui por certo a falar da taxa de justiça agravada a que se reportam os art.s 530º, º 7 do CPCivil e 6º, nº 5 do RCP - mas sempre era uma complexidade!) e exigiram - para uma adequada resolução judicial - proficiência técnica, aturado estudo e largo dispêndio de tempo. E percorrendo-se as diversas decisões tomadas, vemos que só mediante o cumprimento destes requisitos poderiam ter sido levadas a cabo tal como se mostram exaradas. E tanto essas questões jurídicas nada tinham de simples ou de expedito, que as respostas que as diversas instâncias decisórias (1ª instância, Relação e Supremo) deram às pretensões das partes foram todas elas diferentes. Mais: como se aponta no acórdão recorrido, a própria circunstância da Autora se ter sentido na necessidade de fazer juntar aos autos um parecer jurídico, desmente por completo a ideia, que a ora Recorrente sempre quis fazer passar, de que as questões jurídicas sob equação não apresentavam complexidade. Foram mobilizados sete juízes (um na 1ª instância, três na segunda instância e três no Supremo, sendo que neste último tribunal a mobilização foi até em regime de reverberação).
Tudo isto visto e ponderado, não encontramos - com toda a subjetividade que o tema em apreço sempre implica (mas repetindo-se que não tem de haver uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da taxa de justiça a prestar pela parte) - que a taxa de justiça imputada à Autora pelos serviços de justiça que lhe foram dispensados seja realmente desproporcionada a esses mesmos serviços. Mas mesmo que, porventura, se entenda que existe alguma desproporcionalidade, esta sempre estará muito longe de ser flagrante, gritante ou intolerável, de modo a justificar qualquer correção excecional em nome dos apontados princípios constitucionais”. (fim de citação)
No acórdão desta Relação de 22.2.2018, relatado pela aqui Exmª Senhora Desembargadora Primeira Adjunta e com voto de vencido do aqui Exmº Senhor Desembargador Segundo Adjunto, escreveu-se, e citamos:
“Alegam os recorrentes, sobre a mesma matéria, que o pedido de dispensa do remanescente da taxa pode ser formulado após a notificação da conta de custas, não existindo norma expressa na lei, no sentido da preclusão do direito de requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa, existindo uma fase especial (reclamação da conta) para esta apreciação e sendo só com a sua elaboração e notificação à parte que esta tem conhecimento do montante a pagar.
Decidindo
a)-
Da admissibilidade e tempestividade do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça devida, após a elaboração da conta de custas, em sede de reclamação da conta.
Dispõe o artº 6 do RCP (Lei 7/2012, actual Lei n.º 42/2016, de 28/12), no seu nº 1 que “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento. “, mais acrescentando no seu nº 7 que “Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
Do disposto neste preceito legal, decorre que a regra nas acções superiores a € 275.000,00 é a do pagamento do remanescente da taxa com a notificação da conta final, sendo que, de acordo com a tabela I-A, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada (euro) 25 000 ou fracção, 3 UC.
Sendo esta a regra só assim não acontecerá se o juiz, oficiosamente ou a requerimento das partes ou do M.P., de forma fundamentada, dispensar total ou parcialmente o pagamento do remanescente desta taxa, em despacho a proferir aquando da elaboração da decisão final e da fixação da responsabilidade das partes no que se reporta a custas, conforme decorre do disposto no artº 527 nº1 do C.P.C. (anterior artº 446 do C.P.C., na redacção anterior à lei 41/2013).
Nos termos deste preceito legal, a “decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.” sendo que, nos termos do disposto no artº 529 do C.P.C., as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (anterior artº 447 do C.P.C. revogado).
Por outro lado, notificado da decisão e do despacho quanto a custas, caso o juiz não dispense o remanescente (omitindo despacho nesse sentido ou não) pode a parte requerer a sua reforma quanto a custas, autonomamente ou em recurso a interpor da decisão, nos termos do disposto no artº616 nº1 e 3 do C.P.C.
Decorre assim destes preceitos legais que, caso na decisão final, ao fixar a responsabilidade pelas custas e a tabela aplicável, o juiz não profira despacho a dispensar o remanescente, será este considerado na conta final de custas.
Assim sendo, elaborada a conta e sendo a parte notificada para pagar a taxa remanescente, pode esta, em sede de reclamação da conta vir peticionar a dispensa do remanescente, conforme alegam os recorrentes?
Esta questão tem sido debatida na nossa jurisprudência, ora se defendendo que a reclamação da conta de custas não é o meio processualmente adequado à dedução da pretensão de dispensa da taxa de justiça remanescente ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 6.º do RCP, existindo « (…) razões preponderantes para que a decisão sobre a dispensa do remanescente da taxa de justiça deva ser tomada antes da elaboração da conta, nomeadamente o princípio da economia e utilidade dos actos processuais, que tem afloramento no art.º 130º do CPC, nos termos do qual “não é lícito realizar no processo actos inúteis» [1], ora se entendendo que a dispensa prevista no n.º 7 do art.º 6.º do RCP deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma dessa decisão, podendo ainda ser feito na sequência de reclamação da conta final, por ser afinal esta que revela o excesso, que na maior parte das vezes só então ficará patente para as partes do processo.» [2], ora se defendendo que, não sendo, em princípio, admissível o requerimento de dispensa após a elaboração da conta, pode equacionar-se a inconstitucionalidade da aplicação da taxa em casos de manifesta simplicidade da causa.[3]
Desde já se refere que defendemos a primeira posição.
Referia Alberto dos Reis (cfr. CPC anotado, Vol. V, págs. 126 e 127), a propósito do princípio da extinção do poder jurisdicional, que o mesmo encontra a sua razão de ser na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional, estando, por isso, vedado ao juiz alterar o decidido, salvo no caso de rectificação ou correcção de erros materiais (no caso de não haver recurso, a todo o tempo, cfr. art. 614º, n.º 3 do CPC) ou da reforma da sentença, nos precisos termos em que a mesma é admitida por lei, cfr. art. 616º do CPC.
Fora destes casos, pode ainda a parte recorrer nos termos gerais, (art. 616º, n.º 3 do CPC) e não o fazendo, tal decisão quanto a custas fica imutável, não podendo mais ser alterada, quer por vontade das partes ou a pedido do Ministério Público, quer ex officio pelo próprio juiz (arts. 619º e segs. do CPC).
Com efeito, transitada a decisão que põe termo ao processo, segue-se, em regra, a fase de elaboração da conta, a qual nos temos do artº 30 nº 1 do RCP “é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos.” (negrito nosso)
Este acto de contagem, é um acto material, sem conteúdo decisório, nos termos e limites definidos e impostos por lei, quando a mesma estabeleça em concreto o valor da taxa a aplicar, ou resultando esses limites da lei e da decisão jurisdicional, quando a lei, como no caso do disposto no art. 6º, n.º 7 do RCP, permite ao juiz a fixação de uma taxa variável como forma de dar cumprimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Elaborada a conta e notificada esta, nos termos do disposto no artº 31 nº1 do RCP, podem as partes no prazo de 10 dias, pedir a sua reforma, ou reclamarem da mesma.
A reclamação ou reforma da conta, tem por base erros na sua elaboração, quer de cálculo dos valores das taxas e multas devidas, quer de indicação dos responsáveis pelo seu pagamento, por referência ao disposto no artº 30 nº 3 do RCP.
Assim, no caso de não ter sido dispensada a taxa de justiça devida, notificadas as partes para pagamento, a reclamação destas partes apenas pode ter lugar no caso de erro de cálculo ou na determinação da pessoa dos responsáveis, mas já não pode incidir sobre a sua não dispensa, pois que não constitui este um erro do contador a ser dirimido pelo juiz.
Denote-se que a tramitação desta reclamação, prevista no artº 31 nº 4 do RCP, não comporta a pronúncia do juiz, que neste caso é constitutiva, de dispensa de uma taxa que a lei prevê e que, por não dispensada, foi e bem, levada à conta.
Sobre esta matéria nem o contador nem o Ministério Público têm de se pronunciar.
Diga-se que igualmente não colhe o argumento de que “Só quando as partes são notificadas da conta de custas é que sabem, efectivamente, o valor de custas que lhes é atribuído pelo Tribunal” (conclusão 12ª das alegações da A.).
Este valor é logo fixado e determinado com a fixação do valor da causa e com a decisão transitada em julgado que determinou a responsabilidade pelas custas. No demais, a taxa devida também não é atribuída ou decidida na conta, consta de tabela anexa ao RCP e é de simples cálculo aritmético (nos termos da Tabela Anexa, por cada fracção de €25.000 acima dos € 275.000, são devidos 3 U.Cs.)
A parte sabe pois com meridiana clareza e certeza que, não sendo dispensado o remanescente da taxa e fixado o valor da acção em valor superior a € 275.000, terá de pagar o remanescente da taxa de justiça (quer ganhe quer perca a acção, conforme decorre do artº 14 nº 9 do RCP), de acordo com esta tabela, sendo que a questão da recuperação a título de custas de parte, não interfere com esta realidade e é-lhe lateral.
Como refere a nível doutrinário, Salvador da Costa (In “Regulamento das Custas Processuais”, anotado, 2013, 5ª edição, a págs. 201 e a págs. 354 e 355.), «O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas»; mais referindo que «Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados.”
É esta a opinião mais conforme com os princípios legais acima enunciados, sendo certo que as partes, desde o momento de prolação da sentença até elaboração da conta sabiam ou deveriam saber que era devido o remanescente da taxa por força do disposto nestes preceitos legais e por aplicação da tabela anexa ao RCP.
Se por incúria ou desconhecimento, omitiram o requerimento que agora formulam, sibi imputet.
Não podem é pretender, após a elaboração da conta final do processo, retroceder à fase de determinação de custas, com dispensa de pagamento do remanescente devido.
É este também o entendimento maioritário na jurisdição administrativa e no contencioso tributário.
Conforme referido no Ac. do STA (pleno da secção do Contencioso Tributário de 03/05/17, proc. nº 0472/16 , “Tal posição é, salvo o devido respeito por contrária opinião, a que melhor se harmoniza com o quadro legal aplicável e para a qual o texto da norma (ponto de partida da actividade interpretativa) mais fortemente aponta, já que, como bem se deixou explicitado naquele primeiro acórdão desta Secção, a decisão sobre o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça “deve ter lugar na decisão que julgue a acção, incidente ou recurso, e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do art. 527º, nº 1 do CPC”, apenas podendo “ocorrer posteriormente, nos casos em que seja requerida a reforma quanto a custas ou nos casos em que tenha havido recurso da decisão que condene em custas, (...) mas sempre antes da elaboração da conta”, até porque a reclamação da conta constitui, tão só, e como o próprio nome indica, uma reacção contra um erro de contagem, com vista a que esta seja alterada em conformidade com a lei, não constituindo meio processualmente adequado para a formulação do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida ou para a obtenção desse benefício.
Tem assim de se considerar como manifestamente extemporâneo o requerimento formulado pelas partes, após a notificação da conta, para dispensa de pagamento da taxa, como o considerou o tribunal recorrido”. (fim de citação)[3].
Já posteriormente a estes acórdãos e no mesmo sentido se anota o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.05.2018, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.07.2018, neste lendo-se no respectivo sumário:
“I. Numa ação de valor superior a € 275.000, se o juiz, na decisão final, nada disser quanto à dispensa do remanescente da taxa de justiça, as partes, caso entendam verificados os pressupostos da dispensa, devem pedir decisão expressa sobre a questão em requerimento de reforma da decisão quanto a custas ou, havendo recurso da decisão final, nas respetivas alegações.
II. A reclamação da conta de custas não é o meio processualmente adequado à dedução da pretensão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
III. À luz do Regulamento das Custas Processuais, a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça recai sobre quem impulsiona os autos, seja como autor, como réu, ou com outro tipo de intervenção, e é independente da sucumbência.
IV. A conta do processo não determina o que as partes devem pagar em função do decaimento, antes se limita a apurar o saldo entre o que cada uma das partes devia ter pago ao longo do processo e aquilo que pagou.
V. A condenação em custas determina um acerto de contas entre as partes processuais, sem intervenção do tribunal.
No mesmo sentido, o Acórdão desta Relação de Lisboa de 20.09.2018, onde se referencia a jurisprudência constitucional no sentido da não inconstitucionalidade, e citamos:
“Por outro lado, e como também se refere nesse acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/7/2017, o Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional desta interpretação, tendo decidido, no seu acórdão 527/2016, de 4/10/2016 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas”.
Sendo certo que os fundamentos aí exaustivamente elencados, e que se mostram renovados no mais recente acórdão de 2/5/2018 do mesmo Tribunal Constitucional (igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que confirmou decisão sumária do seu relator, no mesmo sentido do já referido acórdão de 4/10/2016, apontam para a correcção da decisão ora recorrida.
Por outro lado, a A. não avançou com qualquer argumento decisivo para refutar este entendimento jurisprudencial dominante, tanto mais que nas conclusões que formulou centrou-se apenas na questão de fundo que pretendia ver decidida, defendendo que o não conhecimento da mesma configura uma violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da proporcionalidade, decorrentes dos art.º 20º, 2º e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
Mas, fazendo apelo à jurisprudência constitucional acima referida, logo se conclui pela conformidade da interpretação acima mencionada da norma do art.º 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais com os princípios constitucionais convocados pela A.
Ou seja, não se pode afirmar que só após o apuramento do valor remanescente de taxa de justiça a pagar (liquidado na conta a final), e sua subsequente notificação à parte, é que assiste à mesma o direito a requerer a dispensa do pagamento em questão, invocando as circunstâncias que conduzem à aplicação do disposto no nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais, antes se devendo afirmar que o exercício do mesmo está limitado temporalmente, devendo ser exercido até ao momento da elaboração da conta.
Pelo que, na confirmação do juízo de extemporaneidade do requerimento da A. constante da decisão recorrida, há que manter a mesma, ficando prejudicado o conhecimento da questão de fundo suscitada pela A., relativamente à verificação dos pressupostos para a dispensa do pagamento da quantia devida a título de taxa de justiça e apurada na conta de 20/7/2017, e assim improcedendo a apelação”. (fim de citação).
Ainda mais recentemente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 15.1.2019, vai no mesmo sentido, e sumaria, citamos:
“I – Segundo o disposto no artº 6º, nº 7 do RCP: “Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
II - Regra geral, as partes, mais a mais estando representadas por profissionais do foro, têm suficientes condições para anteverem o que lhes será exigido a título de remanescente da taxa de justiça, pelo que é antes de elaborada a conta que devem requerer a dispensa a que se reporta o artº 6º, nº 7, do RCP, sendo desajustado e extemporâneo fazê-lo em sede de reclamação da conta.
III - Se sendo caso de dispensar o pagamento do remanescente, o juiz deve, oficiosamente, declarar essa dispensa em decisão anterior à remessa dos autos à conta, o que faz sentido é que as partes também requeiram essa dispensa antes dessa remessa, designadamente quando confrontadas com uma decisão que, tendo-se pronunciado quanto às custas, nada referiu quanto a essa dispensa.
IV - O que terão de fazer as partes, então, é requerer a reforma da decisão quanto a custas, pedindo que, na decisão reformada, se as dispense do pagamento do remanescente de taxa de justiça.
V - Portanto, ou as partes suscitam a questão da aludida dispensa em requerimento precedendo a decisão que vai por termo ao processo e proferir decisão sobre custas, ou, não o tendo feito, resta-lhes a possibilidade de requererem essa dispensa quando forem notificados dessa decisão e constatarem que nela não foi referida aquela.
VI - O requerimento da parte solicitando uma tal dispensa, após ser notificada da conta de custas, em reclamação desta, não só é extemporâneo, como é desajustado, pois que tal reclamação, que é dirigida ao juiz, há-de reportar-se a acto ou omissão que não seja imputável a este, mas antes ao funcionário judicial contador e de que resulte uma desarmonia da conta com as disposições legais (nº 2 do artº 31º do RCP).
VII - Não pode, assim, o responsável pelas custas, em sede de reclamação da conta que venha a ser elaborada e que lhe seja notificada, requerer, nessa altura, a dispensa ou atenuação do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por estar em causa um valor desproporcionado, por esta possibilidade do art. 6º, nº7 contender com o trânsito em julgado da decisão final”. (fim de citação).
Por nossa parte, propendemos a concordar com a posição maioritária, sendo que o caminho processual delineado no sumário que acabamos de citar é linear.
Sem dúvida o nº 7 do artigo 6º do RCP veio introduzido para garantia da proporcionalidade, posta em crise pela aplicação duma regra abstracta de ligação entre o valor da causa e os escalões de taxa de justiça, fazendo intervir o tribunal, oficiosamente ou a pedido, a corrigir essa correspondência de modo a adequar o custo a pagar, ainda que pensado em termos de contribuição para o pagamento dos custos gerais do funcionamento do sistema de justiça, a valores mais ajustados ao serviço concretamente realizado.
O cálculo do remanescente a pagar – e estamos a falar de taxa de justiça, e não de outras componentes das custas – nas acções de valor superior a €275.000,00, pode ser feito antecipadamente, a partir do momento em que seja definitivamente fixado o valor da acção e em vista dos montantes já pagos a esse título, por mera consulta tabelar.
Depois, a questão da responsabilidade concreta, a questão da decisão judicial que reparte ou define a responsabilidade concreta pelas custas, não interfere com a possibilidade deste cálculo prévio, pois a taxa de justiça é devida, para com o tribunal, por ambas as partes, sendo que o mecanismo de correcção é feito pela possibilidade legal que tem a parte vencedora de pedir à parte vencida o reembolso do que pagou a mais, segundo a proporção de custas que o tribunal tenha fixado.
Por outro lado, o patrocínio judiciário é obrigatório para as causas que estejam em condições de integrar o nº 7 do artigo 6º do RCP, como resulta do artigo 40º do CPC.  
Significa isto que quem litiga em causas de valor superior a €275.000,00 pode sempre antecipadamente à decisão final, saber qual é o valor do remanescente de taxa de justiça a pagar. Pode, por isso, em face da actividade que se desenvolveu no processo, que fica conhecida, senão no encerramento da discussão ou com a decisão final em cada instância, pelo menos até ao momento anterior àquele em que é devida a elaboração da conta, fazer uma previsão sobre se os critérios que justificam a redução ou dispensa do pagamento do remanescente, além do próprio valor, estarão ou não manifestamente preenchidos, ou seja, se é ou não evidente que a situação concreta do processo é específica no sentido da simplicidade que implica a aplicação de um correctivo de proporcionalidade. Se, por via dos critérios outros que o valor da acção, designadamente pela duração do processo, pelo volume do processo, pelo número de recursos, não é evidente a desproporção, deve a parte interessada – desde logo porque, com o devido respeito por outras posições, o poder-dever do juiz não isentar a parte da sua própria responsabilidade na condução da sua melhor defesa – requerer a dispensa do pagamento do remanescente, concordando-se igualmente que o juízo de inconstitucionalidade por desproporção e impedimento de acesso à justiça não se estende à definição legal do momento até ao qual o pedido pode ser feito, e sobretudo não implica, de modo algum, que o pedido possa ser feito a todo o tempo, sem qualquer limite.
Entendemos assim que a resposta à primeira questão do recurso é a de que os pedidos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, devida por ambos os Réus, foram extemporâneos, e em consequência deve ser confirmada a decisão recorrida. Com efeito, nem sequer vemos, face a um processo deste valor, com 10 volumes, sete sessões de julgamento e recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, que seja manifesta a simplicidade da actividade desenvolvida pelo sistema de justiça, circunstância que poderia, segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que acima transcrevemos, justificar um momento excepcional de ponderação de inconstitucionalidade.
E com tal conclusão sobre a extemporaneidade, fica prejudicada a apreciação da segunda questão colocada em ambos os recursos, sobre se o pagamento do remanescente, tal como pedido, devia em concreto ter sido dispensado, isto é, se os pedidos formulados pelos Réus deviam ter, substancialmente, procedido.
Em suma, improcedem os recursos interpostos pelo Réu A (…) e pela Ré B (…).
Tendo decaído em cada recurso, são cada um dos recorrentes responsáveis pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam negar provimento aos recursos e em consequência confirmam a decisão recorrida.
Custas de cada recurso pelo respectivo recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2019

Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
Manuel Rodrigues (X)
(x) vencido, conforme declaração de voto abaixo)

Declaração de voto vencido:

Salvo o devido respeito pelos argumentos esgrimidos na posição que fez vencimento e pelas decisões de Tribunais Superiores em que se apoia, não a podemos acompanhar, pois de há muito
[4] que perfilhamos o seguinte entendimento, também ele com respaldo em diversos arestos de Tribunais Superiores, alguns deles elencados no acórdão[5]:
i)Decorre do n.º 7[6] do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP) que o despacho de dispensa do remanescente da taxa de justiça pode ter lugar até ser elaborada a conta do processo;
ii)Podendo esse despacho ser proferido “oficiosamente” na sentença, o mais curial, em face da prática judiciária de persistente omissão do uso do “poder-dever” previsto no artigo 6º, n.º 7, do RCP, é que a pronúncia judicial sobre tal matéria só ocorra quando a parte responsável pelo impulso processual, não condenada a final, seja confrontada com essa questão e a coloque para decisão judicial, na sequência da notificação para pagamento do remanescente da taxa de justiça “ex vi” do disposto no art.º 14º, n.º 9, do RCP[7];
iii)Omitindo o Tribunal a notificação prevista do n.º 9 do artigo 14º do RCP, a efectuar no decêndio posterior à notificação da sentença, o que sucedeu no caso em apreço, deverá ser permitido à parte suscitar a questão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6º, n.º 7, do RCP, após a notificação da conta de custas, aplicando-se, por analogia, as normas do incidente de reforma e reclamação da conta (artigo 31º do RCP);
iv)Ademais, a descrita omissão, como se ponderou no Acórdão desta mesma Secção (6ª), de 14-01-2016 (Desembargador Carlos Marinho), proc. n.º 7973/08.3TCLRS-A.L1.6, acessível em www.dgsi.pt. pode ter como consequência económica decisiva não poderem os demandantes incluir a quantia remanescente da taxa de justiça que assim lhes foi reclamada na sua nota discriminativa e justificativa das custas de parte, transferindo o encargo para quem realmente é considerado, à luz do decidido na sentença, responsável pelo pagamento das custas do processo;
v)Ainda na feliz expressão do citado Acórdão desta Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14-01-2016, que subscrevemos integralmente, “seria por demais injusto e gravemente atentatório do princípio do contraditório enunciado no art.º 3.º do Código de Processo Civil, considerar – face a uma sentença que omite (eventualmente sem qualquer desvalor face ao Direito constituído) o tratamento de uma questão e cria uma aparência distinta da que motiva a reacção e perante um subsequente lapso do Tribunal – que a parte surpreendida já nem sequer pudesse reagir porque o Tribunal não disse nada sobre o assunto na sentença. Seria esta, também, uma forma acabada de denegar o direito à tutela jurisdicional efectiva, garantido no n.º 1 do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 2 do art.º 2.º do Código de Processo Civil.”;
vi)A interpretação que teve vencimento, segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretenda beneficiar, após a elaboração da conta, afronta as garantias das partes de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, da equidade, da proporcionalidade e da igualdade, consagradas nos artigos 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa
vii)Finalmente, entendemos que a tese por nós propugnada é, em nossa modesta opinião, a que mais se adequa aos objectivos programáticos que estiveram subjacentes à reforma do sistema de custas judiciais implementada pelo Dec.-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro e reafirmada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, pela qual o legislador procurou adequar o “valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores (…)[8].
São estes, em suma, os fundamentos da minha discordância, que justificam o voto de vencido.
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2019
Manuel Rodrigues

[4]Assim decidimos amiúde, na 1ª Instância, por exemplo, em despacho proferido no dia 12/06/2014, na acção declarativa de condenação n.º 12062/12.3T2SNT, que correu seus termos pela extinta 1ª Vara de Competência Mista de Loures.
[5]A divergência jurisprudencial sobre o tema não é mais que uma inevitável consequência da variabilidade das situações jurídicas e de interpretação de leis.
[6]Aditado pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro.
[7]A taxa de justiça é “a prestação pecuniária que o Estado, em regra, exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou da qual beneficiem, ou seja, trata-se do valor que os sujeitos processuais devem prestar como contrapartida mínima relativa à prestação daquele serviço.” (cf. “Introdução” elaborada por SALVADOR DA COSTA e constante do seu “Regulamento das Custas Processuais”, 2ª ed., 2008, p. 6).
Os valores desse pagamento são os que decorrem da tabela I-A que faz parte integrante do RCP., sendo que ao tempo do devido pagamento pelas partes, estava em vigor um redacção dessa Tabela I-A que para as acções de valor superior a € 600.000,01 estabelecia uma taxa variável entre 20 a 60 UC, sucedendo que por força do disposto no art.º 6º nº6 do R.C.P. as partes liquidariam a taxa de justiça no seu valor mínimo.
Acontece que já na parte final do nº 6 deste normativo se estabelecia que devia a parte pagar o excedente da taxa de justiça, se o houvesse, a final.
Este comando foi mantido com a alteração ao RCP, operada pela Lei nº 7/2012 de 13 de Fevereiro, mas foi aditado um n.º 7 a esse art.º 6º, complementando e esclarecendo o regime aplicável neste particular, nos seguintes termos:
Nas causas de valor superior a (euro)275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
Decorre da disposição legal citada que o despacho de dispensa da taxa de justiça remanescente pode ter lugar até ser elaborada a conta do processo, sendo que podendo ele ser proferido “oficiosamente” na sentença, o mais curial é que um despacho sobre tal venha a ocorrer quando as partes sejam confrontadas com essa questão e a coloquem para decisão judicial, na sequência da notificação para pagamento da taxa de justiça remanescente “ex vi” do disposto no art.º 14º, n.º 9, do RCP.
O referido normativo, como refere Salvador da Costa «visa, excepcionalmente, atenuar a obrigação de pagamento da taxa de justiça em acções de valor mais elevado» (Regulamento das Custas Processuais, 4ª ed., p. 236).
[8]Cf. Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.

1 Comentário aos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.06.2017, disponível
https://blogippc.blogspot.pt.

[2] Ibidem.
[3] Notas de rodapé do acórdão acabado de citar, e relativas ao trecho citado:
[1]Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-10-2015, Processo 6431-09.3TVLSB-A.L1-6, in www.dgsi.pt; no mesmo sentido Acs. do T.R. Lisboa de 16/03/17, relatora Ondina Carmo Alves, 473/15.7T8LSB.L1-2, de 15/10/15, 6431-09.3TVLSB-A.L1-6 (relator António Martins), 22/06/2016 , relatora Carla Mendes, Proc. 1105/13.3T2SNT.L1-8, de 16/06/2015, no proc. nº 2264/06.7TVLSB-A.L1-1, de 15/10/2015, no proc. nº 6431-09.3TVLSB-A.L1-6, de 15/10/2015, no proc. nº 6431-09.3TVLSB-A.L1-6, de 28/04/2016, no proc. nº 473/12.9TVLSB-C.L1-2, de 19/05/2016, proc. nº 670/14.2T8CSC.L1.-2, de 16/03/2017, proc. 473/15.7T8LSB.L1-2; Ac. T. R. Guimarães de 04/05/2017, 4958/15.7T8GMR-J.G1; Ac. do T.R. Coimbra de 14/03/17, Proc. nº 3943/15.3T8LRA-B.C1; Ac. Supremo Tribunal Administrativo 1ª secção, relatora Ana Paula Portela de 20/10/15, Proc. nº 0468/15, Ac. STA de 19/10/16, relator Casimiro Gonçalves, proc. nº 0586/16, Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 16/12/15, Proc. nº 09173/15, Ac. STA de 29/10/2014, relator Aragão Seia, Proc. nº 0547/14 e Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/2017, relator Lopes do Rego, 669/10.8TBGRD-B.C1.S).
[2]Acórdão da Relação de Lisboa, de 07.11.2013, proc. nº 332/04.9TBVPA.P1; Acórdão da Relação de Lisboa, 03.12.2013, proc. nº 1586/08.7TCLRS-L2.7; Acórdão da Relação de Guimarães, de 27.3.2014, proc. nº 612/09.7TBVCT.G2; Acórdão da Relação de Coimbra, de 29.4.2014, proc. nº 2045/09.6T2AVR-B.C2; Acórdão do STA, de 21.5.2014, proc. nº 0129/14; Acórdão da Relação do Porto, de 30.9.2014, proc. nº 2424/07.3TBVCD-A.P1; Acórdão da Relação de Guimarães, de 14.5.2015, proc. nº 464/09.7TBPVL-A.G1, Ac. do Tribunal R. Lisboa de 14/01/16, relator Carlos Marinho, proc. nº 7973-08.3TCLRS-A.L1-6 e Ac. do STJ de 12/10/17, relator Salazar Casanova, 3863/12.3TBSTS-C-P1.S2.
[3] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-04-2016, Processo 473/12.9TVLSB-C.L1-2.”.